Percival Puggina

14/08/2016

 


 A esposa de Lula e o filho Fábio Luis foram convocados para depor sobre aquele sítio que dizem não lhes pertencer. Como se sabe, a família usava o local como proprietária, atuou nas obras e reformas como se fosse dona, mas tudo era custeado por empreiteiras que trabalhavam para o governo Lula. Por seus advogados, mãe e filho afirmaram nada terem a declarar. Se intimados, permaneceriam em silêncio. O delegado não abriu mão da convocação e os advertiu sobre uma possível condução coercitiva.

 Situação constrangedora! Imagine dona Marisa Letícia acompanhando a obra, escolhendo materiais, dispondo sobre detalhes, aceitando isto, recusando aquilo, dando ordens e recebendo mesuras dos engenheiros e arquitetos, gerando despesas vultosas numa propriedade alheia. Por que estava ela ali? Porque o marido assim determinou. De repente, ela e o filho são chamados à delegacia para dar explicações sobre algo tão indecifrável.

Fico a imaginar com quanta diligência qualquer leitor destas linhas se apressaria a comparecer espontaneamente perante a autoridade policial e a tudo esclarecer - fatos, relatos, documentos e testemunhas - para que nenhuma dúvida pairasse sobre sua honestidade pessoal, para que mácula alguma sombreasse sua família.

Se assim agiriam pessoas de bem, de que se pode cogitar quando o silêncio é a resposta possível, quando o chão é o lugar certo para esconder o olhar e quando a imobilidade facial é a única expressão que alguém se permite?

O homem por trás desse constrangimento todo é o chefe daquela família, o ex-presidente da República, o senhor Luis Inácio Lula da Silva. Sua ascensão ao poder foi encarada como oportunidade de enriquecimento familiar e assim levada de modo tão minucioso quanto amplo. Sei que é duro escrever sobre ele e sobre isso num dia como o Dia dos Pais. Mas o constrangimento de Marisa Letícia e do filho Fábio Luis, que ocupam o noticiário deste fim de semana, têm tudo a ver com o sentido de honra que o marido, que o pai, não soube preservar. Ao ceder em dignidade, perdeu alguns amigos e granjeou muitos outros. Nasceu a maior organização criminosa de que se tem notícia. Creio que pelos amigos antigos falou José Carlos Bumlai, com as palavras que li nos jornais de hoje, 14 de agosto. Bumlai era tão ligado ao ex-presidente que a recepção do gabinete presidencial mantinha ativo um cartaz com sua foto assegurando total prioridade de acesso a Lula. E o que disse Bumlai sobre suas relações com o ex-presidente e seu partido? - "Fui o trouxa perfeito do PT"! Em fevereiro, ao depor, Lula tentou empurrar a reforma do sítio para Bumlai. Seria um presente do trouxa perfeito. O advogado do pecuarista, contudo, refutou a afirmação: "Só se a Odebrecht for propriedade de Bumlai, o que não me consta".

O anunciado silêncio de Marisa Letícia e Fábio Luis certificam o precipício moral em que a cobiça, a arrogância e a vaidade lançaram o chefe da família Lula da Silva.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

12/08/2016


12/08/2016


O que vou narrar são fatos da vida. Algo do muito que me chega por meio eletrônico. Dá para encher um livro com relato de mentiras ensinadas, abusos de autoridade e assédio intelectual. Agora, bem agora, enquanto abro e-mails, recebo dois exemplos. O primeiro é de um professor de Ciências Humanas:

Realmente, a liberdade acadêmica foi abolida. Sofremos pressão dos colegas que perderam a noção de toda lógica nas discussões teóricas (...). Espero que os próximos anos nos tragam soluções fundamentais para a melhoria de nosso país e de nossa qualidade universitária.

Grande abraço e parabenizo-te de novo. Sinto medo de posicionar-me publicamente. Minha sala de aula já foi invadida duas vezes, para teres uma ideia. Grande abraço e que Deus nos abençoe a todos.

Este é um professor cuja identidade não fornecerei porque reconhece ter receio de se posicionar de modo público. Fala de sua atividade profissional, daquilo para o que se preparou. E tem plena consciência sobre o quanto poderiam molestá-lo as reações antagônicas se aqui fosse identificado.

O outro, aí abaixo, é um pai. Em consulta que acabo de lhe fazer, pediu-me para preservar sua identidade pois seu filho "poderia ser prejudicado". Sim, você entendeu adequadamente: o professor do texto acima receia por si mesmo e o pai do texto abaixo receia pelo filho. Eis seu relato:

Como já devo ter comentado, minha filha mais velha estuda na 7ª série de um tradicional colégio católico, um dos mais conceituados de Porto Alegre. Eu me considero um pai presente e, junto com minha esposa, acompanho de perto os estudos dos nossos filhos. Por isso mesmo já tinha me informado sobre quem são seus professores. Não foi surpresa quando vi que a maioria é esquerdista até a medula. Declarados ou não, são petistas com todas as pautas anticapitalistas, anticatólicas, feministas, raciais, gayzistas, etc.. Refiro-me a coisas do tipo “ a favor do aborto”, “contra o golpe”, “contra o imperialismo” e toda a ladainha esquerdizante, neocomunista, que vocês conhecem bem. Coisa de DCE ou diretório do PT/ PSOL mesmo.

Eis que um deles veio me contar sobre as aulas de História (ai,ai!). Estavam aprendendo sobre Islamismo. E uma das aulas era algo do tipo “as mulheres no islamismo”. Um aluno interrogou o professor sobre o fato de as mulheres não poderem dirigir na Arábia Saudita, onde, se flagradas dirigindo veículo, recebem 30 chibatadas.

Resposta do professor de História: “Isso não é culpa da religião islâmica. Isso é culpa do machismo! Do mesmo machismo, que faz com que no Brasil existam essas propagandas de cerveja onde aparecem mulheres seminuas, transformando seus corpos em objetos”. Dai-me forças, Senhor Deus!

O “professor”, além de desviar completamente o assunto, passando pano, aliviando a barra do islamismo, ainda compara duas coisas completamente diferentes. Uma é a mulher proibida de dirigir, votar, ou seja lá o que for, recebendo punição se o fizer, pela força da Lei. Outra é uma profissional, modelo ou atriz, convidada a trabalhar em comercial de TV, sendo remunerada por isso e podendo aceitar ou não tal atividade.

Bem me disseram que seria mais fácil tirar o PT do poder, do que acabar com a doutrinação esquerdopata nas escolas e universidades. Um abraço.

Escola Sem Partido rompe o ovo da serpente. Reações em contrário não disfarçam o abalo que o projeto produz na estratégia de dominação cultural em curso. Reitero e reiterarei à exaustão o perfeito diagnóstico de Olavo de Carvalho: não se trata de "doutrinação" porque a tais professores falta todo o arsenal necessário para o correto ensino de qualquer doutrina, caso exista e possa ser conhecida. Trata-se da mais rasteira, desonesta e indecorosa ocultação da verdade.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

10/08/2016

 

 Poucos fatos representarão tão significativamente os episódios deste ano no julgamento do impeachment quanto a sofreguidão com que sua tropa de choque tratava de ganhar tempo. Como se o tempo fosse dinheiro. Era um apetite insaciável, que se empanturrava de cada segundo para somar meses, fechar o ano. Tempo, tempo, tempo! Uma voragem. Ele foi caçado assim, como grande tesouro, porque, paradoxalmente, viam-no como se fosse tudo, ainda que a nada mais servisse. A melhor expressão do que descrevo era proporcionada pelo senador Lindbergh Farias, qual menino birrento, quase choroso, gritando ao microfone, sem parar: "Eu quero o meu tempo! Eu quero o meu tempo! Eu quero o meu tempo!". Por vezes tive certeza de que um chicabom amainaria aquele surto. O pacientíssimo senador Raimundo Lira entregaria o picolé ao garoto e o afagaria dizendo: "Pronto, pronto, passou...". Importa menos, no caso, o direito de peticionar o tempo regimental e mais a conduta própria de quem atravessou a infância e a adolescência longe dos limites adequados ao convívio social. Ele não estava só nisso. A tropa de choque que defendia a presidente Dilma na Câmara e no Senado aprendeu a fazer política nos baixios onde a mistificação se exibe como sabedoria, e a mentira, cobrando reverências que a verdade dispensa, é repetida de modo incessante porque não há verdade alguma a ser dita sem imensa desdita.

 Foram meses disso! Agora, por fim, prenunciam-se os últimos atos de um processo tão volteado e circunvagado no andar quanto retilíneo no objetivo. Tão demorado quanto urgente. Foram meses durante os quais o bem nacional foi desprezado pela defesa de um governo insanável e pela atuação de um grupo político que deixou o constrangimento nos jatinhos das empreiteiras e nas lavanderias do dinheiro mal havido. O povo, o povo simples e humilde, vítima preferencial do desemprego, da inflação e da recessão que o governo petista semeou, plantou e colheu, foi o grande esquecido nas longas e procrastinatórias sessões que a tropa de choque petista transformou em trincheiras contra o Brasil.

 Por mais que os próprios senadores favoráveis ao impeachment esqueçam de mencionar, ele nasceu, cresceu e se tornou inevitável na voz das ruas. Por isso, a tropa de choque petista no Senado conseguiu a proeza de falar durante meses a fio sem jamais referir o povo, mencionar a nação ou dirigir uma palavra aos desempregados, às empresas cujas portas se fecharam, aos desatendidos do SUS, às vítimas da violência, nem aos saqueados pela organização criminosa que governou o país.

O Brasil que produz, que quer trabalhar e empreender, que deseja estudar, tem pressa. O cotidiano impõe urgências às famílias! Mas que se danem os brasileiros! A estes jamais foi sensível a arrogante tropa de choque do governo Dilma. Falando por seus representantes no Senado, a Orcrim furtou-nos, segundo a segundo, meses a fio, um tempo tão essencial à nação quanto inútil para quem dele se apropriava. Quando nada mais havia a arrebatar, saquearam-nos um precioso tempo.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

08/08/2016

 

"Se eu soubesse, naquele dia o que sei agora, eu não seria este ser que chora..." (Dolores Duran, em Castigo)
 Nossa, como encontro eleitores arrependidos! É um tipo peculiar de remorso, que se liga à decepção causada por algo ou alguém, partido ou candidato, e se converte em sentimento na consciência do eleitor - "Ah, se eu soubesse!". Muitos que me externam esse estado de espírito sinalizam opção por outro equívoco. Largaram o jogo. Rasgaram o tíquete. Desistiram de votar. As reflexões causadas por tais encontros me levaram ao exame da minha consciência como cidadão e a algumas conclusões que parecem ter boa aplicação na compreensão dos fatos político-eleitorais de nosso país.

Até onde a memória alcançou, fui atrás das minhas próprias decepções, elaborando uma longa lista dos votos que dei em eleições parlamentares proporcionais. Dela constam eleitos e não eleitos, candidatos a vereador, deputados estaduais e federais. Curiosamente, com nenhum me frustrei. Todos os que cumprem ou cumpriram mandatos integram um grupo infelizmente bastante restrito, formado por gente da melhor qualidade pessoal. Essa constatação levou-me a investigar suas causas e fui encontrá-la numa conversa de décadas atrás, com o querido amigo, o prof. Cézar Saldanha Souza Júnior. Explicou-me ele que, pelo motivo adiante apontado, o parlamentar precisa ser escolhido como um representante de opinião. Deveria o eleitor, portanto, designar seu voto a alguém com cujos princípios, valores, ideias e ideais sintonizasse. Trata-se como se percebe, de um critério muito exigente: o eleitor precisa conhecer o candidato, certificar-se desse alinhamento e assegurar-se de que, na rua esburacada da política, seu deputado ou vereador não resvalará para a sarjeta. Minha dificuldade sempre consistiu em escolher apenas um dentre vários bons. E muitos não alcançaram sucesso.

Observemos o corruptódromo que se formou entre parcela expressiva do Congresso Nacional. Esse grupo criminoso foi eleito por pessoas que votam de qualquer jeito, em qualquer sujeito, por reprováveis motivos. Muitos, também, foram ungidos por eleitores para os quais deputado (ou vereador) deve ser um "representante de interesses". Estribado em tal critério, o eleitor escolhe alguém para cuidar de si. É sua montaria da vez, o parelheiro escolhido para a eleição. Na vida real, o parlamentar selecionado para cuidar dos interesses desse eleitor e do grupo com o qual ele se identifica vai deliberar apenas ocasionalmente sobre esses específicos temas. Mas decidirá sobre tudo mais o tempo todo! E é aí que o remédio vira veneno. Na maior parte do mandato, o representante do eleitor interesseiro estará cuidando dos próprios interesses, e eles conflitarão com os do eleitor. Estará fazendo para si mesmo e para outros aquilo que o eleitor queria que ele fizesse para si contra os outros: distribuindo benefícios com dinheiro de todos. E vem a decepção, arrastando o arrependimento. Posta a questão em palavras duras: um eleitor que leva aos parlamentos pessoas que zelem por seus interesses pessoais, não raro egoísticos, tem direito de se decepcionar quando seus escolhidos - no município, no Estado e em Brasília - passam a fazer exatamente a mesma coisa por si mesmos? Quem já acompanhou o que acontece nos plenários quando as galerias estão lotadas ululando reivindicações sabe o quanto é raro que ali se reivindique a favor do interesse público.

(A versão integral do artigo só está disponível em Zero Hora, na edição do dia 06/08)

 

 

Percival Puggina

05/08/2016

 

No dia 4 de agosto, uma paralisação dos servidores públicos no Rio Grande do Sul, de onde escrevo, produziu certa alteração nas rotinas. Na véspera, ouviam-se advertências, contestadas pelas autoridades, no sentido de que as pessoas evitassem sair de casa. A situação, porém, não ficou tão anormal assim, exceto para a atividades dos restaurantes, à noite. Contudo, é inegável: o excesso dos gastos públicos frente à receita possível, levando ao fatiamento dos contracheques dos servidores ao longo do mês, nos conduziu ao estágio final da longa marcha da crise contra os bastiões de um Estado visto como inesgotável em sua capacidade de atender demandas. Nada diferente do resto do país, ao que se sabe.

 A crise é um exército invasor formado por problemas que não chegam metendo o pé na porta. De longe, bem de longe, ela vem tocando trombeta - "Cuidado! Olha que estou chegando!". Os técnicos responsáveis advertem. Jornalistas zelosos repercutem. Indicadores piscam luzes vermelhas nos painéis. No entanto, para grande parte daqueles a quem está atribuída competência para decidir sobre o gasto público, e para a maioria da população, responsabilidade fiscal é tema tão indigesto quanto conversa sobre cinto apertado na mesa do almoço familiar.
Tenho bem presente as chacotas que a oposição ao governo Yeda Crusius lançava sobre o Déficit Zero que ela pretendeu, com imenso sacrifício político, emplacar como marca de seu governo. O que era meritório foi levado ao purgatório. O que era simplesmente responsabilidade foi retoricamente exorcizado como perversão neoliberal, patologia da consciência social, maldade pura. Quanto é sensível a opinião pública às fanfarronadas dos maus políticos! Quanta credibilidade é atribuída aos garganteios da tal "vontade política", presumível toque de Midas capaz de transformar conversa fiada em recurso público!

Não há como desconhecer: em 2010, o Rio Grande do Sul elegeu Tarso Genro malgrado seu discurso a favor da irresponsabilidade fiscal, que ele levou às últimas consequências, legando a seu sucessor um rombo de R$ 5,4 bilhões. E note-se, o somatório dos aumentos de vencimentos por ele concedidos para viger depois de seu governo, entre 2015 e 2018 representa um impacto adicional de R$ 7,5 bilhões ao gasto público.

É longo o parto do caos. A crise chega devagar. Vem avisando e leva bom tempo batendo à porta. Até que mete o pé e se exibe com toda a feiúra. Os servidores públicos que padecem o parcelamento de vencimentos pagos em dia à época do Déficit Zero, ali adiante verão as parcelas referentes a um mês se sobrepondo às do mês subsequente. Sim, a vida parece risonha e franca quando um Estado falido eleva seu gasto fixo, mas, parafraseando Marx, o que parecia sólido se desmancha no ar e o sagrado é profanado. O desfazimento e a profanação aconteceram ao longo dos anos, quando foram sendo negligenciados os problemas estruturais do setor público.

Clamam aos céus por justiça os desníveis remuneratórios existentes nos quadros de pessoal do Estado. Necessárias garantias funcionais resguardam desnecessários privilégios. É agressivamente desarmônico o tratamento entre a situação do Executivo e a dos poderes independentes (cujo pessoal ganha muito mais, em dia e recebe aumento). Mas a causa da crise vai muito além disso. Muito além!

Ela enfiou o pé na porta e o caos se instala. Seria desesperador imaginar que isso sirva, mais uma vez, para mobilizar esperanças na direção dos discursos demagógicos, da tal "vontade política", ou de algum pote de ouro no fim do arco íris.
 


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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+
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Percival Puggina

04/08/2016

 

 Os que começaram com isso estão velhos e carecas. Há mais de meio século, partidos de esquerda priorizaram a infiltração na política estudantil e a tomada dos seus organismos de representação. Acompanhei uma parte dessa história e posso testemunhar que, já então, a conduta dos jovens militantes era, tanto quanto agora, de estilo autoritário, presunçoso e arrogante. Nas disputas eleitorais, nas assembleias e congressos estudantis, e na afirmação de suas causas, colocavam-se aqueles jovens colegas acima da lei, das regras e da ordem. Não surpreende a constante reiteração de tais comportamentos ao longo dos anos. Afinal, onde o comunismo foi democrático, respeitoso e tolerante?

 Assim, em junho deste ano, por exemplo, mais de 150 escolas do Estado foram invadidas por pequenos grupos de estudantes ligados a dois ou três partidos de esquerda. Entravam, aferrolhavam as portas e declaravam que a escola lhes pertencia. Eles não queriam aulas, que se danassem, então, os colegas, os professores e todas as famílias prejudicadas com a paralisação do ano letivo. E ai de quem dissesse que a escola é um patrimônio público! Era logo rotulado fascista, expressão que podia muito bem, pelo que estavam a fazer, ser proferida pelos próprios se diante de um espelho.
 Outras invasões ocorreram na mesma época, entre elas a do prédio da Secretaria da Fazenda, no último dia 15 de junho, durante a greve dos municipários. Eram algumas dezenas de menores de idade, acompanhados de uma dúzia de adultos. Que relação poderia haver entre a pauta corporativa dos servidores e o movimento estudantil? Para que precisavam os maiores, da presença dos menores? Ora, a causa era política, ou melhor, a política era a causa. Quem não vê? Resultado da operação invasora: muito dano ao patrimônio público. Para que isso? Procure suas respostas em alguma obra sobre práticas fascistas.

 Feito o rescaldo, ocorreu o necessário inquérito policial, houve denúncia ao Ministério Público e o promotor Luís Felipe Tesheiner, incumbido do processo referente aos maiores de idade, não prevaricou, não deixou de cumprir seu dever funcional. Fez o que inequivocamente lhe competia diante de um conjunto de crimes simultâneos, que vão do dano qualificado ao aliciamento de menores. Pronunciou-se pelo acolhimento, sugerindo uma pena branda de comparecimento periódico ao Foro da Capital durante dois anos ao longo dos quais os acusados não podem se envolver em ações semelhantes.

Em sua incomparável capacidade de escolher o lado errado, afrontar a sociedade, ignorar as vítimas, desprezar os danos e abraçar os culpados, arrepiaram-se os membros do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS). Cavalgaram o surrado chavão da "criminalização dos movimentos sociais" e cuidaram de apontar ao digno promotor algo que seria o verdadeiro "sentido de sua missão constitucional". No entender do CEDH-RS, esse sentido seria afagar os responsáveis, louvar sua dedicação à causa que os levou a aliciar, invadir e depredar, e pedir um autógrafo aos bravos combatentes do movimento revolucionário.

 

* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

01/08/2016

Enquanto seu interlocutor falava, ela o observava atentamente. Momentos antes o interrogara sobre se, sendo sociólogo, seria possível graduar-se sem conhecer as obras de Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim.

 Bem, o leitor deve estar se perguntando onde transcorria esse diálogo. Vamos a isso, então, antes de interpretarmos a sombra no olhar da professora. Era o programa Entre Aspas, transmitido pela Globo News na terça-feira 26 de julho. A jornalista Mônica Waldvogel convidara o sociólogo Thiago Cortes e a professora uspiana Lisete Arelaro para externarem opiniões a respeito do projeto Escola Sem Partido, concebido pelo movimento com o mesmo nome. O sociólogo falava pelo projeto e a professora em sentido contrário. O palpitante tema, como se sabe, mobiliza parcela da opinião pública nacional e se expressa assim: "Pode ou não a lei, deve ela ou não, impor limites à influência política, ideológica e partidária do professor da rede pública em sala de aula?". O movimento Escola Sem Partido e a Constituição Federal afirmam que sim. Os professores que estão industriosamente dedicados a essa tarefa sustentam que não.

 O debate sobre o tema tem servido para formar pilhas e pilhas de relatos sobre demasias praticadas em todos os níveis do nosso sistema de ensino público e privado. De modo monocromático, os abusos incluem material didático mistificador, aulas panfletárias e conteúdos apresentados com o intuito de ocultar o conhecimento. Como salientou Olavo de Carvalho em recente artigo, é um tipo de ensino que procura manter, do contraditório, distância equivalente à que separa o diabo da cruz. Não satisfeito com a tapeação, chega às ridicularias. Há professores que, no estilo cubano, iniciam as aulas com proclamações políticas. Outros se permitem suspender as atividades para conduzir alunos a manifestações promovidas pela esquerda. E creiam - há um vídeo no YouYube! -, certa professora faz a turma dançar cantando uma besteira na qual Karl Marx é apresentado como mix de funkeiro, Gabriel Pensador e Marilena Chauí. Há quem deixe a vergonha no cabide da sala de professores.

 A pedagoga da USP, porém, estava convencida de que a militância de seus colegas era o próprio pluralismo pedagógico e de que ensinar marxismo era a mais nobre e generosa tarefa a que um educador poderia se dedicar. Na sua perspectiva, por certo, os incontornáveis fracassos das experiências marxistas são consequências de um déficit de marxismo e se resolvem com mais Karl Marx.

 Voltemos à cena descrita no início deste artigo. A professora perguntara ao sociólogo sobre a importância dos três autores que mencionara. Ele a confirmou e explicou, com limpidez, que o problema não estava em apresentá-los, mas em sonegar aos alunos o conhecimento e a própria existência de expoentes do pensamento não marxista, como Edmund Burke, Roger Scruton, Michael Oakeshott e Russell Kirk. Foi aí que - zaz! A professora franziu o cenho, sua fisionomia sombreou e acenderam-me as dúvidas. Também dela haviam ocultado esses autores? Ou, ao contrário, estava ela confirmando a si mesma que tais nomes deveriam ser impronunciáveis em sala de aula? Ou ainda: como sair dessa?

 Com as indicações acima você localiza o vídeo da Globo News através do Google.
 

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

29/07/2016

 

 O título acima expressa minha convicção de que o ex-presidente já está condenado a uma das muitas grades em que se pode conter um ser humano: a que o confina ao pequeno séquito dos que compartilham os mesmos vícios e desvios morais.

 Entenda-me o leitor. Assim como os dependentes químicos se reúnem, qual escombros humanos, em terrenos baldios e obscuros recantos das cidades, assim também pessoas na situação moral e legal de Lula agrupam-se por semelhança e fogem do convívio com pessoas de bem. Um dia, porém, o mal feito às ocultas, nos porões, é proclamado desde os telhados. E o que estava nas páginas dos processos, nas denúncias, nas provas e nos privilégios de foro, vai para as manchetes dos jornais. Acaba o teatro e a vida real começa. Pode ser curto, muito curto, o caminho entre a conduta viciosa ou criminosa e essa forma de reclusão por rejeição e repulsa social.

 Será ele preso, condenado e cumprirá pena? Sei lá! No dia em que eu entender nossa Justiça e, de modo especial, a Suprema Corte, que certamente exercerá o último grau de jurisdição no processo de todos os notáveis hoje investigados, provavelmente haverá outra composição por lá e nós estaremos vivendo num Brasil melhor. Não, não tenho resposta para essa pergunta. Nosso STF faz "desacontecer" fatos que todos viram e ouviram. Mas Lula já está sendo punido, embora ainda não como se espera. Ele está contido, preso. Basta vê-lo, como o vi agora, há poucos minutos, na TV.

 Quando Delcídio Amaral perdeu o mandato de senador, agravou-se a situação do ex-presidente. O Procurador Geral da República pediu ao ministro Teori Zavascki que o processo - que incluía Lula - fosse enviado para Curitiba e para o juiz Sérgio Moro. Ouriçou-se a morofobia do estadista de Garanhuns que, por seu advogado, solicitou a remessa para a Justiça Federal de São Paulo. O ministro, porém, acabou enviando tudo para Brasília, considerando que lá foi praticada a maior parte dos atos denunciados.

 Não poderia desabar sobre os muitos problemas do ex-presidente algo mais inoportuno do que a decisão do juiz Ricardo Leite tornando-o réu no exato momento em que choraminga perante a ONU supostas injustiças e perseguições que estaria sofrendo por parte de Sérgio Moro. Imagine só a situação: tapado de orgulho das próprias virtudes, inocente como um anjo de Rafael, vê seu delírio persecutório desfazer-se com o reconhecimento de outra robusta hipótese criminal em vara diferente, longe da tenebrosa Curitiba de seus mais freqüentes arrepios.
 Orgulho, ambição e vaidade formam um explosivo coquetel. E Lula o bebeu até a última gota. 

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

28/07/2016

 

 O fato de ser a terra um dom do Criador aos homens confere a cada pessoa direito a uma fração dessa Criação? Há quem responda que sim, quem afirme que não, e há quem sustente que o próprio direito à propriedade é um roubo, pois tudo deveria pertencer ao Estado para que, mediante ele, os frutos da natureza pudessem chegar igualmente a todos. Onde essa utopia foi aplicada, só os néscios se surpreenderam com o resultado: o Estado somou poder econômico ao seu poder político, escravizou a sociedade e só produziu miséria.

  No Brasil, a visão coletivista, marxista, se vale da cultura indígena para exibir o estado “natural” e “original” de um mundo sem cercas nem proprietários, onde as necessidades de todos eram atendidas pela natureza dadivosa. Se retirarmos dessa análise o conteúdo poético, nada resta: os índios eram poucos, a terra imensa, e ainda assim havia períodos de escassez. Tal situação foi comum aos povos primitivos, nômades porque precisavam correr atrás do almoço. E quando faltava o almoço, era um alvoroço. O grupo mais forte jantava o mais fraco. A civilização começou exatamente quando - ofegantes e famintos - resolveram parar de correr, começaram a plantar seu próprio alimento, cravaram as primeiras divisas entre as propriedades e os muros foram envolvendo as cidades que nasciam.

  O direito à propriedade privada surgiu, portanto, como uma concepção que corresponde ao bem comum, possibilitando e estimulando a produção e a organização da vida social. Desmentindo Malthus, viabilizou o atendimento das demandas alimentares de populações crescentes, mesmo com a acelerada urbanização das últimas décadas. Regimes que o suprimem geram a fome, o genocídio pela fome e a corrida às fronteiras em busca de alimentos, como agora se vê na Venezuela. Neles, o fracasso é regra sem exceção pela inadequação dos meios aos fins prometidos.

 Ademais, no caso da propriedade da terra, tratamos de um bem não-elástico. Sua disponibilidade não aumenta com a população. O planeta não é inflável. Assim, o direito à terra não pode ser um direito “da pessoa”, nem é um direito que se configure pela simples manifestação do desejo de possuir. Menos ainda é um direito que possa ser exercido automaticamente por quem não tem terra em relação à propriedade alheia. Invocá-lo é tão socialmente nefasto que o Decálogo, há quase quatro mil anos, lista como pecado a simples cobiça dos bens alheios. Finalmente, ainda que existisse, tal "direito" não poderia ser exercido por alguém (viu, MST?) em relação a um bem determinado de outra pessoa, por livre escolha do cobiçoso.

Mas isso não significa que o contínuo parcelamento do solo rural seja um objetivo a ser perseguido. A tendência mundial aponta para propriedades cujas extensões médias já são superiores à brasileira, e indica, também, uma constante redução da população rural. Um expressivo contingente de pessoas ativas no campo é característica compartilhada pelo Brasil com países como Paquistão, China, Etiópia, Índia, Nigéria, e Turquia. Sob o ponto de vista econômico, por fim, evidencia-se que quanto menor a população rural, maior a renda média do campo e maior a produtividade.

Penso, no entanto, que a questão não pode ser vista apenas em perspectiva econômica. Enquanto tivermos áreas não aproveitadas ou subaproveitadas, convém levar em conta o fato de que muitos brasileiros realmente desejam trabalhar a terra e de que a terra trabalhada serve ao bem de todos. Mas é preciso agir dentro do quadro institucional, num cenário político e não revolucionário, buscando a eficiência dos investimentos que a sociedade fará, se decidir que convém fazer. O governo não tem dinheiro seu; ele apenas gere o que a sociedade lhe repassa pelas vias fiscais.

O MST se converteu em uma associação para o crime, a serviço de um partido político e de uma causa ideológica falida. Enquanto esse movimento mantiver qualquer relação de causa e efeito com a questão agrária brasileira, os resultados serão, sempre, social e economicamente desastrosos. Até porque suas ações e a voz de seus líderes evidenciam não pretenderem, mesmo, aquilo que alegam.

A Criação é um dom de Deus aos homens. Foi concedido a todos e a todas as gerações para que a dominassem, deixando aos povos a liberdade de disporem sobre como fazer essa administração. A experiência histórica mostrou, de modo robusto e duradouro, ser a propriedade privada o meio mais eficiente e mais socialmente produtivo para essa gestão. Ela é um dos direitos naturais, junto com a vida e a liberdade. Não é, porém, direito a um conjunto de brindes que se ganhe ao longo da existência, mas algo que deve ser conquistado mediante o trabalho, cabendo ao Estado, em justa medida, viabilizar condições essenciais aos mais carentes, mediante Educação e capacitação para a vida produtiva.
 

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.