• Percival Puggina
  • 25/02/2020
  • Compartilhe:

A INACREDITÁVEL MÍDIA

 

 Ao tempo do mensalão não havia dúvida sobre a natureza indecente da compra de votos parlamentares. Nenhum veículo ousou afirmar que tal conduta tivesse algo a ver com democracia e com o jogo político. Nem o Lula! Em 2005, ele reuniu o ministério na Granja do Torto e pediu desculpas à nação, dizendo-se “traído por práticas inaceitáveis”.

  Quem quiser refrescar a memória pode ler aqui (1) as 122 páginas do voto com que o relator Joaquim Barbosa esmiuçou as motivações daquela descarada iniciativa. Quinze anos mais tarde, o mensalão, referido a tudo que veio depois, parece trambique no jogo de cartas em casa de repouso para idosos. Ainda assim, por indecente, derrubou José Dirceu da chefia da Casa Civil e o converteu em bode expiatório do chefe.

 Antes mesmo do mensalão, ainda no governo FHC, é bom lembrar, a imprensa, com razão, denunciava a troca de favores por votos parlamentares. Cargos e liberação de verbas compunham o cardápio de operações comerciais que atendiam pelo nome de “toma-lá-dá-cá”. Nelas, os votos eram cedidos sem convicção. O que mais importava não era a matéria em deliberação, mas a liberação da quantia ou o cargo provido. Ao ritmo das demandas, o Estado inchava e encarecia. Para um número significativo de parlamentares, o mandato, por si só, é pouco, mas abre a porta para muito mais. E cada vez mais.

***


A Lava Jato, o impeachment e a vitória de Bolsonaro elevaram o nível de estresse das redações. Décadas de colaboração e alinhamento com o esquerdismo hegemônico foram devorados pela boca da urna e a vida missionária da esquerda perdeu fontes de custeio.

Em março de 2019 o centrão se recompôs e retomou o hábito de chantagear o governo. Já então, porém, inculpar Bolsonaro tornara-se o esporte preferido das grandes redações. Em relação a tudo que aprontam os malasartes dos outros poderes (Toffoli, Maia, Alcolumbre), a inacreditável mídia fechou os olhos, lavou as mãos e terceirizou o direito de opinião para as redes sociais. A Globo e a Globo News atacam o governo com o jogral de seus comentaristas.

O Congresso criou as emendas impositivas, individuais e de bancada para controlar R$ 42 bilhões do Orçamento e a inacreditável mídia fez e continua fazendo cara de paisagem! A galinha da União sendo depenada em proveito eleitoral dos congressistas e a mídia dá força: “O Congresso é o senhor do orçamento”. Para cozinhar, sim; para saborear individualmente, não. Uma coisa é o parlamento como um todo, o orçamento como um todo. Outra é transformar tudo numa pizza com 594 fatias.

A grande imprensa não enxerga isso?

Minha consciência está tranquila. Como adversário do presidencialismo, há mais de 30 anos denuncio o que chamo presidencialismo de cooptação, em que maioria é coisa que se compra e voto é coisa que se vende. A novidade é que, se o Congresso derrubar o veto de Bolsonaro a esse fatiamento das despesas não vinculadas, o governo estará neutralizado, imobilizado.

Os partidos e seus congressistas, que antes recebiam ministérios, estatais e cargos da administração como forma de cooptação, perdidos os cargos, meteram fundo a mão no orçamento da União. A imprensa, enquanto isso, não cansa de elogiar a “autonomia do parlamento” como se, no presidencialismo, o legislativo não vivesse eterno déficit de responsabilidade. É por causa dessa irresponsabilidade que o Congresso vem agindo como age, contando, agora, com matreiro piscar de olhos dos veículos da inacreditável imprensa.


(1) http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/relatoriomensalao.pdf

_______________________________
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


Josué Gonçalves Josué -   02/03/2020 14:39:16

Quem oficializou o presidencialismo de coalizão foi o endeusado Tancredo Neves que inaugurou a 'nomenklatura' brasileira rateando os cargos federais entre os eleitores do colégio eleitoral, o Congresso. O toma-lá-dá-cá anterior era informal.

Otao -   28/02/2020 12:04:02

1. No livro O GATTOPARDO não é o príncipe "tiozão" Don Fabrizio mas sim o sobrinho "garotão" Tancredi que faz a seguinte colocação: "Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude". 2. Portanto no entendimento do autor Lampedusa as mudanças nunca partirão de iniciativas dos senhores-estabelecidos mas sim sempre e somente daqueles que nada-tem-a perder. 3. Mas mesmo assim a juventude que toma iniciativas de compromisso transformador intuitivamente admitem que NÃO SABEM O QUE FAZER fora do que é feito. 4. Portanto dá de admitir que massas humanas propositada pró mudanças dá inevitáveel em populismo que arruína os propósitos.

Donizetti Aparecido de Oliveira -   26/02/2020 20:21:08

A essência desse processo, e que ninguém tem coragem de dizer, é que a mainstream media é na sua maioria CRIMINOSA. Assistimos impassíveis esse tipo de crime cometido diariamente pelo pseudos jornalistas, sem nenhuma punição.

Luiz R. Vilela -   26/02/2020 11:54:59

" Quem quiser ter opinião, que tenha um jornal", teria dito o velho Assis Chateaubriand, quando alguns foram interceder por um jornalista que ele havia demitido, por ter escrito uma matéria contra os seus interesses. É assim mesmo, a opinião é do patrão, empregado apenas deve divulga-la. Quando se observa em qualquer veiculo de comunicação, quando a linha editorial é de uma tendência, todos os que ali trabalham são unânimes em segui-la, se a favor do governo, todos o são. Se contra, é a mesma coisa, a unanimidade é a tônica. Não levam em conta o que Nelson Rodrigues disse: "Toda unanimidade é burra", ou neste caso seja apenas a vontade do empregador. A liberdade de imprensa, só existe na divulgação da matéria, na elaboração, o que prevalece é o interesse do dono do veículo. É por isso que se estranha quando uma empresa jornalística, não tenha um só jornalista destoante dos demais, é uma manada. O Bolsonaro passou a ser apedrejado pelo "jornalismo de resultado", quando fechou as torneiras das verbas públicas, que o lula havia "escancarado". Tornou-se nazista, fascista, aprendiz de ditador, e por ai afora, só porque a "galera das letras", ficou sem o precioso "jabaculê", como dizem os cariocas, tão versados nestes assuntos. Assim nada que favoreça o governo é divulgado, mas tudo o que o denigra, é alardeado como coisa terrível, mesmo que seja uma insignificância. Julgam-nos uns paspalhos sem capacidade de raciocínio, e quanto mais se comprometem nestas disputas pelo dinheiro público, mais perdem credibilidade. A internete veio para mudar tudo no sistema de informação, a mídia tradicional ainda esperneia, mas sabe que sem a bolsa da viúva, seu fim esta logo ali na frente. Não podem se modernizar? Então terão que desaparecer, o mundo é dinâmico e a fila anda.

Menelau Santos -   26/02/2020 10:50:06

O texto é oportuno e excelente. Como diria o Casoy, é uma vergonha! O pior é que eu converso com pessoas ditas "esclarecidas" --- professores, empresários, pessoas estudadas --- e elas não percebem o truque a que estão expostas. A minnha resposta é sempre a mesma, "você só lê a grande mídia". Hoje por exemplo, enquanto escrevo este comentário, temos lá no UOL: "Bolsonaro apoia ato a seu favor e contra o Congresso" (sobre as manifestações). Como o Presidente não seria simpático à uma manifestação de apoio à ele mesmo? Se ele fosse contra não seria anti-democrático? Agora, uma coisa é ser simpático e outra é incentivar o movimento. "Bolsonaro sempre sonhou com uma ditadura" . Se fosse assim, porque ele se candidatou a Presidente? Como dá pra ler um troço destes? Como tascou o Professor Olavo, no Brasil as matérias não valor, só preço.

ODILON ROCHA -   25/02/2020 21:24:26

Caro Professor Em relação à sua pergunta sobre a possível cegueira da imprensa, lhe digo que enxerga e muito bem! Mas só o que a ela interessa. E, bem ao contrário, é totalmente cega às conquistas deste Governo. A vista de hipócritas é seletiva.