Antigamente, nas aulas de língua portuguesa, estudavam-se sinônimos e antônimos. Os sinônimos eram chatos, repetitivos como certos discursos. Responder corretamente aos exercícios de sinônimos implicava um esforço dos neurônios para encontrar outras maneiras de dizer a mesma coisa. “Quem se pode interessar por algo tão inútil?”, pensava eu. Já com os antônimos as coisas não se passavam assim. Os antônimos eram divertidos, envolviam um antagonismo frontal, curto e certo. A professora dizia uma palavra e a gente a contrariava. Mesmo que ela reservasse os melhores vocábulos para si, era engraçado responder “burrice” quando ela proclamava “inteligência”. Dona Elvira dizia “estudar”, eu respondia “vagabundear” e a turma caía na gargalhada.
Suponho que os exercícios de antônimos tenham, de algum modo, contaminado a minha geração. Emitimos, ao longo das décadas, fortíssimos sinais de que nos comprazemos em fazer tudo pelo avesso, como se a vida fosse uma camiseta “descolada”. Organizamos a vida nacional, em quase tudo que importa, pelo inverso do que é certo. Luciano Huck, de tanto distribuir caminhões com prêmios em bairros pobres, já dá entrevista como presidenciável. Há eleitores convencidos de ser isso o que políticos devem fazer em âmbito nacional. E há congressistas, nestes dias, querendo fazer o mesmo com o dinheiro do Orçamento. Mas pergunto: você já assistiu uma coisa dessas fora da América Latina, em país bem organizado?
Bolsonaro quer o antônimo dessa regra. A estrita confiança em seu Posto Ipiranga o fez reconhecer que essa é uma das causas da baixa eficiência dos investimentos públicos quando passam pelas mãos dos políticos. O dinheiro é arrecadado nos municípios e nos estados, em penitente silêncio dos cidadãos, e segue para Brasília. Lá circula, todo dia, uma espécie de versão luxuosa do caminhão do Huck, sustentando favores eternos, cardápios, mordomias, plano de saúde para filhos marmanjos de 30 anos, e tonifica a maioria parlamentar. Quem, na base da pirâmide dos contribuintes, recebe algo em retorno (quando retorna), vê seu dinheiro chegar enxugado e apoucado, ao som das trombetas eleitorais.
Sob o ponto de vista institucional, federativo, político e jurídico construímos, aqui, as pirâmides do Egito de cabeça para baixo. Um dos mais importantes princípios da organização social é o princípio da subsidiariedade, inspirado no conceito de que a prioridade das iniciativas deve ser atribuída às instituições de ordem menor, à base da pirâmide, agindo as demais, subsidiariamente, na medida da necessidade. Em resumo, a União só age naquilo que os Estados não possam agir, estes só atuam naquilo para que os municípios estejam incapacitados de atuar e, dentro do município, a prioridade das iniciativas flui, pela mesma regra, até o cidadão.
O princípio da subsidiariedade, portanto, é um princípio moral, na medida em que preserva a autonomia da pessoa humana e sua liberdade. É um princípio jurídico porque estabelece – e estabelece bem – a ordem das competências. É um princípio político porque delimita – e delimita bem – a ação do Estado. E é um princípio de administração porque vai organizar – e organizar bem – as competências, encurtar os caminhos e os vazamentos do dinheiro, determinar a forma e o tamanho do Estado e orientar a ação do governo de modo a fazer parcerias com a sociedade.
Mas, convenhamos: é divertido assistir o contrário disso tudo e ouvir as loas da imprensa à “autonomia do Legislativo”. E (mais absurdo de tudo), elites políticas aplaudirem o retorno, em poucos frascos e muita publicidade, da dinheirama que parte embarcada em contêineres. Clap, clap, clap!
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
adão Silva Oliveira - 07/03/2020 02:03:46
Que bom discutir o emprego correto da virgula. Muito melhor (melhor mesmo) que a chata discussão entre Olavistas e Chavistas (ou algo do mesmo gênero).Carlos Edison Fernandes Domingues - 06/03/2020 15:27:46
CAIO . Entendo que o PRATICAMENTE, deve ser escrito entre vírgulas, pois ao manifestar "não há estadista" é um pensamento completo e absoluto. Quando se coloca PRATICAMENTE é porque ainda se admite a possibilidade de existir estadista e este entendimento deve ser registrado entre vírgulas S.M.J. Carlos Edison DominguesCaio - 05/03/2020 05:09:32
Desculpe o “praticamente” entre vírgulas! Não percebi o erro ao fazer o comentário.Luiz R. Vilela - 04/03/2020 11:37:38
"Dinheiro não se gasta, dinheiro se aplica". este era o conselho que um cidadão idoso dava ao seu neto, em uma propaganda televisiva a anos passados. Belo conselho, o dinheiro aplicado, volta e com rendimentos, já o gasto, vai e não volta mais. Assim como o neto que ouvia o avô, também os governos deveriam se atentar para o ensinamento. Dinheiro público, deveria ser quase que totalmente para investimento na educação e progresso do cidadão pagador de impostos, porque com o crescimento do contribuinte, haverá a garantia do enchimento das arcas do tesouro. Agora num pais onde os governos não cuidam da educação, onde milhões de pessoas para não passar fome, dependem das esmolas públicas, pode-se dizer que este pais jamais terá futuro ou chegará a lugar algum. Estará eternamente em desenvolvimento. Nossos políticos, tem uma visão muito diferente dos políticos de outras partes do mundo. Aqui a "benesse" pública, tem como objetivo apenas expor a figura do "doador", como pessoa preocupada com os pobres, que é sinônimo de votação farta nas próximas eleições. O altruísmo é apenas de fachada, por trás, sempre tem um interesse escuso. Infelizmente nossos políticos funcionam desta maneira, porém, deve-se sempre lembrar, que político não cai do céu, ou vem do exterior, saem todos do meio da sociedade a quem representam, daí vem a grande pergunta. O povo representado é melhor que os seus representantes? Ou aquilo que fazem na política, é o que realmente o povo deseja? Até porque a toda eleição, vota-se sempre para a mudança, mas tudo fica como sempre esteve, ou seja, os substitutos logo passam a ser como eram os substituídos. Será que algum dia isso poderá mudar? Ou a degradação ira ainda proporcionar a desagregação? Alguém algum dia tomará uma decisão, o desfecho, é inimaginável. A barbárie na política, trará reflexos em toda a sociedade, que os políticos tenham responsabilidades.Caio - 04/03/2020 09:01:28
Sr. Percival, perfeita análise e objetiva. Serei ainda mais objetivo. Predomina os interesses pessoais e não há, praticamente, estadistas.