Percival Puggina

13/11/2016

 

 O mundo se exclama diante da eleição de Donald Trump. Como pode alguém com tais características ser eleito na maior democracia do mundo? A meca do capitalismo mundial, do livre comércio, seduzida pelos acenos de rigoroso protecionismo? Onde foi parar o discurso da competição que gera a competência, beneficiando a todos? Que houve com "the land of the free, the home of the braves"? Decidiram os livres cercarem-se de muros e barreiras? Recolheu-se a bravura aos seus quartéis? Meu umbigo, minhas regras, my business?

 Se não levo a sério a bazófia de Donald Trump, menos ainda me ajoelho ante as crenças de Hillary Clinton. O Partido Democrata representa cada vez mais um esquerdismo militante. Ademais, há uma vaga aberta na Suprema Corte e o preenchimento pelo futuro presidente desempatará o jogo entre conservadores e progressistas. No poder, Hillary entregaria a maioria da Suprema Corte ao ativismo judicial e abriria a porteira para a judicialização das teses "progressistas". Autorizada pela tradição, note-se, a Suprema Corte dos Estados Unidos "legisla" legitimamente, decidindo sobre temas jurídicos e políticos da mesma forma que o nosso STF vem fazendo, com muito menor tradição e legitimidade. Ademais, o partido da senhora Clinton foi tomado pelo multiculturalismo que reverencia todas as culturas, mas detesta o Ocidente. Abraçou-se à tolerância, mas rejeita o conservadorismo, a direita e o cristianismo. São gritantes as semelhanças entre as pautas do Partido Democrata e as da esquerda brasileira e isso explica muitas reações à derrota da senhora Clinton entre formadores de opinião no Brasil. Foi como se houvessem perdido alguém da família. Não, definitivamente, o ano não lhes foi bom.

 Não terá contado a favor de Trump o que era visto por muitos como defeito? Com a liberdade sufocada pela opressão do tal "politicamente correto", não terão, muitos eleitores, optado por um governo com mais testosterona? Quem sabe? Pessoalmente, alinho-me aos muitos que entendem o recente processo eleitoral como uma acirrada disputa entre dois males, tendo constrangido cada eleitor à subjetiva opção pelo que entendesse como o mal menor. E tenho aí o ponto que me interessa. O presidencialismo norte-americano conta mais de dois séculos de estabilidade política e institucional. Pois até ele, que já produziu tantos estadistas e é o único do qual se dizia funcionar bem, gera situações constrangedoras como esta. Por nossas bandas, estamos habituados. Vota-se, quase sempre, em quem não se desejaria votar para que não vença quem menos se quer vitorioso.

Proferida a sentença pela voz das urnas aqui, ou pelo Colégio Eleitoral, no complexo sistema de lá, o senhor Trump terá um mandato de quatro anos a cumprir e só o perderá mediante processo de impeachment que combine conduta criminosa com apoio parlamentar inferior a um terço dos cem senadores. Isso não faz sentido. Não responde à razão um modelo institucional que não permita afastar o governante desastroso. Se Trump efetivamente quiser fazer, puder fazer e fizer tudo que sugeriu ou com que se comprometeu durante a campanha eleitoral, será um desastre. O que resguarda um pouco melhor a situação do país é que lá a federação funciona, quem governa são os governadores e o Congresso tem grande força sobre os atos da administração federal e sobre a política externa. O presidente norte-americano é muito mais chefe de Estado do que chefe de governo.

No Brasil, a República significou um simultâneo rompimento com as raízes europeias de nossa cultura política. Após quatro séculos, refluíamos do além-mar e nos voltávamos para os "irmãos do Norte", dos quais copiamos a forma de Estado (federação) e o sistema de governo (presidencialismo). Mas ao fundir inteiramente a chefia de Estado com a de governo, estragamos mais o que já não era bom. (...)

(Conteúdo exclusivo. O artigo completo está em Zero Hora de 12/11/2016)



 

 

Percival Puggina

11/11/2016

 

 Num ambiente diferente deste em que o sistema educacional brasileiro foi embretado e assaltado, Paulo Freire não seria escolhido como patrono da Educação nacional, nem professores assumiriam como expressão de seu status profissional o título de trabalhadores em Educação. Já naufragávamos nessas águas, em 2004, quando substancioso relatório da UNESCO intitulado "Perfil dos professores brasileiros", constatou que 72% dos nossos trabalhadores em educação assumiam como sua principal função "formar cidadãos conscientes". Apenas 9% priorizavam "proporcionar conhecimentos básicos" e não mais de 8% sublinhavam a importância de "formar para o trabalho". Noutro item da mesma pesquisa, 64,5% dos professores tinha consciência, em grau alto e muito alto, de exercer um "papel político". Infelizmente, não se requer nova investigação para saber que de lá para cá, ao longo dos últimos 12 anos, também nisso a situação só se agravou.

 O Edital que em 2014 abriu o processo de inscrição e seleção de livros didáticos a serem utilizados em 2016 (PNLD 2016) determinava que as obras que tratassem das Ciências Humanas e da Natureza deveriam, entre vários outros quesitos, visar à formação de "cidadãos do século 21", prontos para "lutar pela construção de uma sociedade mais justa, solidária, sem preconceitos e estereótipos". Lutar tem presença obrigatória em todos os objetivos pedagógicos nacionais. Então, poderíamos andar mais por estas "lutas", analisando os engajamentos dos sindicatos de professores, a exibição e a ocultação de livros didáticos no mundo acadêmico, os compadrios ideológicos na seleção para cursos de mestrado e doutorado e por aí afora. No entanto, valendo-me do sonoro verso de Lupicínio, é sobre "esses moços, pobre moços" que andam por aí, invadindo escolas, que desejo escrever. Eles são os alvos vulneráveis desse sistemático ataque ideológico.

A sociedade brasileira acabou de reproduzir nas urnas o que, intensamente, manifestou antes nas ruas do país. E para onde se voltam os derrotados? A quem buscam para recompor seus efetivos de pessoal e seu mercado ideológico? Insidiosamente, valem-se da crise que geraram e promovem consumo ao seu catálogo de rótulos: neoliberalismo, desmonte, sucateamento, precarização, fascismo, golpe. E, com isso, mobilizam esses moços, pobres moços, para invadirem milhares escolas.

Numa lista de 65 países, os colegiais brasileiros na faixa etária dos invasores, ou seja, 15 anos, ocupam o 55º lugar no ranking de leitura, 58º no de matemática e 59º no de ciências. Malgrado tão fraco desempenho, apesar de submetidos aos métodos pedagógicos e programas em vigor, bem como a esses professores militantes, nunca foram vistos reclamando contra isso! Em compensação, suporá o leitor, se vão mal em português, matemática e ciências, a cidadania há de estar em muito boa forma. Lamento decepcioná-lo: quando a roubalheira promovida pelos corruptos chegou ao conhecimento de todos, os atuais invasores de escolas e seus tutores, se saíam às ruas, era para uma revolta de marionetes, denunciando um suposto golpe, chamando bandidos de heróis e condenando o juiz. Cidadania? Pois sim!

Não mais do que um punhado de alunos participa das invasões. Centenas de milhares ficaram prejudicados com a postergação de suas provas para o ENEM. É a democracia de tagarelice e a cidadania chapada, em que a minoria faz o que não deve e a maioria não faz o que deve. Afinal, o PCdoB obteve, nesta última eleição, votos correspondentes a 1,1% do eleitorado brasileiro (e nunca foi maior do que isso), mas comanda e se regala na UNE desde que eu era criança. E agora tome assento, leitor: a Defensoria Pública da União acaba de editar uma cartilha intitulada "Garantia de direitos em ocupações de instituições de ensino", explicitando "os direitos fundamentais que são exercidos e que devem ser respeitados no contexto das atuais mobilizações: a liberdade de expressão, a liberdade de reunião e a liberdade de associação (...) e o princípio constitucional da gestão democrática do ensino público". Te mete!

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

09/11/2016

 

 Domingo passado, no Parque Moinhos de Vento, aqui em Porto Alegre, compareci à manifestação promovida pela ONG Armas pela Vida, que se mobiliza em nome do inalienável direito de defesa. Sou um inconformado e intransigente defensor dos direitos naturais da pessoa humana. Afinado com as razões de seus autores, subscrevo integralmente a conhecida frase da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Creio, como eles, que todos homens são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade.

 Tive a alegria de encontrar ali no Parcão muitos conhecidos de outras jornadas pela restauração ética e democrática do país que também tiveram início naquela pequena e arborizada ágora. Entre nós, Benê Barbosa, grande adversário do Estatuto do Desarmamento. Não é de estranhar nosso reencontro em torno de uma nova pauta. O Estatuto do Desarmamento tem o mesmo DNA dos desastrados alinhamentos filosóficos que guiavam as ações do governo cuja presidente foi cassada no dia 31 de agosto.

A questão de fundo, agora, é bem simples. O Estado que se mete no cotidiano dos negócios privados para impedir a terceirização de "atividades essenciais" das empresas, é o mesmo Estado que "terceiriza" para si a possibilidade de defesa efetiva da vida e do patrimônio dos cidadãos.

Ora, se o direito à vida é o primeiro e o mais fundamental dos direitos da pessoa humana, como se pode entender que a possibilidade de defesa dessa vida lhe seja negada? Os órgãos de segurança pública do Estado que a eles atribui, de modo exclusivo, a competência dessa defesa mediante armas de fogo são os primeiros a reconhecer a impossibilidade de atender, minimamente, a imprescindível tarefa. E assim ficam os cidadãos entregues à sanha dos criminosos, submetidos a um estatuto que a estes assegura, na quase totalidade de suas ações, serem os únicos com o dedo no gatilho.

Vá ao presídio de sua cidade e pergunte aos que ali estão recolhidos se são favoráveis ao projeto que revoga o Estatuto do Desarmamento. Pergunte se querem que suas vítimas potenciais sejam autorizadas a possuir e portar armas. Pois é. Não precisa perguntar porque a resposta é mais do que evidente. A revogação do Estatuto prejudicará suas ações.

Eu posso querer ou não querer ter arma de fogo, sujeitar-me ou não ao devido treinamento e aos testes necessários. Mas o Estado não pode, de plano, impedir-me de defender minha família com os meios adequados.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

06/11/2016

 

 Como de hábito, a CNBB resolveu alinhar-se aos partidos de esquerda no combate à PEC 241. Eu andava sentindo falta da CNBB oposicionista, tão silenciosa nos longos anos de insucessos e malfeitos do PT. Aliás, durante os mandatos petistas, a cada quatro anos, ao se aproximarem as eleições, os documentos publicados no site da Conferência com o título Análise de Conjuntura dedicavam-se a combater os argumentos e diagnósticos da oposição. Em outras palavras, disparavam desde a trincheira do governo. Estou chovendo no molhado, bem sei.
O que interessa aqui é esta nota dos senhores bispos contra a PEC 241. Eis sua essência:

"A PEC 241 é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública."

E também:

"A PEC 241 afronta a Constituição Cidadã de 1988. Ao tratar dos artigos 198 e 212, que garantem um limite mínimo de investimento nas áreas de saúde e educação, ela desconsidera a ordem constitucional."

Comecemos por esta última. A CNBB sustenta uma tese surpreendentemente genérica. A de que se uma proposta de emenda à Constituição alterar preceito da Constituição ela é inconstitucional. Nesse caso, para que existiram tais propostas? Uma PEC só será inconstitucional se ferir princípio constitucional ou cláusula pétrea, como tal declarada pelos constituintes originários (1988). Não é o caso. Corporações do Poder Judiciário, por exemplo, se insurgiram contra a PEC por outro viés, invocando o princípio da independência dos poderes, mas o STF já sinalizou que não concorda. O que esse corporativismo pretende é que a cabine dos passageiros de primeira classe não balance quando o avião atravessa zona de turbulência. A própria presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, já se manifestou a favor da PEC e contra o argumento dos magistrados.

Quanto ao primeiro ponto da nota, a CNBB acompanha as críticas dos partidos de esquerda, que:

1. se esfalfaram na análise de consequências da PEC 241 que supõem funestas exatamente aos setores que ela pretende proteger;
2. dizem lutar por mais recursos à Saúde e à Educação, mas parecem não aceitar que esses recursos sejam suprimidos de outros setores, ou seja, haverá que buscar nos ventos e nas estrelas os recursos que pretendem obter;
3. apenas como contraponto e denúncia, trataram da não inclusão do setor financeiro nos ônus da contenção da despesa pública.

Desconsideraram, neste particular, que os títulos do governo são adquiridos pela sociedade como forma de poupança e investimento. É o dinheiro para compra da casa, troca do automóvel, educação dos filhos, reserva para velhice, abertura de um negócio. As medidas que a CNBB pretende contra esses cidadãos produzirão fuga de capitais para outros ativos, redução ainda muito maior dos investimentos produtivos, seriíssimos problemas de financiamento para o governo, que redundariam em aumento da taxa de juros e aprofundamento da recessão. Afinal, não foi a irresponsabilidade fiscal que nos lançou no atual cenário de dificuldades?

Não é sensato recusar racionalidade ao comportamento dos agentes econômicos. Nenhum poupador poupa para suprir o Estado e suas funções. Nenhum investidor anda em busca de governos para socorrer generosamente. Só fundos de pensão administrados por petistas investem em títulos públicos venezuelanos. Bobo é quem, pensando que o dinheiro é bobo, gasta mais do que pode. Agora, tanto os que se serviram politica e/ou pessoalmente da gastança, e os que nada disseram contra ela, se introduzem no palco como zelosos defensores do interesse público. O interesse público, hoje, se chama controle do gasto público, segurança a quem empreende, gera empregos, renda e tributos. Ah! sobre a auditoria da dívida, basta perguntar ao PT como conseguiu quintuplicar em13 anos o compromisso que carregamos.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

03/11/2016

 

 O "Fora Seja Lá Quem For" é uma expressão de desejo que acompanha a vida do petismo quando não é ele que manda. O partido, que sempre quis derrubar os governos que o antecederam no poder, retoma, agora, suas velhas exortações golpistas. Por isso, até mesmo professores iniciam suas aulas com o ensaiado bordão "Primeiramente, Fora Temer". Não se aborreçam, portanto, com o título deste artigo. Não fui eu quem começou. A gente poderia atribuir a essas manifestações esquerdistas um sentido anedótico, supor que sejam mera expressão de sintonia com o diapasão do governo cassado. Sim, sim, a gente poderia. Não fosse o que vem junto.

  Observo com preocupação, desalento e pesar o rumo das invasões em curso no país. Poderia dizer - Danem-se! - a esses rapazes e moças. Danem-se com seus sofismas, sua retórica de enganar bobo, suas incongruências e inconsequências! Mas prefiro questioná-los. Onde estava essa indignação postiça quando o Brasil era roubado em centenas de bilhões? Onde se ocultava essa insofreável defesa da Educação enquanto o desempenho escolar os precipitava para os últimos degraus nos comparativos com seus colegas, mundo afora? Quem fez "Não!" com um dedinho sequer quando Dilma Rousseff, logo após reeleger-se presidente desta desacreditada República, cortou R$ 10 bilhões do orçamento da Educação? Quantos dentre vocês, alguma vez na vida, meteram o pé no barro ou na poeira das vielas pobres para estender a mão a algum dos miseráveis em nome de cujos interesses se atrevem a falar? Quem aí já participou de ações contra o uso de drogas ou tentou demover algum colega da dependência em que se arruína?

Vocês se agrupam e acantonam para defender uma organização criminosa que operava no coração do Estado em que são cidadãos! A elite política que vibra com essas invasões é a mesma que serve aos interesses de réus confessos, de ladrões que estão devolvendo, em espécie, o que roubaram do país. É a mesma elite acusada por megaempresários que desenham ante os olhos da justiça os escabrosos meandros da corrupção. É a mesma elite que se derrete em louvações e aplausos ouvindo uma aluna invasora em sessão de comissão do Senado Federal. E é a mesma que os ensinou a chamar fascistas a quem apontar o fascismo presente nessas agressões aos direitos alheios.

Nada lhes diz a voz das ruas? Não chega aos sentidos de vocês o grito das urnas? O povo brasileiro, o povo simples deste país, em incontrastável demonstração de vontade política destituiu o PT de sua ambicionada hegemonia. A exoneração do PT integra o mundo dos fatos. Não bastante isso, o mesmo povo concedeu uma enxurrada de votos aos partidos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff. Não há o que negar: a sociedade brasileira decidiu depositar nesse novo governo, suas esperanças em meio à terrível crise deste circo que vocês querem incendiar. Ele nem longe se assemelha ao que mais gostaríamos, mas é o governo constitucional possível.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

31/10/2016

 

 Assisti ao vídeo em que essa menina, falando aos deputados estaduais do Paraná, discorre sobre os motivos das atuais invasões. Seu discurso é a síntese do que ensinam os fazedores de cabeça. Obviamente, ela não acessa o meu ou qualquer dos blogs que defendem ideias conservadoras ou liberais. Sua relação com o contraditório se exerce pela mera aplicação de rótulos. Os adjetivos que dispara - golpista, fascista, machista, homofóbico, racista - abastecem seu vocabulário como os únicos cabíveis a quem diverge do que lhe foi ensinado.

 Ela diz que não a doutrinaram e que essa acusação é um "insulto". De fato, ela não foi doutrinada, mas não pelas razões que afirma. O que fizeram com ela foi ocultação do contraditório e escamoteação de outros pontos de vista, como observou Olavo de Carvalho ao discorrer sobre o muito conhecimento e tempo necessários a uma efetiva doutrinação. Isso fica claro quando Ana Júlia fala emocionada sobre o quanto aprende a respeito do Brasil e da política nos dias de invasão. Ora, durante esse período supostamente pedagógico ela convive somente com outros invasores e com os professores que os pastoreiam. Participa, pois, de um desses eventos dos quais companheiros e camaradas emergem com fulgores de profetas que ouviram a voz do Senhor. Mas é apenas a própria voz que escutam.

 A luz dessa sabedoria não remove escamas dos olhos. Por isso, a mocinha afirma que a "escola pertence aos estudantes" e daí deduz, sem esclarecer a relação entre causa e efeito, que o grupo ao qual pertence pode destituir dessa alegada posse todos os que pensam diferente e querem aula. E quem não entendeu algo tão obscuro é homofóbico, machista, fascista, bobo e feio. Ora, nem a escola é dos alunos, dado que pertence à comunidade, nem pode, qualquer fração ou facção dispor dela como bem quiser. Pretender que assim seja, para usar uma palavra da qual a oradora usa e abusa, insulta a Constituição e a inteligência de quem a ouve.

Li que o pai da adolescente seria vinculado ao PT. Ele tem todo direito de orientar sua filha como quiser, embora esse direito não prescinda de uma conduta respeitosa em relação à liberdade dela. Já à sua escola e aos seus professores não é dado esse direito! Vem daí a Escola sem Partido. O discurso da mocinha reforça a necessidade do projeto. Ela quer escola com partido, para reproduzir o que aprendeu. Essa é uma escola que permite ser capturada, que fecha suas portas aos demais alunos, professores e famílias, em nome dos objetivos políticos que lhe prescreveram. Nem mesmo uma eleição de segundo turno para prefeito será mais relevante e democrática que a tomada do prédio por seu aparelhinho pedagógico.

O jornalista Alexandre Garcia, em recente comentário, sugeriu que cada invasor de escola indicasse, em redação de 20 linhas, suas reivindicações. Pois é, seria bom mesmo ler esses textos. Sucessivos exames do ENEM e indicadores internacionais têm mostrado o rés do chão por onde se arrastam as redações de nossos estudantes. Dezenas de milhares de professores têm testemunhos a dar sobre o desinteresse e a indisciplina dos alunos, mais dedicados a gozar o presente do que a construir o futuro. Empenhados em bagunçar a escola e a aula para, supostamente, dar um jeito no mundo. Ademais, tais redações iriam revelar o caráter orquestrado e unitário dessas invasões.

O discurso, que já conta 400 mil acessos no YouTube, é a voz de todos os invasores. A menina parece, como tantos outros, saída de um molde. Crê que a discordância autoriza a grosseria e a causa justifica a desonestidade intelectual. Permite-se - suprema desfaçatez - jogar no colo dos deputados o cadáver do estudante morto a facadas por um colega, após uso de drogas, no interior de uma escola ocupada! "Suas mãos estão sujas de sangue", esguichou ela sobre os parlamentares, como se fizesse acusação plausível e não promovesse evidente transferência de responsabilidades.

A simpatia pela militantezinha e sua causa, expressa em veículos de comunicação, é - para falar como ela - um insulto ao público. Quem disse que a tolerância é sempre virtuosa?

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

30/10/2016

 

 Tem sido comum entre nós que grupos políticos em disputa atribuam apelidos uns aos outros. A versão mais atualizada desse hábito surgiu nas manifestações públicas a favor e contra o impeachment de Dilma Rousseff. Quem era a favor, ganhou o designativo "coxinha". Quem era contra, virou "mortadela". Conquanto as coxinhas fossem meramente simbólicas e não aparecessem fisicamente, a mortadela, essa sim, chegava em cestos, servida com pão. Em torno desses sanduíches se comprimiam manifestantes trazidos em ônibus para atuarem como figurantes nos eventos governistas. Faziam lembrar os filmes épicos do cineasta norte-americano Cecil B. DeMille, nos quais multidões eram contratadas para povoar a tela em cenas que causavam grande impressão. Nas manifestações contra o impeachment, quando a câmera dava um close, via-se homens e mulheres humildes, em camisetas vermelhas, atacando com disposição o prometido sanduíche.

 Não raro, alguém se infiltrava nessa multidão, entrevistando-a e testando-a sobre suas convicções. As respostas, como seria de se esperar, mostravam que a quase totalidade não tinha ideia sobre a razão de ali estar. Embora muitos assistissem a essas cenas, posteriormente exibidas nas redes sociais, como coisa jocosa, tratava-se, na verdade, de algo constrangedor e triste. Triste e constrangedor. Como não se constranger ante a falsificação da cidadania? Como não se entristecer quando seres humanos têm sua dignidade rebaixada à condição de figurante de cidadão, ao preço de um sanduíche e alguns vinténs, num ato presumivelmente político? Nada contra quem foi levado a esse nível de carência. Apenas dó e respeito. Mas tudo contra quem se vale dessas pessoas e de suas precariedades para difundir uma mensagem de araque em comícios com figurantes. Após tantos anos no poder, precisam valer-se dos apelos da pobreza para atribuir vigor e atrair adesão à falácia de que acabaram com ela.

Pobre pobreza, sempre tão na ponta da língua e longe dos corações! Eleição após eleição, governo após governo, com crescente vigor a partir do "Tudo pelo social" do companheiro José Sarney, a pobreza ganhou o primeiro plano da retórica eleitoral. Na prática, os resultados são tão escassos quanto pode ser percebido tão logo se dissipa a algaravia dos discursos. Tudo se passa como se o discurso fosse capaz de superar os fatos e a autolouvação alterasse as estatísticas, proporcionasse emprego aos desempregados, salário e renda aos devedores. E pão com mortadela a quem tem fome. Sim, porque o pão com mortadela sumiu com o desinteresse pelas massas de figurantes. A volta vem e os "calaveras" se secam, ensinam os fronteiriços.

A economia nacional, que surfou sobre a crise no mar da China compradora crendo que o céu seria sempre azul e a brisa suave, se espatifou contra os rochedos da realidade. Era inevitável. A casa foi assaltada. O poço secou. A responsabilidade fiscal foi demitida das contas públicas. As maiores empreiteiras no Brasil abasteceram seus cofres diretamente do PIB nacional. A turma do pixuleco enricou como tio Patinhas jamais imaginou. Com o dinheiro do BNDES, o Brasil se transformou em mecenas ideológico de nossos satélites iberoamericanos e africanos. Mas tudo foi feito, dizem-nos, por incondicional amor aos pobres.

Pior do que isso. Agora, quando se pretende reerguer o país e medidas de austeridade se impõem, retomam o discurso da irresponsabilidade fiscal. Exigem que não se pague a dívida que quintuplicaram, cobram que se baixe a taxa de juros que elevaram e que o novo governo faça logo e faça bem, pela Saúde e pela Educação, tudo que não foi feito em 13 anos. Por amor e em defesa dos pobres.

O zelo pelos mais necessitados não é saliva de discurso. Antes de tudo é criar condições para que as pessoas... (a totalidade do artigo, com contrato de exclusividade, está disponível em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/percival-puggina/ultimas-noticias/).


 

Percival Puggina

28/10/2016

 

 Não é para me exibir, mas eu vivi, amei e curti a Porto Alegre dos anos 60. E isso me dá uma boa perspectiva para perceber a involução dos padrões de segurança, conduta social e qualidade de vida no Brasil. O que vou contar fala daqui, mas pode se referir a qualquer das nossas grandes cidades.

 Em 1964, minha família morava na avenida dos jacarandás floridos, a José Bonifácio, recanto privilegiado da cidade, que, em toda sua extensão, confronta com o belo Parque Farroupilha. Era, então, uma rua tranquila, cujos moradores dispunham do maior jardim da cidade, em usufruto, na soleira da porta. A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, onde ingressei naquele ano, situa-se no lado oposto do parque, que tem forma triangular. Nós morávamos na base e a faculdade ficava pouco além do vértice superior. Pelo centro do parque, naquela direção, abre-se um eixo monumental, cercado de densa vegetação e árvores de grande porte. Ou seja, eu tinha à minha disposição, para ir e retornar da faculdade, iniciando a poucos passos do edifício onde morávamos, essa paisagem privilegiada para a travessia de uns 700 metros.

 As aulas do curso de arquitetura se desenvolviam em dois turnos cheios, diariamente, pela manhã e à noite. Durante a tarde, eu trabalhava. Portanto, o caminho que acabei de descrever foi percorrido por mim durante cinco anos, quatro vezes por dia, inclusive no turno da noite, que se encerrava por volta das 23 horas. Aos sábados, como frequentador das reuniões dançantes da faculdade e dos bailes da Reitoria - que se situava exatamente na ponta do triângulo -, o retorno à casa e ao leito ficava lá pelo meio da madrugada. Eu andava por esse deserto caminho, diariamente, a pé e só!

 Não estou narrando um fato excepcional, um caso raro de sobrevivência na selva urbana, nem se intua dele qualquer proteção especial que credencie meu anjo da guarda a uma medalha de honra ao mérito (ainda que ele as mereça, e muitas, por outros motivos). Tratava-se de algo absolutamente normal, seguro. Tão seguro, leitor amigo, que em momento algum, ao longo desses cinco anos, suscitou a mais tênue preocupação, seja em mim, seja em dona Eloah, a mais zelosa e preocupada das mães desta província.

O que aconteceu com nosso país em meio século foi um desastre demográfico, social, econômico, político e moral. Engana-se quem imagina que seja assim em toda parte. Não, não é. Tenho periódicos reencontros com essa segurança em outros países, quando em férias. Neles não renovo mais a pergunta que algumas vezes fiz, indagando aos "nativos" se era seguro passear em determinado parque ao fim da tarde, ou ir a pé até tal ou qual restaurante à noite. O espanto que a indagação causa me constrange profundamente. Tanto quanto me entristece saber que nos rendemos de modo incondicional aos males que nos afetam. E o fizemos em nome de uma tolerância sem virtude, de uma liberdade sem rumo e de um progresso falido.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

25/10/2016

OU "O PREÇO DA DEMOCRACIA E A ETERNA VIGILÂNCIA"
 

 Os sovietes (conselhos) surgiram entre os revolucionários russos de 1905 e, em 1917, se consolidaram como órgãos do poder no Estado comunista. No dizer atribuído a Lênin, eram "expressão da criação do povo, manifestação da iniciativa do povo". Portanto, como nada mais democrático do que a expressão da vontade e ação do povo, devemos aceitar que o terrível, genocida e totalitário regime implantado na União Soviética continua sendo, para todo comunista, a melhor expressão de democracia registrada nos anais da História. Eis aí o motivo da reverente admiração de tantos pelos regimes cubano, angolano, venezuelano, chinês, norte-vietnamita e norte-coreano e sua aversão às sofridas primaveras de Praga, Budapest e Pequim. Aliás, também se deve a isso a completa desconsideração, dos mesmos, por todos os regimes que testemunham a superioridade das democracias liberais e de suas instituições ante as funestas filhas de Marx e Lênin.

 Foi a natureza revolucionária e comunista dos sovietes que deu origem à alcunha "Decreto dos Sovietes" ao Decreto Nº 8243/2014, da extinta presidente Dilma, que criava a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). No cruzamento deste com aquela, saía atropelado e paraplégico o Congresso Nacional. Com o decreto, o governo imiscuía nas decisões nacionais uma dezena de mecanismos envolvendo a participação dos coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados (!), suas redes e suas organizações. O PT e demais partidos de esquerda criaram e controlam centenas desses coletivos e movimentos. Todo poder aos sovietes!

 Era o mês de março de 2014. Haveria uma eleição em outubro daquele ano e, muito embora as pesquisas fossem favoráveis à candidata petista, as investigações da Lava Jato não tranquilizavam suficientemente o governo. Então, o Decreto Nº 8243 era sonho de consumo: num luzir democrático tão falso quanto seria a propaganda eleitoral por vir, seu pessoal poderia, participativa e democraticamente, como "povo", interferir em todas as áreas do governo, qualquer que fosse o vencedor do pleito.

 A gritaria dos segmentos esclarecidos da sociedade, capazes de perceber a real natureza dessas manobras, não chegou a mobilizar o Congresso em pleno ano eleitoral. Um projeto de Decreto Legislativo (PDC 1491/14), sustando o ato presidencial ficou dormindo no protocolo. Passado o pleito, porém, com a vitória petista, o próprio governo se desinteressou pelo assunto. A Câmara aprovou o PDC 1491/14 e o enviou para o Senado e para o esquecimento. Esquecimento nosso, porém. No mesmo dia em que a Câmara cassava o decreto dos sovietes, os três deputados do PSOL (Chico Alencar, Ivan Valente e Jean Wyllys) o reapresentavam como projeto de lei! Era o que havia de mais comunista na prateleira das possibilidades e o partido não permitiria que se exaurisse na lixeira.

Estamos falando do PL 8048/2014. Em regime de tramitação ordinária, ou seja, com aprovação conclusiva pelas comissões, essa ave de mau agouro já foi aprovada pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Neste momento, está pousada na Comissão de Finanças e Tributação, de onde irá à deliberação final da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Só voará ao plenário se rejeitada por alguma das duas comissões restantes ou se pelo menos 51 deputados o requererem. Passou da hora de a sociedade se manifestar novamente sobre essa fraude à democracia e às instituições políticas da República.


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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.