Percival Puggina

16/02/2011
Não fosse pela Finlândia, o sistema pelo qual nós elegemos nossos deputados seria único no mundo. E se enquadraria no preceito segundo o qual se algo só existe no Brasil e não é jabuticaba deve ser besteira. E é. Por uma razão muito simples como veremos a seguir. Graças a esse sistema, ante a proximidade do processo eleitoral, os mais poderosos e articulados grupos de interesse e segmentos sociais do país se mobilizam para a tarefa política de escolher e eleger seus representantes. Os eleitos por esse mecanismo compõem poderosas bancadas que operam com unidade e vigor superiores aos dos partidos políticos, tendo por tarefa primordial zelar pela felicidade dos seus representados. Não é preciso luneta nem lanterna para ver que esse tipo de representação deveria ser evitado em vez de estimulado. Mas não é bom que os interesses dos grupos sociais sejam cuidados no parlamento?, perguntará o leitor menos afeito a esses temas de modelagem institucional. Não, é péssimo. Por várias razões. É nesse jabuticabal que os privilégios são concebidos e transformados em direitos adquiridos. É nesse jabuticabal que se instala escabroso balcão de negociações. É nele que operam os abusos do poder econômico, que se aloja profundo desinteresse por tudo que envolva o bem comum, que se corrompem os procedimentos e que as convicções rolam com as águas das sarjetas. E é nele, por fim, graças ao engenho e à arte de conceder vantagens a alguns encaminhando a conta ao restante da sociedade, que se constroem longevas carreiras políticas a despeito dos escândalos atribuídos a tantos de seus operadores. Os dois principais grupos que se pode distinguir nas nossas massas votantes são: 1º) o dos que votam em qualquer um (e qualquer um é o tipo de sujeito capaz de qualquer coisa), e 2º) o dos que votam em alguém para lutar por seus interesses pessoais e grupais. Os primeiros, os que votam em qualquer um, são um caso perdido. Os segundos, um pouco menos. Mas é à soma dos dois que a Câmara dos Deputados deve sua crescente desqualificação. E é devido a ela que o bem comum resulta vítima de um verdadeiro bullying no plenário do parlamento. Contemple os impostos que você paga e saiba: boa parte dessa conta se formou graças ao mecanismo que aqui descrevo. Só isso bastaria para que os eleitores conscientes incluíssem certos tópicos da reforma política como condições indispensáveis à definição de seu voto. Um sistema de eleição não proporcional, majoritário, tipo distrital, por exemplo, produziria mais representantes comprometidos com o bem comum. Por outro lado, há um incontornável paradoxo na conduta da massa votante interesseira. Se ela considera moralmente aceitável assumir como critério decisivo de voto a melhor representação de suas conveniências, como pode reprovar os parlamentares quando se põem a defender as conveniências deles mesmos? Sob essa ótica e ética, por qual razão deveriam os indivíduos políticos flagelar sua espontânea cobiça? Se todos podem legitimamente valer-se da política para cuidar do seu lado, se eleição fosse para isso, por que se imporia aos políticos o dever de descuidar do seu próprio lado? Muitos que os reprovam, estão, na prática dizendo assim: gente egoísta, só pensam em si, não pensam em mim... Eis por que somos o país dos egoísmos e privilégios, no qual, cada vez mais, rareiam os estadistas. ZERO HORA, 13/02/2011

Políbio Braga

15/02/2011
A volta do dragão da inflação é culpa exclusiva do governo Lula/Dilma (Do site de Políbio Braga) Há várias semanas o editor vem insistindo em dois pontos sobre o cenário econômico: 1) a inflação está subindo muito. 2) a economia patina. . As causas dos dois problemas podem ser encontradas na infernal gastança pública patrocinada pelo governo Lula. . A revista Veja desta segunda-feira toca o dedo na ferida, ao constatar: ?O governo passado comprou com dinheiro público cada ponto de aprovação e cada ponto que determinou a vitória de Dilma Roussef?. . O serviço sujo que a presidente Dilma Roussef promove desde que assumiu, dando pauladas sucessivas no crescimento econômico e cortando na carne os gastos públicos, é herança maldita que ela mesma ajudou a construir e da qual se beneficiou diretamente. . O conjunto de medidas destinadas a desacelerar o crescimento econômico e reduzir os gastos públicos, tem apenas o propósito de conter o descontrole inflacionário. . As donas de casa já sentiram há mais tempo que os preços de produtos e serviços dispararam, coisa que a inflação oficial, o IPCA, não apanhou. . No acumulado de um ano, no final de fevereiro, a inflação oficial, o IPCA, registrou 6% de alta, mas a inflação de serviços não indexados (restaurantes, hotéis, passagens aéreas, cabeleireiros) emplacou 8,6% no mesmo período. Gastos com saúde (10,5%), transporte (20,8%) e comida (22,1%) são assombrosos. E o viés é de alta. - A inflação dos alimentos é a que mais assusta. Cortes de carne como picanha (42%) e filé (52%) tornaram os preços intoleráveis. Um quilo de filé já custa mais do que um quilo de bacalhau do Porto.

Percival Puggina

13/02/2011
CARTA MUITO LÚCIDA DE UM LEITOR DE A RAZÃO José Serra corta 50 bilhões A hipótese de um corte de tamanha magnitude, por parte de um novo governo vitorioso, frente àquele que, derrotado, estruturou o orçamento, seria aceitável ainda que o defenestrado, pelo voto, vociferasse contra a medida. No Brasil isto não ocorreu. O orçamento foi elaborado, para uma campanha eleitoral, por um governo que se manteve no poder. A candidata do governo para a Presidência era a Chefe da Casa Civil que comandou a elaboração do orçamento. O então Ministro da Fazenda que assumiu a responsabilidade pelo orçamento apresentado é o mesmo que, agora, deveria cumprir o que planejou e prometeu. A falácia ou, mais claramente, a mentira não resistiu sessenta dias. Assim sendo, chega-se a uma conclusão de que não é só a Câmara de Deputados que recebe um Tiririca eleito. É, também, a mesa oval da Presidência da República que reúne os Ministros, que, lamentavelmente, está composta de alguns tiriricas. O povo, feito para rir, assiste esta imposição por parte de um governo que elaborou o orçamento. Nossa revolta é justa e santa. Carlos Edison Domingues - advogado- Santa Maria edisondomingues@terra.com.br

Percival Puggina

13/02/2011
SE BERLUSCONI FOSSE GAY Oh, tempora! Se Silvio Berlusconi fosse gay seria proibido criticar suas aventuras sexuais...

Percival Puggina

11/02/2011
Quando o Brasil foi descoberto, reinava em Portugal D. Manuel I, sob cujo cetro o país viveu período de grande glória e esplendor. Foi descoberto o Caminho das Índias e, mais importante ainda, o caminho das Molucas, pequeno arquipélago a leste da Indonésia, de onde vinham para o entreposto de Constantinopla as especiarias que genoveses e venezianos revendiam a peso de ouro no mercado europeu. Portugal enriqueceu e impressionantes obras públicas adornaram a paisagem de Lisboa, com um estilo que levou seu nome. Por essas e outras empreitadas, D. Manuel credenciou-se ao sonoro título de Rei de Portugal e dos Algarves, dAquém e dAlém-Mar em África, e Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. Entrou para a história como O Venturoso. Seriam necessários cinco séculos de governantes inúteis, explorações e frustrações para que o Brasil gerasse seu próprio Venturoso, graças à feliz combinação astral que nos regalou Lula como presidente. Você, leitor, pode discordar, bater pé, abanar a cabeça, mas Lula sabe que é assim. E é o que basta. Custou-lhe muito alcançar essa condição. Não pense ser fácil, leitor, governar um país do tamanho do Brasil durante dois mandatos, trazer para o regaço do governo os maiores pilantras da política nacional, entregar o posto, passados oito anos, com a Educação entre as piores do planeta, o SUS num caos e a segurança do jeito que todos sabemos. E, ainda assim, contar com 87% de aprovação. Tem que ser muito venturoso! À sua sucessora, num mandato recebido de bandeja, restaram as desventuras e os ônus políticos de dar jeito na crise que o Venturoso empurrou para diante com a pança e o papo. Com gastança e lambança ao longo dos últimos anos de sua gestão. Não havia no país mesa de economista na qual as luzes amarelas das contas nacionais e da inflação não estivessem acesas, intranquilizando as madrugadas. Mas o processo sucessório não permitia condescendências. Para o realismo cínico, as eleições vêm em primeiro lugar. O interesse nacional chega mais tarde, bem depois de coisas essenciais como o partido, o poder, os fundos de pensão, o marketing e os cargos. O noticiário da semana mostra que a presidente Dilma, bem antes do que esperava, topou com as agruras da vida. Cortar R$ 50 bilhões do orçamento não contribui para a popularidade de quem quer que seja. O brasileiro é tolerante até com a corrupção, mas não admite austeridade. Metam a mão, mas não me cortem os gastos públicos! E dona Dilma tomou essa decisão que não apenas retira R$ 50 bi da gastança. Não senhor! Tira-os também da lambança. Tira-os das emendas parlamentares, o que equivale a rarear a moeda de troca com cujo tilintar se rege a orquestra da base de apoio. Não nos surpreendamos se, em breve, os telefonemas da Casa Civil para seus deputados e senadores começarem a retornar com sinal de fora de área. E enquanto isso, D. Lula, Patriarca do Brasil e Protetor do Irã, Defensor Perpétuo da Democracia dAlém-Venezuela e dAquém-Cuba, e senhor do Comércio com Gabão, Congo, Burkina Faso e Tuvalu, diz que estão querendo desconstruir sua sacrossanta imagem. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Editorial ZH

06/02/2011
PÉSSIMA LARGADA Editorial - Zero Hora (RS) - 05/2/2011 No primeiro dia de trabalho da nova legislatura na Câmara Federal, a imagem associada ao Legislativo foi humilhante para os parlamentares que levam a sério a missão de recuperar a reputação do Congresso. Eleito como uma das caras novas do parlamento, por conta de sua popularidade como ídolo do futebol, o deputado Romário de Souza Faria foi flagrado por fotógrafos, na quinta-feira, jogando futevôlei na praia da Barra da Tijuca, no Rio. Foi uma péssima largada para alguém que, como celebridade, deveria passar a ser visto, agora na condição de político, como referência de conduta, em respeito aos que o elegeram e ao próprio Congresso. Enquanto o deputado do PSB se divertia na areia, a Câmara realizava sua primeira sessão depois da posse, com o agravante de que a presença de Romário havia sido registrada. Além de optar pelo lazer, quando deveria fazer sua estreia em plenário, o deputado burlou os controles internos da Casa, repetindo uma prática lamentavelmente consagrada pelos maus parlamentares. A atitude de Romário é nefasta para o início de uma legislatura e oferece mais argumentos aos que estigmatizam famosos dedicados à vida pública, mesmo que casos como esse sejam exceção. Não são poucos os políticos celebrizados pela exposição da imagem em outras atividades que exercem ou já exerceram funções executivas ou legislativas com dedicação e decência. O comportamento do deputado carioca deve, portanto, ser submetido à mesma avaliação de qualquer outro parlamentar, sem restrições ao seu currículo de ex-ídolo do futebol. O flagrante na praia, com a fotografia divulgada por sites e blogs na internet, tem a força de uma caricatura para a prática comum a outras legislaturas, que incorporaram a semana de apenas três dias ? de terça a quinta-feira ? ao calendário do Congresso. Lamenta-se que a atitude condenável do deputado se sobreponha ao que é menos visível. Enquanto Romário e outros colegas se ausentavam de Brasília, muitos legisladores marcavam o primeiro dia de trabalho com a apresentação de 170 projetos de lei, uma emenda constitucional, cinco projetos de resolução e três projetos de lei complementar. É desses, dos que realizam alguma atividade produtiva, que o eleitor espera bom senso. É deles também a tarefa de exigir respeito à vida parlamentar, em especial dos estreantes que, nos primeiros dias no Congresso, são contagiados pelos pouco afeitos ao trabalho e ao decoro.(...)

Percival Puggina

04/02/2011
É muito provável que o leitor desconheça o fato relatado na edição de Zero Hora do dia 2 deste mês, em artigo com o título Mamãe, passei em Medicina. O autor, professor de matemática e engenheiro pelo ITA foi protagonista da experiência que conta. Chama-se Daniel Lavouras e submeteu-se às provas do ENEM deste ano, sendo qualificado para ingresso no prestigiado e disputado curso de Medicina da Faculdade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Até aí nada de mais. Afinal, supõe-se que um professor de matemática, engenheiro aeronáutico, seja uma pessoa com preparação escolar e conhecimentos bem superior à media dos concorrentes. Acontece que ele se confessa, no artigo, absolutamente ignorante nos principais conteúdos com relevo para um curso de Medicina. Transcrevo-o: Nunca entendi a mitose e a meiose. Não sei a diferença entre eucariontes e procariontes, Darwin, Mendel e seus amigos não me são próximos. Tudo que sei de cromossomos e DNA é o que leio em jornais e revistas. (...) Chutei com precisão? Não, ao contrário, errei praticamente todas as questões de Ciências Biológicas. Ah, em compensação eu tive o extremo mérito de entender que a foto de um jogador parado fora da quadra com uma bola de vôlei significa que ele vai sacar e também percebi a foto do Mr. Bean no quadro da Mona Lisa. É sim, eu acertei estas! (e para todos que ainda não conhecem a prova do Enem, fica o convite para que o façam, visitem o site do Inep). O professor não vai cursar Medicina, claro. Sua experiência e o que escreveu bradam contra o absurdo de um exame vestibular nacional que não distingue alhos de bugalhos. E tampouco distingue o curso de Economia do de Artes Cênicas, ou o curso de Publicidade do de Engenharia de Minas. E assim, alguém que erra quase todas as questões de Ciências Biológicas habilita-se a cursar uma das melhores faculdades de Medicina do país. O ENEM não é apenas um recordista em trapalhadas de grande porte. Ele é um mal em si mesmo. E é, também, sintoma específico, no campo da Educação, de dois males genéricos que afetam o Brasil: o centralismo e a ruptura com os fundamentos do sistema federativo. Estamos sendo cozinhados como sapos, pelo gradual aquecimento da água da panela, num modelo que privilegia, em tudo e para tudo, aquilo que é nacional e federal. Adotamos, cada vez mais, sistemas centralizados. Brasília deixou de ser tão-somente a capital do país. Ela se tornou a única cabeça pensante, o caixa único, a sede dos sistemas únicos e o ponto de convergência, pela via fiscal, de 23% do nosso PIB. Tamanha concentração de poder e dinheiro transformou a antiga cidade dos candangos no município brasileiro com mais alto Índice de Desenvolvimento Humano. E para ali convergem prerrogativas que aviltam a Federação, transformando estados e municípios, ora em pedintes, ora em agraciados com as migalhas que caem de sua mesa. Pois o ENEM é filho desse sistema. Nasceu portador do defeito genético que herdou do papai, o enganoso federalismo brasileiro, no qual a União, cada vez mais, vai dispondo sobre tudo e sobre todos, absorvendo as autonomias ainda residuais na nossa vida social. Um exame de ingresso nos cursos de terceiro grau, com extensão nacional, é um devaneio autoritário, uma coisa de porte descomunal, monstruosa no aspecto e, por óbvio, descomedido na dimensão de seus erros. É desanimadora, contudo, a bovina docilidade com que instituições de ensino superior, de tanta importância na formação da inteligência nacional, se entregam a esse sistema qual vacas para touro. Cedem autonomia e aceitam sua própria degradação. Em troca de um prato de lentilhas. Lentilhas federais, claro. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

03/02/2011
A Revista Veja da semana passada traz matéria sobre a novela Insensato Coração. Lá pelas tantas cita o autor Gilberto Braga. Assim, entre aspas: Não haverá beijo gay. As telespectadoras não estão preparadas. Surpreendeu-me a sinceridade da frase. Pesquisando por ela, buscando sua repercussão, encontrei um site cujo redator estava bastante - como direi? - decepcionado com a declaração, mas, por outro lado, comemorava a exibição dos glúteos de um ator, em cena de rua, logo nos primeiros capítulos da novela. A frase de Gilberto Braga, no entanto, acaba com os pontos de interrogação que frequentam a monótona discussão travada no mundo inteiro: a tevê mostra a vida como ela é ou induz a vida a ser como mostra? Gilberto Braga não tem dúvida alguma sobre sua função quanto a esse particular. Cabe-lhe ir preparando a sociedade, gradualmente, para as imagens e costumes que pretende instilar e disseminar. Ponto. Antes que me rotulem conservador, vou logo dizendo que sim, sou conservador. Sou conservador de tudo que deve ser conservado porque se revela benéfico na experiência individual e social. Sou conservador em relação aos fundamentos da civilização ocidental e à tradição judaico-cristã que lhe fornece conteúdos. E, porque sou conservador dessas coisas essenciais, me confesso ainda pouco amestrado, por exemplo, para as cenas finais da novela Passione, nas quais uma mocinha desmiolada, casada com um rapaz bígamo, convence a até então rival e o moço a estabelecerem uma espécie de espeto corrido na convivência conjugal. Nessa disciplina, os cursos preparatórios já deram resultado porque não faltam decisões trazendo tutela jurídica e bênçãos do Estado para situações igualmente escabrosas. Mas chocante, chocante mesmo, foi ver uma velhinha para lá de octogenária, aos amassos com o futuro marido e, por sobre o ombro dele, dardejando fogosos e sugestivos olhares para outro velhinho de miolo mole. As avós, as avós idosas, as avozinhas de cabelos brancos carregam no rosto as marcas das alegrias e dores de uma vida longa. São imagem de quem colheu os mais doces e os mais amargos frutos do amor. São expressão viva de sabedoria e discernimento. E são, em toda parte, os seres mais veneráveis da humanidade, reverenciadas por sucessivas gerações de filhos, netos e bisnetos. Degradá-las é esbofetear a humanidade inteira e levá-la a um passo do abismo pela perda de limites e referências. Não, as vovós não são assim! É provável que venham a se comportar desse modo, na velhice, as jovens que hoje compõem o cenário dos reality shows, cabeça feita para todas as degradações. Mas eu já não estarei aqui para ver. Os valores são pilares e vigas sobre os quais se estrutura a cultura de uma civilização. Sem eles, a civilização se fragiliza, sujeita a toda sorte de deslizes. E de deslizamentos. É da natureza de nossa cultura, alicerçada em valores de base judaico-cristã, crer na vitória final do bem sobre o mal. Aliás, no início do século 20, os sucessores de Marx que mais influenciam a esquerda mundial nas últimas décadas, atribuíram aos valores da nossa cultura o fracasso do comunismo em suas tentativas de penetrar no Ocidente. E o que propuseram, a longa marcha através das instituições, vem derrubando barreiras e distâncias, em toda parte, cumprindo seus objetivos, fundada em duas convicções diferentes: a de que, abalados os fundamentos morais da cultura, podemos nos deixar seduzir pelo mal e nos iludir sobre a natureza do bem. ZERO HORA, 30/01/2010

Percival Puggina

28/01/2011
Foi na pacata Porto Alegre dos anos 60 que o ambiente criativo e fascinante do Colégio Estadual Júlio de Castilhos me aproximou da política. Saibam os trabalhadores em educação, sineteiros, panfletários e fazedores de cabeça de hoje, que naquele tempo, naquele colégio ao menos, com bons mestres, formavam-se cidadãos e preparavam-se líderes para a cena política municipal, estadual e nacional. Havia concursos de oratória, de declamação, de contos, de poesias. Debatiam-se ideias, as disputas eram ideológicas e o grêmio estudantil miniaturizava uma democracia constitucional, com governo, parlamento e um órgão judiciário. Creiam-me: Brasília teria muito a aprender com os rapazes e moças do antigo Julinho. Havia honra, respeito e disciplina. Por que estou, meio século passado, a cavoucar neste baú? Porque me perguntaram outro dia, num programa de tevê, quais as minhas expectativas para a legislatura que se instala agora, em 31 de janeiro. E eu, com esta boca que insiste em dizer o que penso, afirmei sem pestanejar, para espanto geral, que a próxima legislatura será pior do que a precedente. Sustentei que não havia qualquer motivo para ser melhor (de vez que o modelo institucional continuava o mesmo) e que sobravam razões para piorar à medida que a sociedade crescentemente se urbanizava, massificava e o padrão cultural do eleitorado decaía. Exemplificando. Nos anos 60, para quem não a conheceu ou esqueceu, a música popular que cativava o país, a MPB, tinha melodia, poesia e elevado valor artístico. E hoje? Hoje nada agrada tanto às massas quanto uma nauseante combinação de ruído, berreiro e baixaria. E todos votam. Mas voltemos aos anos 60. Durante a semana, sempre que as tarefas escolares me disponibilizavam horários, lá ia eu de bonde para a rua Duque de Caxias, onde ficava a antiga Assembléia Legislativa. Acomodava-me nas galerias de madeira escura, lavrada, e passava horas (isto lhe parecerá incrível, leitor) deliciando-me com os debates parlamentares! Havia tanta inteligência e cultura no plenário que um rapazinho de 16 anos curtia ficar sentado, ouvindo e aprendendo. Enquanto escrevo estas linhas, pensando em referir alguns dos nomes que desfilavam na tribuna, folheio um livro da Editora Síntese que sumariza dados das eleições realizadas no Rio Grande do Sul entre 1945 e 1978. Lendo as nominatas das diversas bancadas naquela legislatura de 1958/62, desisto do intento. Os mais notáveis, os melhores entre os 55 deputados cujas figuras logo me vieram à mente, eram tantos que resultaria enfadonho mencioná-los. Asseguro aos meus leitores que pelo menos quarenta credenciavam-se aos maiores reconhecimentos. Com todos aprendi naquelas tardes de proveito cultural, formação e informação sobre os temas do Estado. E não era diferente a qualidade dos congressistas que representavam o Rio Grande do Sul na recém inaugurada Brasília. Dois anos depois, meu pai, Adolpho Puggina, viria ocupar assento naquele plenário, onde permaneceria por quatro legislaturas. Já então, a preparação para o vestibular, a faculdade e a necessidade de trabalhar me furtou a rotina da adolescência. No entanto, lembro-me de ouvir meu pai comentando, anos mais tarde, sobre a decadência da formação e dos padrões de conduta que observava nas sucessivas composições dos parlamentos. Disse-me assim: Percival, bem no começo, nas primeiras legislaturas, quando a gente convidava alguém para concorrer na chapa do partido, ouvia-se frequentemente o seguinte: Ah! deputado, aquilo não é para mim não. É para gente mais preparada, como o senhor, como o fulano e o beltrano. E prosseguiu: Hoje, quando convidados a concorrer, muitos pensam assim: se até o sicrano está lá, então eu também posso. Inverteu-se o viés do que antes era uma exigência ascendente. E começou a ruína, a tragédia. O que era respeitável precipitou-se no descrédito. Resumindo esta leitura dos fatos feita com a luneta do tempo: só se veem razões para que vá piorando. Será cada vez menor o número de estadistas na política nacional em virtude de um modelo institucional que repele muitas pessoas com esse perfil, diante de um eleitorado de padrão cultural cadente, massificado e cada vez mais interesseiro. Mas este último aspecto será objeto de outro artigo, na semana que vem. ______________ * Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.