Percival Puggina

31/12/2019

 


 Imagine um barqueiro solitário que num fim de tarde se ponha a velejar mar adentro, até perder a terra de vista. Rodeado, então, de águas profundas, o barqueiro deixa-se à deriva e, cansado, adormece. Enquanto dorme, a noite cai, o céu, antes claro, se reveste de pesadas nuvens. Um breu completo envolve a frágil embarcação e seu sonolento ocupante.

 Suponhamos, agora, que uma súbita sacolejada desperte o nosso barqueiro no leito negro ao qual se abandonara. E ei-lo ali, sitiado pela água e pela noite. O que dirá nessa situação? Proclamará: “Finalmente sou um homem livre, livre de tudo e de todos!”? Ou, ao contrário, exclamará para si mesmo: “Estou perdido!”?

 É muito improvável que, em tais circunstâncias, alguém se considere livre, pois todo aquele que não sabe para onde ir (que não sabe se localizar no espaço), não está livre, mas perdido. Com efeito, só quando o barqueiro vislumbrar algo que lhe sinalize o rumo a seguir terá recuperado sua liberdade. Antes disso não. E note-se que é a própria liberdade de ir para onde deve que cria a possibilidade de andar no rumo oposto.

 Pois não é diferente em nossa condição de barqueiros no oceano da vida. Corra os olhos, leitor, pelo seu entorno. Verifique para onde está apontando a proa de seu barco e se é para lá, realmente, que você deseja ir. Certifique-se de que é um destino pelo qual vale à pena viver. E, principalmente, não hesite em buscar um novo sentido em Deus se descobrir que está, como o nosso barqueiro, perdido numa noite desnecessariamente escura.

 Cem por cento das pessoas conscientemente felizes, não muitas, por certo, sabem para onde ir e não confundem liberdade com desorientação. Ao mesmo tempo, a totalidade dos infelizes e dos desgraçados se percebe sem rumo no mar da vida.

 Por mais farpados que sejam os fios com que se tecem os dramas que a compõem, nada é mais dramático na condição humana do que a tragédia de uma vida inteira sem sentido. Viver para as circunstâncias e não para a finalidade significa viver para os cenários e não para a história. Significa deixar-se viver. E essa é uma forma patética de se deixar morrer.

Um novo ano e uma nova década iniciam neste 1º de janeiro. Que sejam tempos e anos plenos de sentido e realização, em harmonioso convívio com o Bem.


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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

27/12/2019

 

 Décadas de uma Educação que prioriza o alinhamento com a visão esquerdista da história, da sociedade, da economia e da política colocou o Brasil no underground dos indicadores internacionais de qualidade. Aliás, no caso brasileiro, o indicador é de ruindade.

 O tema da Educação se inclui entre aqueles que me tiram o sono porque frustra meu desejo de ver o Brasil ingressando num patamar superior a esse em que se desdobrou minha vida. No viver aprendi que, em sociedades livres, o progresso social, político e econômico ocorre na razão direta da riqueza e das virtudes de seu patrimônio humano.

A imprensa está “pegando no pé” do ministro Abraham Weintraub. Tudo se passa e muita coisa é dita como se o ministro carregasse as culpas pelo péssimo desempenho da Educação em nosso país, onde raras e pontuais exceções são exatamente isso – pontuais e raras exceções. A quem não sabe, informo: 1) os dados do PISA, recém-divulgados, se referem ao ano de 2018 e o ministro nada tem a ver com eles, portanto; 2) a melhoria dos indicadores ocorrerá no tempo e é tão necessária quanto lenta será.

Acusa-se o ministro de ter excessivas preocupações ideológicas. Quem não as tem, contemplando o que acontece na Educação nacional? O pensamento freireano, o construtivismo, o marxismo e o esquerdismo permanecem como referências pedagógicas e foram sacralizados na concessão do título de patrono a Paulo Freire. Como haver futuro para nossa Educação se a imensa maioria dos professores crê estar num bom caminho, e que as dificuldades são todas financeiras? Mais dinheiro será, mesmo, o combustível para o foguete que nos levará ao topo?

Em 2015 gravei um vídeo sobre esse tema (1). Com quase 400 mil visualizações, ele colheu perto de 2 mil comentários cuja maioria relata experiências que comprovam a doutrinação. São evidências da falta de pluralismo e do esquerdismo que se fez hegemônico. Chegou-se a isso através do bem conhecido processo de tomada de posições nos centro de decisão (motivo, aliás, da revolta contra a gestão de Weintraub). Transcrevo, a seguir, alguns desses testemunhos:

Sou professor há 35 anos e esperei, todos os dias de minha vida, por alguém que não concordasse com Paulo Freire. Sempre fui discriminado por divergir dele. Hoje posso morrer em paz. Paulo Freire nunca foi um educador. Parabéns professor pela postagem deste vídeo.

Sr. Percival, estou com 73 anos de idade, aposentado, resolvi ocupar meu tempo fazendo licenciatura em matemática, estou em um instituto federal. Outro dia, após ouvir muita lengalenga sobre Paulo Freire, pedi à professora que me indicasse um país desenvolvido e/ou com boa classificação no PISA que tenha utilizado ou que utilize o Método Paulo Freire, não obtive resposta e para agravar argumentou que nosso baixo nível se dá por culpa das elites políticas, intelectuais e empresariais que impedem sua aplicação.

Sou Pedagogo, discordo de Paulo Freire e já estou começando a sofrer represálias.

Puggina! Lindo e triste vídeo... Sou uma professora de Sociologia e História que não segue livros... Que não tem voz em meio a tanta doutrinação dentro da escola. Mas dou o meu recado e vou na contramão. Amo o meu país e ainda espero por mudanças... Um abraço fraterno!

Experimente criticar Paulo Freire em qualquer curso de licenciatura no Brasil e você vai ser comido vivo. É impressionante como o discurso manso e democrático some e eles mostram sua verdadeira natureza intransigente (já aconteceu comigo).

Ótima reflexão Professor. E como futuro professor que serei, que pedagogias utilizarei se não as conheço, se elas não me foram apresentadas? Procuro muito metodologias que fogem do socioconstrutivismo, mas está difícil.

Comentário perfeito. Sou historiador. Fiquei fora de instituições por sempre discordar do lixo. Não raro, os sequelados e patrulheiros levantam-se, em palestras e cursos meus, e vão embora. É um prazer quando ocorre. Meus compromissos são com a História, a seriedade, a verdade. Não com besteiróis ideológicos.

Sou professor de escola pública e sinto o efeito devastador de Paulo Freire e toda a massa esquerdista. é muito triste e cansativo.

Comecei uma licenciatura e o que vejo é que eu tenho que dar sempre crédito ao "libertário". As perguntas das provas me obrigam a concordar com Paulo Freire. Questionei e fui atacado e quase reprovado. Contem comigo pra desmistificar essa fraude libertária.

Sou professor e infelizmente posso comprovar que esse tumor ainda prolifera.

Isso é verdade. Sou estudante do ultimo ano de Pedagogia e só rasgam elogio a Paulo Freire, e eu não posso nem dar minha opinião na sala!

Na escola sempre me foi ensinado: a culpa é do sistema! Hoje, como professor que estudou em escola pública, vejo a pedagogia ser trabalhada para massacrar o aluno e justificar que sua condição não é melhor por causa do sistema...

No referido vídeo há conteúdo para horas de leitura de testemunhos análogos a esses. A imprensa, que ao longo de décadas não se importou com a doutrinação nem com a ruindade do ensino brasileiro, agora se volta contra o ministro que viu o problema e está agindo contra ele.

1) https://www.youtube.com/watch?v=biAVF3PUbBI&t=286s
  

Percival Puggina

26/12/2019

 

 As duas casas do Congresso desenvolveram uma técnica notável para criar jabutis com requintes de engenharia genética. Durante muitos anos, esses jabutis foram desenvolvidos para introdução em medidas provisórias que entravam no parlamento redondas e saíam quadradas, bicudas. Seu uso mais comum envolvia concessão de benefícios atribuídos a quem por eles pudesse pagar bem. O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, era conhecido por sua dedicação a esses curiosos animaizinhos legislativos.

De uns tempos para cá, a ala do Congresso Nacional que sai correndo quando alguém grita “Pega ladrão!” tem se dedicado a incluir jabutis em medidas provisórias ou em projetos do governo, invertendo seu sentido e seu efeito. Em óbvia defesa do interesse próprio e flagrante choque com o desejo da sociedade, temas de segurança pública, de combate à impunidade, de dar efetividade à lei penal, produzem sudorese nervosa em muitos congressistas. Eles usam os jabutis para se autoprotegerem.

 Foi assim que quando queríamos as 10 medidas contra a corrupção, o Congresso nos ofereceu uma lei de combate ao abuso de poder, na medida exata para restringir as atividades de persecução penal e constranger à inação delegados, promotores e magistrados.

Foi assim, também, que o pacote do ministro Sérgio Moro foi agraciado com vários jabutis. Entre eles, sem dúvida o mais saliente é o que cria a figura do juiz de garantias para acompanhar os procedimentos e impedir que sejam violadas as garantias constitucionais e legais do réu.

É uma norma de aplicação incompatível com as dificuldades fiscais do país. É mais uma conta salgada e vitalícia como costumam ser os gastos que vêm a débito do pagador de impostos. Quarenta por cento das 5,5 mil comarcas brasileiras têm apenas um juiz o que dá ideia do número de vagas que estarão sendo criadas e providas em curtíssimo prazo. Como não há magistrados com tempo ocioso, a rigor será necessário criar milhares de novas vagas só nas justiças estaduais. Para surpresa geral da nação, Bolsonaro não vetou.

Ao omitir-se perante um jabuti desse tamanho, verdadeira tartaruga marinha no meio dos demais, o presidente contrariou o ministro Sérgio Moro, que expressou seu desagrado. Ao mesmo tempo, está sendo aplaudido pela esquerda, pelo deputado psolista Marcelo Freixo, pelos advogados criminalistas, pelos garantistas e pelos historicamente lenientes com a criminalidade. Aplaudem-no todos que tremem quando a campainha soa às seis horas da manhã. Aplaudem-no, enfim, todos de quem o Presidente da República é o principal adversário.

O que foi isso, presidente? Nós, seus eleitores, agradeceremos se explicar as razões dessa decisão, poupando-nos de buscá-las e impedindo que ela sirva duplamente a seus inimigos – criando mais delays nos processos criminais e apontando contradições em sua conduta.

 

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

22/12/2019

 


Há muitos anos participei de um programa de TV no qual se dabatia o tema da “independência” no relacionamento conjugal. Um assunto interessante porque em torno dele se tem estabelecido grande confusão, sendo muitos os que consideram desejável, no casamento moderno, uma recíproca e absoluta independência entre os pares.

Não existe isso nas instituições humanas. As sociedades se constituem porque as pessoas dependem uma das outras; uma sociedade de indivíduos absolutamente autônomos seria algo atomizado, disperso e ineficiente. União conjugal e família são reflexos da natureza individual e social da pessoa humana.

Na vida conjugal, e em especial nas relações onde o amor se impõe como elemento vinculante fundamental (embora não único), essa interdependência dos membros pode levar - e com frequência leva - ao sacrifício. Qualquer pai, mãe, marido ou mulher sabe que o amor cobra capacidade de renúncia, e a exige, especialmente nos momentos de crise pessoal, nas enfermidades, e sempre que há fardos a serem compartilhados.

Um dos maiores problemas que atingem a instituição familiar e sua estabilidade nos dias de hoje está localizado nessa fobia cultural à renúncia e ao sacrifício, entendidas pelo avesso - como elementos destruidores da natureza humana - e não como construtivos e constitutivos de sua maturidade.

O Natal de Jesus, e é sobre isso que desejo escrever, exemplifica com muita clareza que, no plano de Deus, o amor é inseparável da doação e da renúncia. O Natal não é apenas uma bela história. Ele é também o início de um drama real, convivido nas duas cidades, a de Deus e a dos homens: Deus se faz homem para estabelecer uma “nova e eterna Aliança” com a humanidade a que ama. E seguindo a lógica do amor, irá ao sacrifício de si mesmo.

Esse “dar-se” resiste, no ensinamento cristão, à dimensão comercial que cada vez mais domina as festas de fim de ano onde as relações se tornam crescentemente materiais, numa sequência que começa com o simples “receber”, passa pelo “trocar” e talvez chegue ao “dar alguma coisa”, mas raramente cogita do “dom de si”, que é a essência do Natal. Faço votos de que este Natal de 2019 seja para cada um, para cada família, para todos nós, ocasião de refletir sobre as exigências do amor, no exemplo de Jesus de Nazaré.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a Tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, A Tragédia da utopia (2ª Ed.). Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

19/12/2019

 

  A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça (Ruy Barbosa, em A imprensa e o dever da Verdade).

Se o leitor destas linhas for observador atento dos fatos e mora em Porto Alegre, deve ter percebido a mobilização da mídia para evidenciar à opinião pública e aos senhores vereadores, a inconveniência de aumentar os subsídios do próprio cargo, bem como do prefeito e seu vice. Recuaram os edis de sua intenção, percebendo a péssima repercussão da iniciativa num ano em que o contribuinte arcará com pesada majoração do IPTU.

No cenário nacional, os leitores certamente observaram o correto empenho da imprensa em combater a destinação de R$ 3,8 bilhões para a campanha eleitoral de 2020. Os parlamentares reconheceram que o aumento custaria caro a eles politicamente. Recuaram de sua intenção diante da pressão da grande imprensa, das ruas e das redes sociais.

No entanto cabe perguntar, por que o desinteresse da imprensa em cumprir o mesmo papel quando o Congresso aprova uma Lei de Abuso de Autoridade que vai inibir a persecução penal, jogando insegurança em todas as autoridades envolvidas no processo? Onde foi parar o dever de enxergar o que lhe malfazem, devassar o que lhe ocultam e velar pelo que interessa à sociedade?

Durante muitos anos, atribuí a criminalidade solta e ativa nas ruas à formação ministrada nos cursos de Direito que seguem o bate-bate do metrônomo ideológico. Segundo ele, o ser humano é perfeito, o capitalismo o degenera e, por isso, do criminoso não se poderia esperar outra conduta. Ele é um agente na mesma revolução em que operam tais mestres. A tarefa dos intelectuais em posição de poder é devolver o parceiro rapidamente às ruas. Tornou-se evidente, agora, que há outro fator intervindo para manter a impunidade. Refiro-me ao parlamento onde matérias restritivas à persecução penal têm tramitação urgente enquanto matérias para acelerar o ritmo processual e manter bandido preso não são do gosto e não despertam entusiasmo no plenário. O interesse próprio tanto acelera algumas deliberações quanto breca outras. E a grande mídia? Nada!

Todo dia, criminosos com várias passagens pela polícia, ficha criminal extensa, mas em inaceitável liberdade, continuam matando e roubando. E a sociedade que se dane.

Que Senado e Câmara fazem um jogo de cena, enrolam e não votam, está todo mundo vendo. A questão que me incomoda, também indignaria Ruy Barbosa: por que a grande imprensa não pressiona? Por que não aponta responsáveis pela resistência às mudanças, sejam elas por emenda à Constituição, sejam por lei ordinária? Por que divulgaram que o pacote anticrime do ministro Moro “sofreu alterações” quando, na verdade, foi desfigurado para produzir, em alguns casos, o oposto do que pretendia o projeto original?

Seria de se esperar. Afinal, considero gravíssimo que o STF tenha acolhido, depois de dezenas de crimes julgados, a tese que inventou o adereço processual segundo o qual o denunciado fala depois do denunciante nas rotineiras e inócuas alegações finais dos processos. E digo o mesmo da ultrajante decisão do STF que empurrou o trânsito em julgado para o dia de São Nunca. Tudo irrelevante para a mídia.

Se a imprensa dedicasse às atividades dos demais poderes contra o bem comum e no interesse próprio 10% do empenho com que acompanha, escrutina e critica o governo, o combate à criminalidade andaria mais adiantado e nossa segurança ampliada.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

15/12/2019

 Confesso-me impressionado com o poder da máquina publicitária montada em torno do ambientalismo. De repente, como se tivessem recebido uma revelação espiritual, pessoas de quem se espera discernimento reverenciam uma adolescente de 16 anos que fala sobre um apocalíptico fim do mundo. Com frêmitos de ira, chicoteia supostos vendilhões do planeta expulsando do templo da mãe terra qualquer um que ouse acender um lampião de querosene.

Ela mesma, para dar exemplo, perdeu 21 dias de aula viajando de Lisboa a Nova Iorque a bordo de um veleiro. Verdadeira multidão de repórteres a aguardava. Parecia uma tribo de selvagens de i-phone recebendo a visita de uma navegadora vinda do passado. Com Greta, chegava a redenção daquela turma motorizada. Com ela, retomavam-se as Grandes Navegações e os sete mares se fariam coloridos pelos velames da nova versão pop da marinha mercante. Milhões de toneladas de alimentos embarcadas em tonéis. Uma nova logística para a humanidade. Alelulia!

“How dare you!”. Essa expressão – “Como vocês se atrevem!” – saída da boca de uma adolescente, impressionou o mundo mesmo que não esteja muito claro de onde lhe vêm as credenciais se não do discurso decorado. O mundo é muito impressionável. Greta tem uma autoridade autorreferida, produto de um pânico implantado, endossado por uma mídia pronta para abraçar qualquer tese que sirva aos grandes negócios da agenda ambientalista e/ou aos interesses políticos da esquerda. A inimizade dessa imprensa com o progresso, com o desenvolvimento econômico e com a geração de empregos é mais do que declarada. Contudo, na ausência da trinca – progresso, desenvolvimento e empregos –, sobrevêm miséria e fome.

Com efeito, miséria e fome são males que frequentam o fim da estrada para as dezenas de experiências esquerdistas ao longo de um século inteiro. E eu não vejo como não esperar por ambos num cenário econômico movido a vento, onde os aeroportos (1), politicamente incorretos, todos, precisam esvaziar-se. O aplaudido antagonismo com a livre iniciativa deveria disparar, isto sim, um sinal de alerta, em direção inversa, a toda a humanidade. O ser humano não é ecológico. Nem os índios o são plenamente. Ao contrário da exclamação de Greta, nós é que deveríamos interpelar seus apoiadores: “How dare you!”. Não a utilizem para tais fins!

Muito mais realista do que o discurso que lhe ensinaram, longe do qual, sem a prévia redação ela já deu sinal de ficar sem conteúdo, é saber que os próprios navios da ONG Greenpeace se movem a óleo diesel e que, portanto, essa histeria contra combustíveis fósseis tem boa dose de hipocrisia. Faz o que eu digo, não faz o que eu faço.


(1) Há, na Suécia, um movimento com o intuito de criar constrangimento ético a quem viaja de avião. Chama-se “Vergonha de voar” (em sueco flygskam)...

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

14/12/2019

Minha mulher costuma dizer que eu não deveria assistir comédias em cinemas porque incomodo os outros espectadores com minhas incontroláveis gargalhadas explosivas. Há que explicar ao leitor que embora eu pareça um sisudo conservador, raramente estou sério na vida privada. Quem convive comigo sabe disso.

O humor é um dos privilégios da humanidade; o bom humor é uma graça divina no cotidiano; saber rir de si mesmo é receita contra volumoso catálogo de maus sentimentos.

Com isso, estou dizendo que bons humoristas contam-se entre meus artistas preferidos. Eles têm habilidade para provocar o riso e ainda por cima ganham dinheiro com isso. Coisa melhor? Poucas. Alguns dos meus textos alcançam o primeiro degrau do humor, aquele onde opera a ironia, uma produtora de exclamações e sorrisos que raramente dá razão a gargalhadas. Aliás, ironia que causa gargalhadas, de regra, tem efeito destrutivo sobre seu objeto. Convém evitar.

Tornou-se consensual entre quem analise as ideias e as forças políticas atuantes no mundo civilizado, que os fundamentos da Civilização Ocidental estão sob ataque. Ataca-se a família de forma tão violenta que ela vai perdendo seu papel de célula nuclear da sociedade. Em nome da laicidade atacam-se as manifestações de fé e se interdita o argumento religioso em debates de interesse público. Atacam-se os deveres para ressaltar a prioridade dos direitos. Exalta-se a liberdade sem limites, a ponto de ser reivindicada sua libertação do jugo que a responsabilidade impõe. Destroem-se os valores e os princípios. Relativiza-se a verdade, trocando-a por uma ilusão, uma ideia, uma utopia. Destrói-se o belo e se difunde o horrendo; nega-se o bem e se alardeia o mal; reinventa-se a justiça. Tudo em nome de uma reengenharia do indivíduo e da sociedade. Derrubados esses obstáculos, a humanidade estará pronta para o totalitarismo que lhe for imposto.

Se alvos tão essenciais são atacados e se consideramos conveniente defendê-los, conhecer os meios que o adversário utiliza é tão importante quanto conhecer o adversário. Não se pode dissociar dessa identidade quem opera para produzir tal resultado. Assim, um grupo de comediantes dedicado às tarefas catalogadas no parágrafo anterior, que se põe a vilipendiar o sagrado, não pode deixar de ser identificado como de fato é: inimigo em ação. O que ele faz não é humor. É mau humor. É agressão, perversão, ultraje, afronta.

Apontar a gravidade e o caráter socialmente malévolo de sua produção, externar indignação com a falta de respeito, declarar desagrado a seus patrocinadores, boicotar uns e outros, são procedimentos sadios e democráticos. Exercício simétrico do direito de opinião. Confundir isso com censura é uma silenciosa submissão à estratégia socialmente corrosiva do inimigo.

Quem age contra a civilização a que pertence sofre de endofobia, que é a rejeição ao grupo, à nação, à cultura, ou à civilização da qual faz parte.

 

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

12/12/2019

 

 Bancos e organismos internacionais que monitoram a economia dos países parecem concordar com a afirmação de que o Brasil já entrou em rota de crescimento. Saiu da UTI, onde foi parar por direção perigosa, e está na Sala de Recuperação. Os boletins dizem que seus sinais vitais estão preservados. O Bank Of America, por exemplo, prevê para nossa economia um crescimento de 2,4% em 2020 e 3,5% em 2021. Isso é muito bom porque desde 2009 não conseguimos um crescimento anual de 2,5% e enfrentamos, no período, três anos de recessão. Internamente, o comportamento da Bolsa de Valores confirma essas opiniões.

No entanto, um crescimento que nos deixe com água na boca e brilho nos olhos, capaz de reduzir de modo expressivo o desemprego e a miséria, precisa de mais do que um alento à demanda reprimida. Precisa de muito investimento e, em horizonte mais longo, de qualificar nossos recursos humanos. Precisa virar nossa Educação pelo avesso e de cabeça para baixo, pois ela não andará com firmeza se não der alguns passos para trás. Precisa reverter o processo descivilizador que a esquerda brasileira, perita em ruptura da ordem, considera necessário à sua ação política.

No momento em que escrevo estas linhas, o ministro da Educação, Abraham Weintraub está depondo na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Deputados da oposição demonstram estar indignados com as afirmações do ministro sobre drogas no espaço dos campi universitários. Disso que assisto na TV, colho uma comprovação de que tais partidos, malgrado os péssimos resultados, acham tudo bem assim como está. É como se com mais verbas e com a condução antiga fosse levada à perfeição uma Educação que não pode ser pior embora gaste mais, per capita, do que países vizinhos que a superam em qualidade.

Voltando ao tema do ambiente universitário brasileiro. A ira contra o ministro traz à lembrança uma frase do ministro Roberto Barroso. Na eleição de 2018, quando bateu no STF a questão da presença da PM em universidades onde se fazia escancarada campanha eleitoral para o PT, o ministro disse: “A polícia, como regra, só pode entrar em uma universidade se for para estudar”. Já o traficante, no mesmo raciocínio de Sua Excelência, está livre para entrar e operar, sem necessidade de estudar. Tem ali um ambiente seguro para suas ações.

Não é crível que com os mesmos alunos, os mesmos professores, a mesma orientação pedagógica e o mesmo ambiente, baste pôr mais dinheiro na mesa para que tudo se resolva.

Não bastará. Será preciso despaulofreirizar o Brasil. Será preciso derrotar um ensino que não inclui em suas prioridades proporcionar aos estudantes qualificação adequada ao mercado de trabalho. Falar isso em sala de aula de muitos cursos universitários no Brasil exige a cautela de proclamá-lo perto da porta e longe da janela. Perto da porta para sair correndo e longe da janela para que não o joguem por ela aqueles que priorizam a inserção dos estudantes no seu ativismo. Procurem no YouTube por “José Dirceu e escola sem partido” e o assistirão dizendo a militantes: “A pior ameaça que vamos viver é a Escola sem Partido”.

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

10/12/2019

 

  Passa longe de mim o discurso ingênuo lastreado na suposição de que possa haver convergência no atual quadro político brasileiro. Basta assistir uma sessão da Câmara dos Deputados para perceber o quanto é ingênuo esse discurso.

Nas eleições do ano passado, o eleitorado deu giro de 180 graus no conjunto de suas opiniões sobre a situação nacional. Durante 25 anos, a direita ficou sem partido e sem voz. Essencialmente antipetista, renasceu vigorosa nas redes sociais após os achados da Lava Jato e se identificou com o discurso conservador de Bolsonaro. Era evidente, e o tempo veio oferecer prova, que o combate da grande imprensa ao candidato antes e durante o período eleitoral não iria amainar após a eleição. Os gigantes da comunicação não iriam se dar por vencidos e, menos ainda, reconhecer que erraram em suas avaliações sobre o que viria a ser um governo do capitão. Como ficam tais veículos se o governo for bem sucedido? O que dirão “lá em casa?”

Isso explica muita coisa. Mas não explica suficientemente tudo. Veja, leitor, o que está acontecendo ante as mais recentes decisões do STF, notadamente na invencionice processual de “que o delatado fala por último nas alegações finais do processo” e na deliberação que, na prática, acabou com a prisão após condenação em segunda instância. Ambas aconteceram num país que saiu das urnas com a tarefa de acabar com a cultura da impunidade, com a insegurança e com a corrupção. Lugar de bandido é na cadeia. A sociedade sabe que muitos crimes contra ela praticados não ocorreriam se os criminosos estivessem neutralizados, contidos onde lhes sobram motivos para estar: atrás das grades.

Enquanto o STF toma decisões das quais até Deus duvida, o Congresso Nacional vem na contramão da vontade social, surdo à voz das ruas, atropelando os urgentes anseios da sociedade. Legisla velozmente em causa própria, aprova leis que inibem a persecução penal e revela total inapetência ante o cardápio legislativo que o governo e a sociedade lhe propõem. Seus dois presidentes, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre respondem às iniciativas moralizadoras balançando a chave do arquivo – destino prometido a todas que possam colocá-los em risco.

Quadro de terror. Bandidos sendo soltos, chefes de quadrilha, corruptos e corruptores, festejando a liberdade e a leniência do Congresso. Insensibilidade do STF, que se desdobra beneficiando a cultura da impunidade.

Voltemos, então, às primeiras linhas deste artigo. O que faz a grande imprensa perante fatos tão graves? Lava as mãos em água suja? Qual a opinião de tais veículos sobre a desconsideração dos poderes à vontade de seus leitores, fregueses da indústria da informação? Que opinião têm sobre a conduta de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre? Onde sumiram os adjetivos que lhes seriam corretamente aplicáveis? Onde as urgentes matérias para constranger o Centrão e seu chefe Arthur Lira, réu perante o STF? Nada! Que jornalismo é esse, surdo à sociedade, que só tem opinião ácida e desmedida sobre o presidente da República?

Se pequena parcela do esforço que dedicam para atacá-lo fosse usada com o intuito de colocar o país nos eixos da decência e do efetivo combate à impunidade, o povo, o público, os leitores, os aplaudiriam e não precisariam sair às ruas para expor os fatos do alto de um carro de som.

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.