Percival Puggina

24/10/2011
Lembro de um tempo em que, para retirar dinheiro da conta bancária era preciso comparecer à agência e apresentar no balcão de atendimento um cheque no valor a ser sacado. O funcionário ia até uma caixinha (mais ou menos como é ainda hoje nos nossos retrógrados cartórios de registros de títulos e documentos) e conferia a assinatura. Depois, ia até outra caixinha e anotava na ficha pessoal do correntista o valor do cheque que seria pago no caixa, mais ou menos por ordem de chegada. Se não era bem assim era algo muito parecido. Hoje, vai-se muito menos às agências bancárias. Não há por que fazê-lo, graças aos débitos em conta, aos caixas eletrônicos, aos cartões de crédito e às operações seguras através da internet. Tentei descobrir o reflexo desses avanços tecnológicos nos quadros de pessoal do sistema bancário nacional. Não encontrei algo atualizado, mas identifiquei que o grande impacto ocorreu nos anos 90 e implicou em cerca de 400 mil postos de trabalho fechados, equivalendo a cerca de 50% do total do setor. Até aí nada de mais. Se a preservação de métodos atrasados e dispendiosos para garantir empregos fosse coisa boa, a regressão a métodos ainda mais superados e onerosos seria ainda melhor. Voltaríamos ao artesanato e à agricultura de subsistência. A um passo da pedra lascada e do tacape. O combate às modernas tecnologias é das coisas mais retrógradas e vãs que se possa conceber. Mas há alguns probleminhas que estão a exigir reflexão da sociedade sobre o nosso sistema bancário. Todos os admiráveis avanços tecnológicos dos bancos brasileiros se refletiram em custos para os correntistas e em aumento dos lucros das instituições para percentuais sem comparação nos quadros internacionais. E sem qualquer repercussão nos padrões sociais dos funcionários remanescentes. Isso está errado e não aconteceria se o sistema financeiro nacional não contasse, em suas prerrogativas, com o elevado patrocínio do Estado brasileiro. Não basta fiscalizar o sistema para que ele se mantenha sadio. É preciso controlar sua ganância para proteção dos consumidores dos serviços bancários. E para benefício dos funcionários. Sei, sei porque conheço, o nível de estresse a que as demandas de produtividade levam os bancários, não raro constrangidos, para além de suas atividades rotineiras, a atingirem metas em corretagem de seguros, vendas de serviços e de aplicações das instituições. Não sou contra indicadores de eficiência, gestão por metas e aumentos de produtividade. Mas o que acontece no sistema bancário ultrapassa todas as medidas quando confrontado, por outro lado, com indicadores de respeito à pessoa humana. Não saciados com os juros cobrados, os bancos ainda se regalam com as escandalosas taxas que aplicam aos serviços. Recentemente circulou na rede um texto assemelhando a conduta dessas instituições a uma padaria que, sobre o preço do pão que fornecesse, ainda fizesse o cliente pagar pela existência da padaria, pela abertura das portas, pelo acesso ao pão, pelo embrulho do pão e por aí afora. A recente greve dos bancários, prolongada por mais de mês, foi um ato de desrespeito dos banqueiros para com seus funcionários e clientes. A indispensabilidade dos serviços que prestam é privilégio desse ramo de atividade, mas não é motivo para as explorações que promovem ao longo de sua cadeia produtiva. Zero Hora, 23/10/2011

Autor desconhecido

14/10/2011
DIÁLOGO ENTRE DOIS FETOS GÊMEOS Autor desconhecido No ventre de uma mulher grávida estavam dois bebês. O primeiro pergunta ao outro: - Você acredita na vida após o nascimento? - Certamente. Algo tem de haver após o nascimento. Talvez estejamos aqui principalmente porque nós precisamos nos preparar para o que seremos mais tarde. - Bobagem, não há vida após o nascimento. Como verdadeiramente seria essa vida? - Eu não sei exatamente, mas certamente haverá mais luz do que aqui. Talvez caminhemos com nossos próprios pés e comeremos com a boca. - Isso é um absurdo! Caminhar é impossível. E comer com a boca? É totalmente ridículo! O cordão umbilical nos alimenta. Eu digo somente uma coisa: A vida após o nascimento está excluída ? o cordão umbilical é muito curto. - Na verdade, certamente há algo. Talvez seja apenas um pouco diferente do que estamos habituados a ter aqui. - Mas ninguém nunca voltou de lá, depois do nascimento. O parto apenas encerra a vida. E afinal de contas, a vida é nada mais do que a angústia prolongada na escuridão. - Bem, eu não sei exatamente como será depois do nascimento, mas com certeza veremos a mamãe e ela cuidará de nós. - Mamãe? Você acredita na mamãe? E onde ela supostamente está? - Onde? Em tudo à nossa volta! Nela e através dela nós vivemos. Sem ela tudo isso não existiria. - Eu não acredito! Eu nunca vi nenhuma mamãe, por isso é claro que não existe nenhuma. - Bem, mas às vezes quando estamos em silêncio, você pode ouvi-la cantando, ou sente como ela afaga nosso mundo. Saiba, eu penso que só então a vida real nos espera e agora apenas estamos nos preparando para ela?

Percival Puggina

14/10/2011
É preciso reconhecer. A mitificação de Lula no nível que alcançou só poderia ocorrer mediante o invulgar conjunto de circunstâncias que alia características pessoais do líder; notáveis estratégias de poder e de comunicação social; circunstâncias internacionais favoráveis à economia brasileira; manutenção, durante boa parte de seu governo, das políticas de responsabilidade fiscal iniciadas com Itamar Franco; dotação de significativos recursos para o programa Bolsa Família; simpatia internacional ao perfil do operário no poder cuidando dos pobres. E por aí vai. Oitenta e tantos por cento de aprovação no mercado interno, a condição de celebridade internacional e a louvação da mídia mundial compõem um irresistível quadro de mitificação que colocam Lula num altar onde só se pode depositar flores. Critique quem quiser no país, mas não faça isso com Lula. Pega muito mal e retira de você credibilidade para qualquer outra coisa que pretenda dizer. É inútil mostrar que o governo petista se encaminha para fechar uma década com o país ostentando os piores indicadores, seja entre os membros do BRIC, seja entre nossos vizinhos da América Ibérica: a economia que menos cresce, a maior taxa de juros, a menor taxa de investimento, a maior inflação e a maior carga tributária. E as funções essenciais do governo (Educação, Saúde, Segurança e Infraestrutura) numa precariedade que ninguém, em sã consciência, deixará de reconhecer. São afirmações inúteis. Tudo se passa como se, depois de oito anos no poder, Lula nada tivesse a ver com isso. A ele, apenas créditos. No entanto, há débitos pesados na conta do lulismo instilado ao país. Em artigos anteriores, tenho afirmado que a política exige senso de realidade, que os bons estadistas são pessoas realistas, são pessoas afastadas de utopias e devaneios e interessadas em respostas corretas para duas interrogações essenciais: qual é o problema? qual é a solução? Nesse sentido, reconheça-se, ao romper com os delírios esquerdistas do PT, Lula conseguiu acertos e afastou-se de muitos erros. Mas na política, o realismo de Lula tornou-se cínico, desprovido de restrições de ordem moral. Abrigou à sombra do poder as piores figuras da política nacional. Não apenas as acolheu. Foi buscá-las para compor a base do governo. Entregou-lhes poder, cargos, fatias do orçamento e poderosas empresas estatais. Teve olhos cegos e ouvidos moucos para as patifarias que proliferaram do topo à base da pirâmide do governo. Seu partido, quando na oposição, brandia indignações morais, pedia CPI para carrocinha de cachorro quente e levantava suspeições sobre a honra de quem se interpusesse no seu caminho. No poder, foi o que se viu, o que ainda hoje se vê, e o quanto já veio à superfície nos primeiros meses da presidente Dilma, sob silêncio conivente das instrumentalizadas organizações sociais cuja boca foi emudecida por cargos e recursos públicos. A corrupção, casada em união estável e comunhão de bens com a impunidade, alcançou níveis sem precedentes. Estudo da Fiesp adverte para o fato de que ela consome algo entre 1,4% a 2,3% do PIB e custa cerca de R$ 69 bilhões nas contas da gatunagem fechadas a cada réveillon. A nação chegou ao fastio e à náusea dos escândalos de cada dia. Há uma indignação silenciosa. Ensaiam-se mobilizações de repulsa à corrupção. Mas elas são escassas, pequenas e de utilidade duvidosa. Por quê? Porque a corrupção pode ter filiais até na mais miserável prefeitura do país, mas a matriz está onde está a grana grossa, no poder central da República, para onde convergem todos os cargos, todas as canetas pesadas, todas as decisões financeiras, todos os contratos realmente significativos. E 23% do PIB nacional. O resto é resto. Mas não há como apontar o dedo nessa direção sem atingir em cheio o peito de quem, durante oito anos, desempenhou a mesma função de seus antecessores. E a estes, Lula, seu partido e fieis seguidores, sistematicamente, responsabilizavam por toda desonestidade existente no país. Quem quer que sentasse para governar, logo vinha o Fora Collor, o Fora Sarney, o Fora FHC. Alguém sabe me dizer por que, de repente, a corrupção não tem nome próprio nem governo definido? Eu sei. O lulismo amordaçou a moralidade nacional. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Érico Valduga

09/10/2011
SEGURANÇA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES TEM MAIS HOMENS QUE O PATRULHAMENTO DAS FRONTEIRAS DO PAÍS Érico Valduga, em Periscópio 1.211 vigilantes e seguranças para proteger cinco cortes, ante 900 a mil policiais na fiscalização de 15.7 mil quilômetros de divisas com 10 países A mais alta esfera do Poder Judiciário, representada por cinco tribunais superiores, tem em Brasília mais seguranças e vigilantes que a Polícia Federal consegue manter nas fronteiras do país. Nos 15,7 mil quilômetros limítrofes, a PF tenta combater a passagem de armas e drogas, além de frear o contrabando, com um grupo que varia entre 900 e mil agentes. Nos tribunais, um batalhão de 1.211 vigilantes e seguranças cumpre uma missão bem menos engenhosa: garantir a proteção de 93 ministros e o controle do entra-e-sai nos prédios do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Superior Tribunal Militar (STM). São 13,2 guardas para cada um dos brasil eiros que alcançaram o topo da pirâmide da magistratura. Quadro avesso ao do Fórum de São Gonçalo, onde trabalhava a juíza Patrícia Aciolly, executada com 21 tiros sem que ao menos um guarda estivesse ao seu lado. Número que supera até mesmo a tropa de 969 vigilantes contratados para cuidar do cofre do Tesouro: as nove diretorias e a sede do Banco Central na capital federal. A elite do Judiciário ainda conta com um batalhão de 386 recepcionistas, 287 motoristas e 271 copeiros e garçons. Há também casos peculiares, como os 14 lavadores de carros do STJ e o grupo de cinco contratados para limpar as áreas envidraçadas do TST. Em quase 100% dos casos, são contratos de terceirização firmados com empresas especializadas em destinar pessoal à administração pública no Distrito Federal. Grupos que acumulam lucros para cada funcionário cedido. E, de acordo com um alto servidor do Judiciário, servem de catapulta para que parentes de servidores ou amigos de operadores do Direito abocanhem uma vaga junto ao poder. (Por Roberto Maltchik, O Globo, 9-10-2011)

Percival Puggina

08/10/2011
Nunca, nem em sonhos, despreze qualquer bandeira esquisita desenrolada e exibida como politicamente correta. Ela pode parecer frango congelado, coisa sem pé nem cabeça, mas atenção: não importa o tempo que leve nem os meios requeridos, cedo ou tarde, haverá militantes em número suficiente para mobilizar ingênuos e a bandeira vai em frente. Ou vai pela via do Congresso, ou pela do Judiciário, ou pelo aparelhamento de movimentos e conselhos criados e controlados pelos que a conceberam. E, quando nada disso funciona, sempre há alguma instituição internacional bem alinhada com os projetos de poder onde ela será cravada. A lista de antecedentes é imensa! Sem esgotá-la, lembro alguns. Durante anos, por exemplo, tentaram criar a tal Comissão da Verdade, cujos redatores sagrados definirão o que é verdadeiro e o que é falso em quatro décadas da nossa história. Algo tão ridículo quanto parece. Mas cresceu e já deu cria. Começam a pipocar filhotes da comissão em todo o país. Trazer as uniões homossexuais para o Direito de Família demorou um pouco mais. Mas os ministros do STF saíram do armário, substituiram-se ao Congresso, legislaram e pronto. Reduzir o embrião humano à condição de coisa dispensável pelo ralo da pia foi mais rápido, pela mesma trilha. Embrião não faz passeata. Como se vê, a coisa vem de longe e está apenas começando. Foi assim com os exageros do ECA, com a lei de quotas raciais, com as políticas de gênero, com as manipulações ideológicas dos concursos públicos e do ENEM, com os escandalosos livros didáticos do MEC, com o fim do ensino religioso. E anote aí: cedo ou tarde, como feto não vota, também estará aprovado o Estatuto que disciplinará sua extração em vida, aos pedaços. Não será diferente com o controle da imprensa. Lula assumiu a presidência em 2003 e já em 2004 o Ministério da Cultura apareceu com o projeto de lei dos audiovisuais, nascido do ?diálogo com alguns segmentos sociais?. Foi a primeira tentativa de impor esse controle. E a primeira inútil rejeição, porque é só uma questão de tempo e de achar o jeito. O recente Congresso da legenda que manda no país deixou bem claro o quanto é intolerável a opinião de quem se lhe opõe. Ao mencionar a corrupção, o partido proclamou que a combaterá sem esvaziar a política ou demonizar os partidos, sem transferir, acriticamente, para setores da mídia que se erigem em juízes da moralidade cívica, uma responsabilidade que é pública, a ser compartilhada por todos os cidadãos. Os ?setores da mídia? não perdem por esperar. Agora foi a vez da feminista que Dilma pôs na Secretaria Especial de Política para Mulheres. Do alto de suas tamancas de ministra, dona Iriny Lopes denunciou ao Conar o anúncio da Hope estrelado por Gisele Bündchen. Na opinião daquela autoridade federal, a peça reforça ?o estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual e ignora os grandes avanços alcançados para desconstruir práticas e pensamentos sexistas?. Estamos diante do mesmo tema - o desejo de controlar tudo. Até o pensamento! O totalitarismo é assim mesmo, voraz. Intolerável uma mulher enfeitar-se para seduzir o marido! Fosse para algum sexo casual, estaria tudo bem. Fosse para uma mulher, melhor ainda, Gisele ganharia medalha de honra das políticas de gênero. Mas no Brasil do politicamente correto, enfeitar-se para o marido virou dominação machista. Pára com isso, Gisele! Bota um camisolão comprido, de florezinhas. Roxas. Dona Iriny e o governo federal agradecem. ZERO HORA, 09 de outubro de 2011 .

Percival Puggina

07/10/2011
UM POUCO DE HUMOR Extraído do blog do Noblat EM TROCA DO NOBEL DE LITERATURA, SARNEY ACEITA PARAR DE ESCREVER Antes de receber o Nobel, Sarney teve de provar que não guardava nenhuma caneta nas mangas. Movidos pelo medo e pela angústia, a Academia Sueca decidiu conceder a José Sarney o Nobel de literatura com a condição de que ele nunca mais escreva uma linha. ?Nem hai-kai, versinho, redondilha, conto de uma página, receita de cozinha, bilhete para a empregada, nada, nada?, explicou, aliviado, Hans-Törben Mägnussen, presidente do comitê de seleção da láurea. Ao saber que o prêmio fora dado ao poeta sueco Tomas Tranströmer, Sarney soltou uma nota dizendo que começaria a escrever, ainda hoje à noite, a sequencia de Marimbondos de Fogo, e que não descansaria enquanto a obra não fosse traduzida para o sueco. A notícia caiu feito uma bomba na Suécia. Em Estocolmo, carros foram incendiados, lojas saqueadas e um grupo de cidadãos destemperados se reuniu diante do Palácio Real para pedir a cabeça da Rainha Sílvia. A polícia começava a restabelecer a ordem pública, quando a gráfica do Senado exibiu, na TV Brasil, o primeiro exemplar de Brejal dos Guajás com sinais diacríticos visivelmente escandinavos. Imediatamente, a tropa de choque sueca juntou-se aos manifestantes. Ao ser informado que o livro em breve chegaria às livrarias de seu país, o poeta Transrömer anunciou, da sacada de sua casa, que devolvia o prêmio e abandoava a carreira de escritor para se dedicar à escultura em sabonetes. À beira de uma crise institucional sem precedentes, o governo sueco acionou o seu embaixador em Brasília e negociou o acordo com Sarney. O PMDB ainda conseguiu emplacar dois deputados na Câmara Alta de Estocolmo, e Michel Temer ganhou o título de Conde de Uppsala.

Percival Puggina

07/10/2011
O costume de tratar as coisas públicas como se próprias e privadas fossem é um potente impulso genético orientando a conduta das elites brasileiras e atrapalhando, de inúmeros modos, a vida social e as atividades de Estado. Não há texto sério sobre história ou antropologia do Brasil que não trate disso. Uma das extensões naturais de tal conduta tende a transformar a família de quem exerce o poder em corte e o poderoso em monarca. Aliás, verdade cristalina: poucas coisas servem tanto à unidade familiar quanto as prerrogativas concedidas à caneta de algum de seus membros. Como bem descreve o antropolólogo Roberto da Matta em entrevista à Veja, muitos países vieram da mesma extração cultural e se livraram dela. No Brasil, entretanto, o patrimonialismo ainda é objeto de cultivo e reverência. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, nos forneceu o mais recente exemplo disso ao empenhar-se, pessoal e decisivamente, na escolha da própria mãe para ocupar uma vaga no Tribunal de Contas da União. A respeitável senhora é portadora de inexcedíveis credenciais: é filha do ex-governador Miguel Arraes (fundador da dinastia que hoje dá as cartas e joga de mão em Pernambuco) e mãe do atual mandatário. Junto ao diploma de deputada federal, que lhe caiu no regaço materno como fruto do mesmo pomar do poder, agrega ela um título de bacharel em Direito conquistado na terceira idade, e dois cargos de confiança na Câmara dos Deputados e no Tribunal de Contas de seu estado natal. Pronto! Reuniram-se aí as condições essenciais para que dona Ana viesse a sentar-se entre os outros oito membros da elevada e seleta corte que julga as contas da República. Tudo muito republicano. Nada tenho contra o governador Eduardo Campos, a respeito de cuja gestão leio apreciações positivas. Mas é preciso ter deixado em algum canto da casa a noção de ridículo para apresentar a candidatura de mamãe, sair de seu gabinete e ir ao Congresso Nacional fazer a campanha dela para o TCU. O amor filial é coisa linda, mas os cargos públicos não são algo que se enrole para presente e se junte a outros mimos ofertados às mães em eventos familiares. O Tribunal de Contas da União podia passar sem essa. E o Congresso Nacional (posto que o Senado aprovará a indicação da Câmara entre aplausos destituídos de qualquer constrangimento) proporcionou à nação mais uma evidência de sua incapacidade de se erguer um milímetro acima dos lamentáveis padrões em que se movimenta e delibera. Não estou dizendo que a decisão não foi política ou que foi ilegítima. Tudo andou ?segundo os conformes? por quem detinha a prerrogativa constitucional de proceder à escolha: a maioria do plenário. Mas, convenhamos, a opção pela mãe do governador não atendeu nem de raspão o interesse nacional, que estaria muito melhor servido por alguém com mais crédito na conta das competências e menores débitos na conta dos favores recebidos. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

24/09/2011
Twitter: @percivalpuggina Alguns dias de molho com uma virose cívica que começou na Semana da Pátria e avançou pela Semana Farroupilha me deram tempo para pensar. Entre outros temas, para pensar nas tais passeatas contra a corrupção. Primeiro, imaginei a coisa pelo lado oposto: uma passeata a favor da corrupção. É claro que só apareceriam jornalistas na tentativa de capturar imagens e impressões de algo grotesco. Só a imprensa. Os corruptos estariam exercendo sua atividade alhures, longe dos flashes e dos olhares da mídia. Ou seja, leitor, ninguém é a favor da corrupção, exceto os corruptos, mas estes agem como moluscos, lenta e discretamente, dentro de suas conchas e tocas, imersos em águas turvas. Façamos, então, uma grande marcha contra a corrupção! Como todos são contra, vai faltar espaço na avenida Paulista, na Cinelândia e, em Porto Alegre, haverá gente pendurada na chaminé do Gasômetro. Sucesso garantido. O quê? Não foi nem parecido com isso? Pouca gente em relação ao esperado? Faltou divulgação? Bobagem. Todo mundo estava sabendo. Não compareceram porque não quiseram. Pois foi aí que me valeram estes dias de virose cívica. Pode ter sido efeito da febre ativando algum neurônio preguiçoso ou desativando algum outro defeituoso, mas tenho certeza de que matei a charada. As manifestações contra a corrupção contaram com público reduzido porque berrar contra a corrupção sic et simpliciter (até o latim me veio de volta com a febre) é mais ou menos como mobilizar-se em protesto contra o câncer ou contra a dengue hemorrágica. Todo mundo concorda, mas é completamente inútil. Perdoem-me os promotores, muitos dos quais fraternos amigos. Eventos anteriores, assemelhados, alcançaram sucesso muito maior por dois motivos: contavam com apoio de segmentos da sociedade civil aparelhada pelo PT (aquela turma que, ao simples estalo de um dedo petista, embarca num ônibus e vai para onde mandam); e eram eventos com foco, estavam direcionados contra alguém com nome e sobrenome, partidos com letrinhas conhecidas, governos inteiros e responsáveis por escândalos que não caíam das manchetes. Era sempre Fora alguém!. Marcha contra corrupção sem foco? Corrupção de governo nenhum? Sem culpados com nome próprio? Sem siglas políticas a acusar? Sem lançar em rosto do Congresso as responsabilidades por termos uma densa legislação de proteção aos corruptos? Sem atribuir a quem quer que seja culpas pela lentidão dos processos? Sem combater os votos secretos nos parlamentos? Sem denunciar até o último fio de voz a danação ética de um sistema político canalha, ficha-suja, que protege, estimula e vive da corrupção? CNBB e OAB, para ficarmos com as instituições mais luzidias, que me relevem o menosprezo. Mas não consigo imaginar furo nágua mais raso e inútil do que os tais gestos de protesto contra uma corrupção que não têm coragem de apontar alguém, nem de pronunciar um nome sequer. Que não revela discernimento necessário para indicar as falhas institucionais e comprometer-se com uma correta reforma do modelo político nacional e dos nossos códigos. Estes códigos são um pálio de luz desdobrado a iluminar o caminho dos corruptos na sinuosa marcha republicana rumo à prescrição. Sinceramente, até os corruptos agradecem a fidalguia com que foram tratados! Governos podres de raiz, assumidamente podres, ardorosos defensores de seus próprios corruptos, que os homenageiam e desagravam, igualmente se sentem reverenciados nestas festinhas setembrinas de titubeantes virtudes cívicas. ZERO HORA, 25/09/2011

Percival Puggina

23/09/2011
Twitter: @percivalpuggina O Congresso Nacional se encaminha para aprovar a criação da Comissão da Verdade. Saído do forno da Câmara na última quarta-feira, o projeto segue, agora, para o Senado Federal, de onde rumará para sanção presidencial. Pelo projeto, caberá à presidente Dilma a tarefa de indicar todos os sete membros da Comissão. Como é que é? Todos? Sim, todos. Foi-lhe vedado, apenas, nomear quem exerça cargo no Executivo e em partido, quem não tenha condições de atuar com imparcialidade e quem esteja no exercício de cargo em comissão ou função de confiança. Esta foi a contribuição do DEM para o projeto. Imagino que o deputado ACM Neto, depois de vê-la aprovada, deve ter ido dormir tranquilo, convencido de que a exigência proposta por ele confere à comissão a dignidade, a isenção e a inteireza do melhor mármore de Carrara. Pois sim! Barbadinha a tarefa de Dona Dilma. O que mais existe em relação aos episódios a serem apurados é imparcialidade. Vai sobrar gente imparcial na lista dos querendões. Uma vez nomeados pelas mãos todo-poderosas da presidente para uma tarefa árdua e contínua de dois anos, os sete corregedores da história, certamente muito bem remunerados, mas sem peias nem gratidões, farão o trabalho com alma, luvas, retortas e cadinhos de cientistas em seu laboratório. Aliás, quem conhece alguma coisa sobre como a história acontece e sobre a história que se conta há de saber que atribuir a detecção da verdade a um grupo de sete pessoas é expressão de indizível petulância. Como resultado do trabalho da Comissão, presume-se, haverá verdades decididas por sete a zero e verdades decididas por quatro a três. Em quaisquer escores, contudo, o que emergir será verdade evangélica, obra de redatores ungidos e sagrados, sobre cuja posição nada se poderá arguir sem contrariar o que já está decidido na lei que os nomeou. Qualquer versão diversa será, oficialmente, uma mentira cabeluda. Ouvi vários pronunciamentos durante a discussão da matéria na Câmara dos Deputados. Quase todos a favor. Ou marcados por aquela moderação benevolente e contida de quem sabe que já ganhou e não quer marola, ou espumando os ódios habituais e ancestrais. Durante aquela sessão plenária foi posta em marcha, ante e mediante um singular tribunal da história, a canonização de guerrilheiros que, integrando organizações assumidamente comunistas, teriam pegado em armas para lutar até a morte pela democracia. E que, para isso, foram treinados em Cuba, Pequim e Moscou. O único argumento posto contra quem se atreveu a expor tamanha obviedade foi riso e vaia... Riso e vaia de puro amor à verdade! É o mesmo amor à verdade que inspira tantos e tantos professores - de história e de qualquer outra coisa - em sala de aula, a moldar a história brasileira e universal ao seu gosto, como se fosse um lego. Encaixam às peças à gosto e jogam fora as que não agradam. E só por escrever isto e jamais ter negociado meu senso crítico pelo sorriso benevolente de quem quer que seja, eu já me torno um autor politicamente incorreto, como politicamente incorreta estará qualquer perspectiva não canônica dos fatos de 1964 e adjacências. Reconto o episódio a seguir para quem não o leu num artigo que escrevi em março. Uma senhora foi a Cuba. Senhora de esquerda, do tipo que usa brinco com estrela. Foi cheia de entusiasmo para conhecer a imagem viva do seus afetos ideológicos. O refúgio do companheiro Zé Dirceu. O paraíso caribenho de Lula. A terra do socialismo real. Quando retornou, a família caiu-lhe em cima com suas curiosidades. Longos silêncios, muxoxos e frases desconexas eclodiram, depois de alguns dias, neste desabafo restrito ao circuito mais íntimo: Tá, aquilo é uma droga. Mas eu não posso ficar dizendo, tá?. Tá, madame. Yo la entiendo. A verdade sobre Cuba fica entre quatro paredes. Agora, vamos cuidar da verdade sobre o Brasil, é isso? Se uma simples militante age assim, o que farão os corregedores da história escolhidos a dedo e lupa por Dona Dilma, aspirante a santa padroeira dos guerrilheiros nacionais? ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.