Percival Puggina
15/03/2016
Só um país governado pelo petismo pode levar às manchetes de seus jornais notícia tão desonrosa: um ex-presidente da República, investigado pela Justiça Federal, medindo a curta distância que o separa da porta da cadeia, cogita aceitar, de seu partido, refúgio num cargo de ministro. Bastaria um miligrama de senso ético por litro de sangue desse corpo político chamado Partido dos Trabalhadores para que a medida causasse vermelhidão no rosto e fotofobia, tornando obrigatório a todos o uso de óculos bem escuros e boné de aba baixa.
Escandaloso? E quando foi que os escândalos voltaram a escandalizar o país? Note-se: essa é uma decisão praticamente consensual entre a elite partidária. Que se pode esperar da militância, menos dada a operar com relações de causa e efeito? O idioma inglês disponibiliza para situações moralmente repugnantes uma expressão muito forte: "Shame on you!", que se pode traduzir por "Caia vergonha sobre você!". Funciona como acusativo e como indicativo de repulsa social a um ato infame. Shame on you, Lula! Shame on you, PT! Lula refugiado num ministério para escapar às barras da Justiça é o último degrau de um escabroso poleiro moral.
Mas não é só isso. A ida de Lula para um cargo no Planalto é, também, a última tábua de salvação proporcionada ao governo que naufraga. Não há mais um sarrafo sequer no oceano de "marolinhas" em que afunda para mergulho abissal. Logo a militância petista tentará vender a situação ao país como se Lula fosse o príncipe que chega, montado num cavalo branco, para salvar a princesa de casaquinho vermelho. E decretarão um ano de festas e felicidade geral. Sim, sim, têm conversa para tudo, mesmo com João Santana preso.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
14/03/2016
Há muitos meses, o governo petista, os dirigentes dos partidos da base e suas lideranças no Congresso Nacional parecem haver tomado Baygon de canudinho. Andam de um lado para o outro, desarvorados, em busca de uma saída que não existe para os males que sua desonestidade e presunção produziram. Não me refiro à multiplicidade de desastres que fizeram desabar sobre o país. Qual o quê! O que os preocupa são as consequências pessoais e legais do que fizeram. Muitos medem a distância entre a porta da rua e a porta da cadeia. Brasil? Que Brasil?
Acordei nesta segunda-feira em ressaca cívica. Milhões de brasileiros proporcionaram com o 13 de Março, nas mobilizações de ontem, um dia para entrar na História. Nas semanas anteriores, o PT e seus sequazes batiam tambores mentais pedindo chuvas no Rio de Janeiro, enxurradas em São Paulo, vendavais no Rio Grande do Sul. Mas São Pedro mostrou quem manda. Aqui em Porto Alegre, onde escrevo, 140 mil pessoas promoveram a maior manifestação da história da cidade. Homenageavam gente respeitável, patriotas de valor, como Sérgio Moro, os promotores da Lava Jato e policiais da PF naquela força-tarefa. Noutra praça da cidade, pequeno grupo de militantes a soldo reverenciava criminosos condenados e outros cidadãos em vias de. São pessoas que odeiam a dignidade de Sérgio Moro e amam Ricardo Lewandowsky, Roberto Barroso, Dias Toffoli, entre outros daquele puxadinho do PT em que foi transformado o STF.
Cada um de nós, tendo participado dessas manifestações, dirá um dia a seus filhos e netos, lendo as páginas da História: "Eu estive lá! Eu não me omiti! Eu cumpri meu dever de cidadão para com meu país e seu povo! Eu não me acovardei ante o falso rugido dos autênticos gatos!"
Enquanto participava da manifestação aqui em Porto Alegre, tive a clara percepção de que o grito das ruas produzia movimentos nas encruadas instituições. Rangiam velhas tábuas, estalavam dobradiças. Algo está para acontecer. O marasmo chega ao fim.
Vi nascer o grito por impeachment no dia 15 de novembro de 2014, na primeira manifestação nacional. Éramos poucos, mas sabíamos para onde girava inexoravelmente a roda dos maus fados do governo que reassumiria dias depois. Sua podridão já era conhecida, tanto que Dilma foi apresentada como faxineira do próprio governo. Nos meses seguintes novas manifestações se repetiram a partir do dia 15 de março (até então a maior de todas na história do país). Em duas semanas, três dezenas de requerimentos pedindo o impeachment da presidente se acumulavam na mesa de um até então pouco conhecido pilantra de nome Eduardo Cunha que, de março a dezembro, jogou água fria e gelo picado na fervura nacional. Mas na versão petista virou "dono do impeachment".
Até isso nos quis roubar o governo! O grito da nossa garganta. O clamor do nosso peito. As lágrimas de emoção cívica que deixamos nas avenidas de todo o país. Sinto que chega ao fim o domínio daqueles se julgavam-se capazes de conduzir o povo pelo nariz. Já podem contemplar a porta da rua e avaliar a distância entre esta e a porta da cadeia, lugar de todos que tenham esfolado a nação, sejam de que partidos forem.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/03/2016
Dentro de meio século, os livros de História estudarão estes últimos 14 anos num capítulo intitulado "Início do século - A ruptura com o processo civilizador". Na perspectiva possibilitada pelo transcurso das décadas, resultará evidente que o Brasil destes tempos sombrios rompeu vínculos com referências essenciais à vida civilizada.
A mais recente face dessa cisão ficou nítida na entrevista do ex-presidente Lula após seu depoimento à Polícia Federal. Falou ali o autor do desastre brasileiro, com todas as suas consequências sociais, políticas, econômicas, éticas e culturais. Já em 2005, um país que não estivesse cabresteado rumo à barbárie por lideranças nisso interessadas teria desembarcado o governante no primeiro porto que a Constituição permitisse. Malgrado tudo, os verbos ser, estar, permanecer e ficar vêm sendo corrosivamente conjugados por ele e pelos seus ao longo de 14 anos. A nação foi levada à barbárie e em muitos aspectos reproduzimos, no ambiente urbano, a anomia selvagem do nosso século XVI.
A operação Lava Jato demonstrou, com abundante material probatório, confissões, devoluções de quantias e discriminação de fatos e datas, que algumas das maiores empreiteiras do país envolveram-se com o governo em negócios escandalosos e multibilionários, para benefício próprio e dos partidos da base. E Lula considera perfeitamente normal que essas mesmas empresas e indivíduos atendam demandas materiais, pessoais e familiares, segundo luxuosos padrões de qualidade, porque, conforme admitiu, tem amigos e gosta do que é bom. (Leia o texto inteiro em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/percival-puggina/noticia/2016/03/pelo-brasil-e-por-sergio-moro-5096871.html)
Percival Puggina
11/03/2016
Existem diferentes tipos de prisão. O ex-presidente brasileiro está enquadrado num deles. É uma prisão diferente, restritiva de várias liberdades, que ele mesmo se impôs como decorrência do estrago causado, pela ambição, à sua imagem. A lista das coisas que nosso ex-presidente está impedido de fazer é significativa para alguém como ele.
Primeiro, não pode mais virar mundo fazendo rentáveis palestras sobre as supostas maravilhas que seu partido e seu governo teriam realizado no Brasil. Não há maravilhas a mostrar. Como até os feitos do governo foram malfeitos, o país anda para trás mais rapidamente do que avançou. O exterior, bem antes do público interno, percebeu que caíra na conversa fiada do parlapatão de Garanhuns. As agências de avaliação de risco estão lá fora e sinalizaram ao mundo, passo a passo, as sucessivas explosões da bolha publicitária petista. Apenas em Cuba, Venezuela e na Coreia do Norte Lula será um visitante dispensado de responder perguntas que não quer ouvir. Acabaram-se, se de fato as fez, as palestras mais bem pagas do mundo. A fonte secou. Tony Blair, Nicholas Sarkozy e Kofi Annan já não lhe telefonam.
Periodicamente, dentro de uma garagem qualquer, Lula entra num automóvel blindado, com vidros escurecidos além do limite legal, e desembarca noutra garagem qualquer, longe dos olhos dos brasileiros de bem. Há bom tempo vive oculto do grande público, com hábitos furtivos, evitando ser detectado pela imprensa. Suas últimas fotos mostram um homem com ar assustado e abatido.
Lula tem um sítio que não pode mais frequentar, onde há pedalinhos que seus netos não podem usar, uma adega inacessível e uma esplêndida cozinha que traz saudades à sua esposa. Ele tem três andares do mais apurado requinte num apartamento com frente para o mar na praia de Guarujá. Mas não pode nem pensar em chegar perto do prédio. Que dizer-se da praia!
Claro, há o apartamento de São Bernardo do Campo, que ele pode chamar de minha casa, minha vida. É seu refúgio protetor. Até prova em contrário. E é, também, sua prisão domiciliar, onde, diariamente, o ex-presidente acorda e olha o relógio para saber se já são mais de seis.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
10/03/2016
Em outro artigo, que será publicado na edição de Zero Hora deste próximo final de semana, escrevi sobre a anomia que acometeu o Brasil neste inicio de século, relegando a nação a uma condição selvagem em pleno ambiente urbano. Tal condição se caracteriza pela insegurança, pelo medo, pela decadência do respeito à lei e aos poderes constituídos, e pela quase inutilidade do setor público, incapaz de dar solução adequada às mais rudimentares de suas atribuições.
Na política, repete-se como axioma que ela não convive com vácuos. Em tese, todo vazio é rapidamente preenchido. Pois a anomia se instalou no Brasil muito gradualmente já no segundo mandato de Lula, quando o presidente, para efeitos públicos, assumiu-se como mito. E mitos não governam. Mitos são taumaturgos, anunciam quimeras. Governar é para os mortais. Depois, quando Dilma foi eleita e reeleita, o vazio do poder instalou-se de vez. A presidente da República é aquilo que a ciência define como perfeito e impossível - o vácuo absoluto, a total ausência de conteúdo. Quando se instala algo assim no espaço intergaláctico, forma-se o fenômeno conhecido como buraco negro, capaz de devorar galáxias inteiras. No Brasil, não. Fica vazio e pronto.
Não bastasse uma governança politicamente oca, verdadeiro infortúnio, produziu-se entre nós, simetricamente, um outro vazio tão ou mais surpreendente na oposição política. O tucanato, apresentado pelo petismo como seu arqui-inimigo, não corresponde à ideia comum que se tenha de um partido de oposição. Não é possível olhar para o PSDB e achar que ali está o Batman do Coringa petista. O PSDB é apenas o maior partido fora do governo. Não é sensato tomar como conduta de partido de oposição aquilo que, na ordem dos fatos, são apenas manifestações desconexas de divergência em relação ao governo.
Temos, portanto, dois fenômenos que, em tese, não poderiam existir. E que talvez só possam ocorrer exatamente por serem simétricos e equivalentes. Dois vácuos políticos aguardando provimento, no governo e na oposição. Não será difícil encontrar na situação descrita uma das causas determinantes da crise multiforme que, como nação, estamos enfrentando.
No dia 13 ocorrerá no Brasil a maior manifestação popular de nossa história. É diante desse cenário que ela vai acontecer. O povo irá às ruas não para substituir-se às instituições, mas para sacudi-las de sua letargia. Vai às ruas por uma questão de saneamento moral básico, de honra nacional, para recuperar valores que foram pisoteados pelos cavaleiros do Átila de Guarujá. Ainda assim continuaremos precisando de algo tão parecido quanto possível com um governo e uma oposição.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
07/03/2016
A tarefa de fazer com que muitos creiam não é apenas missão religiosa. É, também, essência da política como arte de conquistar apoios para alcançar e manter o poder. Há sistemas políticos nos quais as pessoas creem em partidos e suas ideias, visões de mundo, perspectivas históricas, valores e em como isso se projeta nos anos por vir. E há sistemas, como o nosso presidencialismo, em que a crença dos eleitores recai sobre as pessoas dos candidatos. É fácil compreender que isso nos faz mais vulneráveis à mentira como forma de angariar apoios. Quanto mais ingênuo o eleitor, quanto mais carente do benefício pessoal que lhe possa advir do poder público, mais sensível ele se torna a mentiras e mistificações. Nas nossas disputas políticas, a verdade é mais inoportuna do que a mentira.
Em Irmãos Karamazov, Dostoievski ensina: "O homem que mente para si mesmo e escuta as próprias mentiras chega a um ponto em que não pode distinguir a verdade e a mentira dentro de si ou ao redor de si, e assim perde todo o respeito por si mesmo e pelos outros".
Após seu depoimento nas instalações da PF em Congonhas, durante a entrevista que virou discurso, o ex-presidente era imagem viva e falante do desastre exposto por Dostoievski. Lula apelou para todo o seu repertório de artimanhas. Quero destacar a que é mais repetida, ao longo dessa infinita série de escândalos. Segundo o governo, a promissora condução petista dos negócios nacionais seria antagonizada por uma elite que não tolera a prosperidade dos mais pobres.
Lula, Dilma, o governo e seus partidos prestariam enorme serviço à saúde pública se apontassem quais brasileiros desejam que os pobres continuem pobres e morram na miséria. Essas pessoas, certamente pouquíssimas caso existam, deveriam ser identificadas e tratadas porque portadoras de um desejo anormal, desumano e masoquista. Ninguém mentalmente sadio quer viver sitiado pela miséria e suas vexatórias consequências que o governo sequer minimamente conseguiu abrandar.
A esse respeito, o senso comum grita contra a algaravia de Lula: nada é tão honestamente benéfico ao bem de cada um do que o bem de todos! Nada é mais conveniente à prosperidade de cada um do que a prosperidade de todos! São dois axiomas que dispensam provas. Eis por que o desastre ético e técnico da gestão petista nos leva a sonhar com educação promovendo o desenvolvimento das potencialidades da juventude, população ativa ganhando a vida e gerando riqueza, produção, consumo, empregos, PIB crescendo, inflação caindo e as pessoas podendo cuidar bem de si mesmas. Quem não quiser isso é doido. E quem acusa 90% da população ser contra isso é o quê, Dostoievski?
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
04/03/2016
Enquanto um punhado de militantes petistas protestava contra a ação da Polícia Federal que conduzira Lula ao aeroporto de Congonhas, veio-me à mente imagem com a qual me deparei ontem no Google. Retrata um evento da campanha eleitoral de 2002. Lula, Genoíno, Mercadante, Berzoini e Alencar formam um abre-alas e marcham portando faixa, devidamente estrelada, com os dizeres "Quero um Brasil decente". Fácil compreender a decepção de quantos creram que a faixa expressasse um sentimento real.
Os fundadores do PT viam-se como agentes de um processo revolucionário. Frei Betto, em artigo de 2007, assim descreve os anseios dos vitoriosos de 2002: "A lua seria o nosso troféu. Haveríamos de escalar suas montanhas e, lá em cima, desfraldar as bandeiras da socialização compulsória". O nome disso é revolução. E nenhuma causa revolucionária consegue ser compatível com o Estado de Direito. A revolução por dentro do regime democrático, sem sangue, como sonhou o PT, é uma lavoura que, entre outros requisitos, precisa ser irrigada com dinheiro. Dinheiro para as campanhas eleitorais, para a militância e para os movimentos sociais controlados pelo partido, para manter operante um exército de jornalistas e formadores de opinião. É preciso ter e manter multidão de agentes que começam no sanduíche de mortadela, mas miram o topo da cadeia alimentar revolucionária, onde estão a lagosta ao thermidor e o Romanée-Conti. O sanduíche é meio e não fim de toda jornada socialista. Não conheço um só revolucionário que queira o comunismo para continuar batendo cartão e operando a mesma máquina.
Numa democracia, o poder é buscado dentro da regra do jogo, dentro da lei. No entanto, se o objetivo é revolucionário, pertence à própria natureza do processo que seus agentes se considerem acima da lei. A causa vem antes e lhe é superior. A lei que não convém à causa é iníqua e não merece respeito. Na primeira etapa, então, se instala esse sentimento de superioridade em relação à ordem jurídica. Face bem visível do que descrevo pode ser observada nos assim chamados "movimentos sociais". Quem se opõe às suas ações é acusado de criminalizá-los. Por quê? Porque quem está acima da lei não comete crimes.
É aí que se começa a explicar o incomparável desastre moral que acometeu o PT. A mentira vira argumento. Calúnia, difamação e injúria ganham utilidade política. Fatos são substituídos por versões. A verdade perde interesse e utilidade. E por aí vai a decência para o brejo.
As reações que surgem nestas horas às ações da PF, do MPF e do juiz Sérgio Moro são motivadas pelo mesmo fenômeno. Ou seja, o petismo ainda não caiu em si. Na fala do presidente Rui Falcão, na gritaria dos militantes no aeroporto de Guarulhos, no posterior discurso de Lula à claque petista, percebe-se a mesma convicção: todos supõem ser devida a seus líderes e ao partido uma reverência que os tornaria inatingíveis pela Justiça. E à sombra dessa reverência deveriam ficar resguardadas as condutas mais suspeitas e a vertiginosa prosperidade pessoal e familiar de tantos. A infinita sucessão de escândalos não é entendida como conduta fora da lei, mas situação normal para quem está acima dela.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
01/03/2016
Gostemos ou não, o tema persiste. O governo padece de rejeição generalizada e irreversível, suficiente para aconselhar respeitosa renúncia. Seria um glorioso, histórico e democrático "Dia do Não Fico". Fosse o governo atento à soberania popular, à voz das ruas e ao som das panelas, não insistiria em permanecer sabendo-se reprovado, há 12 meses, por imensa maioria dos eleitores. Quanto ao impeachment, as opiniões se dividem sobre os motivos e a conveniência. O que segue é uma resenha do que considero principal sobre o tema.
Há os que desejam o impeachment por motivos ligados ao mau desempenho do governo, que acumula inédita galeria de fracassos éticos e técnicos. Até seus feitos foram malfeitos. "Subtraída em tenebrosas transações", a nação descobre que perdeu 13 anos em 13. Muitos indicadores regridem aos anos 1990. Todos os setores de atividade naturalmente afetos ou usurpados pelo Estado brasileiro estão em visível decadência. Há um grupo governante responsável por tudo isso. Perante seus descomunais escândalos e desacertos, são insustentáveis as teses dos companheiros. Para eles, o governo é bom. Ruins seriam os fatos da vida, as agências de risco, os ianques, as forças da direita, o neoliberalismo, sem os quais o Brasil estaria bombando.
Há os que querem o impeachment em virtude do caos social. Ser brasileiro tornou-se cansativo e perigoso. O governo perdeu feio todas as guerras que pretendeu travar. Perdeu para o crime, para as drogas, para as epidemias. A queda do PIB, a recessão, a inflação, o desemprego, tendem a compor um ambiente favorável ao agravamento do caos social. Arrecadando 36% de tudo o que a nação produz, o Estado brasileiro cobra passagem de primeira classe e embarca seus passageiros em carro de boi.
Há os que querem o impeachment por motivos ideológicos. Nossos governantes abraçaram uma ideologia que nunca deu certo. O ufanismo de Lula com o Foro de São Paulo e seus parceiros da esquerda bananeira travou na garganta. O neocomunismo bolivariano foi mais um Muro de Berlim que caiu em desgraça. Além disso, o petismo transformou as diferenças existentes na sociedade brasileira em tema de casa, para serem aprofundadas e convertidas em conflito.
Há, finalmente, os que não querem o impeachment por considerar preferível que o governo carregue sozinho os próprios fardos e culpas até 2018. Concordo com todos esses fundamentos e posições. Mas acrescento: quero o impeachment por imposição moral. Como questão de saneamento básico. É vergonhoso ser cidadão de um país que tolere, bovinamente, saber o que sabemos, ver o que vemos, passar pelo que passamos.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
29/02/2016
Fui e continuo sendo fã de Millôr Fernandes, que abria suas festejadas páginas afirmando - "Livre pensar é só pensar". Por vezes, essa frase me vem à mente clamando por um adicional: "Mas quem não for capaz disso, não me faça perder tempo".
Foi o que senti ao saber da polêmica sobre o supostamente inalienável direito humano ao uso dos shortinhos pelas alunas do Colégio Anchieta. Analistas de reconhecido pêlo ideológico alinharam-se com as jovens e não duvido de que, em breve, o STF esteja decidindo sobre o direito que as pessoas têm de se vestir como bem entenderem. No ato de protesto, as alunas portavam cartazes e, num deles, se lia: "O machismo não decide a minha roupa".
Não conheço macho da espécie que se sinta aborrecido ou ultrajado diante de uma jovem de shortinho. Bem ao contrário. Portanto, essas alunas estão deliciosamente a serviço do machismo! Será necessário desenhar? E estão se prestando, também, ingenuamente, a uma causa que menospreza a liberdade individual. A linha política e ideológica que veio em socorro dos shortinhos é a mesma que, alguns metros adiante, estará tachando de burguesas tais modinhas e grifes. A pauta supostamente feminista em que estão envolvidas é uma pauta internacional, de natureza política, velha há mais de meio século. Tem por método dissociar a liberdade dos devidos parâmetros de responsabilidade e autoridade. E tem por finalidade, destruir a autoridade e a responsabilidade. Não, não é para assegurar a liberdade que o faz, mas para combater a civilização que produz esses shortinhos pelos quais as referidas alunas inflamadamente lutam.
Nos Estados Unidos, há bom tempo, jovens da mesma idade portavam cartazes dizendo: "I dress up for myself!. Seria mesmo? Será mesmo? Duvido. É muito improvável que alguém se vista apenas para si. Vivemos em sociedade, como seres individuais e sociais. Estamos, fisicamente, em sociedade, com os outros. A menos que seja um ambiente deserto, sempre haverá outras pessoas onde estivermos. O que denominamos de nossa imagem é algo que transmitimos aos demais. É por isso que as diferentes instituições estabelecem normas sobre vestuário e insubordinar-se ante elas não é um serviço a coisa alguma. Aliás, quase podemos dizer que nossa imagem não é nossa, tão relacionada é com o modo como somos vistos. É por esse fato singelo da vida que existem roupas adequadas a cada situação de convívio social.
Penso estar tratando de algo que nosso país exibe e grita ao mais desatento observador. O Brasil vale por um workshop sobre como a liberdade sem limites acaba com a liberdade de todos. Ademais, convenhamos: com o país do jeito que está, despender energia e mobilização protestando por shortinhos é o cúmulo da alienação!
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.