Percival Puggina

19/03/2020

(Em 19/03/2020)

 Durante os anos 90, quase acabou dicionarizada a palavra “cartilhista”, muito em voga para designar certa forma de comunicação política utilizada pelo partido que hegemonizava a esquerda no Brasil. Era admirável! Seus representantes e militantes evidenciavam dispor de afirmações e respostas prévias para tudo. A unidade do discurso, a coincidência dos vocábulos e sua incansável repetição como que saíam de uma cartilha distribuída conforme a necessidade.

Assim como o castilhismo (palavra que refere o período de domínio de Júlio de Castilhos na política sul-rio-grandense), o cartilhismo foi muito bem sucedido como estratégia de comunicação do Partido dos Trabalhadores. Do cartilhismo não era exigida senão uma tênue verossimilhança, pois seus objetivos eram alcançados pela repetição. Nunca imaginei, porém, que veria a mesma estratégia ser usada em poderosos órgãos de imprensa do país, cujos noticiários parecem saídos de uma só cartilha.

           Há muitos meses, a oposição midiática é muito mais operosa do que a oposição petista.

Foi assim que, para tomar exemplos atuais, o presidente “participou” dos atos “contra o Congresso e o STF”. No entanto, todos viram as cenas dessa “participação” e sabem que os atos não foram contra os poderes de Estado, mas contra membros desses poderes. Separado dos manifestantes por duas grades de proteção, defronte ao Planalto, o presidente posou para selfies e apertou mãos. 

As manifestações começaram a ser convocadas após a fala do general Heleno identificando as chantagens em curso. Seu objetivo era, inequivocamente, expressar apoio ao presidente. E muitas foram às ruas mesmo depois de desestimuladas por Bolsonaro.

Alexandre Garcia, uma referência do jornalismo nacional, no artigo “A urna e a rua”, escreveu:

O presidente pediu para repensar; governadores proibiram; a mídia ameaçou com contágio. Mas nem o presidente, os governadores e o coronavírus impediram que multidões ganhassem as ruas do 15 de março - de carro, moto ou a pé. O que levou tanta gente a esse desafio, essa rebeldia? Antes de xingar de irresponsáveis os que deixaram suas casas no domingo, seria bom pensar sobre os motivos que levaram milhões a correr riscos de saúde, a se insurgir contra ordens de governos e de supostos condutores de opinião.

O hábito de jogar na lixeira, sem exame prévio, flagrantes e importantes relações de causa efeito só aprofunda o desprestígio de partidos e lideranças políticas. E, mais ainda, derruba a credibilidade dos meios de comunicação que se assumem como ativíssimos protagonistas da cena política. Posto que tudo se resume em atacar o presidente, qualquer coisa serve, até mesmo alguns cartazes, pedindo intervenção, presentes nas manifestações. E mesmo estes deveriam ser objeto de análise séria, para entender o que leva cidadãos a perderem a esperança na democracia. O que fazer para recuperá-la? Que parcela de responsabilidade por essa perda cabe àqueles que denunciam seus sinais? 

Milhões de brasileiros entraram em seus canais para assistir uma coletiva do presidente e seus ministros envolvidos na luta contra o coronavírus. Que tipo de pergunta lhe faz a elite das redações, credenciada junto ao Planalto? Perguntas previamente escritas, tratando de ridicularias, de máscaras e dos eventos de domingo.

Acima da gravidade do momento está a guerra ao presidente encetada pela quase totalidade de colunistas e comentaristas dos grandes veículos. Ainda não analisaram nem digeriram a reviravolta da cena política nacional em outubro de 2018. Parecem não ver o ambiente chantagista estabelecido por uma evidente maioria dentro da Câmara dos Deputados. Não lhes suscitam curiosidade os interesses em torno dos quais se congregam os 300 votos que o deputado Arthur Lira diz comandar!

Dane-se a nação. O importante é desestabilizar o presidente para entregar sua cabeça aos “virtuosos estadistas” do centrão e da oposição, não por acaso a base dos governos Lula e Dilma.
 

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

16/03/2020

 

Domingo, 15/03, retornando de Goiânia, uma substituição de voos entre Congonhas e Porto Alegre me reteve no aeroporto de São Paulo. De lá, escrevi a mensagem abaixo, lida aos manifestantes do Parcão na capital gaúcha.

Meus queridos! É chantagem, sim. E assim tem sido desde o início. Engavetamento de propostas. MPs que vencem sem explicação. Projetos do governo virados do avesso. O ano de 2019 se esgotou sem que tenham votado algo tão simples quanto a prisão após a condenação em segunda instância. Por quê? Por que anunciaram que o blocão tem 300 votos? A quem e de quê esses votos ameaçam? Desde o início do governo tem sido uma busca desenfreada por recursos! Por que não se contentam com os subsídios e as verbas de gabinete? Por que buscam, sempre, dispor de bilhões do nosso dinheiro?

É claro que Bolsonaro entendeu o recado. O recado é o impeachment sendo urdido para alegria da grande imprensa. Esta, em seu afã cotidiano de infernizar a vida do presidente, mudou de ideia. O que antes era toma lá, dá cá, síndrome do Benedito Domingos, coisa feia, virou “autonomia do parlamento”. E quando o governo perde, a derrota recebe o nome de "incapacidade de negociação"! Quem pode negociar direito com a faca no pescoço?

Há uma arapuca permanente, montada para enganar a população. Chega a ter luzes pulsantes em volta da porta. Em nome da “democracia” dizem que nós - NÓS? - estamos atacando às instituições. Disparate para iludirem, também, a si mesmos! Atacamos procedimentos individuais. Desde quando um congressista, ou muitos congressistas, são o Congresso? Desde quando os indivíduos eleitos significam o parlamento? Da mesma forma, desde quando um cidadão ou muitos cidadãos são O povo? E vale o mesmo para ministros do STF.

É chantagem sim!

A ameaça de não ter projetos aprovados é sinal de alarme para o governo. E há, sempre, um preço a pagar. Sempre um valor imenso, bilionário. Por isso o ambiente todo é de chantagem. Só não vê quem deixa de lado todos os princípios e valores quando pega o avião para Brasília.

As exceções já salvaram o Brasil muitas vezes. E salvarão de novo. Há bons deputados e bons senadores, mas desafortunadamente são exceções. Estarmos junto das exceções, ao longo da lava-jato, em 2016, em 2018, foi salvação para nosso amado Brasil.

Lembremo-nos! Tenhamos presente. Tem sido chantagem, sim. O problema que tanto nos entristece e desconforta é termos nosso país de volta e sabermos que tantas dificuldades sobrevêm apenas porque o presidente não loteou o Estado, o governo e a administração, nem fez jorrar dinheiro em muitas mãos.

Saibam: tudo já estaria resolvido numa sala fechada, se ajustado o preço a pagar por 300 unidades de voto parlamentar!
Se apoiarmos os bons e denunciarmos os maus estaremos apoiando a democracia e ajudando o Brasil. Bolsonaro não será submetido! Deus abençoe o Brasil e os brasileiros.

 

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

11/03/2020

 

 É chocante para a população de um país que convive com tantas dificuldades postas interna e externamente à ascensão social e econômica de seus cidadãos, ver tantos gastos com prerrogativas e privilégios concedidos a uma parcela de sua elite política. Raros serão os usufrutuários que tenham, de algum modo, contribuído para agregar à renda nacional o valor necessário para sustentá-los em jatinhos, helicópteros, voos em primeira classe e luxuosas hospedagens. Em outras palavras: só podem dispor disso se por nossa conta.

Em 22 de julho de 2005, discursando a petroleiros (1), o ex-presidente Lula disse: "Neste país de 180 milhões de brasileiros, pode ter igual, mas não tem nem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade". Esse depoimento do ex-presidente me voltou à cabeça quando fiquei sabendo de sua nova agenda europeia na qual receberia homenagem em Paris e iria à Suíça para reunião com o Conselho Mundial de Igrejas e dali a Berlim para um ato em favor da democracia. Sempre à nossa custa, claro, falando bem de si mesmo e mentindo sobre o Brasil e sobre sua situação perante a justiça brasileira. Acompanhado de quatro assessores, também pagos por nós.

Não sei se existe algum brasileiro disposto a topar o desafio e discutir ética com Lula. Afinal, o ex-presidente, a despeito de todos os processos que contra ele rolam no judiciário nacional, já deixou bem claro em ocasiões anteriores a frouxidão de seus conceitos sobre ética. Divagando sobre eles, Lula se imagina cravando picaretas, cunhas e cordas nas escarpas da vida até o cume da moralidade nacional... É possível que o leitor destas linhas não conheça, ou não lembre mais dos conceitos do ex-presidente sobre si mesmo a esse respeito. Parece que o líder petista leu Ética a Nicômaco, de Aristóteles, em grego e de cabeça para baixo:

“Sou filho de pai e mãe analfabetos, minha mãe não era capaz de fazer o "o" com um copo. E o único legado que deixaram, não apenas para mim, mas para a família, era que andar de cabeça erguida é a coisa mais importante que pode acontecer com um homem e uma mulher. Conquistei o direito de andar de cabeça erguida nesse país e não vai ser a elite brasileira que vai ‘fazer eu’ baixar minha cabeça".

Pronto! Eis aí, entre erros gramaticais, o certificado de garantia da própria idoneidade que nos fornece o esclarecido ex-chefe de Estado. A mãe não sabia fazer o "o" com um copo e, junto com o marido, o ensinou a andar de cabeça erguida.

É altamente improvável que os leitores destas linhas tenham recebido tais lições de seus pais. Analfabetos ou não, em português correto ou não, possivelmente lhes terão passado preceitos assim: a) deves buscar o bem e evitar o mal; b) não faz aos outros o que não gostarias que te fosse feito; c) exerce tua liberdade com responsabilidade; d) não justifica teus erros com os erros alheios; e) diz sempre a verdade; f) evita as más companhias. Correto?

Se você, leitor, checar essa lista, enquadrará o ex-presidente como infrator de todos esses princípios. Mas isso não o impede de jactar-se mundo afora. Realmente não dá para discutir ética com esse homem imaculado, que já se proclamou sem pecados, santificado por um fio de prumo. Talvez seja por essa empinação toda, de tanto olhar para cima, que seu governo, levando o país junto, se tenha estatelado no chão da moralidade.

(1) https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u70780.shtml
(2) https://www.youtube.com/watch?v=gBaw-Qa4-B8

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

07/03/2020

 

 Estranha democracia seria a nossa se não pudéssemos expressar opinião no leito vulgar das ruas e no underground das redes sociais. Desqualificada seria nossa democracia se ministros do STF, congressistas, jornalistas e veículos de comunicação fossem imunes à crítica, como pretendem. E note-se: cobram essa imunidade, sem conceder reciprocidade, enquanto criticam todos, especialmente a sociedade e o presidente da República.

 A vitória de Bolsonaro aprofundou a cisão política entre os brasileiros. Gerou uma onda nacional e internacional de inconformidades e aplausos a que nem o papa ficou imune. Ainda que Bolsonaro fosse o príncipe perfeito, coisa que nunca foi, a onda se formaria. Valeriam contra ele (como escrevi outro dia) as razões expostas pelo lobo ao cordeiro, narradas por Esopo há 25 séculos. O fato quase milagroso de haver vencido a eleição presidencial nos dois turnos, sem dinheiro e sem tempo de TV, parece nada haver ensinado a olhos cegos e ouvidos surdos, sobre as razões dessa vitória.

Um dia será necessário fazer a necropsia da capacidade de análise que em 28 de outubro de 2018 morreu de morte súbita, sem flores nem amores. Houvesse sobrevivido, teria facilmente reconhecido o fato de que aquela data assinalou uma opção democrática do eleitorado por posição política em quase tudo divergente da que hegemonizara o país desde a Constituinte de 1988. Cinquenta e sete milhões de eleitores optaram por combate à impunidade e à criminalidade, por rigor da lei penal e pela celeridade dos processos penais, por educação sem partido, pela proteção da família e da inocência das crianças, pelo direito de defesa, contra a ditadura do politicamente correto e contra o socialismo que nos quebrou enquanto se instalava. Em consonância com a posição unânime da mídia, a maioria do eleitorado de 2018 quis expurgar de nossas práticas políticas a compra de votos para proporcionar ao governo apoio parlamentar.

Em vão! A maior parte do Congresso e do STF, ao longo de todo o ano de 2019, evidenciou querer outro presidente e outro programa. A “maioria de conveniência” do Supremo continuou em seu afã de amestrar a opinião pública. A maioria do Congresso emitiu todos os sinais de uma enferma nostalgia pelas anteriores práticas políticas, pelos cargos, pelas emendas, pelas oportunidades de negócio. Em sucessivos atos de vingança contra a Lava Jato, ampliaram de modo criativo e infatigável as notórias dificuldades da persecução penal. Legalmente inocente, imaculada como anjinhos de Rafael, a fina flor da corrupção corre mundo mentindo sobre o Brasil.

No dia 15 de março, as ruas expressarão seu repúdio a esse turismo despudorado, a essa ideologia que desejam impor sem voto. Maldiremos, também, a retórica espertalhona que tenta confundir o repúdio a certos membros das instituições com repúdio às próprias instituições. Paradoxalmente, querem que isso valha para si, mas não serve à instituição da presidência quando eles mesmos atacam o presidente. Dá-me a virtude da paciência, Senhor!

A prova dos nove do que aqui está dito seria juntada aos autos do processo histórico se o presidente repetisse as práticas anteriores e comprasse 300 unidades de voto parlamentar do blocão, ou do centrão. A bom preço, até os anjinhos de Rafael voltariam para a gaiola.

 

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

03/03/2020

 

 Antigamente, nas aulas de língua portuguesa, estudavam-se sinônimos e antônimos. Os sinônimos eram chatos, repetitivos como certos discursos. Responder corretamente aos exercícios de sinônimos implicava um esforço dos neurônios para encontrar outras maneiras de dizer a mesma coisa. “Quem se pode interessar por algo tão inútil?”, pensava eu. Já com os antônimos as coisas não se passavam assim. Os antônimos eram divertidos, envolviam um antagonismo frontal, curto e certo. A professora dizia uma palavra e a gente a contrariava. Mesmo que ela reservasse os melhores vocábulos para si, era engraçado responder “burrice” quando ela proclamava “inteligência”. Dona Elvira dizia “estudar”, eu respondia “vagabundear” e a turma caía na gargalhada.

 Suponho que os exercícios de antônimos tenham, de algum modo, contaminado a minha geração. Emitimos, ao longo das décadas, fortíssimos sinais de que nos comprazemos em fazer tudo pelo avesso, como se a vida fosse uma camiseta “descolada”. Organizamos a vida nacional, em quase tudo que importa, pelo inverso do que é certo. Luciano Huck, de tanto distribuir caminhões com prêmios em bairros pobres, já dá entrevista como presidenciável. Há eleitores convencidos de ser isso o que políticos devem fazer em âmbito nacional. E há congressistas, nestes dias, querendo fazer o mesmo com o dinheiro do Orçamento. Mas pergunto: você já assistiu uma coisa dessas fora da América Latina, em país bem organizado?

Bolsonaro quer o antônimo dessa regra. A estrita confiança em seu Posto Ipiranga o fez reconhecer que essa é uma das causas da baixa eficiência dos investimentos públicos quando passam pelas mãos dos políticos. O dinheiro é arrecadado nos municípios e nos estados, em penitente silêncio dos cidadãos, e segue para Brasília. Lá circula, todo dia, uma espécie de versão luxuosa do caminhão do Huck, sustentando favores eternos, cardápios, mordomias, plano de saúde para filhos marmanjos de 30 anos, e tonifica a maioria parlamentar. Quem, na base da pirâmide dos contribuintes, recebe algo em retorno (quando retorna), vê seu dinheiro chegar enxugado e apoucado, ao som das trombetas eleitorais.

Sob o ponto de vista institucional, federativo, político e jurídico construímos, aqui, as pirâmides do Egito de cabeça para baixo. Um dos mais importantes princípios da organização social é o princípio da subsidiariedade, inspirado no conceito de que a prioridade das iniciativas deve ser atribuída às instituições de ordem menor, à base da pirâmide, agindo as demais, subsidiariamente, na medida da necessidade. Em resumo, a União só age naquilo que os Estados não possam agir, estes só atuam naquilo para que os municípios estejam incapacitados de atuar e, dentro do município, a prioridade das iniciativas flui, pela mesma regra, até o cidadão.

O princípio da subsidiariedade, portanto, é um princípio moral, na medida em que preserva a autonomia da pessoa humana e sua liberdade. É um princípio jurídico porque estabelece – e estabelece bem – a ordem das competências. É um princípio político porque delimita – e delimita bem – a ação do Estado. E é um princípio de administração porque vai organizar – e organizar bem – as competências, encurtar os caminhos e os vazamentos do dinheiro, determinar a forma e o tamanho do Estado e orientar a ação do governo de modo a fazer parcerias com a sociedade.

Mas, convenhamos: é divertido assistir o contrário disso tudo e ouvir as loas da imprensa à “autonomia do Legislativo”. E (mais absurdo de tudo), elites políticas aplaudirem o retorno, em poucos frascos e muita publicidade, da dinheirama que parte embarcada em contêineres. Clap, clap, clap!

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

01/03/2020

 

 O começo foi muito, muito difícil. Cansativo, mesmo. Exigia dedicação exclusiva e intensa. Não era moleza fazer política andando de ônibus, em cima de um Lada com pneus carecas, distribuir panfletos de dia e pichar muros à noite, vender distintivo e bandeirinha para arrumar dinheiro, fazer reunião para programar reunião para organizar reunião, imprimir propaganda em mimeógrafo, infiltrar-se nos seminários, nos jornais, nas escolas e nas universidades, conquistar os sindicatos, cativar um músico aqui, um escritor ali. Difícil!

 Havia padres que cuidavam das paróquias e rezavam missa e padres que faziam política. Professores que davam aula e professores que faziam política. Jornalistas que relatavam fatos e jornalistas que faziam política. Juizes e promotores que operavam a justiça e outros que faziam política. Em quaisquer organizações da sociedade havia os que faziam as coisas acontecer e outros que só faziam política. Com tanta gente fazendo apenas política era inevitável que ela acabasse feita. De fato, ficou tão bem feita que o partido chegou ao poder. E aí, para espanto geral, deixou o governo de lado e continuou fazendo política.

 Os companheiros trocaram os ônibus por aeronaves, abandonaram os Ladas e acorreram às concessionárias de veículos importados do maldito mundo capitalista. Substituíram os mimeógrafos pela policromia das máquinas rotativas e o papel reciclado pelo mais primoroso couché. Montaram uma estrutura capaz de cobrir o Brasil com propaganda em apenas vinte e quatro horas. E dê-lhe política. E veio o mensalão, e veio o petrolão. Fazer tanta política exigia muito dinheiro, exigia comprar os adversários.

De fato, olhando aquilo, os adversários chegaram à conclusão de que a política consistia em fazer política e que o sucesso dependia de só fazer política. E aderiram à fórmula: que se danem o país, o governo, as necessidades das pessoas, o bem comum. O negócio é fazer política! O país ficou muito mal, mas a política andava bem, pagava bem e – melhor de tudo – assegurava sucessivos mandatos.

Observando o comportamento do Congresso Nacional em relação a um presidente que se elegeu sem dinheiro e sem tempo de TV, que quer governar, que escolheu peritos nas respectivas áreas para compor o governo, pilotar a administração e pôr o país nos trilhos, ocorre-me formular a máxima que registro para a ponderação dos leitores: na política nacional se pode contrariar o interesse de todos, contanto que não se contrarie interesse de quem faz política. Aí a casa cai.

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

28/02/2020

 

Os eleitores que venceram o pleito presidencial de 2018 vêm sofrendo um bullying dos poderes de Estado e da grande imprensa. Esta última, especialmente, não se conformou em momento algum com o resultado das urnas. Dezenas de milhões de brasileiros são acusados então, cotidianamente, pelos grandes meios de comunicação, de fanatismo e irresponsabilidade política. Em tais imputações, essa mídia tem parceria de ministros do STF e de parcela que já se revelou majoritária no Congresso Nacional. Num surto de asnice, qualificam como antidemocrática a manifestação agendada para o dia 15 março.

Têm saudade do ancien régime. Não querem que o povo vá à rua. Que aguente calado o bullying a que está submetida sua esperança de um país renovado e melhor.

Cabe bem a pergunta: a tão reverenciada liberdade de opinião não alcança o povo quando ele se manifesta, ordenadamente, em espaço público?

Se o bullying midiático incomoda o cidadão, que dizer-se do próprio presidente, atacado em três turnos, sete dias por semana, pelos protagonistas da cena política? Ora é a grande imprensa cuja tarefa, aroud the clock, consiste em atingir o governo com todas as suas forças. Ora são ministros do STF que, indignados com as prisões dos endinheirados corruptos e corruptores, réus confessos que causaram terríveis danos ao país e que ainda estão a devolver bilhões em dinheiro roubado, abrem-lhes as portas da liberdade e esbofeteiam a roubada nação. Ora, são os congressistas, a fazer pirraça e a dar “lições” ao governo, derrubando seus vetos, deixando vencer medidas provisórias, deturpando projetos do Executivo para fazer com que seus efeitos sejam o oposto do pretendido pelo governo. Esses revides legislativos ocuparam muito da pauta do Congresso no ano de 2019!

De um modo bem seletivo, essa engrenagem e o respectivo bullying vão direcionados, também, aos membros do governo que, por suas responsabilidades de gestão, expressam convicções com palavras e atos.

Porém, – "Ah, porém!" – existem as redes sociais.

Graças a elas, democratizou-se o direito à informação e a liberdade de expressão se tornou efetiva para 127 milhões de brasileiros com acesso à Internet. Foi assim que, dentre eles, milhões se descobriram conservadores, que outros milhões se reconheceram liberais e passaram, todos, a ter vida intelectual e política inteligente e independente. Foi assim, também, que a grande mídia, tornada militante, passou a afundar no descrédito. Deliberadamente, confunde com “ataque ao Congresso e às instituições democráticas” a crítica aos congressistas. Deliberadamente, silencia diante de parlamentares corruptos, protetores de corruptos e vendilhões dos próprios votos. Deliberadamente, contradiz seu próprio discurso de décadas contra emendas parlamentares e compra de apoio no parlamento. E se torna importante incentivadora da mobilização para o dia 15 de março.

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

  

Percival Puggina

25/02/2020

 

 Ao tempo do mensalão não havia dúvida sobre a natureza indecente da compra de votos parlamentares. Nenhum veículo ousou afirmar que tal conduta tivesse algo a ver com democracia e com o jogo político. Nem o Lula! Em 2005, ele reuniu o ministério na Granja do Torto e pediu desculpas à nação, dizendo-se “traído por práticas inaceitáveis”.

  Quem quiser refrescar a memória pode ler aqui (1) as 122 páginas do voto com que o relator Joaquim Barbosa esmiuçou as motivações daquela descarada iniciativa. Quinze anos mais tarde, o mensalão, referido a tudo que veio depois, parece trambique no jogo de cartas em casa de repouso para idosos. Ainda assim, por indecente, derrubou José Dirceu da chefia da Casa Civil e o converteu em bode expiatório do chefe.

 Antes mesmo do mensalão, ainda no governo FHC, é bom lembrar, a imprensa, com razão, denunciava a troca de favores por votos parlamentares. Cargos e liberação de verbas compunham o cardápio de operações comerciais que atendiam pelo nome de “toma-lá-dá-cá”. Nelas, os votos eram cedidos sem convicção. O que mais importava não era a matéria em deliberação, mas a liberação da quantia ou o cargo provido. Ao ritmo das demandas, o Estado inchava e encarecia. Para um número significativo de parlamentares, o mandato, por si só, é pouco, mas abre a porta para muito mais. E cada vez mais.

***


A Lava Jato, o impeachment e a vitória de Bolsonaro elevaram o nível de estresse das redações. Décadas de colaboração e alinhamento com o esquerdismo hegemônico foram devorados pela boca da urna e a vida missionária da esquerda perdeu fontes de custeio.

Em março de 2019 o centrão se recompôs e retomou o hábito de chantagear o governo. Já então, porém, inculpar Bolsonaro tornara-se o esporte preferido das grandes redações. Em relação a tudo que aprontam os malasartes dos outros poderes (Toffoli, Maia, Alcolumbre), a inacreditável mídia fechou os olhos, lavou as mãos e terceirizou o direito de opinião para as redes sociais. A Globo e a Globo News atacam o governo com o jogral de seus comentaristas.

O Congresso criou as emendas impositivas, individuais e de bancada para controlar R$ 42 bilhões do Orçamento e a inacreditável mídia fez e continua fazendo cara de paisagem! A galinha da União sendo depenada em proveito eleitoral dos congressistas e a mídia dá força: “O Congresso é o senhor do orçamento”. Para cozinhar, sim; para saborear individualmente, não. Uma coisa é o parlamento como um todo, o orçamento como um todo. Outra é transformar tudo numa pizza com 594 fatias.

A grande imprensa não enxerga isso?

Minha consciência está tranquila. Como adversário do presidencialismo, há mais de 30 anos denuncio o que chamo presidencialismo de cooptação, em que maioria é coisa que se compra e voto é coisa que se vende. A novidade é que, se o Congresso derrubar o veto de Bolsonaro a esse fatiamento das despesas não vinculadas, o governo estará neutralizado, imobilizado.

Os partidos e seus congressistas, que antes recebiam ministérios, estatais e cargos da administração como forma de cooptação, perdidos os cargos, meteram fundo a mão no orçamento da União. A imprensa, enquanto isso, não cansa de elogiar a “autonomia do parlamento” como se, no presidencialismo, o legislativo não vivesse eterno déficit de responsabilidade. É por causa dessa irresponsabilidade que o Congresso vem agindo como age, contando, agora, com matreiro piscar de olhos dos veículos da inacreditável imprensa.


(1) http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/relatoriomensalao.pdf

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

22/02/2020

 


O que pretendo aqui é alertar para uma armadilha retórica que a esquerda usa como pedacinhos de pão para atrair inocentes e incautas pombinhas à sua gaiola. Se há um talento nessas facções ele está em sua capacidade de extrair dos males do mundo o combustível necessário à sedução e mobilização de ativistas. Nesse sentido, a canhota ideológica funciona como uma refinaria projetada para transformar insatisfações sociais em energia pura.

Nick Cohen, em What’s Left (2007), já mostrava que a esquerda, no mundo todo, aliava-se a movimentos e governos totalitários e fascistas. Com efeito, comunismo, nazismo e fascismo são trigêmeos univitelinos. Quando Porto Alegre acolhia a fogosa militância dos Fóruns Sociais Mundiais (2001 a 2005), a cidade era adornada com pichações que davam vivas a Saddam e ao terrorista Arafat. Alegorias de mão louvando os ícones dos totalitarismos do século passado dominavam a paisagem nas ruidosas passeatas que promoviam. E não há silêncio maior do que o da esquerda em relação aos crimes dos irmãos Castro, à construção totalitária de Hugo Chávez e à sua amplificação sob Nicolás Maduro. Nada que façam extrai sequer um murmúrio de protesto.

O que leva jovens idealistas a entrarem numa canoa com tantos furos no casco, tão incompatível com ideais elevados? Resposta: a arapuca. Ela consiste em:
1. apontar os problemas constatáveis em sociedades de livre iniciativa, de economia de empresa, de capitalismo, enfim;
2. apresentar como resposta a esses problemas os mais consensuais e nobres anseios da humanidade; e
3. denominar esses anseios de socialismo ou comunismo.

É a ternura em estado puro, não endurecida. Nessa retórica, passa sem qualquer menção o fato de suas experiências, malgrado terem mantido bilhões de pessoas em sucessivas gerações sob servidão totalitária, não produziram uma única democracia, uma economia que se sustentasse e um estadista de respeito. 

Após um século de insucessos, os seus modelos acumulam cem milhões de cadáveres e disputam com a peste do século XIV o troféu universal da letalidade. É a dureza sem ternura.

A arapuca, portanto, consiste em comparar coisas desiguais, ou seja, a experiência real e muito mais bem sucedida das sociedades livres, nas quais obviamente persistem problemas, com a fantasia do paraíso descrito no falatório esquerdista. Em regra, quem arma essa arapuca é um manipulador que confia na ingenuidade alheia. No entanto, só se pode comparar coisas de fato confrontáveis, ou seja, cada doutrina com sua prática, ou doutrina com doutrina e resultado com resultado. E aí não tem nem graça.

 

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.