Percival Puggina

04/04/2016

 

No dia 31 de março, convocado pela presidente, um grupo de supostos defensores da democracia e da legalidade se reuniu no Palácio do Planalto. O motivo do evento (um dos tantos em que Dilma e Lula têm aparecido para um público subalterno, escolhido a dedo) era assinar atos de regularização de terras para reforma agrária e comunidades quilombolas. Na prática, comício político em favor da presidente e exaltado chamamento à violência e à luta contra o “golpe”.

 O assunto foi fartamente noticiado. A sede da chefia de Estado e governo brasileiros prestou-se para discursos e condutas indignas (assista aqui a fala do representante da Contag). Nesse pronunciamento, como mote para convocar ações violentas, atentatórias à ordem pública, surge o clichê “bancada da bala”. No idioma esquerdista, “bancada da bala” designa um grupo de parlamentares formado por adversários do desarmamento e ruralistas. Eles gostariam que fosse respeitada a decisão tomada pelo povo brasileiro no referendo de 2005. Naquele significativo momento cívico, dois terços da população rejeitaram a proibição, mas o petismo inconformado, ao regulamentar administrativamente a matéria, sepultou a decisão nacional. Quem não sabe perder é o pessoal de estrela no peito.
 Evidencia-se, também nisso, uma das muitas diferenças fundamentais entre os verdadeiramente democratas e os militantes petistas. A dita “bancada da bala”, presumivelmente violenta a partir do rótulo, respeita até a desrespeitosa regulamentação determinada pelo governo, que transforma a posse legal de armas numa gincana de dificuldades e custos. Paradoxalmente, a verdadeira bancada da bala ocupava assentos no evento palaciano! Ali estavam os protetores de bandidos como parceiros da luta de classe. Ali rugiam os verdadeiramente violentos, chamando à luta. Um protesto inadequado diante da moradia de certo ministro do STF, virou mote para os companheiros responderem com anúncio de invasão do parlamento, ataques à “bancada da bala” e assaltos a propriedades rurais. Ali sentavam, também, os defensores dos direitos dos criminosos, dos traficantes, donos de arsenais muito mais efetivos e ativos que os da lei e da ordem. Ali estava um governo que não combate o tráfico e mantém relações cordialíssimas com as FARC narcoterroristas. Ali, também, os que permitiram que a bala, hoje, corra solta em tiroteios no meio urbano.

 A esquerda militante a serviço da causa serve-se de clichês como quem come amendoim. Vai um atrás do outro. E a mídia amiga é inesgotável no fornecimento para que, por repetição, o clichê se converta em reflexo da realidade. Vai-se, num pulo, da expressão ao fato.

Não surpreende que o Palácio do Planalto esteja convertido em puxadinho do PT. Quem comparece a seus eventos, quem os organiza, quem os mobiliza e quem os dirige não tem a menor noção sobre limites da ação política. A presidente desrespeita cotidianamente a dignidade de seu cargo! Não é por outro motivo que o país chegou à atual situação e que uma organização criminosa (Orcrim) se instalou no coração do poder. Agora, a Orcrim anuncia que vai à luta para não sair. Ao cidadão de bem não é tolerado, sequer, indignar-se com tudo isso. Se expressar sua revolta, lhe jogam por cima os clichês do ódio e da intolerância. Não foi à toa que publiquei um livro cujo título é “A tomada do Brasil (pelos maus brasileiros)”.


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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

03/04/2016

 

Todos os totalitarismos se estabeleceram mediante o sedutor discurso de um político manipulador. Invariavelmente, esse discurso descreve o paraíso situado pouco além do inferno necessário para atingi-lo. É um delírio que se renova ciclicamente, malgrado, na invencível travessia, a história se esgote, as covas rasas se entulhem e só as desgraças prosperem. Mesmo assim, é muito significativa, estatisticamente falando, a parcela da população que vive como seu o sonho de qualquer demagogo.

Lembrei aqui, outro dia, a coleta de lixo ideológico que o Foro de São Paulo importou para a América Ibérica, numa iniciativa de Fidel Castro e Lula, meses após a queda do muro de Berlim. O organismo cresceu gradual e furtivamente. A condição sorrateira contou com o olho fechado da mídia, conforme sempre denunciou Olavo de Carvalho, acusado de formular teorias da conspiração quando tratava do assunto. No entanto, o próprio Lula reconheceu tal condição na abertura do 12º encontro da organização. Em seu discurso, ele enfatizou a importância da "relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política". Ao longo da travessia, nós, brasileiros, juntamente com paraguaios, venezuelanos, argentinos e outros descobrimos o que cubanos já sabiam há três gerações: as desgraças prosperaram!

Em tempos de aceleração das partículas políticas, os cenários são cambiantes. No momento em que escrevo, os fatos parecem sugerir que o ciclo ideológico do FSP no governo brasileiro se encaminha para o final. Torna-se oportuno, então, olhar por sobre o muro da ideologia sinistra com que foi contido o desenvolvimento nacional. Há vida, e vida inteligente, lá fora. A ideologia hoje em vigor no Brasil afeta de modo negativo condições essenciais ao desenvolvimento humano e à vida social. Recentemente, após uma crítica que fiz à pedagogia de Paulo Freire por sua ênfase à "formação de agentes de transformação" e seu descaso à formação de recursos humanos para a vida produtiva, um professor contestou: "Ah! O senhor quer que a escola prepare mão de obra?". Respondi: "Não, meu caro, eu desejo que a escola prepare mestres em pebolim, acadêmicos para o Salgueiro, e líderes de torcida. E, claro, transformadores da sociedade". Dai-me forças para viver!

Andam por aí, operando, uma Educação e uma Pedagogia que, em grande (o restante do artigo, por exigência contratual com o veículo de exclusividade para este conteúdo, deve ser lido em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/percival-puggina/ultimas-noticias/)

Percival Puggina

31/03/2016

 

 Nos primeiros anos do governo Lula, brincava-se com o que se compreendia como uma presunção petista. Comentava-se - "O PT pensa que descobriu o Brasil". Sob o novo governo, tudo era como "nunca antes na história deste país" e a própria narrativa histórica era refeita para se adequar a tais premissas. O petismo gerava grandes "novidades"! Descobrira a escravidão negreira e reacendia tensões raciais. Captara a existência de desigualdades sociais e manejava para produzir antagonismos a partir delas. Percebera desníveis de renda entre o Norte e o Sul do país e extraía daí as bases para o coronelismo de Estado lá onde, ainda hoje, alojam-se seus principais redutos. E assim por diante. Na alvorada do século XXI, o PT era o novo Cabral chegando com a modernidade aos botocudos brasileiros.

 Tudo ficaria na base do transitório e jocoso, não fosse o fato de que o partido governante levava tudo aquilo muito a sério e tinha um projeto de poder que não admitia interrupção. Não que o projeto político para o país fosse uma preciosidade em si mesmo, mas porque o poder era por demais precioso ao partido. José Dirceu, em um evento realizado aqui ao lado de onde escrevo, na cidade de Canoas, afirmou em 2009, textualmente: "Se o projeto político é o principal, o principal é cuidar do PT". E o Brasil? Ora, o Brasil! O Brasil, àquelas alturas, já era tratado como uma colônia pela corte petista instalada em Brasília.

 A atitude colonialista se expressa em diversos aspectos do cotidiano nacional. Há um colonialismo com reflexos na produção cultural e na cultura pois uma mão lava a outra no acesso aos benefícios e estímulos financeiros proporcionados pela corte. A invasão do politicamente correto produziu efeito deletério na indiada que antes vivia numa sociedade livre, impondo auto-censura à liberdade de expressão. O sistema público de ensino foi domesticado para só ministrar o que a corte de Brasília deseja ver ensinado através de seus trabalhadores em Educação. Em nenhuma hipótese tais conteúdos podem divergir da orientação imposta pelo colonialismo petista. Não convém à corte que seus súditos tenham armas para defesa pessoal. Por isso, inúmeras e onerosas dificuldades lhes são impostas para tal posse. No mesmo sentido, o colonialismo, de modo crescente, reduziu a autonomia dos entes federados - estados e municípios - em favor da centralização e consolidação de seu projeto de poder. Vai-se a Federação para o brejo.

 À exemplo do velho colonialismo europeu, a corte transformou em monopólio partidário a parcela mais rentável dos negócios de Estado, e neles atua, simultaneamente, como contratante e intermediária. Por óbvio, tudo fica mais oneroso ao súdito, pagador de impostos e consumidor dos serviços prestados pela corte.

Portanto, laços fora brasileiros! As cortes de Brasília querem, mesmo, escravizar o Brasil.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

28/03/2016

 

 Na tarde do dia 10 de março, Dilma estava inquieta. As últimas semanas não lhe traziam menos do que pesadelos. De um lado, sua base de apoio parlamentar esfarelava. Acabara o dinheiro. Ele fora, até bem pouco, a argamassa que lhe dava solidez. De outro, o apoio popular que o partido poderia buscar não significava grande coisa. Movia-se a grana. Grana para o transporte, para gratificar os que aderissem e para o tradicional sanduba de mortadela, isca e energético das massas de manobra que seu governo dizia privilegiar.

Os ventos de Curitiba sinalizavam borrasca e a atmosfera lhe parecia sinistra, como se impregnada de um cheiro de pólvora que ela não sentia desde quando usava codinome e sua cama escondia um arsenal. O inesperado estava acontecendo. Nem mesmo os torreões formados por quatro dezenas de ministérios, na maior parte criados só para isso, garantiam seu bastião do assédio que estava por vir. Certo, certo, fizera o diabo durante a campanha de 2014, mas o capeta estava cobrando alto demais. Enquanto pensava, Dilma ia de vez em quando até a janela, mas não havia sinal daqueles por quem aguardava.

O chá fora solicitado para quando chegassem e até um bolo de milho, na melhor receita mineira, reservado para a ocasião. Três dias mais tarde haveria imensa mobilização popular contra ela, seu governo e seu partido. As instituições da República, os congressistas e os ministros do STF atribuíam incontornável significado ao que estava por acontecer. E todas as informações davam conta de que, desta vez, ainda mais do que antes, a nação iria rugir. Seria, seu segundo mandato, como um implante em irreversível processo de rejeição? Ameaças de violência emitidas por seus aliados nos movimentos sociais não pareciam atenuar as motivações que levariam milhões de pessoas às ruas. Apoiadores tradicionais, como a OAB, voltavam-se contra ela. Os movimentos sociais eram demasiadamente carimbados pelos coletes da CUT e bonés do MST para serem confundidos com "nosso povo na rua". Povo não se veste assim. João Santana já os havia alertado a esse respeito.

No ano passado, três dias antes das manifestações de 15 de março, a cúpula da CNBB fora visitá-la levando seu apoio e proclamara com firmeza não reconhecer motivo para impeachment. Quantos católicos foram desmobilizados por causa daquela visita? E agora? Não apareceriam novamente para lhe levar apoio? O chá esfriava. O bolo perdia a fragrância do recém feito.

Não, leitor, a CNBB não apareceu. Naquele exato dia em que Dilma deveria estar avaliando a situação em seu gabinete, onde o chá e o bolo foram elaborados pela mera imaginação deste cronista, seu Conselho Permanente emitiu uma "Nota sobre o momento atual do Brasil" que pode ser lida aqui. O que diz? Fala em crise, discernimento, serenidade, responsabilidade. Atribui ao Congresso e aos partidos o dever de "fortalecer a governabilidade"... Fala em "suspeitas de corrupção" (arre!), que devem ser investigadas e "julgadas nas instâncias competentes". Afirma a prevalência das necessidades dos mais pobres em relação à "lógica do mercado" e aos interesses partidários. Por aí vai, com mais rodeios que festa campeira. E o que não diz? Pasmem. A nota sequer menciona a palavra governo! Silencia sobre a organização criminosa que saqueou a nação em detrimento dos mais desvalidos, para benefício de uma parcela corruptora do empresariado nacional mancomunada com agentes públicos da estrita confiança dos governantes. Sobre essa conduta hedionda e delinquente não há no texto uma palavra sequer.

Como leigo católico, constranjo-me. Por isso, desabafo.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

27/03/2016

 

 " O mundo está em absoluta desordem!", nos sentimos impelidos a expressar enquanto sopram os ventos e caem ao nosso redor os raios de uma tempestade de mudanças. No entanto, essa tempestade nunca vai amainar pois nasce de conflitos internos numa civilização em luta contra si mesma. O que seria, então, a ordem?

 O gesto - por exemplo - do hérulo Odoacro, em 4 de setembro de 476, enrolando as insígnias do império romano e as remetendo para Zenão, em Bizâncio, foi o emblema de um caos muito maior e de efeitos muito mais prolongados do que teríamos hoje se, subitamente, deixassem de existir a comunidade européia e os EUA. O cristianismo, ele mesmo, não foi uma tempestade sobre o mundo antigo?

 O desenvolvimento da civilização acelerou drasticamente o processo de mudanças, encurtando tempos e distâncias. “E no entanto se move!”, teria insistido Galileu anunciando que a Terra não era o umbigo do universo. “Preferia ter nascido relojoeiro!”, desabafava Einstein ao perceber que a Teoria da Relatividade (reduzindo a amplitude da física newtoniana) era abusada pelos profetas do relativismo, convencidos de que com o desaparecimento das linhas e ângulos retos também sumiam as noções de verdadeiro e de falso.

Hoje, a “carta a Garcia” é lida on line. Satélites, a milhares de quilômetros de altura, são capazes de esquadrinhar polegadas de solo e metros de subsolo do planeta. Qualquer pessoa ligada por computador à Internet tem acesso a um volume de informações muito superior à que detinha, há dez anos, o mais bem informado chefe de Estado (a CIA sabia tudo sobre a União Soviética menos que ela estava acabando). O ritmo do progresso deslocou-se do compasso que lhe podiam cadenciar as atividades humanas para zumbir à cadência de máquinas cada vez mais velozes. A política - a velha política, a milenar ciência de governar os povos - parece se encaminhar para uma crise de conteúdo com a crise de conteúdo do Estado e do governo.

O último século assistiu o fim de impérios que se estendiam por continentes e sobre cuja totalidade territorial “o sol nunca se punha”. Nas últimas décadas se articularam, desarticularam e rearticularam dezenas de estados nacionais. Hoje se diluem os efeitos das fronteiras entre os países, de tal forma que, dentro delas e por sobre elas, se expande toda uma imensa gama de organizações que constroem unidades e interesses comuns às vezes mais fortes do que os proporcionados pelos estados nacionais. Servem e continuarão servindo para isso os fluxos migratórios, as grandes corporações empresariais, os blocos comerciais. E se valem disso ensandecidos radicalismos político-religiosos. Mas é sobretudo a instantaneidade da informação que contribui para que se desbordem fronteiras.

No rodar das primeiras folhinhas do terceiro milênio da era cristã, a criatura humana, assistida por máquinas fantásticas, pode refletir sobre tudo isso e pode empenhar sua inteligência na solução dos mais intrincados problemas práticos. Mas continua se considerando uma casca de noz, periclitante no mar da vida, sob a tempestade causada por velocíssimas mudanças no mundo que a rodeia e no seus abismos interiores. Neles, ainda sente a mesma necessidade de amar, de construir, de se arraigar e de se relacionar com os outros, consigo mesmo, com a natureza e com Deus, experimentada por seus avós e pelos avós de seus avós. Ainda acorda, a cada manhã, com aquele mesmo e ancestral desejo de encontrar a felicidade e de dar um sentido à sua existência.

O seu mistério, o mistério do homem, continua só tendo resposta “no mistério do Verbo encarnado”. E o seu bem, o seu valor e a sua felicidade só em Jesus Cristo encontram referências seguras e suficientes - aquela “ordem” - sem as quais afunda, como casca de noz, na tempestade das mudanças e no turbilhão de suas voragens. Tudo muda, tudo passa, mas as palavras dEle não passarão, seja no terceiro milênio, seja nos milênios que se seguirão. Por quê? Porque com ele tocamos a eternidade, vivemos o "mistério do Verbo ressuscitado”. Feliz Páscoa, amigos leitores!

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

24/03/2016

 

 Há poucos dias, numeroso grupo de estudantes e profissionais do Direito reuniu-se na tradicional faculdade do Largo de São Francisco (USP) para defender o mandato da presidente Dilma Rousseff. No entendimento de todos, Dilma é um modelo de virtudes, o PT é vítima da maledicência de uma oposição golpista e a 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba é uma câmara de tortura onde pessoas honradas são extorquidas até em seus míseros e bem havidos bilhões. A mim não impressionam os camisas vermelha, militantes a privilégio, soldo e sanduíche. Impressiona-me a conduta de quem estuda e ensina Direito. Impressionam-me a indignação postiça, a seriedade estudada, a pose de injustiçados com que certos deputados petistas se manifestam na Comissão Especial do Impeachment. Impõem-se, por dever de ofício, um ar de dignidade ultrajada, como se excelsas virtudes sangrassem sob os punhais de injustificáveis acusações. Me poupem!

 Para o bem do Brasil, entendem tais cavalheiros, a faxineira Dilma deve prosseguir sua faina moralizadora do governo e da administração pública. No entender deles, não foi o carrossel de mentiras de sua campanha eleitoral que deu o primeiro impulso à imensa rejeição popular. Não foi de sua imprudência, imperícia e incompetência, que resultou a crise econômica. Não foi a ineficiência de suas políticas que produziu a estagnação e, agora, o retrocesso dos indicadores sociais. Não foi por entre seus dedos que a Economia escoou, a receita se foi, o orçamento drenou, o investimento minguou, o emprego acabou. Não foi sob seus olhos que a corrupção alcançou níveis multibilionários contaminando, numa extensão ainda não calculada, o conjunto da administração e do governo. Foi nada disso. Para o ilustrado público do Largo do São Francisco e para os bem remunerados bajuladores dos recentes atos palacianos, o Brasil renascerá das zelosas mãos da "presidenta". As crises em maçaroca que seu governo gerou, serão vencidas - não é uma feliz coincidência? - sob sua prudente supervisão, habilidosa capacidade de gestão e negociação, intolerância para com toda ilicitude e lealdade exclusiva à letra da lei e ao bem do pátria. "Duela a quien duela", como anunciou certa vez Fernando Collor. Dilma, uma gestora sem compadre, padrinho e afilhado.

A indignação de tais doutores nem de passagem encara os crimes praticados à sombra do governo, volta-se, isto sim, contra a laboriosa atividade de um cidadão que o país reverencia: Sérgio Moro, um juiz convencido - suprema audácia! - de que a lei vale para todos.

No auditório da nobre faculdade, as falas e gritos de ordem rugiam para os próprios ouvidos de quem rugia. Costuma ser assim: mentiras e falsidades metabolizam falsidades e mentiras. Ganham corpo de merengue na batedeira da enganação. Assistindo aquilo em vídeo no YouTube pude perceber o quanto fica inviável o entendimento civilizado com pessoas cujos alinhamentos políticos e ideológicos turvam a visão quanto a tudo mais. Creia, leitor: sequer os mais altos escalões da magistratura nacional estão livres desse mal. Preferem não ver nem saber.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

21/03/2016

 

 Fundado em 1980, o PT acolheu o maior quinhão da esquerda revolucionária que atuava ou atuara na clandestinidade. Nasceu como ente político igualmente revolucionário e passou a influenciar todos os setores da vida nacional. Com ele, imensa energia destrutiva se instalou no país. Idéias não são inócuas. Ainda hoje, graças a tais idéias, a maior parte de nossos pedagogos, por exemplo, afasta de suas atribuições proporcionar conhecimentos que permitiriam aos jovens ganhar a vida conjugando saber e trabalho. Optam por formar agentes de transformação social, militantes da causa. Tema de uma dissertação de mestrado que folheei outro dia: "Conscientizar os professores de matemática de sua tarefa como intelectuais orgânicos a serviço da construção da hegemonia dos excluídos, dos explorados em geral". O papel revolucionário da tabuada? O conservadorismo excludente da regra de três? A radicalidade da raiz quadrada? E as potencialidades de milhões de jovens abortados no ventre do sistema de ensino!

 O caráter revolucionário do partido se reafirmou quando, junto com o PC Cubano, criou o Foro de São Paulo. Era o ano de 1989, desabava o comunismo, o leste europeu abraçava a democracia constitucional, e uma reunião de emergência em São Paulo recolhia para a América Ibérica o lixo ideológico da época.

Foi como partido revolucionário que o PT chegou ao poder em 2003. Escaparam à compreensão de muitos as consequência daquela eleição. Organizações revolucionárias não se sentem limitadas pelos códigos vigentes nem pela ordem existente. Uma rápida espiada na memória dos "movimentos sociais" organizados no país fornece evidência suficiente do que afirmo. O espelho onde o alto comando petista se olhava após a eleição de 2002 não mostrava os vencedores de um pleito, mas os vitoriosos de uma revolução. E eram esses ventos que agitavam as bandeiras vermelhas nas festividades que se seguiram. O mesmo ânimo ajuda a compreender o que foi se tornando conhecido a partir de 2005. O grupo governante era responsável por uma causa e assumia o Estado como coisa sua. A estrela de flores vermelhas plantada por dona Marisa Letícia no jardim do Palácio da Alvorada não foi iniciativa de uma pessoa simples. Simbolizava, isto sim, uma percepção política.

Acabo de descrever o motivo principal de tantos e tão volumosos escândalos. O caráter revolucionário turbinou o velho patrimonialismo. Por isso, Lula entregou refinarias à Bolívia, tantas dívidas foram perdoadas, tantos favores concedidos, tanto negócio de pai para filho com os parceiros do Foro de São Paulo, tanto loteamento do Estado. Por isso, um sítio em Atibaia para Lula guardar "as tralhas" dos contêineres com que saiu de Brasília. Por isso, também, a posição no ministério serve para distanciá-lo do braço da Justiça e cobra gratidão de Janot. O palaciano ato de nomeação lembra papel higiênico: "Só usa em caso de necessidade", sublinhou Dilma.

(Por contrato, o restante deste artigo deve ser lido em zerohora.com/percivalpuggina)
 

Percival Puggina

18/03/2016

 

 Pois é, Excelências. Passei estes últimos dias nas ruas, nas mobilizações populares, nos carros de som, nas redes sociais, e acompanhando o noticiário. Andei de taxi. Falei com vendedores de água, pipoca, sorvete. Falei com taxistas e garçons. Cheguei a uma conclusão: a coisa está feia para o lado dos senhores. Junto com a responsabilidade inerente às funções que exercem, caiu-lhes no colo a decisão sobre o processo de impeachment. E as perguntas são inevitáveis: V. Exª será cúmplice da organização criminosa que saqueou o país? Concederá aval para que continue atuando? Parece-lhe pouco tudo que já é de seu conhecimento? Se sim, quanto mais seria necessário subtrair à nação para chegar a um valor que o impressione? Quantas lixeiras mais será preciso destapar?

 É possível que o tenham sensibilizado alguns argumentos da corte pirata e seus cortejadores. Mencionarei os mais insistentemente repetidos: 1) impeachment é golpe; 2) a oposição perdeu a eleição e quer derrubar o governo; 3) a oposição ataca o PT porque não gosta de pobres. Examinemos, um a um, esses supostos argumentos.

1. Impeachment é procedimento previsto na Constituição, segue rito jurídico e político que, no presente caso, acaba de ser regulamentado pelo Supremo Tribunal Federal. Como pode ser "golpe" um processo e um julgamento que percorre a trilha definida na Constituição e que, em seus atos de natureza judicial penal, junto ao Senado, será dirigido pelo presidente do Supremo?

2. A oposição não quer "derrubar o governo porque perdeu a eleição". A oposição, Excelências, perdeu três eleições consecutivas para o mesmo partido! Em nenhuma delas protestou. Em nenhuma agiu para "derrubar" o governo eleito. Só agora, no quarto pleito, motivada pela inquestionável, confessa, testemunhada e documentada natureza criminosa dos atos praticados dentro do governo, a oposição parlamentar, ouvindo inigualáveis mobilizações populares, dá suporte político institucional ao processo de impeachment. Não fossem os achados criminais da operação Lava Jato, não haveria povo nas ruas, nem processo de impeachment.

3. Espalhar a ideia de que a oposição quer o mal dos pobres e, por isso, deseja tirar o PT do governo é um outro aspecto do grave problema moral que afeta o partido dirigente: desonestidade intelectual. Afirmar que os adversários do governo "não gostam de pobres e não querem que os pobres melhorem de vida", é uma sofisma barato, uma falsidade esférica, torpe desde qualquer ponto de vista. Como poderia convir à imensa maioria da nação a pobreza dos pobres? Quem quer viver numa sociedade profundamente desigual, como essa que temos após 15 anos de petismo reinante? O governo petista, este sim, enriqueceu seus integrantes (quem é pobre sob seu guarda-chuva?) e enriqueceu ainda mais os setores endinheirados do planeta, pagando-lhes os juros mais sedutores do mundo. A Brasília petista tem muito de Wall Street e muito de Chicago na década de 30.

É forçoso reconhecer, então, que o PT se atribui uma falsa preferência pelos mais pobres para esconder os resultados da própria ganância e os privilégios que concede a grandes e desonestos empresários. Tal conduta faz lembrar a dos traficantes de drogas que escondem sua riqueza na pobreza dos morros onde distribuem migalhas aos mais necessitados.

Acostumem-se à idéia, excelências. Quem segurar a alça desse caixão será, perante a opinião pública, cúmplice de uma organização criminosa. Será pegar ou largar.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

16/03/2016

Há alguns anos, nossa presidente chegou a apreciar o título de "faxineira". Iria limpar o governo dos ratos de ofício. Agora, inverteu o ciclo do aspirador e resolveu importar o lixo para dentro de casa. Promoveu uma renúncia branca, entregou o bastão a Lula e foi para a área de serviço do próprio governo. Melhor, saiu da despensa e foi para a dispensa. A chefe do Estado e do governo brasileiro reeleita em 2014 não é mais, sequer, uma sombra no posto. É um hectoplasma político. Não teve sequer, por respeito próprio, a dignidade da renúncia, conduta que lhe daria reconhecimento pela grandeza do gesto. Entre as atitudes que poderia tomar, adotou a pior possível. Trouxe a Lava Jato para o 4º andar do Palácio do Planalto.

 O retorno de Lula a funções de governo traz à mente a má história de outros retornos. Não costumam ser bem sucedidos os líderes que, após deixarem o poder, buscam voltar, seja pela força, como Napoleão, seja pelos braços do povo, como Getúlio. A História não os beneficia em seus julgamentos.

 Lula que assume a chefia da Casa Civil chega como foragido. Quer distância da 13º Vara Federal de Curitiba. Logo a 13ª! É portador de uma espécie de tornozeleira auto-imposta. É um homem que não pode andar em espaços públicos. Só pode circular livremente em ambiente fechado, perante auditório selecionado e em espaço privado. Vem para ser um "negociador" que tentará explicar os negócios do governo e negaceia explicar os próprios negócios perante a Justiça. O Lula que volta ao Palácio do Planalto para promover suposta ressurreição dos mortos é publicamente conhecido por não saber de coisa alguma. Suas frases preferidas são "Não sei, não vi, me traíram". Suas especialidades são a ignorância de tudo que importa e a sabedoria dos chavões exitosos para mentes estreitas.

 Falando a essas mentes, o PT passou os últimos 12 meses gritando - "Não vai ter golpe!" - tentando impedir o constitucional processo de impeachment. Anteontem, mais de seis milhões de brasileiros foram às ruas e gritavam "Fora Dilma!, Fora Lula!, Fora PT!". Quarenta e oito horas depois, com demonstração de total insensibilidade, o partido governante reúne-os e os oculta dentro do Palácio do Planalto. No interior nebuloso dessa casamata, por ato próprio, o partido derruba a rainha e entrega o poder diretamente a Rasputin, para consolo de seus já pouco fervorosos fiéis.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.