Percival Puggina

19/06/2010
Quem acompanhou com algum interesse o processo constituinte ocorrido no Brasil ao longo dos anos de 1987 e 1988, provavelmente recordará das expressões Centrão e buraco negro. Centrão designava o grupo majoritário que se organizou para fazer andar os trabalhos e conter, na medida do possível, as maluquices tentadas pela esquerda. Aqueles dois anos de debates decisivos para o futuro do país transcorreram logo após o fim do regime militar. A esquerda, derrotada na luta armada, chegava ao pote das decisões legislativas com voracidade ideológica e fome de poder, desencadeando uma tentativa furiosa de implantar seu programa valendo-se da pressão exercida pelas massas de manobra que começava a articular no país. Foram milhares de embates parlamentares, demorados e difíceis, nos quais o Centrão desempenhou papel que a história, sempre redigida em nosso país com a canhota, deixou de valorizar. Mas anote aí: a economia de mercado, a iniciativa privada, o direito de propriedade e outras garantias constitucionais foram resguardados no Brasil graças à atuação dos líderes do Centrão, entre os quais o brilhante deputado do PMDB gaúcho, Luis Roberto Ponte. Noutra ponta do mesmo novelo, o grupo conseguiu maioria para suprimir alguns - poucos, muito poucos - verbetes do longo dicionário de regalias e privilégios a cuja distribuição o processo constituinte serviu esplendidamente. Naqueles dois anos de deliberações, o Congresso Nacional atraía corporações como o açucareiro atrai essas minúsculas formiguinhas domésticas (com a diferença de que o açúcar era pouco e as formigas imensas e insaciáveis). Na década seguinte, a carga tributária brasileira duplicou. Buraco negro, por sua vez, era a expressão usada para definir situações em que, havendo mais de duas propostas em relação a um mesmo tema, não se chegava a um acordo sobre qual delas deveria ir à votação em plenário com possibilidades de alcançar a necessária maioria. A alternativa mais usada para solucionar os buracos negros que se empilharam para os últimos dias do longo processo deliberativo foi redigir preceitos bem genéricos, vagos, acompanhados de regras estabelecendo que tais temas seriam objeto das disposições de futuras leis complementares. Qualquer estudante de Direito, mais ou menos esclarecido, perceberá que se no processo constituinte não havia maioria necessária para votar essas matérias, elas jamais deveriam fazer parte da Constituição, lugar de estar dos consenso e não dos dissensos de uma sociedade política. Pois entre esses buracos negros estava o tal imposto sobre grandes fortunas, uma das tantas ideias dos jericos que deixaram suas marcas na Constituição Federal. Passados 21 anos, no último dia 9 de julho, a CCJ da Câmara dos Deputados aprovou a criação do referido imposto. É o primeiro passo na direção da transformação em lei do projeto que dispõe sobre o assunto. A ideia foi muito bem combatida em textos recentes e esclarecedores de Gilberto Simões Pires e Alfredo Marcolin Peringer. O primeiro mostra que se alguém, na eventual vigência da mencionada lei, esbanjar R$ 2 milhões em cassinos, farras, banquetes e safáris, não pagará imposto sobre tal montante, mas se o poupar, investir, criar um negócio, terá que acertar contas com o Leão... O segundo, lembra o velho axioma de acordo com o qual não se beneficia os pobres empobrecendo os ricos porque, nas palavras do autor, a tributação sobre os ricos atinge relativamente mais os pobres: reduz o capital intermediário, inibe a poupança, os investimentos e os empregos. Verdade cristalina. No entanto, a CCJ da Câmara aprovou essa tolice por unanimidade, o que aumenta o risco de que venha a ser acolhida em futuras votações e no Senado. Eu quero adicionar uma observação ao que já vem sendo dito por economistas e tributaristas. Diferentemente do que alegam aqueles que aprovaram o projeto, ele apenas cria mais um imposto, a incidir sobre patrimônio gerado por rendimentos ou salários já tributados. E dizer, leitor, que os parlamentos surgiram na história como instrumentos para controlar a ganância fiscal dos governos... ___________________________________________________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

19/06/2010
A reportagem especial de ZH na edi? da ?ma segunda-feira me deixou preocupado. Tudo indica que o novo C?o de Processo Penal, inibindo a coloca? de algemas, jogar? pol?a ao desabrigo, dar?ais regalias aos r?, dificultar? vida do Minist?o P?co, ampliar?ara oito o n?o de jurados e o placar para condena? subir?e 4 a 3 para 5 a 3. Por a?ai. Mais dia, menos dia, vamos colocar tornozeleira na Pol?a, algemar os promotores e estabelecer quota m?ma de senten? condenat?s por magistrado. Excedo-me na ironia? Sa?a casinha? No Brasil, nada ?ais realista do que o completo absurdo, caro leitor. Lembra-se do caso da professora de Viam? Ela quis educar seus alunos, fez o rapazinho repintar o que escrevera nas paredes da escola e, em duas semanas, estava diante das institui?s, obrigada a engolir as pr?as palavras e a penitenciar-se. Por um triz n?a obrigaram a escrever cem vezes no quadro negro: N?devo disciplinar meus alunos. Estivesse vendendo droga na escola tudo seria mais frouxo, mais vagaroso e ela contaria com maior prote?. Nesta terra, disparate ? sensatez! Uma coisa ?mpliar o leque das penas alternativas ?de pris?(desde que restritas a delitos de pequena lesividade, cometidos por r? n?reincidentes). N?creio que algu?discorde disso. Outra, bem diferente, ?avorecer a pachorra dos processos, como pretende a ideia de criar um recurso ordin?o j?a apresenta? da den?a, ou inibir ainda mais as possibilidades de pris?antes da condena?, ou inventar a necessidade de dois ju?s para cada processo penal. Nossa jurisprud?ia manuseia as garantias constitucionais sempre em detrimento das que se referem ?eguran?p?ca. Toda vez que passo na rua por um desses pobres carroceiros que, como se fossem animais de tra?, puxam as pr?as cargas para os locais de reciclagem, me vem ?ente a quest?da criminalidade. A mesa do carroceiro n??arta, o agasalho ?ouco, a habita? ?rec?a, a vila n??alubre e o trabalho ?ur?imo. Ao lado, bem perto, operam traficantes e suas redes. T?do bom e do melhor. Mas o carroceiro segue puxando seus fardos e contando centavos porque prefere ganhar a vida trabalhando. Combater a criminalidade, agilizar os processos, eliminar a impunidade e endurecer as penas ?inal de respeito a essa refer?ia moral emergente no pa? ?por ele, pelo carroceiro, que escrevo este artigo. E tamb?porque sou portador de uma anomalia que me faz ser a favor da sociedade e contra a bandidagem. No entanto, a cada dia, aumenta o n?o daqueles que estendem o dedo duro para n?o povo, indigitando-nos como principais culpados pelos males que a inseguran?nos imp?N?voc? eu, leitor, ser?os v?mas da nossa pr?a perversidade e os grandes respons?is, tanto pela situa? do papeleiro quanto pela op? do traficante, do ladr? do assaltante e do homicida. Por isso, falando em nome de muitos, de poucos ou apenas no meu pr?o, gostaria de conhecer a natureza do delito que nos imputam, dado que j?stamos devidamente desarmados pelas exig?ias que cercam a posse de qualquer arma, encarcerados por grades de prote? e temos as m? contidas pelas algemas da impot?ia c?ca. N??eremos que nos permitam progress?para o semiaberto, puxa vida! ZERO HORA, 20/06/2010

Percival Puggina

19/06/2010
Quem acompanhou com algum interesse o processo constituinte ocorrido no Brasil ao longo dos anos de 1987 e 1988, provavelmente recordar?as express?Centr?e buraco negro. Centr?designava o grupo majorit?o que se organizou para fazer andar os trabalhos e conter, na medida do poss?l, as maluquices tentadas pela esquerda. Aqueles dois anos de debates decisivos para o futuro do pa?transcorreram logo ap? fim do regime militar. A esquerda, derrotada na luta armada, chegava ao pote das decis?legislativas com voracidade ideol?a e fome de poder, desencadeando uma tentativa furiosa de implantar seu programa valendo-se da press?exercida pelas massas de manobra que come?a a articular no pa? Foram milhares de embates parlamentares, demorados e dif?is, nos quais o Centr?desempenhou papel que a hist?, sempre redigida em nosso pa?com a canhota, deixou de valorizar. Mas anote a?a economia de mercado, a iniciativa privada, o direito de propriedade e outras garantias constitucionais foram resguardados no Brasil gra? ?tua? dos l?res do Centr? entre os quais o brilhante deputado do PMDB ga?, Luis Roberto Ponte. Noutra ponta do mesmo novelo, o grupo conseguiu maioria para suprimir alguns - poucos, muito poucos - verbetes do longo dicion?o de regalias e privil?os a cuja distribui? o processo constituinte serviu esplendidamente. Naqueles dois anos de delibera?s, o Congresso Nacional atra?corpora?s como o a?areiro atrai essas min?las formiguinhas dom?icas (com a diferen?de que o a?ar era pouco e as formigas imensas e insaci?is). Na d?da seguinte, a carga tribut?a brasileira duplicou. Buraco negro, por sua vez, era a express?usada para definir situa?s em que, havendo mais de duas propostas em rela? a um mesmo tema, n?se chegava a um acordo sobre qual delas deveria ir ?ota? em plen?o com possibilidades de alcan? a necess?a maioria. A alternativa mais usada para solucionar os buracos negros que se empilharam para os ?mos dias do longo processo deliberativo foi redigir preceitos bem gen?cos, vagos, acompanhados de regras estabelecendo que tais temas seriam objeto das disposi?s de futuras leis complementares. Qualquer estudante de Direito, mais ou menos esclarecido, perceber?ue se no processo constituinte n?havia maioria necess?a para votar essas mat?as, elas jamais deveriam fazer parte da Constitui?, lugar de estar dos consenso e n?dos dissensos de uma sociedade pol?ca. Pois entre esses buracos negros estava o tal imposto sobre grandes fortunas, uma das tantas ideias dos jericos que deixaram suas marcas na Constitui? Federal. Passados 21 anos, no ?mo dia 9 de julho, a CCJ da C?ra dos Deputados aprovou a cria? do referido imposto. ?o primeiro passo na dire? da transforma? em lei do projeto que disp?obre o assunto. A ideia foi muito bem combatida em textos recentes e esclarecedores de Gilberto Sim?Pires e Alfredo Marcolin Peringer. O primeiro mostra que se algu? na eventual vig?ia da mencionada lei, esbanjar R$ 2 milh?em cassinos, farras, banquetes e saf?s, n?pagar?mposto sobre tal montante, mas se o poupar, investir, criar um neg?, ter?ue acertar contas com o Le?.. O segundo, lembra o velho axioma de acordo com o qual n?se beneficia os pobres empobrecendo os ricos porque, nas palavras do autor, a tributa? sobre os ricos atinge relativamente mais os pobres: reduz o capital intermedi?o, inibe a poupan? os investimentos e os empregos. Verdade cristalina. No entanto, a CCJ da C?ra aprovou essa tolice por unanimidade, o que aumenta o risco de que venha a ser acolhida em futuras vota?s e no Senado. Eu quero adicionar uma observa? ao que j?em sendo dito por economistas e tributaristas. Diferentemente do que alegam aqueles que aprovaram o projeto, ele apenas cria mais um imposto, a incidir sobre patrim? gerado por rendimentos ou sal?os j?ributados. E dizer, leitor, que os parlamentos surgiram na hist? como instrumentos para controlar a gan?ia fiscal dos governos... ___________________________________________________________ * Percival Puggina (65) ?rquiteto, empres?o, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no pa? autor de Cr?as contra o totalitarismo e de Cuba, a trag?a da utopia.

Percival Puggina

12/06/2010
Quem escreve este artigo gosta de futebol, é torcedor do Internacional (cada um com os seus problemas, não é mesmo?), vibra com a seleção brasileira e estará na frente da telinha (já nem tão telinha assim, admita-se) em todas as partidas da Copa que puder assistir. Portanto, não me acusem de abordar este tema na mesma perspectiva de quem seja contra desfile de escola de samba porque não gosta de samba nem de desfile. Não é o meu caso. Não sou contra a Copa do Mundo. Sou contra a realização da Copa do Mundo na África do Sul. E no Brasil. Let it be!. Pois que seja, respondeu o bispo anglicano Desmond Tutu, meses atrás, quando lhe perguntaram se a dezena de estádios caríssimos que seu país estava construindo para acolher os jogos não iria redundar numa manada de white elephants, que se tornaria, logo ali adiante, objeto da mais infrutuosa apreciação. A pergunta fazia todo sentido e a resposta do bispo é a cara do Terceiro Mundo. Let it be! A FIFA impõe aos países eleitos para acolher seu empreendimento exigências que só se cumprem despejando bilhões de dólares nas betoneiras das construtoras e nos altos fornos das siderúrgicas. Se fosse bom negócio, não faltariam empreendedores interessados em bancar a festa porque sobra no mundo dinheiro com tesão para o crescei e multiplicai-vos. O evento da FIFA, no entanto, precisa dos governos em virtude da insaciável atração que essas instituições têm por negócios que fecham no vermelho. A entidade promotora reserva-se o filé: os direitos de transmissão e os patrocínios oficiais, que negocia e protege com todo rigor. Na África do Sul chegou a processar uma fabriqueta de pirulitos que envolveu o sofisticado produto num papel onde se via uma bola de futebol, a bandeira do país e o número 2010. Nada contra a FIFA, porém. Ela tem todo o direito de zelar pelos seus interesses e o futebol mundial precisa da entidade. Meu problema é com os países pobres que se oferecem de pato a ganso para sediar o principal evento do futebol mundial. E jogam bilhões e bilhões de dólares na fogueira das vaidades nacionais, no picadeiro do circo, em busca de uma vitrina tão iluminada quanto fugaz, para inglês ver. A África do Sul é um país com indicadores sociais aviltantes. Seu índice de mortalidade infantil consegue ser o dobro do brasileiro. A expectativa de vida não chega a 50 anos. E está custeando um dos dois mais onerosos shows do planeta para que eu assista em casa, de graça, com todos os requintes da mídia eletrônica. Bom para mim, mas não tão bom assim para os sul-africanos. Ao ver as muitas matérias sobre a África do Sul (parecida com nosso país em tantos aspectos!) veio-me à mente a situação dos que vivem da aparência, ostentam o que não podem custear e trocam minutos de aprovação social pela rotina das ações de cobrança. Casaco de veludo e fundilhos de fora, dizia-se lá na minha Fronteira. Construam-se os Coliseus. Venha o circo. E mande-se a imensa conta para os pobres e deserdados, através dos muitos caminhos inventados pelos peritos na velha arte de lhes transferir tais custos mediante impostos caros e serviços deficientes. ___________________________________________________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

06/06/2010
Estou há alguns dias em viagem de férias. Visitei Holanda, Bélgica, Alemanha e Dinamarca, rodando de carro. Esse passeio reiterou uma percepção colhida em outras viagens assim, a estes e a outros países, nos últimos anos: a Europa vive em obras! O Velho Continente parece empenhado em um processo de renovação. Tudo indica que em breve, com o péssimo estado de tudo que é público no Brasil, o Velho Mundo estará novo e o Novo Mundo estará velho. Bem, isso é uma constatação para os europeus. Mas, em contrapartida, a quantidade de obras públicas, o volume dos melhoramentos sendo feitos em rodovias excelentes para os nossos padrões, sugere uma demasia. É quase impossível encontrar um ângulo para fotografar sem que apareçam tapumes, guindastes e containers. Mas isso talvez explique os crescentes déficits públicos que agora preocupam a União Européia e a zona do Euro. Fico com a impressão de que este países se acostumaram a gastar demais. É muita obra! O Editor

Percival Puggina

06/06/2010
Tomo emprestado para este artigo o nome de um livro de Roberto Campos. A imagem da lanterna iluminando a esteira deixada pelo barco enquanto a proa abre caminho nas trevas é uma das permanentes analogias nacionais. A próxima eleição presidencial é, apenas, o mais recente exemplo. O país do futuro traz o passado como chiclete na sola do sapato. Tudo está sendo conduzido para que o pleito se transforme numa espécie de plebiscito em que o eleitor votará como se estivesse escolhendo entre os governos de Fernando Henrique e Lula. Lula ou FHC? FHC ou Lula? Nenhum dos dois estará com a foto na urna eletrônica e a disputa se dará entre diferentes arranjos políticos, envolvendo pessoas ainda mais diferentes. Teimosamente, a lanterna nega foco ao futuro e a seus verdadeiros protagonistas. Admito, é uma estratégia. Mas, convenhamos, é quase uma fraude. Os governistas pretendem provar a superioridade do governo Lula em relação ao de FHC, como se fosse possível comparar gestões transcorridas em circunstâncias tão distintas. Não é. Conduzir as campanhas por essa trilha significa levar a nação a uma escolha alheia ao cardápio eleitoral. Equivale a promover uma eleição psicografada por personagens que saíram do palco. Ou, pura e simplesmente, é ser levado naquela conversa de comprar Evita por Perón e Cristina por Nestor. Não tenho dúvidas de que essa estratégia acabará imposta ao pleito, mesmo que só possa funcionar com fatos submetidos a requintes de prestidigitação publicitária. Afinal, nem mesmo a tropa de choque do PSDB no Senado fez por FHC entre 1995 e 2002 o que Lula lhe proporcionou ao ficar no posto, de 2003 a 2010, sem mudar uma vírgula das diretrizes centrais do governo ao qual sucedeu. Uma decisão como essa de dar continuidade às linhas implementadas por aquele a quem fazia feroz oposição fornece ao observador que não se deixa enganar um bem testemunhado e sincero reconhecimento do valor de tais políticas. Lula se tornou o mais fiel seguidor de FHC! Fez alguma coisa melhor, outras pior, o filoesquerdismo chique engrossou, mas a essência de tudo foi preservada. Então, que raios de estratégia é essa que pretende transformar a eleição de 2010 numa réplica da de 2002? Simples, meu caro Watson. Uma coisa é o que de fato aconteceu nos últimos anos, graças à manutenção de políticas corretas, ao longo do tempo, sob o benefício de circunstâncias favoráveis, enquanto elas se mantiveram. Outra, bem diferente, é o resultado da desconstrução de imagem que a agitprop petista fez com FHC depois de perder para ele duas eleições consecutivas. Trata-se de verdadeiro paradoxo, apoiado apenas na capacidade de comunicação de Lula. O presidente, todos sabem, consegue arrancar aplausos do auditório até quando, num mesmo discurso, diz A e o contrário de A. Com a maior desenvoltura, fala em tom professoral sobre tudo que convém ainda que nada saiba sobre o assunto. E age como se tivesse ocorrendo na China e sendo publicado em árabe, tudo que não lhe convém, ainda que esteja perfeitamente a par. Foi assim, com esse talento, que ele deletou, numa frase, o lero-lero demagógico com que atacou a imagem do governo FHC. Era tudo bravata. Coisa muito louca isso que vem por aí: um novo pleito entre Lula e FHC, assim proposto pelo primeiro, que é o principal beneficiário e o mais ortodoxo seguidor do segundo. ZERO HORA, 06 de junho de 2010

Percival Puggina

22/05/2010
Aqueles que causam o escândalo são culpados de assassinato espiritual. Aqueles que acolhem o escândalo, permitindo que destrua sua fé, são culpados de suicídio espiritual (S. Francisco de Sales, citado pelo Pe. Roger J. Landry). Entre os muitos chamados, apenas 12 foram escolhidos. Pessoalmente escolhidos por Jesus. Seleção feita a dedo. Tu, tu e tu. Pois ali mesmo, entre os doze, houve um traidor. Fraquezas e traições humanas não são incomuns na vida da Igreja. Entretanto, como lembra o mencionado padre Roger em belo sermão, se o escândalo de Judas tivesse sido a única coisa com que os membros da Igreja primitiva houvessem se preocupado, a Igreja teria acabado antes de começar. Diante de acontecimentos reprováveis é comum ouvir-se: São coisas que acontecem!. No entanto, muitas dessas coisas só acontecem porque, quando acontecem, a gente apenas diz que são coisas que acontecem. Creio, diferentemente, que erros têm que ser corrigidos e que a responsabilidade pelas retificações e penalidades recai sobre as autoridades em cuja jurisdição ocorrem. Misericórdia com o pecador não é quitação do criminoso perante a Justiça. Ponto. Voltemos à Igreja. No século 15, de baixo para cima e de cima para baixo, a cobiça, o apego ao poder e a devassidão dominaram parcela do clero, do episcopado, da cúria romana e alcançaram alguns papas. Inocêncio VIII teve dois filhos. Alexandre VI, além de ter sido um corrupto, vendilhão de indulgências, teve nove filhos com seis mulheres. Aquela terrível crise se prolongou por quase cem anos. Mas é em épocas assim que emergem multidões de santos para suscitar as mudanças necessárias. E o século 16 ficou conhecido como o que mais santos produziu. As denúncias e os fatos que chegam ao nosso conhecimento nestes dias, com toda sua gravidade, envolvem raríssimos colegas de D. Lugo e alguns presbíteros (entre quase meio milhão de religiosos em atividade no mundo). Quem aposta no descrédito da Igreja joga nessa fração contra o todo. E toma um bonde muito errado. A Igreja persistirá como luz da História e como instituição incomparável a qualquer outra, por palavras, obras e vocação. Também erra feio quem pretende atribuir às exigências da castidade os gravíssimos problemas que estão sendo revelados. Promíscuos, pervertidos e tarados de beco, em todos os tempos, e nas mais diferentes esferas da atividade humana, são frutos do hedonismo. Não são frutos do celibato nem da castidade. Ora, convenhamos! Acontece que, para a contracultura da ganância, do poder e do prazer, resulta intolerável que tantos homens e mulheres, livremente, por amor a Deus e ao próximo, prefiram a pobreza, a obediência e a castidade. Quanto desprezo à virtude! Contudo, quem quiser escrever meia página honesta sobre os seres humanos que mais contribuíram para elevar a humanidade, com generosa dedicação aos seus semelhantes, haverá de encontrar, a cada passo, a multidão dos que, através dos séculos, voluntariamente, assumiram os encargos e as alegrias da vida religiosa. Paradoxalmente, na realidade do mundo em que vivemos, esses santos do cotidiano tornam-se vítimas da maledicência dos que são incapazes de entender a virtude e não têm metade da bravura necessária para dizer não a si mesmos. Nessa contracultura, São Francisco de Assis seria visto como um oprimido ou degenerado... Especial para ZERO HORA

Percival Puggina

21/05/2010
Pessoas inteligentes não devem apresentar tolices como se argumentos fossem. Quando fazem isso é por pura e simples má fé. Por desonestidade intelectual. E o pior é que funciona. Repita-se uma tolice insistentemente nos meios de comunicação e, em breve, verdadeira multidão estará dizendo a mesma coisa. A sensatez é bem menos contagiante do que a tolice. Veja-se este exemplo. Certamente, por tanto ouvir, o leitor conhece a afirmação de cor e salteada: ?O Brasil é um Estado laico. Portanto, quem não quiser fazer aborto que não faça, mas não queira impor a proibição aos demais?. Hein? Quantas vezes você já ouviu essa patacoada, repetida por gente de sebo e lustro intelectual? No entanto, trata-se de algo sem pé nem cabeça. Aceitar tal dito como argumento implica acolhê-lo para outras situações análogas. Assim: ?Quem não quiser espancar a mulher, abandonar os filhos, apropriar-se do alheio, ter várias esposas, andar nu na rua, fazer sexo em público, matar seus inimigos, que não o faça, mas não queira impor aos demais essas vedações da moral cristã. O Brasil é um estado laico?. O Brasil é, de fato, um Estado laico. Como devem ser os Estados modernos. Mesmo assim, a maioria das proibições (e também dos direitos) vigentes no país corresponde a direitos e proibições acolhidos pela moral cristã, como se viu no brevíssimo sumário acima. A lista completa é imensa. E nem por isso tem a vigência sustada em virtude de sua conformidade com determinada moral religiosa. A condição de Estado laico significa coisa bem diferente do que pretendem os enunciadores de tais tolices. Significa, por exemplo, que se o Congresso Nacional legalizar a poligamia, os setores inconformados da sociedade poderão se mobilizar, questionar o preceito perante o STF, sapatear de indignação. No entanto, por mais que a moral cristã repila tal prática, por mais que a poligamia contribua para o servilismo feminino, se o Supremo a referendar, ela passa a valer. E ponto final. Em relação ao aborto é a mesma coisa. Quando a somali Ayaan Hirsi Ali, autora do livro Infiel, conseguiu fugir para a Holanda, percebeu que nas famílias imigrantes de países fundamentalistas islâmicos persistiam as práticas abusivas contra a dignidade feminina (inclusive infibulação e espancamento). Deu início, então, a uma campanha para tornar obrigatória aos imigrantes a sujeição às leis holandesas, o que implicou considerar delituosos aqueles procedimentos. Pergunto: não seria uma rematada tolice contrapor à brava somali (que acabou deputada no parlamento holandês) que a Holanda era um Estado laico onde quem quisesse moer a mulher de pancada poderia fazê-lo se estivesse habituado a outro código moral ou religioso? Não se alegue que o aborto difere dos demais casos porque envolve um direito da mulher. Também isso é falso. Assim como o suposto ?direito? de o marido castigar a esposa atinge o direito da esposa à própria dignidade, o ?direito de abortar? (muito mais gravemente ainda) atinge o direito à vida de outro ser humano. E o direito à vida cobra suprema proteção legal! Aliás, a última pesquisa feita no Brasil pelo Datafolha sobre o assunto, em 2003, mostrava que a população feminina (65%) era ainda mais contrária ao aborto do que a masculina (63%). Mas cá entre nós, sei que não adianta argumentar. Os propagadores de tolices estão interessados, apenas, em vencer e convencer, ainda que às custas da razão, da verdade e das vidas alheias. _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

16/05/2010
Meus leitores habituais talvez recordem do artigo que escrevi recentemente com o título Os culpados pela pobreza (1). Nesse texto, entre as causas da constrangedora miséria persistente no país, incluí os luxos e requintes de certos palácios construídos para acolher os altos escalões dos poderes da república. E citei como exemplo o prédio do TSE em Brasília, uma obra de R$ 328 milhões na qual o escritório do comunista Oscar Niemayer abocanhou R$ 5 milhões, graças ao monopólio de projetos que estabeleceu sobre a Capital. Esse relato suscitou reação indignada de um leitor que se confessou comunista e me interpelou sobre a fonte de tão destrambelhada e escandalosa informação. Esclareceu-me que Niemayer era um comunista convicto, que vivia com simplicidade e destinava seus bens aos necessitados. E me adiantou que havia tentado, sem êxito, falar com o mestre (com quem sugeria manter relações de camaradagem) para adverti-lo sobre minhas aleivosias. Niemayer não o atendera, disse-me, por estar hospitalizado. Em resposta, indiquei-lhe algumas palavras que, digitadas no Google, lhe forneceriam, em abundância, a confirmação do que eu escrevera. Horas depois o velho comunista retornou em outro tom. Se Niemayer havia cobrado aquele robusto valor era porque o projeto valia isso mesmo, tanto assim que a proposta fora aceita pelo governo. Pronto! De uma hora para outra, perante o mesmo fato, a indignação desapareceu dando lugar a uma justificativa. Sem se dar por vencido, contudo, fez emergir nova suspeita sobre meu texto: de onde tirara eu que o velho arquiteto exercia um monopólio sobre os projetos públicos na capital da república? Que irresponsabilidade minha! Com toda a paciência, ensinei-o a encontrar ainda mais abundante informação sobre o assunto. Quando eu estava dando o papo por encerrado, o sujeito volta à cena, numa repetição da farsa anterior, transmudando a indignação em explicação: Oscar Niemayer era o maior arquiteto do país e tinha todo o direito de projetar em Brasília quantos prédios quisesse. E, mais uma vez, fingiu-se de vitorioso, denunciando que um dos relatos sobre esse monopólio estava em coluna do jornalista Cláudio Humberto (jornalista do presidente Collor, Dr. Puggina, que horror!). E com esse achado na gaveta dos argumentos ele pretendeu desqualificar dezenas de informações sobre o mesmo assunto. Camarada é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito. Achei-me, então, no direito e na obrigação de desmascarar toda aquela retórica de botequim da Lapa. Mostrei-lhe o quanto sua ética estava submetida ao partido, à ideologia e à propaganda. Disse-lhe que os comunistas nunca agiram de outro modo. Afirmei-lhe que, com essa ética, haviam matado 100 milhões de pessoas no século passado sem que uma sequer lhes pesasse na consciência porque, afinal, tudo se tornava justo e santo no sagrado interesse do partido e da ideologia. E lhe pedi, dado que ele me alinhava entre seus desafetos, que, tendo oportunidade, me poupasse a vida. Por que relato este diálogo travado por e-mail? Porque eu o considero absolutamente característico da moralidade dos militantes comunistas, que muitos insistem em afirmar que, ou não existem, ou, se existem, são diferentes disso aí. (1) www.puggina.org/artigos/percival_puggina-os_culpados_pela_pobreza.php _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.