Percival Puggina

10/05/2015

 

 Só não vê quem não quer: um STF onde não existam liberais nem conservadores, onde todos, num grau ou noutro, sejam "progressistas" ou marxistas, selecionados a dedo pelo mesmo partido, é uma revolução através das togas. Dispensa luta armada ou desarmada, dispensa Gramsci, movimentos sociais, patrulhamento. Bastam onze homens e seus votos. E tudo fica parecendo Estado de direito.

 A bússola das decisões normativas sobre a vida nacional, sobre os grandes temas, está saindo do Congresso, onde opera a representação proporcional da opinião pública. Aquela história dos três poderes, este faz a lei, aquele executa e aquele outro julga - lembra-se disso? - vai para as brumas do passado. Há mais de três décadas estão sendo transferidas para o Judiciário deliberações que vão do acessório ao essencial, do mais trivial ao mais relevante. Já escrevi muito sobre tal anomalia e percebo que a migração prossegue, através dos anos, com determinação e constância.

A judicialização da política, braços dados com o ativismo judicial, causa imensas preocupações cívicas. Opera uma revolução silenciosa. Não usa barracas de campanha, não cava trincheiras e não precisa de arsenais. Ataca a partir de luxuosos gabinetes. Reúne-se em associações e congressos de magistrados militantes. Seu material bélico está contido em meia dúzia de princípios constitucionais que disparam para onde a ideologia aponta.

O QG dessa conspiração sofreu uma derrota, terça-feira, com a aprovação da PEC que postergou para os 75 anos a aposentadoria compulsória dos magistrados. Mas isso não resolve o problema diante do mal que atacou o caráter republicano da nossa democracia - o instituto da reeleição - cortando o movimento pendular do poder. Se o Congresso, e especialmente o Senado, não reagir, se for aprovada a inacreditável indicação do Dr. Fachin (que até o Lula teria achado "basista" demais), se aprofundará o abismo entre o pluralismo como inequívoco princípio constitucional e a composição do STF.
É algo de que, aparentemente, ninguém se deu conta. Pluralismo é pluralismo. Dispensa interpretação. É um severo princípio impresso no preâmbulo da Constituição. Como pode ele ser desconsiderado quando se trata de indicar membros para a mais alta corte do Poder Judiciário (isso para não falar nos demais tribunais superiores)? É admissível que os membros desse elevado poder expressem o ideário e os interesses de uma mesma corrente política? O que a presidência da República vem fazendo e o Senado aprovando é uma revolução branca, via totalitarismo judiciário. Toleraremos, aqui, o que já aconteceu na Venezuela?


ZERO HORA, 10 de maio de 2015

 

Percival Puggina

07/05/2015

O que efetivamente mobilizou o nazismo contra os judeus não foram as destrambelhadas especulações biológicas que apenas favoreceram o trabalho sujo dos que executaram as políticas de extermínio. A causa principal foi o mito da "conspiração judaica", difundindo a ideia do poder econômico do povo judeu e a ele atribuindo a culpa pelos males nacionais. Ao longo da história, mobilizações nacionalistas sempre procuraram identificar um inimigo interno ou externo, direcionando-lhe as animosidades. No nazismo, a exemplo do comunismo, foi acionado este fermento revolucionário que excita os piores sentimentos: a falácia de que o outro, como indivíduo, raça ou classe seja, objetivamente, causador da pobreza do pobre.

 Observe, então, o que vem sendo proclamado sobre a "elite branca de olhos azuis" pelas personagens mais aguerridas do petismo (do topo lulista à base militante). Lula e os seus não cansam de repetir que essa elite não gosta de pobre, é contra sua prosperidade e se enoja com a presença de gente humilde nos aeroportos e nas universidades. Por quê? Ninguém esclarece. O importante é repeti-lo à exaustão. E o PT é perito em papaguear bobagens tantas vezes quantas sejam necessárias para assemelhar à verdade algo que não tem o menor fundamento. Além de tornar a nação respeitável ao proporcionar a dignidade de todos os cidadãos, o progresso material das classes mais humildes é desejável por todos os segmentos sociais, inclusive por aqueles contra os quais o PT pretende instigar a malquerença dos pobres. Entre os muitos benefícios humanísticos e ganhos de ordem ética, a ascensão social dos mais carentes significa, para todos, maior segurança e maior dinamismo na vida econômica e social. É bom para todo mundo. É assim que a civilização avança. No fundo, até o Lula sabe disso.

No entanto, o führer de Garanhuns e seus propagandistas goebbelianos precisam do ódio como fator de luta (segundo ensinou Che Guevara). E nada melhor do que aprender com Hitler o modo de suscitar ódio contra quem tem mais. Basta proclamar aos pobres que essas pessoas, brancas de olhos azuis, são a causa de sua pobreza, que estes iníquos não toleram conviver com eles e que, por soturnos motivos, querem preservá-los na miséria. Difundir tais teses após as experiências do nazismo deveria ser capitulado como crime. Numa hipótese mais branda, ser tratado como sociopatia.

Tão perigoso quando o que estou descrevendo é não se importar com isso e considerar que se trata apenas de uma estratégia, sem efetivas consequências sociais e políticas. Era exatamente o que pensava a maioria dos alemães até bem perto do final da guerra.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar.
 

Percival Puggina

06/05/2015

Procure no Google por "maioridade penal" e, em seguida, busque "imagens". Ali você verá centenas de exemplos da desonestidade intelectual que denuncio neste artigo.  

"Reduzir a maioridade penal não vai acabar com a violência!", proclama o debatedor em tom veemente. Ninguém afirmou uma tolice dessas, mas o sujeito passa a detonar a frase que ele mesmo fez como se, assim, estivesse destruindo a tese da redução da maioridade penal. Um criminoso de 16 anos tem que ir para a cadeia por uma série de razões e "acabar com a violência" não é uma delas. Seja como for, essa é uma das bem conhecidas e nada honestas artimanhas empregadas em debates: atribuir à tese adversária argumentos que não foram empregados em seu favor, para dar a impressão de que ela é destruída quando tais argumentos são desmontados.

Outra artimanha é a de levar a tese adversária a um extremo jamais cogitado, tornando-a ridícula. Por exemplo: "Os que defendem a redução da maioridade penal logo estarão querendo reduzi-la novamente para 12 anos. Daqui a pouco estarão encarcerando bebês". E, assim, um rapagão de 17 anos do tamanho de um guarda-roupa, estuprador e assassino, fica parecendo tão inocente quanto uma criança de colo.

Outra, ainda, envolve a apresentação, em favor da própria tese, de um argumento competente que com ela não se relaciona. A coisa fica assim: "Nossos cárceres são verdadeiras escolas do crime, que não reeducam". Esse argumento escamoteia dois fatos importantíssimos: o de que a ressocialização é apenas uma (e sempre a mais improvável) dentre as várias causas do encarceramento de criminosos e o de que o preso não entrou para a cadeia inocente e saiu corrompido. Foi fora da cadeia que ele se desencaminhou.

Por outro lado, a pena privativa de liberdade tem várias razões. A principal, obviamente, é a de separar do convívio social o indivíduo que demonstrou ser perigoso. A segunda, por ordem de importância, é a expiação da culpa (fator que está sendo totalmente negligenciado no debate sobre o tema). Quem comete certos crimes paga por eles com a privação da liberdade. Ao sair da cadeia, dirá que já pagou sua pena, ou seja, que já acertou contas com a sociedade. A expiação da culpa é o único motivo, de resto, para que nos códigos penais do mundo inteiro as penas de prisão sejam proporcionais à gravidade dos delitos cometidos. A terceira razão da pena privativa de liberdade é o desestímulo aos crimes de maior lesividade (função de eficácia incerta, sim, mas se as penas fossem iguais a zero a criminalidade, certamente, seria muito maior). Pois é a quase impunidade assegurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que tem estimulado o uso de menores para a prática de muitos crimes.

O assunto é importante, bem se vê, mas pressupõe honestidade intelectual, porque a deliberação democrática fica comprometida quando o que se pretende é vencer o debate de qualquer maneira.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar.
 

Percival Puggina

02/05/2015

Não há nenhum indício de algum ato que possa justificar qualquer denúncia contra a presidente da República”. D. Damasceno, então presidente da CNBB, e cardeal arcebispo de Aparecida (SP), 12/03/2015.

 “Existem normas, regras, para um pedido oficial de impeachment. Creio que não chegamos a esse nível". D. Leonardo, secretário geral da CNBB, 12/03/2015.

 "A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida em sua 53ª Assembleia Geral, em Aparecida-SP, no período de 15 a 24 de abril de 2015, avaliou, com apreensão, a realidade brasileira, marcada pela profunda e prolongada crise que ameaça as conquistas, a partir da Constituição Cidadã de 1988, e coloca em risco a ordem democrática do País." Palavras iniciais da Nota da CNBB Sobre o Momento Nacional, divulgada no encerramento da Assembleia.

 Já mencionei que, como leigo, não tenho dever de acolhimento ou reverência às posições políticas dos senhores bispos. Nas democracias, a política é terreno de contraditórios, antagonismos, diversidade de opiniões. Quem assume posição política não pode, após ser imprudente, erguer o báculo cobrando dos fieis prudência e zelo pela autoridade religiosa que não soube preservar. A CNBB entrou no jogo e foi falar com Dilma. Espontaneamente, disse não ver motivo para impeachment. Certificou à mídia não existir "nenhum indício de algum ato" que possa justificar denúncia contra a presidente (uma certeza que não é compartilhada por muitos no mundo jurídico, por muitos mais no mundo político e por 63% dos brasileiros).

Tais afirmações podem e devem ser contestadas. O que as motiva pode e deve ser objeto de reflexão. Mormente se, no momento seguinte, a CNBB desencadeia campanha de apoio ao projeto de reforma política do PT.

Após tantas adesões, ora veladas ora explícitas à pauta petista, a questão que proponho à reflexão dos leitores, é a seguinte: quem ou o que estaria pondo em risco, na opinião da CNBB, a ordem democrática no Brasil? Formulo a pergunta porque essa conversa sinuosa, melíflua, esse dizer sem ter dito, esse verdadeiro arremedo de nota oficial, pode ser ofensivo se dirigido aos milhões de brasileiros que saíram às ruas pedindo impeachment e exigindo das instituições, civicamente, que cumpram seu dever. E é um primor de circunlóquio, em relação ao alvo para onde deveria apontar: a pessoa da presidente e seu envergonhado governo, enclausurado nas próprias trampolinagens contábeis, mentiras, irresponsabilidades, más companhias e péssimos exemplos, seus black blocs, os exércitos de Stédile, e os incendiários divisionismos de Lula. Afirmar, como D. Damasceno, que "os ânimos se exacerbaram durante a campanha política de 2014" e que "a tensão continua" é dar um torcicolo nos acontecimentos. É fazer coro ao PT quando denuncia um suposto "terceiro turno". É uma pirueta retórica sobre a tensão política que se instalou no país. A vítima, aqui, senhores, é a nação, indignada mas ordeira, que não precisaria estar passando pela crise moral, econômica, fiscal, política, de credibilidade e de inteligência com cujas consequências se defronta. Tudo sob um governo que terceirizou suas atividades essenciais porque não as sabe cumprir.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

01/05/2015

 

 Neste Dia do Trabalhador, a presidente não falará em cadeia nacional, talvez porque haja companheiros seus em cadeia federal. Ou porque suspeitou que a notícia do dia seguinte fosse um formidável panelaço interestadual. Falará, então, às redes sociais. Que tantas redes são essas e como elas se interconectam de modo a gerar uma comunicação de amplo alcance, não entendo. O que importa é o fato: estamos sob uma presidência que não pode aparecer em público, que só se comunica com os seus. E em recinto fechado.

É sobre as razões disso que escrevo. Faz sentido o isolamento. O governo, afinal, jogou o país num jamais visto conjunto de crises.

CRISE MORAL – tem sua face mais visível no assalto à Petrobras e nos esquemas de propina organizados em relação às obras públicas, mas inclui inúmeras práticas reprováveis. Entre outras: a) o assassinato de reputações; b) a utilização de agentes provocadores e militantes violentos para produzir objetivos políticos; c) parcerias traçadas dentro do Foro de São Paulo, que sugerem crime de alta traição; d) uso de fundos públicos para apoiar ditaduras e governos violadores de direitos humanos.

CRISE DE CREDIBILIDADE – determinada pelo destampado emprego da mentira, da mistificação e da falsificação de dados oficiais para fins eleitoreiros, criando na sociedade a ilusão de que tudo ia bem quando tudo já ia irremediavelmente mal. A crise de credibilidade do governo tem reflexo interno e externo de vastas proporções.
CRISE FISCAL – determinada pela insolente e pretensiosa tese segundo a qual o partido governante, pela nobreza de suas intenções sociais, recusa a “lógica neoliberal”, segundo a qual o governo não deve gastar mais do que arrecada. O governo, então, jogou na privada a Lei de Responsabilidade Fiscal. Gastou demais para garantir a reeleição, esbanjou irresponsavelmente, no Brasil e no exterior, e está sem recursos para atender as mais urgentes demandas nacionais.

CRISE DA INTELIGÊNCIA – talvez seja a que mais inibe nosso desenvolvimento. O mundo vai na direção das liberdades econômicas, da criatividade, da liberdade, dos avanços tecnológicos, da valorização do trabalho, do mérito e da qualificação dos recursos humanos. O petismo e seus intelectuais orgânicos se empenham, há décadas, na direção oposta. Dedicam-se a tornar hegemônica uma ideologia do atraso, semelhante à de seus parceiros do Foro de São Paulo, que viola o direito de propriedade, desqualifica o mérito, cria dependências em relação ao poder público, mitifica o Estado e desfavorece a iniciativa privada.

CRISE ECONÔMICA – produzida com sucessivos desarranjos na estrutura do gasto público. Entre os muitos equívocos, se incluem condutas simbolicamente irresponsáveis como as que privilegiaram a “conquista” da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Com consequências ainda mais graves, envolvem os elásticos financiamentos privilegiados, concedidos por compadrio. Tem sido negligente com a infraestrutura nacional, criando gargalos até mesmo para o desenvolvimento do agronegócio. Manipulou as tarifas de energia e os preços dos combustíveis como explícitas plataformas eleitorais. Com consequências já medidas na redução dos postos de trabalho e da massa salarial, concedeu incrementos aos salários acima da expansão do PIB e pretendeu “aquecer” o consumo endividando a sociedade e desestimulando a poupança.

CRISE DA GOVERNABILIDADE – Desde a segunda metade da gestão Lula II, o governo, como articulador de políticas de interesse nacional, simplesmente acabou. Os gestores petistas têm usado como base de negócios tudo que podem submeter à sua influência. Põe no mesmo carrinho, como num supermercado, os órgãos do próprio governo, da administração permanente e do Estado, sem qualquer unicidade e sem estratégias, exceto as de curtíssimo prazo, ligadas à manutenção do poder. Muito antes de a presidente Dilma terceirizar seu governo nas últimas semanas, ele já fora terceirizado, por Lula, a facções políticas dos partidos da base, muitas das quais, só pelo traje, se distinguem das organizações criminosas que operam no submundo nacional.

CRISE DA INCONFORMIDADE - O que mais incomoda toda consciência bem formada e todo cidadão esclarecido é saber que não precisávamos passar por tais dificuldades! A conta do estrago, a conta dessa irresponsável usina de crises, como já era previsto há bom tempo, será paga com desemprego, inflação, carestia, mais impostos, redução da massa salarial e falta de recursos para as atividades essenciais de Educação, Saúde e Segurança Pública. É esta última crise, a da inconformidade, que tem levado o povo brasileiro às ruas.

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* Percival Puggina é membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do sitewww.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo;Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

29/04/2015

 


          Li “O homem medíocre” pela primeira vez em 1999. Na época, o cetro do poder político brasileiro estava em outras mãos e a oposição de então apresentava-se como modelo das mais seráficas virtudes. Um capítulo do livro, em especial, chamou-me a atenção por parecer escrito para aquela realidade. O autor, José Ingenieros, tratava, ali, da diferença entre a mera honestidade e a virtude, bem como da falsa honestidade daqueles que a exibem como troféu. “Em todos os tempos, a ditadura dos medíocres é inimiga do homem virtuoso. Prefere o honesto e o exibe como exemplo. Mas há nisso um erro ou mentira que cabe apontar. Honestidade não é virtude, ainda que não seja vício. A virtude se eleva sobre a moral corrente, implica uma certa aristocracia do coração, própria do talento moral. O virtuoso se empenha em busca da perfeição.”

          Com efeito, não fazer o mal é bem menos do que fazer todo o bem que se possa. Ser e proclamar-se honesto para consumo externo é moldar-se às expectativas da massa e isso fica muito aquém da verdadeira virtude. “Não há diferença entre o covarde que modera suas ações por medo do castigo e o cobiçoso que age em busca da recompensa“, afirma o filósofo portenho enquanto sentencia sobre o homem medíocre: “Ele teme a opinião pública porque ela é a medida de todas as coisas, senhora de seus atos“. Temia, filósofo Ingenieros, temia. O medíocre não mais teme a opinião pública porque a nação tolerou prostituir-se em troca de umas poucas moedas.

          Não demorou muito, daquela minha leitura, para que as palavras de Ingenieros desnudassem a intimidade do novo círculo de poder que se instalara no país! Presentemente, após 12 anos disso, sempre em dose crescente, estou convencido, como nunca, de que jamais enfrentaremos de modo correto a degradação das práticas políticas brasileiras se não compreendermos o que é a virtude e como ela se expressa no plano pessoal e no plano institucional.

          Há alguns anos, quando se discutia com disposição semelhante à de agora a conveniência e o conteúdo de uma reforma política, instalou-se na opinião pública ampla convergência quanto à indispensabilidade de ser criado preceito que impusesse a fidelidade partidária. “É preciso estabelecer a fidelidade partidária!”, clamavam as vozes nas calçadas, em torno das mesas de bar, nas academias e nos salões do poder. Cansei de alertar, em sucessivos artigos, contra a falsa esperança que a nação depositava nesse instrumento de coerção. Tudo que se lia sobre o assunto passava a impressão de que a infidelidade partidária sintetizava nossos males políticos e era o coração ético de uma boa reforma. Por quê? Nunca entendi. Há coisas que se repetem sem explicação plausível.

          Decorridos, já, sete anos de vigência do instituto da fidelidade partidária está demonstrado que ela em nada melhorou o padrão das relações institucionais entre o governo e o parlamento, nem a conduta dos agentes políticos nacionais.

          É preciso distinguir, portanto, a virtude que se alcança por adesão voluntária a um determinado bem, da virtude intrínseca a modelos institucionais que inibem a conduta não virtuosa. A fidelidade será, sempre, um produto da vontade humana. O pérfido só renunciará a perfídia quando ela se mostrar inconveniente. O venal pode trocar de camiseta, mas só não terá preço se não houver negócio a ser feito. É por esse motivo que quando o STF proclamou a constitucionalidade da Lei da Ficha Lima, eu escrevi que estávamos trocando de fichas, ou de fraldas como diriam alguns, mas não estávamos acabando com a sujeira que, logo iria encardir outras tantas.

          Por quê? Porque essa lei parece desconhecer que a corrupção tem causas em duas fragilidades, a da moralidade individual e a institucional. No plano das individualidades, só teremos pessoas virtuosas em maior número quando forem enfrentadas certas questões mais amplas, na ordem social. Ou seja, quando:

• a virtude for socialmente reconhecida como um bem a ser buscado;
• escolas e universidades retomarem o espírito que lhes deu origem e levarem a sério sua missão de formação e informação e não cooptação;
• famílias e meios de comunicação compreenderem a relação existente entre o desvario das condutas instalado na vida pública e o estrago que vêm produzindo na formação da consciência moral e na vida privada dos indivíduos;
• o Estado deixar de ser fonte de privilégios;
• for vedada a filiação partidária dos servidores públicos;
• forem extintos os CCs na administração direta, indireta e Estatais;
• a sociedade observar com a atenção devida o método formativo e educacional das corporações militares;
• voltar a ser cultivado o amor à Pátria;
• a noção ideológica de “la pátria grande” for banida por inspirar alta traição;
• as Igrejas voltarem a reconhecer que sua missão salvadora nada tem a ver com sociedade do bem estar social, mas com sociedade comprometida com os valores que levam ao supremo Bem.
          Não há virtude onde não há uma robusta adesão da vontade ao Bem. E isso não acontece por acaso. É uma busca que exige grande empenho.

          Contudo, a democracia (governo de todos), não é necessariamente aristocracia (governo dos melhores). E será sempre tão sensível à demagogia quanto a aristocracia é sensível à oligarquia. Portanto, numa ordem democrática, como tanto a desejamos, é necessário estabelecer instituições que, na melhor hipótese, induzam os agentes políticos a comportamentos virtuosos ou, com expectativas mais modestas, inibam as condutas viciosas. Ora, o modelo político brasileiro parece ter sido costurado para compor guarda-roupa de cabaré. Não há como frear a corrupção que se nutre num modelo institucional que a favorece tão eficientemente, seja na ponta das oportunidades, seja na ponta da impunidade, vale dizer, pela via das causas e pela via das consequências. Não estou falando de leis que a combatam, mas de um modelo político que a desestimule.

          Como? Adotando procedimentos e preceitos comuns nas Forças Armadas. Libertando a administração pública dos arreios partidários, por exemplo. Ao entregar para o aparelhamento partidário a imensa máquina da administração (que a mais elementar prudência aconselharia afastar das ambições eleitorais), o Brasil amarra cachorro com linguiça e dá operosidades e dimensões de serraria industrial ao velho e solitário “toco”. “É politicamente inviável fazer isso no Brasil”, estará pensando o leitor destas linhas em coro com a grande maioria dos que, entre nós, exercitam poder político. Eu sei, eu sei. Não sou ingênuo. Está tudo errado, mas não se mexe. As coisas são assim, por aqui.

          Do mesmo modo como a fusão do Governo (necessariamente partidário e transitório) com a Administração (necessariamente técnica e neutra porque permanente no tempo) cria problemas e distorções de conduta, a fusão do Governo com o Estado (que, por ser de todos, não pode ter partido) faz coisa ainda pior no plano da política interna e externa. Desde a proclamação da República, todo governante trata de aparelhar o Estado e exercer influência sobre suas estruturas.

          Por fim, quero lembrar que o relativismo moral veio para acabar com a moral. O novo totalitarismo elegeu como adversário os valores do Ocidente. Multidões, sem o perceber, tornaram-se moralmente sedentárias.

Abandonaram os exercícios que moldam a consciência e fortalecem a vontade. Ao fim e ao cabo, em vez de uma sociedade onde os indivíduos orientam suas vidas segundo os conceitos que têm, constituímos uma sociedade onde os indivíduos conformam seus princípios e seus valores à vida que levam.

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* Percival Puggina é membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do sitewww.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo;Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

28/04/2015

 Sou leigo católico. Não faz parte de meus deveres de batizado seguir a orientação da CNBB para uma reforma política no Brasil. Reforma política é tema político e quem entra na pauta vai, necessariamente, para o contraditório. Ao se comprometer tanto com o assunto, a CNBB se envolve em algo que não lhe diz respeito e onde, mesmo entre juristas e cientistas políticos, as opiniões divergem. Como leigo, sou membro do Corpo Místico de Cristo (que é a própria Igreja, cuja unidade defendo e integro), mas quando a Conferência envereda no campo político, é ela que desliza para o espaço das opiniões e para os conflitos inerentes a essa atividade, desligando-se do que deve ser unitário. Nem fica bem invocar a unidade para eximir-se do contraditório, ou para fazer um tipo de crítica que tenta desqualificar a crítica.

 Um grupo de 112 entidades uniu-se em torno de um projeto de reforma política para o país. Seguindo a velha cartilha da mobilização, iniciaram coleta de assinaturas, em busca do mínimo constitucionalmente exigido para os projetos de iniciativa popular - 1,5 milhão de adesões. O projeto foi amplamente divulgado em outubro de 2014 pelo movimento Eleições Limpas (www.eleicoeslimpas.com.br) e hoje é acionado por uma certa Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas (procure no Google por esse nome e clique em "Quem somos").

Examine a lista e depois me responda: qual o partido ou tendência ideológica que lhe vem à mente quando lê MST, CUT, Via Campesina, CONTAG, UNE, FENAJ? Em meio a uma batelada de ONGs que vivem às nossas custas, com acesso franqueado a verbas públicas, também integram a tal Coalizão: o MMC (Movimento das Mulheres Camponesas, aquelas que destruíram os laboratórios da Aracruz em 2006 e atacaram recentemente, em Itapetininga, um laboratório da Suzano Papel e Celulose), a UBM (entidade de mulheres pró-aborto), a RFS (Rede Feminista de Saúde, pró-aborto), a REBRIP (rede de ONGs e movimentos sociais com propostas "alternativas"), a Liga Brasileira de Lésbicas, o Movimento Evangélico Progressista, a Articulação Mulheres Brasileiras (pró-aborto e contra os direitos dos nascituros). Que interesses em comum podem ter com a CNBB?

Qualquer pessoa minimamente informada percebe que "tem PT nesse negócio". E tem. A proposta é um espelho das questões centrais do projeto petista de reforma política: voto em lista (acrescentando um segundo turno com voto nominal); financiamento exclusivamente público, ou seja, custeado pelos pagadores de impostos; um reforço aos instrumentos de democracia direta (bebendo água no Decreto Nº 8243, aquele dos sovietes). Agora, uma diferença. Enquanto a proposta petista falava em igual número de candidaturas masculinas e femininas aos cargos legislativos, a proposta da CNBB é mais moderninha e fala em igualdade de "gênero". Pode? Pode. É a CNBB. Enfim, a concepção do projeto é tão petista que o site do PT, em 26 de fevereiro, comemorou o manifesto da CNBB, conforme pode ser lido em (http://www.pt.org.br/cnbb-e-oab-lancam-manifesto-em-apoio-a-reforma-politica/).

Os católicos já foram solicitados pela CNBB, em 2002, a assinar por um calote da dívida externa (chamado de "auditoria") que absolutamente não era necessário; convidados a assinar por um plebiscito e uma nova constituinte que a ninguém interessou; convencidos de que a salvação moral da política viria da lei da ficha limpa (uma lei boa, aliás) que precedeu a maior ladroagem da história. Agora estão escaldados, e as assinaturas pela Reforma Política patinam, distantes do 1,5 milhão de adesões. Por isso, surgiu um formulário suprimindo do cabeçalho os nomes das entidades que revelam a vinculação da iniciativa aos já desacreditados interesses petistas. Desculpem-me, mas isso não se faz. Parece coisa de, digamos assim, petistas.

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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
 

Percival Puggina

26/04/2015

 

 Durante décadas, vivemos sob ditadura marxista no ambiente acadêmico. Era marxista a chave de leitura para todos os fenômenos sociais, históricos, políticos e econômicos. Eram marxistas os parâmetros curriculares, a bibliografia, os referenciais teóricos, as provas, as respostas aceitas como corretas e as teses. Todo o ensino se abastecia na mesma padaria, e todo pão do saber era servido com fermento marxista. Descendo os degraus para os demais níveis, multidão de professores do ensino médio e fundamental, nutrida do mesmo pão, servia do que lhe fora dado. E assim se formavam jornalistas, mestres, doutores e alfabetizadores. Marx no topo e Paulo Freire na base. A alfabetização, que era feita em poucos meses no primeiro ano do ensino fundamental não se completa em três anos. E 63% da população é analfabeta funcional. Eis é a excelência em injustiça social!

 No Brasil, felizmente, o engodo marxista caminha para extinção. Mundo afora, em 150 anos de história, só produziu caca. Suas deficiências estão sendo escancaradas, entre nós, por três avanços tecnológicos: internet, redes sociais e IPhone. Através desses novos meios, abrem-se ao brasileiro comum, em especial aos jovens, novos horizontes e melhores fontes de conhecimento. Méritos a Olavo de Carvalho e seus alunos. Mérito aos conservadores e liberais que se organizam com o intuito de enfrentar a hegemonia cultural marxista imposta ao país ao longo de décadas. Méritos aos novos escritores, jornalistas, pensadores e blogueiros que emergem das trevas, portando as minhas esperanças e formando uma nova elite, em tudo superior a que pavimentou o caminho de Lula e dos seus.

Desejo pronta recuperação a quem tem enxaqueca e convulsões ante essas duas palavras - "liberais" e "conservadores". Mas eu precisava fazer este anúncio para dizer que a situação começa a mudar. Quem o diz é a voz das ruas e são os fatos que o indicam. É nítido o mal-estar instalado em setores significativos do mundo acadêmico e do jornalismo brasileiro, habituados a falar sem contraditório. A percepção de que o marxismo e a esquerda perdem fieis e ganham oposição consistente na sociedade onde haviam construído hegemonia está desestabilizando muita gente que já começa a falar em guerra! Políticos habituados a assassinar reputações, assistem o suicídio da própria. No fundo, prefeririam que as posições estivessem invertidas. Então, bradariam por impeachment e estariam dizendo, dele, aquilo que de fato é: um meritório instituto, concebido para lembrar ao governante que pode muito, mas não pode tudo. O crescente descrédito do marxismo e o desprestígio do governo são duas boas notícias para a Educação no Brasil.

Zero Hora, 26/04/2015


 

Percival Puggina

24/04/2015

 

 Estará o Brasil aprendendo com os próprios erros? Aprendem algo os homens públicos observando a história e os fatos do presente? Parece pouco provável. O erro costuma ser a mais perigosa e a menos produtiva forma de aprendizagem. A expressão que dá título a este artigo surge com freqüência, em forma de argumento, por exemplo, nas altercações entre pais e filhos quando estes desejam fazer algo que aqueles afirmam ser errado. A frase se esgotaria na própria insensatez, se a sensatez não fosse qualidade cada vez mais rara na vida social. Por isso, a pedagogia do erro, o "errando também se aprende" ganha dimensão de sabedoria conquistada a duras penas e justifica muita conduta imprópria.

Entendamos bem a questão. Há uma diferença fundamental entre o erro cometido por quem quer acertar e o erro praticado por quem deliberadamente busca o mal. É provável que o primeiro cumpra, sim, uma função didática, não tanto por causa do erro em si mesmo, mas devido ao anterior e posterior desejo de agir bem. Pela razão inversa, aquele que erra sabendo que vai fazer algo incorreto, dificilmente aprenderá qualquer coisa que lhe venha a ser útil porque, tendo buscado intencionalmente o mal, não está animado para uma aprendizagem adequada.

Na maior parte dos casos em que essa expressão costuma ser empregada é importante verificar se não se trata de uma artimanha, coisa de quem, na verdade, já aprendeu, mas está seduzido por algum erro tentador. “Deixem-me errar porque errando se aprende”, pedia a mocinha de certa novela. Ora, “deixem-me errar” implica o prévio reconhecimento de que se vai em direção a um erro e, portanto, quem diz isso já sabe o que é errado e o que é certo. Já aprendeu. E o mais provável é que acabe desaprendendo.

Ademais, o erro não pode ser usado indiscriminadamente como forma de aprendizado pois, como regra, existem outros métodos mais vantajosos, tais como os proporcionados pela observação, pela sadia orientação e pelos bons livros. Em outras palavras: dentre todas as formas de aprender, a pior - a que devemos relegar à posição mais remota - é aquela que o erro pode facultar, principalmente quando dele podem advir graves problemas a quem erra e/ou aos demais. Viu, dona Dilma?

No caso brasileiro, a situação se agrava. Estabeleceu-se, aqui, ativa e até agora dominante, uma pedagogia que dissemina o erro, serve o mal como bem e a mentira como verdade. Interpreta ardilosamente os fatos, muda a história e, por isso, nada aprende sequer das grandes catástrofes políticas e econômicas vividas por outros povos. É uma pedagogia maligna por excelência. Quando se depara com as consequências dos erros a que conduz, jamais faz o mea culpa. Com o ar indignado, gira o dedo indicador para qualquer direção, exceto à do próprio peito.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.