• Percival Puggina
  • 08/03/2017
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GOLEIRO BRUNO E DANO MORAL A PRESOS - RESPOSTA A UM LEITOR

 

A propósito de artigo anterior com o título "Estancar a sangria", recebi mensagem de um leitor cujos argumentos convergiram para a defesa das duas decisões do STF que eu havia atacado: a soltura do goleiro Bruno e o pagamento de dano moral a presos em virtude das condições precárias dos estabelecimentos penais. Em resumo, diz ele, muito respeitosamente:


Quanto à soltura de Bruno:
" ... entendo correta a decisão monocrática do STF em face da impossibilidade lógica e racional de se admitir que um tribunal de 2ª instância (TJ-MG) demore mais de três anos para apreciar um recurso penal de cidadão que se encontre preso. Isto acontece no Brasil? Sim, mas é impensável tal ocorrência em um país sério. Muito embora a sentença condenatória tenha determinado que o réu não poderia apelar em liberdade, tendo em vista a forma e meios com que praticou o crime, bem assim por já possuir condenação penal anterior, mesmo assim, não pode, ou pelo menos não deve o poder judiciário nacional olvidar o fato de que a liberdade é bem indisponível de cada indivíduo, e não pode ficar perdido no tempo o julgamento de qualquer recurso que verse sobre a questão. Diante da realidade judiciária brasileira, onde, de forma infeliz e absurda, as leis processuais não definem excesso de prazo para julgamento de recurso, a demora em dele conhecer não pode ser infinita. Salvo equívoco, o STF apenas corrigiu esta falha, colocando em liberdade o condenado, sem prejuízo do cumprimento integral da pena a ele cominada, caso algum dia o recurso venha a ser julgado e mantida a pena estipulada na sentença condenatório de primeiro grau".


Quanto à indenização a preso:
"... entendo que o STF agiu acertadamente. Infelizmente, só agora, pronunciou-se sobre a questão. Embora seja difícil determinar com precisão, o que significa "dignidade da pessoa humana" ela é um dos fundamentos da Constituição Brasileira de 1988, insculpida que está no inciso III do artigo 1º da nossa Carta Magna. Certamente, por mais tênue ou disforme que possa ser considerada a dignidade da pessoa, ela passa longe de qualquer cela de delegacia, casa de custódia ou penitenciária dos nossos rincões pátrios. Ora, é elementar que no mundo moderno, em qualquer país sério, a condenação ou a espera de julgamento por delito cometido significa tão somente a restrição da liberdade e nunca a extinção dos direitos fundamentais da pessoa, nos termos em que são hodiernamente definidos. Durante séculos, vigorou no mundo e no Brasil, a teoria da irresponsabilidade do Estado, calcada no argumento de que o Estado não erra pois atua para atender o interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso. Com o progresso civilizatório que, a passo de jabuti, vem progredindo sobre o planeta, o Estado brasileiro viu-se abrigado a legislar e definir seu próprio comportamento enquanto autoridade maior de representatividade de um povo. Tendo em vista o disposto no caput do artigo 37 e seu § 6° da nossa Carta Maior, o Estado obrigou-se a atuar submetido à teoria da responsabilidade objetiva do estamento jurídico vigente, condição que habilita como boa e tempestiva, até prova em contrário, a decisão do STF em condenar o Estado a ressarcir , por meio de indenização, os danos por ele cometidos.

Minha resposta

Li com muita atenção e interesse sua mensagem e ponderei seus argumentos. Sei que o socorrem algumas razões, mas, certamente, não toda a razão. As suas são as razões da ordem jurídica. As minhas foram as razões da justiça como valor moral, da boa política, da ordem pública, da segurança social, da vida em sociedade, do papel pedagógico das instituições, dos pagadores de impostos e, por fim, de algo tão singelo, mas robusto, quanto as razões da vida como ela é. Não tenho formação jurídica, mas imagino que os reflexos sociais das decisões judiciais e do modo de executá-las sejam objeto de estudo nos meios acadêmicos.

Pergunto: indenizar praticamente todos os presos do país por maus tratos é preceito que cria esse direito, assim, como pedágio? Vale por quanto tempo? O preso recebe ao ingressar no sistema, cujo caos começa na carceragem da delegacia, ou só no estabelecimento penal? Ao retornar às ruas ou durante o cumprimento da pena?

Não estou solitário nessas ponderações. O ministro Barroso em seu voto contrário à decisão majoritária, propondo algo muito mais racional - a redução proporcional da pena - afirmou: “A indenização pecuniária não tem como funcionar bem. É ruim do ponto de vista fiscal, é ruim para o preso e é ruim para o sistema prisional. É ruim para o preso porque ele recebe R$ 2 mil e continua preso no mesmo lugar, nas mesmas condições”.

Quanto ao caso Bruno, o fato de esse bandido andar solto é motivo de vergonha para a justiça brasileira. É o legítimo caso para "Shame on you, your honor!" Como pode um ser humano, simples mortal, ainda que investido de poder de Estado, decidir solitariamente matéria de tal gravidade e tão intensa repercussão? O ministro Marco Aurélio serviu seu cálice de direito a um monstro e abasteceu até a borda, para os cidadãos de bem deste pais, uma represa de revolta e descrédito na justiça.

Por outro lado, o mesmo Estado que se entende obrigado a indenizar homicidas, estupradores, ladrões, contrabandistas, traficantes, porque ele, Estado, não lhes proporciona adequados estabelecimentos penais, lança no absoluto abandono as vítimas desses mesmos criminosos. Tais vítimas são, todas, contribuintes da máquina pública, de seus privilégios e prodigalidades; e, agora, também, pagadoras das multas ele impõe a si mesmo por aquilo que não faz. Ou seja, os lesados, os órfãos, as viúvas, vão custear as indenizações que o Estado decidiu pagar a seus malfeitores. Esse tipo de "justiça" anda muito distante da minha capacidade de entendimento.

Forte abraço
Percival Puggina


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 


André -   12/03/2017 22:38:13

O Brasil é maduro para tudo o que é bom para os bandidos e é verde para tudo o que é bom para as pessoas de bem. Sou a favor disso tudo aí, soltura de presos quando ficam muito em cárcere e ao pagamento de indenização, mas não agora... não hoje. Hoje precisamos ser o que somos, aceitadores de inúmeros casos ridículos porque de ridículos o Brasil esta cheio.

Júlio -   11/03/2017 21:52:00

No caso do goleiro Bruno, condenado pela justiça, a qual cumpriu quase 7 anos de prisão, não concordo com sua posição. Sr que defende os valores éticos e Morais com certeza não seria a favor da pena de morte. O goleiro está cumprindo a pena pela barbárie. E aqueles que ao nosso arredor estão impunes? E as nossas mazelas interiores no escrutínio do coração faz de nós melhores que o assassino? Enfim, indignar e exigir pena de morte alheia é fácil e desonestamente intelectual.

Ismael de Oliveira Façanha -   11/03/2017 21:20:43

Tecnicamente a soltura do goleiro Bruno está correta, mas não envolve o mérito da questão, é PROVISÓRIA e provavelmente não resistirá ao julgamento em última instância. É um caso perdido, mas o réu mesmo assim conseguiu fazer um bom casamento, no cárcere!

Adilson Minossi -   11/03/2017 14:26:44

Estimado Puggina, estou com você. O Marco Aurélio Mello é um carioca aparecido, gosta de holofotes. Faz caras e bocas (como faz o Tarso Genro também) para as câmeras do STF. Mas o que poucos disseram foi o seguinte: Ele tá pouco se lixando para o goleiro Bruno. O que ele quis com isso foi deixar a porta aberta para fazer o mesmo, ou seja, soltar a bandidagem que está presa em Curitiba. Tomara que o pleno do Supremo, ao analisar o recurso da mãe da moça que o Bruno matou e esquartejou, vote contra a decisão solitária e absurda do Marco Aurélio Mello. Esse Marco Aurélio vai ser ator da Globo assim que se aposentar no STF....

Odilon Rocha -   09/03/2017 00:11:41

O que mais me impressiona, caro Professor, é em momentos como esses, que até parece que o rapaz aí não saiba o que se passa no Brasil, a não ser que finja que não sabe, ou, então, está a serviço do que aí está, é alguém ainda achar palavras, cheias de circunlóquios jurídicos e explicações um tanto quanto ambíguas, para tentar justificar o injustificável. Aliás, essa turma sempre tem explicação para tudo. Ele vai explicar os juros escorchantes? A alta carga tributária, um roubo oficializado, com péssimos retornos? E o que é que nós temos a ver com as péssimas condições nos presídios? Maus tratos e desumanidades praticadas? Sinceramente, ... .

Odonias Mendes -   08/03/2017 21:26:11

Essas decisões podem até ter sido legítimas, mas é um tapa na cara do povo brasileiro. Lamentável!

Jose Fialho -   08/03/2017 21:22:51

Caro Arq. Sr. Percival Compreendo a sua revolta ate certo ponto. Com efeito a justiça brasileira deixa muito a desejar em múltiplos aspectos, mas não naqueles que o sr refere. E dá mais lídima justiça que os direitos do cidadão não sejam pisoteados diariamente por estado corrupto que só defende os interesses dos grandes, lobies trustes,grupos,deixando o cidadão comum seja ele preso ou não ao mais completo abandono. Seria bom que nos, o sr, eu, e os outros concidadãos fossemos lestos em condenar e exigir uma limpeza verdadeira dá corrupção, sem Temer, sem Dilma, sem Eduardos, sem Dirceus e outros que tais, para so falar dos grandes, porque a corrupcao infelizmente é generalizada. Não foi o STF nestes casos quem errou nem nenhum de seus ministros monocraticamente, e a lei é seu cumprimento que assim exige, especialmente a Lei Maior que sabiamente erigiu direitos fundamemtais que devem ser respeitados. Pena é que os restantes cidadãos que diariamente veem seus direitos vilipendiados pelo Estado Democrático de Direito, como os doentes em fila de espera muitas horas para ao final da espera sequer serem atendidos, para os outros que esperam meses/anos para uma intervenção cirúrgica vital para a sua vida, que acabam morrendo na fila des espera. Pena que esses não entrem com ações indenizatórias contra o Estado que malfere a Constituição diariamente. Mas podemos ainda falar de educação tão maltratada neste país, e outras áreas tão carentes, cujos direitos estão plasmados na constituição. NÃO não são as decisões do STF que nos devem irar, porque corretas, mas sim as omissões diárias de quemgoverna que merecem o nosso repudio e o nosso desprezo, IRÁ até, por desrespeitarem direitos fundamentais dos cidadãos diariamente. Ao contrario o Judiciário deve merecer o nosso aplauso ir finalmente ser o guardião da Constituição e dos direitos individuais e coletivos, e o nosso incentivo para que ações responsabilizadoras do Estado por descumprir a Constituição sejam Sena de arremesso para a concretização de uma sociedademelhor e mais justa, delineado na Constituição da República Brasileira.

Nelson -   08/03/2017 15:43:40

Perfeito. Nada a acrescentar. Não há cidadão de bem que não tenha ficado enojado com estas duas decisões.

indignado -   08/03/2017 14:06:49

O honesto trabalha e tem que pagar impostos, ou seja, perder parte da sua renda para o estado. É assaltado e perde, no mínimo, patrimônio, para o bandido. Preso o bandido que "ganhou" o patrimônio do honesto, a família do primeiro recebe pensão pela qual ele contribuiu com nada ou insuficientemente e assim ganha renda também. Agora para fechar com chave de ouro, o bandido processa o estado que pegou o dinheiro do honesto e desviou. Quem perde de novo é o honesto, quem ganha de novo é o bandido. Falta regulamentar a profissão de bandido, com carteira assinada e tudo, assim pelo menos eles contribuem com um pouco do que ganham. Argumentar tecnicamente e relevar questões morais é tipico de quem tem pouca envergadura intelectual e tirou aquele diplominha que fez dele tudo que é: um doutor. Sem estofo, diga-se.

Mauro -   07/03/2017 23:37:14

Caro Sr. Puggina, como sempre, seus comentários me parecem completamente sensatos e pertinentes. Eu também não consigo entender como o estado pode ser, ao mesmo tempo, tão "bondoso" com malfeitores e tão relapso com pessoas honestas, vítimas desses mesmos malfeitores. Mas uma dúvida me surgiu: haveria um meio de essa vergonhosa indenização ser imediatamente direcionada às vítimas do presidiário?

clea coppola -   07/03/2017 22:37:50

No caso Bruno, deveríamos apenas perguntar ao TJ Mineiro: pq o fizeram? Ou não o fizeram? Lei é lei.

Jonny Hawke -   07/03/2017 20:29:43

Acho que um monte de gente como eu que só trabalha e quer viver tranquilamente está cheio desse tipo de gente que defende o indefensável. Professor sua resposta foi ótima até demais! Rezo para que tenha efeito nessa pessoa! Que ela deixe de um lado sua "lavagem cerebral" e entenda que "aplicar indenizações aos presos" só vai gerar mais crime e não resolver. Não adianta apelar pra constituição sendo que os políticos que essa pessoa defende são os primeiros a não cumpri-lá! Esse leitor ou estudante "filho de papai" brincado de "Comunista Caviar", ou é sindicalista ou até mesmo político.

Genaro Faria -   07/03/2017 19:49:36

Professor Puggina, " fiat justitia, pereat mundus" (faça-se justiça, que o mundo se acabe) parece ser o postulado supremo de ministros da justiça com a mente grávida de soberba vaidade e vazia de senso da realidade. Essa tresloucada decisão de indenizar por maus tratos os custodiados do estado é irmã siamesa da ideia de que os delinquentes agem em legítima defesa contra a sociedade que não paga sua "dívida social". Como no famoso conto de Machado de Assis, O alienista, esses iluminados ainda vão acabar mandando prender a sociedade por mau comportamento.