Percival Puggina

12/02/2021

 

Percival Puggina

 

         O Centrão, justificadamente, tem péssima imagem no país. Salvo um ou outro episódio que custo a lembrar, sua principal utilidade ocorreu durante o processo constituinte. E mais especificamente, no ano de 1988, quando um grupo numeroso de parlamentares liderados pelo PMDB se uniu para tentar abrandar um pouco as insanidades que o bloco de esquerda pretendia ver constitucionalizadas. Esse movimento deu causa ao racha do PMDB, que havia elegido mais da metade do plenário da Constituinte.

Como escrevi várias vezes referindo esse período, se fosse politicamente mais homogêneo, o partido de Ulysses Guimarães poderia ter redigido a Carta de 1988 numa sala de seu Diretório Nacional. Entre os senadores, apenas 14 não eram do PMDB. Na Câmara, 53% dos deputados eram a ele filiados. O partido, no entanto, rachou pelo lado esquerdo. Em fins de 1987, nove senadores e 39 deputados federais criaram o PSDB. Esse grupo já vinha trabalhando com o bloco de esquerda, sob liderança de Fernando Henrique e Lula.

E o Centrão? Mesmo na Constituinte, se de um lado diminuiu o estrago, como mencionei acima, de outro ajudou Sarney a derrubar o parlamentarismo que seria aprovado e o presenteou com um mandato especial de cinco anos, quando o previsto era quatro anos. Esse foi o tempo certo para o Centrão sentir o gosto do governo, dos cargos, dos bônus e nunca mais sair. Ficou com Sarney, seguiu duas vezes com Fernando Henrique, outras duas com Lula, outras duas com Dilma, depois com Temer e, agora, com Bolsonaro.

O mais curioso é que o Centrão, malgrado estar no poder há 32 anos, também sabe ser oposição. Mostrou isso nos primeiros 18 meses de Bolsonaro, paralisando, arquivando, derrubando, desfigurando todas as tentativas do presidente de dirigir o carro do Executivo com geometria e balanceamento adequados às expectativas vitoriosas na eleição de 2018. A gente viu no que deu.

O Centrão está ciente e a história faz prova: quem não tem maioria no Congresso ou não termina o governo (Getúlio, Jânio, Jango, Collor e Dilma) ou não consegue governar, caso de Temer, que ficou cumprindo o carnê. Na situação em que Bolsonaro estava em meados do ano passado, seu rumo estava ditado pela história. Ou o Centrão, ou mais quatro anos estéreis para o país, ou porta da rua serventia da casa, via Congresso ou TSE.

Agora, partidos que, governando com o Centrão promoveram toda a lambança possível, e órgãos de imprensa que faturavam bilhões com a publicidade oficial fingem prestar atenção para essa longa história. Agora lhes caem as escamas dos olhos para a vida que passou diante deles durante mais de três décadas – vistosa, ruidosa e dadivosa como uma escola de samba na avenida! Me poupem dessa hipocrisia.

Pode parecer estranho, mas será o modo como Bolsonaro vai operar a relação com o Centrão que vai influenciar mais diretamente o resultado eleitoral de 2022. Se ele não andar por onde outros atolaram e se extrair do Centrão aquilo que se espera de uma base do governo, terá prestado um bom serviço à nação.

*Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org.

* Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

09/02/2021

 

Percival Puggina

 

         O Brasil que queremos só acontecerá num futuro talvez ainda distante e em ambiente de bem formada consciência moral. O passar dos anos, as palestras que faço, as muitas conversas com pais de jovens, me permitiram identificar um grupo de frases (as que seguem são apenas algumas), muito repetidas, que costumo qualificar como “frases perigosas”. Elas expressam ideias irretocáveis em determinado contexto, mas levadas a outro contexto resultam erradas e podem produzir verdadeiras tragédias. São sinais de advertência sobre os tempos em que vivemos.

         1. “Querer é poder”.

         A vontade humana – o querer algo – é condição importante para alcançá-lo. No entanto, há grandes responsabilidades inerentes às ações que adotamos para atingir qualquer objetivo. Elas envolvem a licitude dos meios usados e a efetiva retidão dos fins buscados. Muitas vezes, somos tentados a querer o que fará mal a nós ou a outros. Quando algum desses obstáculos morais se apresenta, aquela “vontade” que nos leva a querer algo deve ser usada para repudiá-lo. Chama-se a isso “força de vontade”, dom a ser cultivado por quem quer viver em conformidade com o Bem.

         2. “Eu sei o que é bom para mim”.

         É verdade. Melhor do que quaisquer outros seres vivos, estamos capacitados a conhecer o que é bom.  Há, porém, uma diferença essencial entre o bom e o Bem, entre perfume e cocaína.  

Estamos perfeitamente dotados por Deus para saber o que “é bom” (no sentido sensorial) para nós. Contudo, saber o que é bom não é o mesmo que conhecer o Bem; a ciência e a consciência de ambos exige analisar o primeiro em relação ao segundo. Aprende-se, assim, que nem tudo o que é bom faz bem. Aliás, como regra, quem só faz “o que é bom” acaba se dando muito mal. Ninguém melhor do que Deus para nos revelar onde está o nosso Bem.

         3. “Errando se aprende.”

         Pode-se dizer que a maior parte das pessoas aprende, mesmo, da maior parte de seus erros. Entretanto, existem erros dos quais nada aprendemos e existem pessoas que parecem nada aprender de seus erros. Aprende deles quem busca acertar e não sabe como fazer, e nada aprende quem erra por gosto.

         Contudo, mesmo quando o erro desempenha papel didático, ele pode ser substituído, com imensa vantagem, por outra forma de aprendizado. Dentre todas as maneiras possíveis de se aprender algo, a pior é que passa pelo erro, principalmente quando provoca dano existencial a si ou ao próximo. Existem erros insanáveis, terríveis.

               4. “Normal é o que a maioria ou todos fazem”.

         Num contexto estatístico, sim, a “normalidade” guarda relação com a tendência geral. Mas no contexto moral, não. A maioria pode estar alcoolizada, drogada, prostituída, corrompida, e isso não caracteriza qualquer normalidade. Se considerarmos, por exemplo, que a maioria é promíscua e que, por isso, a promiscuidade é “normal”, acabaremos tendo que admitir que quem não o for é “anormal”.

         Na perspectiva moral, “normal” é o que está de acordo com uma norma (como indica a etimologia norma/normal/normalidade) ou em conformidade com um preceito moral. É fácil imaginar onde iremos parar se nos deixamos moldar pelas tendências alheias, assim como fica evidente a quanto de nossa personalidade e identidade isso nos faz renunciar.

         Também aqui, como regra, a frase costuma ser usada por quem sabe que fará algo errado, mas tenta “justificar-se” mediante uma grande “integração” na comunidade dos errados.

***

         Como se vê, é preciso ter cautela em relação a certas frases feitas. Elas podem produzir tragédias humanas.

         Não devemos esquecer, por fim, que estas reflexões, quando aplicadas à política, precisam levar em conta que, frequentemente, o Bem não está inteiramente disponível, ou não está disponível de modo algum, tornando necessário optar pelo mal menor. Eleitores com consistente formação moral elegerão – isto é certo – melhores  políticos, dedicados ao Bem de todos e não ao que é bom apenas para eles mesmos.

* Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de puggina.org

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

07/02/2021

 

Percival Puggina

 

 

         Aprendi de guri que os alunos mais dedicados aos estudos eram aqueles que disputavam – disputavam mesmo – os primeiros lugares da turma. Eu não estava em nenhuma competitiva e estressada metrópole capitalista.  Ninguém na turma sonhava com ser um figurão entre os tigres asiáticos ou em Wall Street. Éramos apenas meninos e meninas dos anos 50, em Santana do Livramento, no extremo sul do Brasil. Mas estudávamos muito e disputávamos notas. Nota ruim forçava a busca de nota melhor na prova seguinte, chamada “sabatina” (embora fosse mensal).

         Aquela experiência escolar, vivida no antigo curso primário – hoje ensino fundamental –, em escola pública, valeu-me para a vida. Compreendi então, desde criança, que o progresso e o sucesso têm tudo a ver com esforço e quanto maior ele for, maior tende a ser o resultado. Foi o que me tornou adepto da valorização do mérito. A União Soviética, a extinta URSS, exigiu muito empenho dos Estados Unidos para acompanhar seus avanços tecnológicos na corrida armamentista e espacial. Por quê? Porque havia muita coisa em jogo. O resto do país era um retrato do fracasso comunista, mas havia na URSS um nível de excelência em torno dessas atividades.

         Cuba, não deixava por menos. Seus atletas costumam ser feras em competições internacionais. Por quê? Porque na sociedade cubana, na Cuba da libreta “provisória” de racionamento, que já conta 60 anos de existência, os atletas de ponta têm acesso a alimentos que o restante da população não consegue comprar. Nos países comunistas, o mérito esportivo alivia os penares da existência. Ademais, a vitória é instrumento de propaganda de regimes que sobrevivem à custa da propaganda. Resumindo: em países sob regime totalitário de viés marxista podem surgir áreas de excelência, mas isso só ocorre se há algo sendo disputado.

***

         Dirigente de um sindicato de servidores, em nota sobre o projeto de Reforma Administrativa enviada pelo governo ao Congresso, declarou: “Precisamos nos mobilizar contra essa proposta vergonhosa, que retira direitos dos futuros servidores públicos, com avaliações duvidosas para obtenção de estabilidade e aposta na meritocracia, prática antidemocrática e perigosa para a administração pública”.

       Ou seja, que tudo fique como está ainda que a sociedade permaneça superonerada e mal atendida. A avaliação de desempenho, tão comum nas empresas privadas, é habitualmente recusada no serviço público sob a alegação de que grupos diferentes e indivíduos diferentes são incomparáveis em suas circunstâncias, limitações e possibilidades. Todos deveriam receber um bom salário e ponto final. Confunde-se avaliação de desempenho com comparação entre pessoas.

         Não preciso dizer em que ponta do time joga a autora da declaração. Sua tese tem tudo a ver com o pensamento que subtrai quanto pode de quem produz muito e transfere para quem produz pouco até que ninguém produza mais (não estou negando a necessidade de políticas sociais). As consequências teoricamente previsíveis são bem verificáveis na vida real. Mas a tese tem penetração e acolhimento porque, apesar da profunda perversão que produz, se reveste com o manto de suposta justiça, bordado nas cores da benevolência.  No fundo, é a tal absorção da ideia de justiça pela de igualdade.

         Portanto, quando se automatizam as promoções funcionais, desvinculando-as do merecimento, quem resulta automatizada é a mediocridade. No mundo de qualquer época, a mediocridade é parteira do atraso. Queira Deus que o Congresso Nacional perceba que suas responsabilidades têm prioridade sobre seus interesses eleitorais!

* Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, site de Puggina.org

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

05/02/2021

Percival Puggina

 

         Durante décadas, aqui em Porto Alegre, tivemos excelentes programas de debates políticos em rádio e televisão. O esquema era simples: um jornalista apresentador, de dois a quatro convidados em lados opostos, assunto na mesa e o debate fluía tão acalorado quanto solto. Como se vê, cisão política não é novidade. Novidade foi a mobilização de eleitores conservadores e liberais na disputa em 2018. 

         Quem é do Rio Grande do Sul sabe que, durante décadas, participei de centenas daqueles debates. Sempre gostei disso. As mentiras eram as maiores dificuldades eventualmente enfrentadas. O problema tinha a ver com a equânime repartição dos tempos nos programas. Um bom mentiroso mente muitas vezes em cinco minutos de fala. A reposição da verdade, claro, toma muito mais tempo. A mentira, dizem por isso, dá a volta ao mundo enquanto a verdade calça os tênis.

         É certo, porém: o mentiroso é o maior prejudicado pela mentira que conta. Ele não escapa às consequências do que diz para iludir os demais. Uma dessas consequências foi apontada por Aristóteles: mentirosos perdem o crédito até quando, eventualmente, dizem a verdade...

Além de comprometer quem a cria ou propaga, a mentira passa a agir sobre a pessoa numa espécie de permanente chantagem moral, a cobrar novas mentiras, como quem acresce elementos num castelo de cartas que a qualquer momento irá tombar ao sopro da verdade, levando junto o mistificador.

Numa época em que o debate político multiplica seu formato nos teclados e telinhas, quando a corrupção retorna como conteúdo das conversas, é importante pensar, novamente, sobre o quanto a mentira é tóxica a esses importantes ambientes de participação cívica. É saudável ponderar seu poder de destruição da própria política.

Quem faz política mediante a mentira, a manipulação gráfica e de vídeos, a manipulação da informação, da educação e dos livros didáticos, pode não perceber, mas está dando os primeiros passos no caminho da corrupção. Passos sem os quais ninguém chega, mais adiante, à conduta criminosa, ao dinheiro na cueca, na gaveta ou em paraíso fiscal. Ninguém senta na frente do juiz sem, antes, ter sido um mentiroso contumaz.

Não foi à toa que Orwell concebeu, na profética obra “1984”, um Ministério da Verdade para proteger a mentira.  Ela é o caminho dos totalitários e dos corruptos porque dissemina a pior forma de corrupção, a mais grave, ainda que a tantos pareça inocente como uma pequena semente: a corrupção da verdade, vício comum aos corruptos mais danosos.

* Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de puggin.org.

** Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

        

Percival Puggina

02/02/2021

 

Percival Puggina

 

         Em todos os pronunciamentos dos candidatos à presidência da Câmara dos Deputados, ouvi falar em “busca do entendimento”. Enquanto ouvia, lembrei-me de Churchill: “Quanto mais longe você conseguir olhar para trás, mais longe enxergará para frente”. E se o estudo da História para muito me tem servido, há bom lugar nesse conhecimento para a convicção de que com certos adversários não há conciliação possível. Novamente, nas palavras de Churchill: “Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último dos devorados”. Foi ele, pessoalmente, liderando seu povo, que livrou a humanidade do nazifascismo.

         O que estou afirmando não é grito de guerra, mas fé inexorável na democracia, na livre escolha dos povos, na autonomia das nações, na liberdade e nos princípios e valores que a vida me mostrou terem validade comprovada. Quero, portanto, que, no regime democrático, esses valores sejam prevalentes, não sejam derrotados por adversários que transitam pelas páginas da história como os cavalos de Átila.

         O discurso do entendimento serve como luva às mãos dos derrotados de 2018. Entre nós, seria o retorno ao ambiente político que vigeu durante mais de duas décadas no Brasil sem encontrar resistência. É fazer de conta que nada aconteceu. Para usar a expressão hoje na moda, é “passar pano”, mas em lixo nuclear!  Qual a vantagem de fazê-lo para “conciliar” com quem, fora do poder, faz oposição contando caixinhas de chiclete e latinhas de leite condensado? Valha-me Deus!

         Não pode haver entendimento entre tão diferentes visões de mundo, de pessoa humana, de liberdade, de sociedade, de valores, de princípios, de Estado, de funções de poder. Pergunto: não passaram ao controle dos ministérios da verdade (profetizados por George Orwell) e criados pelas Big Techs, as redes sociais que democratizavam a comunicação? Não notamos qualquer semelhança entre as orientações da Netflix e da Globo? Estamos satisfeitos com o que está sendo produzido, aqui, pelo sistema de ensino em geral e pelas nossas universidades em particular? Mil vezes não.

         Portanto, a disputa política é disputa necessária, indispensável. Não por acaso, ocorre em todas as democracias do Ocidente. Recentemente foi assim nos Estados Unidos. Com diferentes qualidades de conteúdo, vem sendo assim em países como Itália, Espanha, Áustria, Portugal, Polônia, Hungria, República Tcheca, Finlândia, Letônia, Eslováquia, Bulgária. E Suécia, e Alemanha, e Chile. É uma percepção das democracias ocidentais.

         Quem vê suas liberdades ameaçadas, suas opiniões censuradas no que já foi um espaço de liberdade, sua cultura sendo deliberadamente destruída, não cede poder para um entendimento impossível. No Brasil, isso representa o retorno ao período anterior a 2014, quando perdíamos por W.O.. Sequer comparecíamos à disputa.

         Por fim, veja o que está acontecendo com a evasão para novas redes sociais que se anunciam como espaços de liberdade. Também isso é sinal dessa divisão que tem longa data e validade, cujo reflexo, em regime democrático, conduz à vitória eleitoral de um ou de outro lado. Pode ser que um dia, olhando para trás, aprendendo com o passado, vendo o mal feito e o bem conquistado, possamos, como Churchill, enxergar para frente. E formarmos consensos razoáveis. Divisão, contudo, sobre algo, ou em relação a alguém, sempre haverá.

 

* Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

31/01/2021

 

Percival Puggina

         Transformando suas aulas em verdadeiros ritos sacrificiais, certos professores imolam a política, a filosofia e a história com o objetivo final de apequenar as mentes e conquistar os corações dos alunos para “a causa”.

Exagero? Infelizmente não. A Educação em geral e as universidades em particular são um cacife político importantíssimo, no Brasil como em Cuba. Quantos atos de formatura dão prova pública do que afirmo? Estes tempos de covid-19, suspenderam tais solenidades. No entanto, até 2019, como legado dos anos de hegemonia revolucionária, formaturas foram virando comícios políticos. Os convidados, engravatados por respeito ao ato solene, enfrentavam o calor do verão em homenagem a formandos que aproveitavam o público para desabafarem suas animosidades políticas. Era festejado como triunfo o que deveria ser interpretado como confissão de culpa do sistema e expressão ruidosa da obstinada imposição de silêncio à divergência. O pluralismo e a universalidade deixaram de ser inerentes a muito ambiente acadêmico.

         A dita “defesa da autonomia” deve ser entendida, principalmente, como defesa da hegemonia. Para isso, mobilizam-se as universidades federais com o intuito de impedir que o presidente da República exerça prerrogativa a ele conferida pela lei e escolha, de listas tríplices, os nomes de sua preferência. Preservação da autonomia? Não, mecanismo de autoproteção porque é ali, como bem observou José Dirceu, que se conquistam os corações e as mentes.

***

         Apenas portais e sites católicos noticiaram o fato que dá título a este artigo. Uma estudante foi obrigada pela fiscal do ENEM a retirar o escapulário e uma dezena do rosário que trazia ao pulso como condição para poder participar da prova. Alegação lacradora: “A prova é laica!”. Li a notícia no excelente Tribuna Diária, acrescida da informação: “A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público acionou o MP/SP para que instaure representação por crime de preconceito religioso, etc.”.

        Pois foi exatamente sobre esse tipo de objetivo político/ideológico que escrevi o artigo “Sem virtudes, sem valores e sem vergonha” (1). Para arrastar a sociedade de um país essencialmente cristão na direção de um regime totalitário é necessário investir contra o cristianismo presente no espaço público, em nome da laicidade do Estado. Por quê? Porque convence as pessoas de que a fé é inerente ao indivíduo e tem dimensão privada, incompatível com o Estado e os espaços públicos. Na sequência, facilitado por esse “entendimento”, ganham caráter relativo e subjetivo também os princípios e valores correspondentes a essa fé, que perderiam, assim, o direito de se manifestar publica ou politicamente.

        Como consequência, questões envolvendo princípios e valores morais se tornam prerrogativa do Estado (confiram com as falas de ministros do STF). Tal receita nos leva em marcha batida à perda das liberdades e ao totalitarismo. Ele já se expressa, entre nós, na rejeição ao Direito Natural e no silêncio imposto a Aristóteles, Tomas de Aquino, Francisco Suárez e a tantos filósofos conservadores e liberais contemporâneos. A toda divergência, enfim.

É o laicismo assumindo-se como artefato bélico da revolução cultural, cujo objetivo é bem conhecido.

  1. https://www.puggina.org/artigo/sem-virtudes,-sem-valores-e-sem-vergonha__17352

* Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de puggina.org

 

* Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

29/01/2021

 

Percival Puggina

         Se deixarmos de lado o que pretende a mídia militante com essa leitura do relatório da Transparência Internacional (TI), a resposta à pergunta é afirmativa. O Brasil estagnou no combate à corrupção. Claro que a intenção da militância é bem outra, é venenosa, e não é preciso explicar seus motivos.

         Examinemos de perto a informação disponibilizada pela TI. Ela corresponde a uma medição feita em 2019 (o relatório é de 2020, mas seus fundamentos foram compulsados em 2019). O relatório não expressa a sensação de corrupção no interior do governo federal. Isso seria absurdo, por ausência de fatos, num país que sofreu nos anos anteriores a maior roubalheira da história universal e viu de perto figurões da República e do mundo empresarial sendo acordados pela Polícia Federal. Não, não digam isso a uma nação que assistiu em vídeo as confissões de culpa, as denúncias em colaboração premiada, as centenas de condenações criminais, as devoluções espontâneas de dinheiro roubado, os bilhões buscados em paraísos fiscais, as apreensões, as prisões.

Quem sai de Sodoma e Gomorra não vai se escandalizar com beijo de adolescente em festa de aniversário.

         Num país que passou pelo que o Brasil passou, a sensação de que o combate à corrupção estagnou ganha sentido com o desânimo da sociedade ao ver as portas das prisões de corruptos sendo escancaradas em gestos magnânimos do Supremo Tribunal Federal. Essa sensação tem muito a ver com a percepção do que acontece no Congresso Nacional e com a má qualidade ética das negociações que lá se estabelecem. Tem muito a ver com um projeto de combate ao crime enviado ao parlamento, retornar como Lei de Abuso de Autoridade para inibir a ação de policiais, de promotores e magistrados. Tem muito a ver com a frustração da sociedade perante o retorno à regra da prisão apenas na véspera do Juízo Final, quando, enfim, haverá justice for all. Tem muito a ver, por fim, com a percepção de um conluio envolvendo Senado e STF para engavetamento geral dos processos. O STF não julga senadores e os senadores não julgam ministros do STF. Os processos envelhecem de perder a memória, asilados nas prateleiras onde dormem de roncar.

         Pessoalmente, se consultado sobre minha própria percepção hoje, eu me posicionaria também pela sensação de estagnação por saber o que aconteceu durante o ano de 2020 (não avaliado para o índice de 2019) no âmbito de muitos estados e municípios. No velho figurino nacional, parte dos recursos bilionários destinados pela União ao combate à covid-19 foi parar em mãos desonestas.  Não apenas recebido como “auxílio” por quem devia estar auxiliando os mais carentes, mas envolvendo concorrências com dispensa de licitação autorizada por lei federal para casos de calamidade.

         Frustrante? Sim, frustrante, principalmente porque, em momento algum, se tratou de corrigir as causas institucionais que levam o Estado brasileiro a operar de um modo que estimula a corrupção e entra em letargia quando se trata de, efetivamente, punir os corruptos.

 

* Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

26/01/2021

Percival Puggina    

Com freqüência, lemos textos que nos trazem à mente um quase refrão: “Gostaria de ter escrito isso!”. Pois foi o que pensei hoje, diante de algo que lia. E segui sentindo essa identidade com o pensamento do autor até perceber que era um texto meu... Por permanecer válido nos dias de hoje, embora escrito em 2013, eu o reproduzo aqui e convido os leitores a refletir sobre o tema abordado.

O rufo de tambores que ouvimos mundo afora é de uma declarada guerra, nada santa, contra a influência do cristianismo na Filosofia, no Direito, na Cultura e nos valores morais dos indivíduos. Guerra de um projeto totalitário pela completa abolição dessa influência.

Até os militantes do ateísmo, sabem que: 1º) é quase impossível "desconverter" os indivíduos de uma fé em Deus para uma fé no Nada absoluto; 2º) é inaceitável pela imensa maioria das pessoas a ideia de um Direito cuja moral seja irrelevante, ou que ignore os princípios e valores compartilhados pelos membros da sociedade.

Diante de tais e tão grandes dificuldades, os militantes do ateísmo cultural, combatentes da revolução cultural, propuseram-se a algo muito mais sutil – querem esterilizar a moral nos próprios indivíduos. Como? Convencendo-os de que os princípios e valores que adotam são, na origem, tão religiosos, e por isso mesmo tão particulares, quanto a própria religião que porventura professem. Integrariam então, tais valores e princípios, aquele foro íntimo no qual se enquadrariam a própria religião e suas práticas. Pronto! Segundo o princípio da laicidade do Estado, só teriam vigência na vida privada. Não faltam pessoas religiosas para entrarem com os dois pés nessa armadilha. Por isso, o projeto totalitário avança.

As investidas contra os símbolos religiosos são apenas a ponta do rabo do gato. O felino inteiro é muito mais malicioso e malévolo. O que de fato pretende é laicizar a cultura, as opiniões em geral e, principalmente, os critérios de juízo e decisão (os meios do poder). Toda a conversa fiada sobre supostas infrações à devida separação entre o Estado e a Igreja, tão ouvida nas falas do STF, precisa ser entendida como aquilo que de fato é: atitude de quem adotou o Estado, e só o Estado, por fonte de todo bem. Assumiu-o como baliza perfeita para o certo e o errado, e vertente dos valores que devem conduzir a vida social.

Convenhamos, é uma tese. Mas – que diabos! – qual é, precisamente, a moral do Estado? Na prática, a gente conhece porque a conta é nossa.  Na teoria, é a que a sociedade “majoritariamente” determinar, excluída a parcela realmente majoritária, que moldou a civilização ocidental porque esta, como se viu acima, só pode ter expressão na vida privada e resulta inadmissível perante a laicidade do Estado, etc., etc., etc.. Portanto, cale-se!

Tal linha de raciocínio não resiste ao primeiro safanão. Precisa de reforços e apoios propiciados pelo relativismo moral, um de seus subprodutos. Cabe a este filho do pós-modernismo mostrar que a moral majoritária é apenas uma das tantas que andam por aí através do tempo, do espaço e da miséria humana. Saem às ruas, então, representações desse nada admirável mundo novo:  marcha das vadias, marcha pela maconha, marcha pelo aborto.  Uma TV do Estado apresenta show das putinhas aborteiras, militantes partidários dançam pelados na Câmara Municipal de Porto Alegre ou fazem sexo com símbolos religiosos no Rio de Janeiro.

Escandalosos? Escandalosos perante qual senso moral? O totalitarismo pós muro de Berlim, o totalitarismo do século XXI, precisa do ateísmo cultural e do relativismo para derrogar o cristianismo presente na cultura de tantos povos. A nova ordem, o mundo novo, o all-in-one de Imagine não se constituirão numa sociedade que creia em algo anterior, superior e posterior a si mesma. Não há como esse novo poder global não ser totalitário! A democracia se extingue naturalmente quando destruídos os valores que a fundamentam, pelo simples fato de que não se sustenta numa sociedade política sem princípios, sem valores e sem vergonha.

 

* Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

24/01/2021

 

Percival Puggina

 

A mensagem que abri vinha do site O Antagonista, assíduo frequentador de minha caixa de e-mails, e reproduzia o título de capa da revista Crusoé desta semana. A revista, como se sabe, é ainda mais prolixamente antagonista do que o site e anda tão extraviada quanto o próprio Robinson Crusoé, personagem simbolicamente escolhido para lhe dar o nome.

A manchete dizia: “O impeachment entra na agenda”. Você entendeu, leitor? É preciso que o impeachment entre na agenda. Então, passam a escrever sobre o que não estava na agenda, como forma de fazer com que se torne assunto e se passe a falar de algo que sequer estava em cogitação, exceto em círculos de intriga, tramoia e conjura que conspiram nesse sentido. Um processo circular, muito bem pensado.

Nestes dias, jornais e TVs dedicadas ao jornalismo militante estão fazendo exatamente isso. Mas se você for olhar atentamente, verá que é tudo merengue, sem consistência. Se parar de bater, dessora e acabou. A mídia esconde tudo que é feito e bem feito, passa todo tempo falando mal do presidente e julga armazenar substância para derrubá-lo do poder. Não tem povo, não tem voto, não tem motivo. E querer não é poder.

O jurispetista versejador sergipano Ayres Britto, ex-ministro do STF, foi escolhido a dedo para ser entrevistado pela Folha de São Paulo na semana passada. Incumbido de trazer o impeachment “para a agenda”, ciscou ninharias, listou banalidades, abandonou verbos e substantivos, apelou para adjetivos, reproduziu fake análises e, na ausência de fatos, sugeriu um impeachment pelo “conjunto da obra” como ele a conseguia ver desde sua reduzida estatura.  

Conjunto da obra? Mas é exatamente pelo conjunto da obra que esse impeachment não conta com apoio popular e vejo o presidente com boas possibilidades de ser reeleito. Aliás, é o que mostram as pesquisas. É pelo conjunto da obra que a sociedade não confia no STF. É pelo conjunto da obra que ela não confia no Congresso Nacional. É pelo conjunto da obra que ela rejeitou nas urnas de 2018 os partidos que até então haviam arrastado o Brasil para o caos econômico, social e moral. É pelo conjunto da obra de desinformação que ela não confia na mídia militante. Não será por maus modos e frases mal construídas que haverão de destituir um presidente eleito com 57 milhões de votos.

Na introdução que escreveu para a coletânea de textos intitulada “Uma campanha alegre”, em que ele e Ramalho Ortigão corroeram, com a acidez do mais fino humor, as estruturas da política portuguesa, Eça de Queiroz afirmou: “O riso também é uma opinião”.

Onde a seriedade some, o ridículo assoma e o riso é um bom companheiro.

 

* Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.