Percival Puggina

14/10/2011
É preciso reconhecer. A mitificação de Lula no nível que alcançou só poderia ocorrer mediante o invulgar conjunto de circunstâncias que alia características pessoais do líder; notáveis estratégias de poder e de comunicação social; circunstâncias internacionais favoráveis à economia brasileira; manutenção, durante boa parte de seu governo, das políticas de responsabilidade fiscal iniciadas com Itamar Franco; dotação de significativos recursos para o programa Bolsa Família; simpatia internacional ao perfil do operário no poder cuidando dos pobres. E por aí vai. Oitenta e tantos por cento de aprovação no mercado interno, a condição de celebridade internacional e a louvação da mídia mundial compõem um irresistível quadro de mitificação que colocam Lula num altar onde só se pode depositar flores. Critique quem quiser no país, mas não faça isso com Lula. Pega muito mal e retira de você credibilidade para qualquer outra coisa que pretenda dizer. É inútil mostrar que o governo petista se encaminha para fechar uma década com o país ostentando os piores indicadores, seja entre os membros do BRIC, seja entre nossos vizinhos da América Ibérica: a economia que menos cresce, a maior taxa de juros, a menor taxa de investimento, a maior inflação e a maior carga tributária. E as funções essenciais do governo (Educação, Saúde, Segurança e Infraestrutura) numa precariedade que ninguém, em sã consciência, deixará de reconhecer. São afirmações inúteis. Tudo se passa como se, depois de oito anos no poder, Lula nada tivesse a ver com isso. A ele, apenas créditos. No entanto, há débitos pesados na conta do lulismo instilado ao país. Em artigos anteriores, tenho afirmado que a política exige senso de realidade, que os bons estadistas são pessoas realistas, são pessoas afastadas de utopias e devaneios e interessadas em respostas corretas para duas interrogações essenciais: qual é o problema? qual é a solução? Nesse sentido, reconheça-se, ao romper com os delírios esquerdistas do PT, Lula conseguiu acertos e afastou-se de muitos erros. Mas na política, o realismo de Lula tornou-se cínico, desprovido de restrições de ordem moral. Abrigou à sombra do poder as piores figuras da política nacional. Não apenas as acolheu. Foi buscá-las para compor a base do governo. Entregou-lhes poder, cargos, fatias do orçamento e poderosas empresas estatais. Teve olhos cegos e ouvidos moucos para as patifarias que proliferaram do topo à base da pirâmide do governo. Seu partido, quando na oposição, brandia indignações morais, pedia CPI para carrocinha de cachorro quente e levantava suspeições sobre a honra de quem se interpusesse no seu caminho. No poder, foi o que se viu, o que ainda hoje se vê, e o quanto já veio à superfície nos primeiros meses da presidente Dilma, sob silêncio conivente das instrumentalizadas organizações sociais cuja boca foi emudecida por cargos e recursos públicos. A corrupção, casada em união estável e comunhão de bens com a impunidade, alcançou níveis sem precedentes. Estudo da Fiesp adverte para o fato de que ela consome algo entre 1,4% a 2,3% do PIB e custa cerca de R$ 69 bilhões nas contas da gatunagem fechadas a cada réveillon. A nação chegou ao fastio e à náusea dos escândalos de cada dia. Há uma indignação silenciosa. Ensaiam-se mobilizações de repulsa à corrupção. Mas elas são escassas, pequenas e de utilidade duvidosa. Por quê? Porque a corrupção pode ter filiais até na mais miserável prefeitura do país, mas a matriz está onde está a grana grossa, no poder central da República, para onde convergem todos os cargos, todas as canetas pesadas, todas as decisões financeiras, todos os contratos realmente significativos. E 23% do PIB nacional. O resto é resto. Mas não há como apontar o dedo nessa direção sem atingir em cheio o peito de quem, durante oito anos, desempenhou a mesma função de seus antecessores. E a estes, Lula, seu partido e fieis seguidores, sistematicamente, responsabilizavam por toda desonestidade existente no país. Quem quer que sentasse para governar, logo vinha o Fora Collor, o Fora Sarney, o Fora FHC. Alguém sabe me dizer por que, de repente, a corrupção não tem nome próprio nem governo definido? Eu sei. O lulismo amordaçou a moralidade nacional. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Érico Valduga

09/10/2011
SEGURANÇA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES TEM MAIS HOMENS QUE O PATRULHAMENTO DAS FRONTEIRAS DO PAÍS Érico Valduga, em Periscópio 1.211 vigilantes e seguranças para proteger cinco cortes, ante 900 a mil policiais na fiscalização de 15.7 mil quilômetros de divisas com 10 países A mais alta esfera do Poder Judiciário, representada por cinco tribunais superiores, tem em Brasília mais seguranças e vigilantes que a Polícia Federal consegue manter nas fronteiras do país. Nos 15,7 mil quilômetros limítrofes, a PF tenta combater a passagem de armas e drogas, além de frear o contrabando, com um grupo que varia entre 900 e mil agentes. Nos tribunais, um batalhão de 1.211 vigilantes e seguranças cumpre uma missão bem menos engenhosa: garantir a proteção de 93 ministros e o controle do entra-e-sai nos prédios do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Superior Tribunal Militar (STM). São 13,2 guardas para cada um dos brasil eiros que alcançaram o topo da pirâmide da magistratura. Quadro avesso ao do Fórum de São Gonçalo, onde trabalhava a juíza Patrícia Aciolly, executada com 21 tiros sem que ao menos um guarda estivesse ao seu lado. Número que supera até mesmo a tropa de 969 vigilantes contratados para cuidar do cofre do Tesouro: as nove diretorias e a sede do Banco Central na capital federal. A elite do Judiciário ainda conta com um batalhão de 386 recepcionistas, 287 motoristas e 271 copeiros e garçons. Há também casos peculiares, como os 14 lavadores de carros do STJ e o grupo de cinco contratados para limpar as áreas envidraçadas do TST. Em quase 100% dos casos, são contratos de terceirização firmados com empresas especializadas em destinar pessoal à administração pública no Distrito Federal. Grupos que acumulam lucros para cada funcionário cedido. E, de acordo com um alto servidor do Judiciário, servem de catapulta para que parentes de servidores ou amigos de operadores do Direito abocanhem uma vaga junto ao poder. (Por Roberto Maltchik, O Globo, 9-10-2011)

Percival Puggina

08/10/2011
Nunca, nem em sonhos, despreze qualquer bandeira esquisita desenrolada e exibida como politicamente correta. Ela pode parecer frango congelado, coisa sem pé nem cabeça, mas atenção: não importa o tempo que leve nem os meios requeridos, cedo ou tarde, haverá militantes em número suficiente para mobilizar ingênuos e a bandeira vai em frente. Ou vai pela via do Congresso, ou pela do Judiciário, ou pelo aparelhamento de movimentos e conselhos criados e controlados pelos que a conceberam. E, quando nada disso funciona, sempre há alguma instituição internacional bem alinhada com os projetos de poder onde ela será cravada. A lista de antecedentes é imensa! Sem esgotá-la, lembro alguns. Durante anos, por exemplo, tentaram criar a tal Comissão da Verdade, cujos redatores sagrados definirão o que é verdadeiro e o que é falso em quatro décadas da nossa história. Algo tão ridículo quanto parece. Mas cresceu e já deu cria. Começam a pipocar filhotes da comissão em todo o país. Trazer as uniões homossexuais para o Direito de Família demorou um pouco mais. Mas os ministros do STF saíram do armário, substituiram-se ao Congresso, legislaram e pronto. Reduzir o embrião humano à condição de coisa dispensável pelo ralo da pia foi mais rápido, pela mesma trilha. Embrião não faz passeata. Como se vê, a coisa vem de longe e está apenas começando. Foi assim com os exageros do ECA, com a lei de quotas raciais, com as políticas de gênero, com as manipulações ideológicas dos concursos públicos e do ENEM, com os escandalosos livros didáticos do MEC, com o fim do ensino religioso. E anote aí: cedo ou tarde, como feto não vota, também estará aprovado o Estatuto que disciplinará sua extração em vida, aos pedaços. Não será diferente com o controle da imprensa. Lula assumiu a presidência em 2003 e já em 2004 o Ministério da Cultura apareceu com o projeto de lei dos audiovisuais, nascido do ?diálogo com alguns segmentos sociais?. Foi a primeira tentativa de impor esse controle. E a primeira inútil rejeição, porque é só uma questão de tempo e de achar o jeito. O recente Congresso da legenda que manda no país deixou bem claro o quanto é intolerável a opinião de quem se lhe opõe. Ao mencionar a corrupção, o partido proclamou que a combaterá sem esvaziar a política ou demonizar os partidos, sem transferir, acriticamente, para setores da mídia que se erigem em juízes da moralidade cívica, uma responsabilidade que é pública, a ser compartilhada por todos os cidadãos. Os ?setores da mídia? não perdem por esperar. Agora foi a vez da feminista que Dilma pôs na Secretaria Especial de Política para Mulheres. Do alto de suas tamancas de ministra, dona Iriny Lopes denunciou ao Conar o anúncio da Hope estrelado por Gisele Bündchen. Na opinião daquela autoridade federal, a peça reforça ?o estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual e ignora os grandes avanços alcançados para desconstruir práticas e pensamentos sexistas?. Estamos diante do mesmo tema - o desejo de controlar tudo. Até o pensamento! O totalitarismo é assim mesmo, voraz. Intolerável uma mulher enfeitar-se para seduzir o marido! Fosse para algum sexo casual, estaria tudo bem. Fosse para uma mulher, melhor ainda, Gisele ganharia medalha de honra das políticas de gênero. Mas no Brasil do politicamente correto, enfeitar-se para o marido virou dominação machista. Pára com isso, Gisele! Bota um camisolão comprido, de florezinhas. Roxas. Dona Iriny e o governo federal agradecem. ZERO HORA, 09 de outubro de 2011 .

Percival Puggina

07/10/2011
UM POUCO DE HUMOR Extraído do blog do Noblat EM TROCA DO NOBEL DE LITERATURA, SARNEY ACEITA PARAR DE ESCREVER Antes de receber o Nobel, Sarney teve de provar que não guardava nenhuma caneta nas mangas. Movidos pelo medo e pela angústia, a Academia Sueca decidiu conceder a José Sarney o Nobel de literatura com a condição de que ele nunca mais escreva uma linha. ?Nem hai-kai, versinho, redondilha, conto de uma página, receita de cozinha, bilhete para a empregada, nada, nada?, explicou, aliviado, Hans-Törben Mägnussen, presidente do comitê de seleção da láurea. Ao saber que o prêmio fora dado ao poeta sueco Tomas Tranströmer, Sarney soltou uma nota dizendo que começaria a escrever, ainda hoje à noite, a sequencia de Marimbondos de Fogo, e que não descansaria enquanto a obra não fosse traduzida para o sueco. A notícia caiu feito uma bomba na Suécia. Em Estocolmo, carros foram incendiados, lojas saqueadas e um grupo de cidadãos destemperados se reuniu diante do Palácio Real para pedir a cabeça da Rainha Sílvia. A polícia começava a restabelecer a ordem pública, quando a gráfica do Senado exibiu, na TV Brasil, o primeiro exemplar de Brejal dos Guajás com sinais diacríticos visivelmente escandinavos. Imediatamente, a tropa de choque sueca juntou-se aos manifestantes. Ao ser informado que o livro em breve chegaria às livrarias de seu país, o poeta Transrömer anunciou, da sacada de sua casa, que devolvia o prêmio e abandoava a carreira de escritor para se dedicar à escultura em sabonetes. À beira de uma crise institucional sem precedentes, o governo sueco acionou o seu embaixador em Brasília e negociou o acordo com Sarney. O PMDB ainda conseguiu emplacar dois deputados na Câmara Alta de Estocolmo, e Michel Temer ganhou o título de Conde de Uppsala.

Percival Puggina

07/10/2011
O costume de tratar as coisas públicas como se próprias e privadas fossem é um potente impulso genético orientando a conduta das elites brasileiras e atrapalhando, de inúmeros modos, a vida social e as atividades de Estado. Não há texto sério sobre história ou antropologia do Brasil que não trate disso. Uma das extensões naturais de tal conduta tende a transformar a família de quem exerce o poder em corte e o poderoso em monarca. Aliás, verdade cristalina: poucas coisas servem tanto à unidade familiar quanto as prerrogativas concedidas à caneta de algum de seus membros. Como bem descreve o antropolólogo Roberto da Matta em entrevista à Veja, muitos países vieram da mesma extração cultural e se livraram dela. No Brasil, entretanto, o patrimonialismo ainda é objeto de cultivo e reverência. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, nos forneceu o mais recente exemplo disso ao empenhar-se, pessoal e decisivamente, na escolha da própria mãe para ocupar uma vaga no Tribunal de Contas da União. A respeitável senhora é portadora de inexcedíveis credenciais: é filha do ex-governador Miguel Arraes (fundador da dinastia que hoje dá as cartas e joga de mão em Pernambuco) e mãe do atual mandatário. Junto ao diploma de deputada federal, que lhe caiu no regaço materno como fruto do mesmo pomar do poder, agrega ela um título de bacharel em Direito conquistado na terceira idade, e dois cargos de confiança na Câmara dos Deputados e no Tribunal de Contas de seu estado natal. Pronto! Reuniram-se aí as condições essenciais para que dona Ana viesse a sentar-se entre os outros oito membros da elevada e seleta corte que julga as contas da República. Tudo muito republicano. Nada tenho contra o governador Eduardo Campos, a respeito de cuja gestão leio apreciações positivas. Mas é preciso ter deixado em algum canto da casa a noção de ridículo para apresentar a candidatura de mamãe, sair de seu gabinete e ir ao Congresso Nacional fazer a campanha dela para o TCU. O amor filial é coisa linda, mas os cargos públicos não são algo que se enrole para presente e se junte a outros mimos ofertados às mães em eventos familiares. O Tribunal de Contas da União podia passar sem essa. E o Congresso Nacional (posto que o Senado aprovará a indicação da Câmara entre aplausos destituídos de qualquer constrangimento) proporcionou à nação mais uma evidência de sua incapacidade de se erguer um milímetro acima dos lamentáveis padrões em que se movimenta e delibera. Não estou dizendo que a decisão não foi política ou que foi ilegítima. Tudo andou ?segundo os conformes? por quem detinha a prerrogativa constitucional de proceder à escolha: a maioria do plenário. Mas, convenhamos, a opção pela mãe do governador não atendeu nem de raspão o interesse nacional, que estaria muito melhor servido por alguém com mais crédito na conta das competências e menores débitos na conta dos favores recebidos. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

24/09/2011
Twitter: @percivalpuggina Alguns dias de molho com uma virose cívica que começou na Semana da Pátria e avançou pela Semana Farroupilha me deram tempo para pensar. Entre outros temas, para pensar nas tais passeatas contra a corrupção. Primeiro, imaginei a coisa pelo lado oposto: uma passeata a favor da corrupção. É claro que só apareceriam jornalistas na tentativa de capturar imagens e impressões de algo grotesco. Só a imprensa. Os corruptos estariam exercendo sua atividade alhures, longe dos flashes e dos olhares da mídia. Ou seja, leitor, ninguém é a favor da corrupção, exceto os corruptos, mas estes agem como moluscos, lenta e discretamente, dentro de suas conchas e tocas, imersos em águas turvas. Façamos, então, uma grande marcha contra a corrupção! Como todos são contra, vai faltar espaço na avenida Paulista, na Cinelândia e, em Porto Alegre, haverá gente pendurada na chaminé do Gasômetro. Sucesso garantido. O quê? Não foi nem parecido com isso? Pouca gente em relação ao esperado? Faltou divulgação? Bobagem. Todo mundo estava sabendo. Não compareceram porque não quiseram. Pois foi aí que me valeram estes dias de virose cívica. Pode ter sido efeito da febre ativando algum neurônio preguiçoso ou desativando algum outro defeituoso, mas tenho certeza de que matei a charada. As manifestações contra a corrupção contaram com público reduzido porque berrar contra a corrupção sic et simpliciter (até o latim me veio de volta com a febre) é mais ou menos como mobilizar-se em protesto contra o câncer ou contra a dengue hemorrágica. Todo mundo concorda, mas é completamente inútil. Perdoem-me os promotores, muitos dos quais fraternos amigos. Eventos anteriores, assemelhados, alcançaram sucesso muito maior por dois motivos: contavam com apoio de segmentos da sociedade civil aparelhada pelo PT (aquela turma que, ao simples estalo de um dedo petista, embarca num ônibus e vai para onde mandam); e eram eventos com foco, estavam direcionados contra alguém com nome e sobrenome, partidos com letrinhas conhecidas, governos inteiros e responsáveis por escândalos que não caíam das manchetes. Era sempre Fora alguém!. Marcha contra corrupção sem foco? Corrupção de governo nenhum? Sem culpados com nome próprio? Sem siglas políticas a acusar? Sem lançar em rosto do Congresso as responsabilidades por termos uma densa legislação de proteção aos corruptos? Sem atribuir a quem quer que seja culpas pela lentidão dos processos? Sem combater os votos secretos nos parlamentos? Sem denunciar até o último fio de voz a danação ética de um sistema político canalha, ficha-suja, que protege, estimula e vive da corrupção? CNBB e OAB, para ficarmos com as instituições mais luzidias, que me relevem o menosprezo. Mas não consigo imaginar furo nágua mais raso e inútil do que os tais gestos de protesto contra uma corrupção que não têm coragem de apontar alguém, nem de pronunciar um nome sequer. Que não revela discernimento necessário para indicar as falhas institucionais e comprometer-se com uma correta reforma do modelo político nacional e dos nossos códigos. Estes códigos são um pálio de luz desdobrado a iluminar o caminho dos corruptos na sinuosa marcha republicana rumo à prescrição. Sinceramente, até os corruptos agradecem a fidalguia com que foram tratados! Governos podres de raiz, assumidamente podres, ardorosos defensores de seus próprios corruptos, que os homenageiam e desagravam, igualmente se sentem reverenciados nestas festinhas setembrinas de titubeantes virtudes cívicas. ZERO HORA, 25/09/2011

Percival Puggina

23/09/2011
Twitter: @percivalpuggina O Congresso Nacional se encaminha para aprovar a criação da Comissão da Verdade. Saído do forno da Câmara na última quarta-feira, o projeto segue, agora, para o Senado Federal, de onde rumará para sanção presidencial. Pelo projeto, caberá à presidente Dilma a tarefa de indicar todos os sete membros da Comissão. Como é que é? Todos? Sim, todos. Foi-lhe vedado, apenas, nomear quem exerça cargo no Executivo e em partido, quem não tenha condições de atuar com imparcialidade e quem esteja no exercício de cargo em comissão ou função de confiança. Esta foi a contribuição do DEM para o projeto. Imagino que o deputado ACM Neto, depois de vê-la aprovada, deve ter ido dormir tranquilo, convencido de que a exigência proposta por ele confere à comissão a dignidade, a isenção e a inteireza do melhor mármore de Carrara. Pois sim! Barbadinha a tarefa de Dona Dilma. O que mais existe em relação aos episódios a serem apurados é imparcialidade. Vai sobrar gente imparcial na lista dos querendões. Uma vez nomeados pelas mãos todo-poderosas da presidente para uma tarefa árdua e contínua de dois anos, os sete corregedores da história, certamente muito bem remunerados, mas sem peias nem gratidões, farão o trabalho com alma, luvas, retortas e cadinhos de cientistas em seu laboratório. Aliás, quem conhece alguma coisa sobre como a história acontece e sobre a história que se conta há de saber que atribuir a detecção da verdade a um grupo de sete pessoas é expressão de indizível petulância. Como resultado do trabalho da Comissão, presume-se, haverá verdades decididas por sete a zero e verdades decididas por quatro a três. Em quaisquer escores, contudo, o que emergir será verdade evangélica, obra de redatores ungidos e sagrados, sobre cuja posição nada se poderá arguir sem contrariar o que já está decidido na lei que os nomeou. Qualquer versão diversa será, oficialmente, uma mentira cabeluda. Ouvi vários pronunciamentos durante a discussão da matéria na Câmara dos Deputados. Quase todos a favor. Ou marcados por aquela moderação benevolente e contida de quem sabe que já ganhou e não quer marola, ou espumando os ódios habituais e ancestrais. Durante aquela sessão plenária foi posta em marcha, ante e mediante um singular tribunal da história, a canonização de guerrilheiros que, integrando organizações assumidamente comunistas, teriam pegado em armas para lutar até a morte pela democracia. E que, para isso, foram treinados em Cuba, Pequim e Moscou. O único argumento posto contra quem se atreveu a expor tamanha obviedade foi riso e vaia... Riso e vaia de puro amor à verdade! É o mesmo amor à verdade que inspira tantos e tantos professores - de história e de qualquer outra coisa - em sala de aula, a moldar a história brasileira e universal ao seu gosto, como se fosse um lego. Encaixam às peças à gosto e jogam fora as que não agradam. E só por escrever isto e jamais ter negociado meu senso crítico pelo sorriso benevolente de quem quer que seja, eu já me torno um autor politicamente incorreto, como politicamente incorreta estará qualquer perspectiva não canônica dos fatos de 1964 e adjacências. Reconto o episódio a seguir para quem não o leu num artigo que escrevi em março. Uma senhora foi a Cuba. Senhora de esquerda, do tipo que usa brinco com estrela. Foi cheia de entusiasmo para conhecer a imagem viva do seus afetos ideológicos. O refúgio do companheiro Zé Dirceu. O paraíso caribenho de Lula. A terra do socialismo real. Quando retornou, a família caiu-lhe em cima com suas curiosidades. Longos silêncios, muxoxos e frases desconexas eclodiram, depois de alguns dias, neste desabafo restrito ao circuito mais íntimo: Tá, aquilo é uma droga. Mas eu não posso ficar dizendo, tá?. Tá, madame. Yo la entiendo. A verdade sobre Cuba fica entre quatro paredes. Agora, vamos cuidar da verdade sobre o Brasil, é isso? Se uma simples militante age assim, o que farão os corregedores da história escolhidos a dedo e lupa por Dona Dilma, aspirante a santa padroeira dos guerrilheiros nacionais? ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

20/09/2011
Twitter: @percivalpuggina Em fins do ano passado, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, cumprindo o preceito constitucional que determina a revisão dos subsídios parlamentares de uma legislatura para a subsequente, corrigiu para R$ 20 mil o contracheque dos deputados. O montante é bem inferior ao teto do funcionalismo público (cerca de R$ 24 mil), corresponde a 80% do que é pago aos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado e representa 75% dos subsídios recebidos pelos deputados federais. Só a atávica repulsa do brasileiro pela política explica a gritaria e os protestos que se seguiram. Paradoxalmente, nenhum pio é jamais ouvido em protesto contra os valores pagos aos desembargadores, por exemplo, que são em muito maior número, que têm a prerrogativa da vitaliciedade e a partir de cujos subsídios se organizam os pequenos degraus de todas as carreiras jurídicas do Estado. São centenas e centenas de membros. Por que ninguém protesta? Porque são vencimentos dignos, compatíveis com as responsabilidades da função, ora essa! E por que se considera abusivo, então, que meia centena de deputados estaduais, com mandato de quatro anos, receba subsídio igual a 80% do que ganham os desembargadores, visto que são autoridades equivalentes na hierarquia dos poderes do Estado? Essa pergunta não encontra resposta sensata. Pois bem, na onda demagógica de malhar o Legislativo, entre pitos e flautas - pitos de cronistas políticos e flautas de humoristas - um rapeiro decidiu fazer um rap de protesto, que recebeu o título de Gangue da Matriz. A letra - digamos assim na falta de palavra melhor - recita os nomes de 36 deputados que votaram favoravelmente ao aumento e os associa a uma gangue de criminosos que há muitos anos atuou na região da Praça da Matriz, junto à qual se situa o parlamento gaúcho. Claramente um texto ofensivo. E discriminatório: omite o fato de que os deputados que se puseram contra o aumento no dia em que foi votado, e se reelegeram para a atual legislatura, o estão considerando muito bem-vindo na hora de botar no bolso. Enfim, diante da agressão, o presidente da Assembléia Legislativa solicitou ao Ministério Público a interposição de queixa-crime contra o compositor. Era de se ver os protestos de toda parte. Censura! Escândalo! Querem coibir a liberdade de expressão! E imediatamente os ofendidos, a partir do próprio ex-presidente, signatário da manifestação ao Ministério Público, engataram marcha-ré e recusaram dar continuidade à ação. Se os leitores deste artigo fizerem uma pesquisa de opinião, verão que apenas um em cada cem gaúchos concordará com o que estou escrevendo, mas tenho certeza de que todos os 99 ficariam indignados e tomariam providências judiciais se algum rapeiro pegasse no pé deles e os expusesse como criminosos perante a opinião pública. Não faz parte das minhas convicções democráticas o direito ao abuso da liberdade. Se e quando alguém me ofender, exercerei o direito de buscar tutela jurisdicional. Mas se o autor da agressão for um artista, aí eu não posso agir? Ofensa cantada vira arte? E agir contra ela é censura? Existe imunidade de opinião artística? Ou será que só pode haver agressão artística se o alvo for um político porque ele tem obrigação de levar desaforo para casa? Pelo que tenho lido e ouvido, só a mim isso parece cerceamento de direitos e abuso. Não entendo. Ou melhor, entendo e não gosto do que percebo. O brasileiro quer democracia sem política e sem políticos. Por isso, escrevo. Pode ser que em função do que exponho aqui, alguém pare um pouco para pensar sobre a velha e sempre atual questão dos valores e dos limites. Há certas coisas que não se faz, seja como cidadão, político, parlamentar ou artista. O recuo dos deputados no pedido de providências encaminhado ao Ministério Público é um desserviço ao Estado de Direito e a eles próprios como jurisdicionados que abdicam de defender a própria honra no lugar certo - o Poder Judiciário. * Artigo publicado originalmente na Revista Voto, edição de setembro/2011 ______________ * Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

19/09/2011
Twitter: @percivalpuggina Sei, sei, pode parecer que para arrumar um título forcei a barra. Mas saibam quantos se detiverem sobre estas linhas que o título expressa rigorosamente a minha opinião sobre o que acontece em nosso país a partir de 1988. É uma dor de cabeça sem fim. Explico-me. A eleição parlamentar que desembocou no processo constituinte elegeu 559 congressistas. Dado que a Assembléia Nacional foi convocada para encerrar o regime militar que se exaurira, algumas análises acadêmicas, como a de Leôncio Martins Rodrigues, proclamam que, naqueles dias, a depender da autoclassificação dos parlamentares, não haveria direita no Brasil... Em contrapartida, a dissertação de mestrado de um jovem chamado Luziano Pereira Mendes de Lima, membro do Centro de Estudos Marxistas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (só podia), vai no sentido oposto. O autor, usando instrumentos indiretos de classificação (certamente comparando os votos dos constituintes com os que ele mesmo daria) chegou ao seguinte quadro: Esquerda (95), Centro Esquerda (77), Centro (61), Centro Direita (142), Direita (184). A ser verdadeiro o levantamento, num processo de votação que tomava decisões por maioria simples, o conjunto Direita e Centro Direita disporia de votos para aprovar o que quisesse. Disporia, mas não dispunha. A Direita sofria de complexo de culpa e o próprio Centrão, grupo parlamentar criado para fazer frente à enxurrada de propostas demagógicas, socialistas, estatizantes nascidas nas confabulações do PT e seus satélites, viveu às voltas com esse estigma. Se todas as teses de agrado do jovem acadêmico, autor de A atuação da esquerda no processo constituinte:1986-1988, tivessem incrustadas no bronze constitucional, o Brasil seria, hoje, uma Venezuela piorada. Mesmo assim, graças à timidez de uns e ao constrangimento de outros, a Constituinte Cidadã foi uma carta feita com os olhos postos na retaguarda. Em vez de fazermos uma Carta para o país que queríamos, ficamos escrevendo contra o país que tivemos. Proporcionamos tanta proteção aos que se enredam nas tramas da lei (como se todo bandido fosse de esquerda, o que é um relativo exagero), inibimos de tal forma a ação das autoridades (como se toda autoridade fosse de direita, outro exagero, valha-nos Deus!) e asseguramos tantos direitos aos bandidos que a sociedade - esta sim, titular de direitos e merecedora do zelo do Estado - fica sem proteção alguma. Muitas das nossas enxaquecas institucionais, derivam desse erro histórico. Aqui e ali, pouco a pouco, algumas coisas foram sendo corrigidas, mas ainda estamos longe de abrir a Constituição Federal de 1988 com a segurança de que ela serve ao futuro do Brasil. Não mesmo! Assim, por exemplo, como o regime anterior se caracterizava por certo voluntarismo nas prisões (inclusive políticas!), hoje a decisão de prender alguém exige infinitas conjugações legais, confluências astrais, circunstanciais e coisas que tais. Todo dia, toda hora, crimes são cometidos por bandidos que só não estão presos porque se enveloparam em alguma dobra da lei e ali ficaram desfrutando de uma proteção que ninguém, na sociedade, aprova. Esta semana, certo rapaz, dependente químico, que já havia coometido um crime, e que respondia em liberdade por um segundo crime de morte cuja prática ele mesmo confessou, perpetrou seu terceiro assassinato. Matou o padrasto. E confessou. A pergunta que está me dando enxaqueca institucional é esta, e vai para a juíza dos processos: estivesse o assassino preso, respondendo no xadrez pelo conjunto de suas obras, o padrasto do moço estaria vivo, certo doutora? Qual a responsabilidade de quem mantém em liberdade um jovem drogado que já responde por duas mortes? E que tanto lero-lero para julgar um caso assim, de réu confesso? Zero Hora quis perguntar isso a ela e obteve uma resposta tão impertinente quando confortável: a magistrada não se manifesta sobre o processo. Pronto! Descalçam-se os sapatos, põem-se os pés para cima, abanam-se os dedos. E dorme-se em paz. Cruel é o mundo. Enfim, amigo leitor, passaram-se 23 anos da Constituinte de 1986/1988. Já é tempo de que a sociedade comece a cobrar dos seus legisladores que a lei veja a ela - a sociedade - em primeiro lugar. E só depois disso, passe a tratar dos que se desviam do bom caminho. Mas é inútil. A enxaqueca vai continuar. Aliás, mais uma vez, com a insistência na formação da tal Comissão da Verdade, voltam-se os holofotes para trás e a história será contada por uma combinação de mentirosos contumazes, beneficiários dos fornidos favores da viúva e bandidos que querem ser canonizados por seus crimes. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.