Percival Puggina
É polêmica, bem polêmica, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo presidente da República ao STF, através da AGU, contra medidas adotadas pelos governadores do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul para enfrentamento da pandemia. A ação afirma que esses atos têm natureza abusiva, foram tomados mediante meros decretos, sem autorização legislativa e/ou em contradição às competências do presidente. E enfatiza a desatenção ao direito de trabalhar, à busca da subsistência e as liberdades econômicas objetos de recente legislação federal.
Antes que alguém afirme que “não é bem assim”, digo eu: o parágrafo acima não tem a pretensão de resumir as 24 páginas da ADI. O que interessa, aqui, para fins de análise, é o ato em si. Ele pode ser visto de muitas maneiras, dependendo da boa vontade ou do antagonismo do leitor em relação à pessoa do presidente.
Em reunião de ontem, virtual, que há décadas mantenho com um grupo de bons e sábios amigos, levantaram-se, como de hábito, questões interessantes. A saber:
1ª Questão
Agiu certo o presidente ao apelar ao STF? Quem o faz não está a legitimar a autoridade da Corte num período em que ela vem avançando sinais de modo inusitado?
São inquietações que fazem muito sentido. Ao expressar perante o judiciário sua legítima preocupação com os reflexos sociais e econômicos das decisões, pode o presidente estar, sim, legitimando indiretamente as decisões de um tribunal que o tem como inimigo a ser destruído.
O presidente não deveria, então, – conclui-se – dar ele próprio curso a esse processo de judicialização da política e da gestão pública. Apenas para exemplificar o ponto a que chegaram essas intromissões, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu ao TCU que a gestão da Saúde, da Economia e da Casa Civil sejam atribuídas ao vice-presidente Mourão (G1 18/03). Um vereador propõe lançar spray de álcool gel, por avião, sobre sua cidade e o subprocurador-geral do MP no TCU propõe isso. Não é necessário ser inculto para sugerir bobagens.
2ª Questão
Não seria, a referida ADI, uma armadilha montada pelo presidente contra a Corte?
A pergunta se justifica de modo pleno. Se o STF conceder o que Bolsonaro pediu, estará suprimindo de estados e municípios aquele poder que, de mão beijada, delegou a governadores e prefeitos lá atrás, no início da pandemia. Se recusar o solicitado pela ADI, estará confirmando a perda de poder que impôs ao presidente da República, fato tantas vezes negado em manifestações de seus ministros.
Marco Aurélio Melo viu o assunto na perspectiva do item 2, acima. Indagado, respondeu assim, segundo O Antagonista:
“Não sei o que deu na cabeça do Bolsonaro (…). Quem receber essa ação no Supremo pode simplesmente negar seguimento (…). O presidente quer atribuir responsabilidade ao tribunal, como ele vem fazendo(...)”.
Pelo menos outros dois ministros manifestaram entendimento semelhante. Para eles o tribunal já decidiu e não vai repetir ou mudar o que foi decidido. Já o início do comentário do ministro: “Não sei que deu na cabeça do Bolsonaro”, entra na linha do item 1 acima. O Marco Aurélio e, talvez, a totalidade de seus pares, olha o presidente da República de cima para baixo, como a seus subalternos e não com ao chefe de Estado brasileiro.
O poder se expressa mais e melhor por ações do que por palavras. Os ministros do STF, assim como o presidente, aliás, não se ajudam muito quando falam.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
Pedro Fattori - 23/03/2021 14:19:43
Diante do impasse com governadores e prefeitos, adotar o seguinte: LIBERA TUDO! E quando der o pane monstruoso na saúde, manda o pessoal entrar em contato com o Palácio do Planalto ou com o SUPREMO. Pode ser assim?Davi Carvalho - 22/03/2021 22:44:45
Caro Piggina! Fico imaginando o que se passa na cabeça do presidente. Milhares de opiniões, informações, fatos a serem analizados, apoio e crítica dos amigos e ataques vindo das mais diversas pessoas e intituições. Por mais bem fundamentadas que (achamos nós) sejam nossas opiniões, muitas não são dignas de análise. Penso que nesse caso Bolsonaro está se vendo obrigado a jogar, como se estivesse num jogo de xadrêz, o jogo que lhe é imposto. Respeito e acho pertinentes as duas opções encontradas pelo grupo que as levantaram. Confiei, e ainda confio no presidente, pois acredito nAquele que o colocou nessa posição.ODILON ROCHA - 22/03/2021 17:45:55
Alguém abaixo já questionou a razão do por que só agora, passado um ano (!), haver tal preocupação? O mal deveria ter sido cortado na raiz, quando a decisão do STF foi totalmente inconstitucional. Muito estranho essa tardia atitude.Afonso Pires Faria - 22/03/2021 16:37:56
Muito "fio desencapado" em uma alta voltagem. Qualquer análise que façamos hoje, por mais coerente que seja, como a do professor, amanhã poderá ser considerada inoportuna ou mesmo inócua. Será que nós estamos capacitados a fazer juízo de valor sobre o que, de fato, está pretendendo o Presidente? Será que é de vontade dele este ato? Muito importante professor, fazermos pensar. Eu não me arrisco em escolher uma das opções. Falta-me capacidade de informação para isso. Mas tenho certeza que tens uma terceira ou quarta via na imaginação. Estas, possivelmente não seria de bom alvitre escrever. Pensar já não é mais seguro, imagina escrever. Parabéns professor.Antonio Bastos - 22/03/2021 13:45:12
Prezado, o texto levanta as duas hipóteses, talvez, pretendidas pelo Presidente para clarear o assunto, muito embora a Constituição seja clara para mim (não para eles), de governadores e prefeitos usem decretos normativos para tolher o direito de ir e vir do cidadão, provocar o desemprego e impedi-lo de trabalhar, etc. Não estamos em Estado de Sitio ou de Defesa. Mas, o que me chama mais a atenção é o esperneio de algumas pessoas e partidos políticos! Será que eles estão achando que o STF é uma propriedade privada deles e só eles podem entrar com ação lá. Ora, recorrer à Justiça é um direito inalienável de qualquer um, pois foi para servir ao cidadão e à sociedade é que ela foi criada e é mantida pelo povo. Enfim, cabe agora os agentes públicos, colocarem no papel o real sentido da famigerada decisão de abril de 2020. Tentar justificar na televisão ou imprensa, apenas demonstra que eles não sabem escrever claramente ou não entendem o que escrevem.Sidney - 22/03/2021 13:19:39
Just : Pq soo agora ?Menelau Santos - 21/03/2021 23:34:27
Ótimo texto. Sou cético. O STF não vai mudar de posição. É como pedir para Satanás se converter.Fernando Antônio da Silva Junior - 21/03/2021 00:26:44
Os dois itens são concordantes entre si,porequer de uma maneira ou outra se o STF aceitar o presidente indiretamente reconhecerá as medidas tomadas pelo STF, mas,este reafirmara sua responsabilidade pelos caos e terá que tomar uma medida para restabelecer a ordem, é nesse ponto que os dois itens são concordantes,e caso não aceitem e mantenham a decisão a sua responsabilidade irá ser reafirmada, dando espaço para que o Presidente tomelete as medidas CABIVEIS junto ao Congresso.