Percival Puggina

19/01/2012
É uma encrenca. Tenho visto muita gente de esquerda opinar sobre Cuba após uma viagem àquele país. Há os que, afetados por esclerose múltipla, de etiologia marxista, não entendem o que veem e proclamam que voltaram do paraíso. Outro tipo segue a linha daquela senhora que entrou em mutismo até desabafar, sob pressão dos familiares: Tá bom. Aquilo é uma droga, mas não posso ficar dizendo, tá?. Tá, senhora, eu a entendo, apesar de, pessoalmente, não considerar aquilo uma droga. Droga é o regime. O povo cubano, submetido ao arbítrio e aos humores de uma ditadura que já leva mais de meio século, é um povo desesperançado. E há opiniões ainda mais notáveis, que se proporcionam quando o esquerdista que vai a Cuba é uma liderança política. Instado a opinar sobre o que viu, a celebridade tem que responder ao repórter. Se fizer críticas ao regime estará, perante os companheiros, incorrendo em grave sacrilégio. Apontar mazelas cubanas é o equivalente ideológico de cuspir na cruz e chutar a santa. Coisa que não se faz mesmo. Durante meio século, a esquerda desenvolveu toda uma mística em torno da Revolução Cubana, dos elevados valores morais do bandido Che Guevara e das qualidades de estadista que ornam com fulgurantes e imperceptíveis realizações a figura mitológica de Fidel Castro. Se o sujeito retornar de Cuba descrevendo o que necessariamente passou diante de seus olhos cairá na mais negra e sombria orfandade política. É uma encrenca. Por outro lado, se não disser que há um regime totalitário instalado no país, que só existe um partido político, que não há liberdade de opinião, que os meios de comunicação são órgãos do governo ou do partido comunista, que há um rigoroso controle da sociedade e da vida privada pelo Estado e que persistem as prisões políticas, o sujeito se desqualifica como democrata perante as pessoas de bom senso porque esses fatos são irrecusáveis. É uma encrenca. Pois foi nessa encrenca que se meteu o governador Tarso Genro quando decidiu passar uns dias de férias na ilha dos irmãos Castro. As perguntas lhe vieram, em primeira mão, do portal Carta Maior, órgão quase oficial dos companheiros do governador. O inteiro teor da entrevista pode ser lido em www.cartamaior.com.br ou, em short link, aqui: http://bit.ly/yPek9J. Como fez o governador para sair dessa? Atacou o suposto bloqueio norte-americano à Ilha, claro. No entanto, até os guindastes do Porto de Mariel (onde o BNDES está financiando um investimento de US$ 600 milhões) sabem que não existe bloqueio a Cuba. Bloqueio seria uma operação militar impedindo a entrada e saída de navios. O que existe é um embargo pelo qual os Estados Unidos pretenderam restringir as operações comerciais com a Ilha. No entanto, esse embargo está totalmente desacreditado há muito tempo. Os principais importadores de produtos cubanos são, pela ordem, Venezuela, China, Espanha, Brasil e Canadá. E os principais exportadores para Cuba, são, também pela ordem, Venezuela, China, Espanha, Canadá e Estados Unidos (é sim, 4,1% das importações cubanas são de bens de consumo made in USA). E não me consta que qualquer desses países mencionados, Brasil entre eles, sofra restrição comercial por parte dos Estados Unidos. Aliás, China e Venezuela destinam aos ianques respectivamente 18% e 38% de suas exportações e neles buscam respectivamente 7% e 27% de suas compras. Que terrível bloqueio americano é esse? Por outro lado, Cuba importa US$ 11 bilhões e exporta apenas US$ 4 bilhões. Não é por causa do embargo que as exportações cubanas são insignificantes. É porque - isto sim! - sua economia estatizada quase nada produz. Com um déficit comercial desse tamanho, o BNDES que se cuide, dona Dilma. Sete vezes, na entrevista, o governador usou o anti-americanismo como forma de tergiversar sobre os males que o regime impõe ao país onde passou as férias. Tarso, na entrevista, estava sendo interrogado sobre Cuba por um jornalista companheiro. E batia nos Estados Unidos, enquanto surfava sobre o fato de que se há um bloqueio em Cuba, ele é o bloqueio imposto pelo governo à população, esta sim, impedida, sob força policial e militar, do fundamental direito de ir e vir. Por fim, sobre a questão da democracia, o governador saiu-se com esta preciosidade: A questão democrática em Cuba não pode ser avaliada com os mesmos parâmetros que servem para o Brasil, para a Argentina e para o Uruguai, por exemplo. Não, não pode mesmo. Se for avaliar a questão democrática em Cuba com conceitos abstratos e imprecisos (apesar de universais) como, digamos assim, eleições livres, pluralismo partidário, liberdade de expressão e de imprensa, aí a coisa fica complicada. A democracia cubana tem que ser avaliada sob conceitos de partido único, liberdades restritas, inexistência de oposição e estado policial. Viram como é uma encrenca? ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

14/01/2012
Vamos ver se consigo. É muito difícil que uma dissertação sobre política não seja lida sem que os leitores se instalem, provisoriamente ao menos, nas respectivas trincheiras. O que hoje trago para este espaço, no entanto, é uma reflexão sobre modos de ver a política que independem de devoções governistas ou oposicionistas e de alinhamentos ideológicos por tal ou qual banda. Estou fazendo uma aposta em que conseguirei ser entendido na perspectiva que proponho. Vamos lá. Todo governante, sentado na cadeira das decisões, se defronta com esta questão: onde gastar os escassos recursos de que dispõe? Abrem-se, de hábito, dois caminhos. Num deles, os recursos podem ser gastos na conservação do estoque de bens públicos disponível, no aumento da oferta de serviços com ampliação dos empregos do setor, nas despesas de custeio e na distribuição de favores. No outro, priorizam-se os investimentos como forma de ampliar, através deles, as perspectivas do futuro. O tema é relevante e se expressa na opção entre a possibilidade de governar mais para o presente e menos para o futuro ou de governar mais para o futuro e menos para o presente. Numa analogia bem singela, seria escolher entre comer feijão com arroz hoje ou preparar uma feijoada para amanhã. A experiência política mostra que o feijão com arroz é eleitoralmente mais bem sucedido que a feijoada, embora a feijoada fique na memória e entre para a história. Há muitos anos, muitos anos mesmo, a feijoada foi parar num canto remoto do cardápio nacional - e no Rio Grande do Sul não é diferente - graças a uma taxa de investimento incapaz de providenciar os mais modestos ingredientes de uma feijoada que mereça essa designação. As propagandas oficiais podem sobrevalorizar o que é investido, mas não passam disso mesmo: propaganda oficial. Aponto para a falência da educação no país e não preciso dizer mais nada para provar o que digo. É na bandeja do dilema aqui exposto que o prato da oposição é servido. Se o governante optar pela feijoada, a oposição reclamará da falta do feijão com arroz; se ele escolher o feijão com arroz, a oposição cobrará a feijoada. E não há como escapar desse conflito, a menos que ? numa situação absolutamente ilusória e imprudente - se proceda como se existissem recursos para fazer bem as duas coisas. É a usina do endividamento, da insegurança e do descrédito. Não é por outra razão que a política deve ser confiada aos estadistas. Quem vota em qualquer um por razões menores deve, mesmo, ser governado por pigmeus. Para cuidar apenas do custeio, um gerente serve; para decidir sobre investimentos, precisa-se de um planejador; para escolher entre o bem e o mal basta ter uma consciência bem formada. Mas para priorizar despesas, escolher o mal menor (porque o bem nem sempre está disponível ou acessível), fazer na hora certa a opção correta entre custeio e despesa, se requer um estadista. E nós só os teremos quando os partidos compreenderem que eleição é um episódio do processo democrático. A eleição passa mas a política permanece. E a política só corresponderá às expectativas sociais quando os partidos se preocuparem com formar (e os eleitores com eleger) estadistas. Eles existem e estão por aí, cuidando de outras coisas, porque a política não lhes dá espaço. Enquanto isso, ora falta feijão, ora falta arroz e a feijoada virou um sonho. Especial para ZERO HORA, em 15/01/2012

Percival Puggina

14/01/2012
Quem conta a história leva vantagem sobre quem ouve. O modo como ela é contada encaminha os ouvintes para a conclusão desejada. Napoleão ensinava: A História é uma versão sobre o passado em torno da qual as pessoas convergem. Sabem disso os professores. E sabem mais ainda os políticos, que, através dos milênios, nunca deixaram de construir e repetir as versões que melhor lhes convinham. A União Soviética, por exemplo, era useira em levar esse procedimento aos requintes, valendo-se da prática de forjar e adulterar documentos. O discurso de Khrushchev no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética talvez seja a mais notória evidência e violenta denúncia da mistificação em que se envolvera a história da URSS nos terríveis anos iniciados em 1917. Em seu profético e assustador 1984 (alguém sabe me dizer por que esse livro jamais está na bibliografia recomendada pelas nossas escolas?), George Orwell concebeu um personagem, Winston Smith, instalou-o num órgão casualmente chamado Ministério da Verdade e lhe atribuiu a tarefa de produzir os documentos que confeririam autenticidade aos relatos. Eis por que a ideia de criar um Comissariado Nacional da História, sob o orwelliano nome de Comissão da Verdade, só pode transitar acriticamente num país que jogou fora sua memória, suas raízes e do qual, há muito, roubaram o discernimento. Quem comporá o comissariado? Sete membros escolhidos a dedo por um único dedo. O da presidente. Por quê? Porque foi assim que Lula quis e que Dilma mandou a base do Congresso aprovar. E por que não uma comissão formada por sete generais? Porque a esquerda não aceitaria tamanho absurdo, ora essa. Absurdo por absurdo, a esquerda ficou com o absurdo que lhe convinha, sob silêncio geral do rebanho, só quebrado pela sinetinha da ovelha-guia. Tem mais. O Comissariado Nacional da História não vai apenas ser nomeado pela presidente. Será remunerado pela Casa Civil da Presidência da República, juntamente com os auxiliares contratados e vai funcionar junto à Casa Civil. Na copa e na cozinha do governo. Ora, eu não consigo vislumbrar o menor interesse da presidente Dilma no estabelecimento da verdade histórica. Sabem por quê? Porque ela teve participação ativa na principal organização guerrilheira que atuou durante a luta armada. Essa organização, por exemplo, participou do roubo ao cofre do Adhemar de Barros (sob o ponto de vista financeiro, US$ 2 milhões, a mais bem sucedida operação daquele período). Apesar disso, sua excelência, com sua suposta dedicação à história, nunca desvelou uma ponta sequer desse e de outros tantos fios que compõem as tramas do referido período. O máximo que li, como declaração dela, foi uma entrevista na qual conta que teve participação pequena e que havia tantas armas escondidas sob sua cama que era difícil acomodar o corpo no colchão. Me poupa. Há mais história do que metralhadoras escondidas embaixo desse colchão. Quando pergunto aos alinhados defensores do Comissariado Nacional da História o motivo pelo qual estão fora da alçada da comissão os crimes cometidos pelos que pegaram em armas (crimes como servir potências estrangeiras, formação de quadrilha ou bando, assalto, assassinatos, sequestros e terrorismo) a resposta que obtenho é a seguinte: Trata-se, aqui, de identificar os crimes cometidos pelo Estado!. E quando eu faço uma pergunta absolutamente óbvia: Por que só estes crimes?. Dizem-me como quem acendesse uma lanterna nas trevas da minha ignorância: Porque é assim que está na lei. Ou seja, é assim porque está na lei e está na lei porque nós quisemos que fosse assim. Como eu sou burro! Apesar de tanta desfaçatez, contam-se nos dedos os jornalistas, pesquisadores, historiadores, filósofos e analistas que apontam, sobre esse assunto, os abusos e encenações do Big Brother que nos governa. Ele faz o que quer, a partir do script que já escreveu, e que faz jus a uma versão final apresentada pelo Pedro Bial. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

08/01/2012
Alguém teve a feliz ideia de me mandar uma seleção de músicas populares brasileiras que, através dos tempos, exaltam a mulher. Nos anos 40, cantava-se que a deusa da minha rua tem olhos onde a lua costuma se embriagar. Nos anos 50, o teu balançado é mais que um poema; é a coisa mais linda que já vi passar. Nos anos 60, nem mesmo o céu nem as estrelas, nem mesmo o mar e o infinito não é maior que meu amor, nem mais bonito. Hoje, a coisa está assim: Tchutchuca vem aqui com teu tigrão. Vou te jogar na cama e te dar muita pressão. Ou, então: Pocotó, pocotó, pocotó, minha eguinha pocotó. Ou ainda: Hoje é festa lá no meu apê. Pode aparecer, vai rolar bunda lelê. E, para arrematar: Eu sou o lobo mau, au au. E o que você vai fazer? Vou te comer, vou te comer, vou te comer. Sei que tem gente adorando. Sei que existem pedagogos deslumbrados com esses exercícios poéticos e libertários através dos quais se está realizando, com prodigalidade, o sonho de uma sociedade de cabeça fraca, destituída de juízo moral, bom gosto e senso crítico, pronta para ser levada pelo nariz para onde bem entenderem seus condutores. Não me perguntem como foi que nos tornamos assim. Minha resposta vai magoar muita gente porque isso não se instalou por geração espontânea. Isso foi espargido estrategicamente, por gente adulta, dedicada a destruir os valores de uma civilização, contando com a colaboração de pais omissos, professores instrumentalizados e religiosos mais interessados em ideologias do que na salvação das almas. O agente laranja que jogaram em cima da sociedade reduziu-a a galhos secos onde não se reconhecem os frutos da boa semente nem a existência de vida inteligente. Que queiram fazer isso conosco é fácil entender. Os agentes do mal são astutos e insidiosos. Mas que nos deixemos levar para as profundezas da baixaria e do mau gosto, é incompreensível. Que os rapazes das danceterias se deliciem com as sugestões lascivas das letras e com a coisificação da mulher, reduzida à condição de instrumento de prazer, até se pode explicar, num contexto de libertinagem. Mas que as mulheres não se sintam ultrajadas e entrem na pista com prontidão e requebros de vaca para touro, isso fica alguns anos à frente da minha capacidade de compreensão. E daí?, talvez esteja se perguntando o leitor. Daí, meu caro, que o mau gosto e o deboche arruínam a dignidade da pessoa humana, afetam seu juízo moral, reduzem o discernimento e a capacidade de compreender a realidade. A superficialidade passa a presidir as ações e as relações sociais e a mente torna-se um disco rígido que vai reduzindo sua capacidade à proporção da minguada utilização que lhe é dada. Eis por que todos correm atrás de um diploma, mas poucos se preocupam em fazer jus a ele através do estudo. Queiramos ou não, a cultura tem um papel determinante nos padrões da vida social e a dedicação ao estudo cumpre função importante no progresso individual e social. O que havia de melhor na nossa cultura e no nosso ensino foi morrendo de velhice e de tristeza. Ou não? As Tchutchucas e as eguinhas pocotós agasalharão entre seus quadris as futuras gerações de brasileiros. E não é difícil prever o que vem por aí, não é mesmo, Tigrão? ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

31/12/2011
Era um entardecer do último mês de outubro. Eu caminhava ao longo do Malecón habanero, nas proximidades da esplanada de concentrações que Fidel batizou de Tribuna Anti-Imperialista. Ia pensando sobre a batida constante e incessante do mar contra o conjunto formado pelos molhes, murada e calçadão que se desenrola ao longo de Habana Vieja, Vedado e Miramar, protegendo a cidade das ondas da Baía de Havana. Um dia o mar vencerá o muro, pensava, observando a analogia entre a ação da natureza naquele local e o destino que, ao fim e ao cabo, terá a revolução dos Castro. O Malecón envelheceu e a revolução (que faz 53 anos hoje) está velha como velhos e encarquilhados estão os malfeitores que se apoderaram do país em 1959. Minhas meditações foram interrompidas. What do you thing about Cuba?, perguntou alguém. Era um jovem, sentado sobre a murada. Falava com um sotaque hispânico. Sorri pela coincidência entre a indagação e os meus pensamentos. Penso que um dia o mar vencerá o muro, respondi metaforicamente em espanhol. Fui instado a esclarecer. Meu interlocutor era um cubano, jornalista em Los Angeles, que estava visitando os pais. Nossas observações coincidiam. Passados nove anos da minha última visita, eu retornava a Cuba curioso com as notícias sobre reformas modernizantes. Qual o quê! Tudo em Cuba piorara com o tempo e a sociedade estava tomada por visível melancolia. O próprio Malecón, que já vi fervilhante de turistas e gente da terra, estava dez anos mais deteriorado e expressava essas realidades na pequena afluência. Para aquele rapaz, que teve a sorte de conseguir sair na boa (o que lhe permitia retornar sempre que quisesse), a situação era tão deprimente quanto eu a via. Relatei-lhe minhas observações e algumas coisas que já ouvira. Cambios? No hay cambios!, asseguravam-me os cubanos com quem falara. E essa talvez fosse a fonte de todas as melancolias. Um dia era igual ao anterior, um ano igual ao anterior, e o próximo dia, assim como o próximo ano, serão iguais aos já passados. É como se o tempo transcorresse sem outro resultado que não fosse o de fazer estragos. Não há ladrão mais maldito do que o ladrão das esperanças do povo. E não há governo mais pernicioso do que o governo que impõe a todos, a ferro e propaganda, a obrigação de viver, no cotidiano, o pesadelo dos seus sonhos e o fracassado delírio das suas utopias. Há em Cuba multidões de desocupados. Mesmo entre os que têm empregos não há o que fazer e a tarefa de consertar velharias caseiras talvez seja a que envolve maior tempo de trabalho efetivo no país. Mas isso não vale para os belos prédios da antiga Pérola do Caribe. Como ninguém cuida das coisas sem dono, a parte antiga de Havana lembra as imagens da cidade de Dresden em 1945 após o ataque aéreo dos aliados. As demissões projetadas para o setor público - 1 milhão de trabalhadores - não aconteceram porque os comitês que tratariam disso não se entendem. As atividades abertas à iniciativa privada não encontram clientela porque a sociedade tem baixíssima renda familiar média. É quase nada o que se pode fazer com salários socialistas de 15 dólares por mês. Constrange saber que autoridades brasileiras, periodicamente, vão soluçar sua nostalgia revolucionária nos ombros de Fidel Castro. Que Deus os perdoe, mas eles sabem o que fazem. Zero Hora, 31/12/2011 e 01/01/2012

Percival Puggina

30/12/2011
O governo gaúcho anunciou a realização de um concurso público para admissão de dez mil professores e informou que 18% dessas vagas constituirão cota reservada a afrodescendentes. A melhor maneira de alguém se tornar racionalmente inepto é ser politicamente correto. Incrível como a esquerda, que tanto detesta os Estados Unidos, os ianques, os anglicismos e os americanismos, gosta de macaquear toda tolice que surja por lá! A própria expressão politicamente correto (800 mil referências no Google) corresponde à tradução de political correctness (10 milhões de referências no Google), tendo ganho nos Estados Unidos, de tão usada, a abreviatura PC. A palavra afrodescendente (263 mil referências no Google) é a forma que adquiriu no Brasil outro conceito born in USA - afro-american (6,6 milhões de referências). No formato nacional, virou um neologismo ainda mais ridículo, cuja etimologia diverge do significado que lhe foi atribuído. De um lado, porque muito provavelmente todos os humanos são afrodescendentes, originários do mesmo tronco africano. De outro, porque parcela numerosa da população daquele continente é formada por árabes, egípcios e berberes, que têm a pele clara. Ou seja: afrodescendente não quer dizer coisa alguma. Entender tal vocábulo como significando negro é racismo em forma pura, não miscigenada, pois dele se infere que a palavra substituída seja, de algum modo, depreciativa. Não é. Só é para quem for racista. Que a lei de cotas raciais (arre!) não serve à justiça é coisa que poucos haverão de negar. Numa mesma rua de um mesmo bairro pobre, dois vizinhos, estudantes da mesma escola pública, com os mesmos mal remunerados professores, jogando futebol descalços com a mesma bola de meia prestam exame vestibular e tiram as mesmas notas. Por ser negro um consegue aprovação pela lei de cotas. O outro, por ser branco, não se classifica. Isso é discriminação racial. Não acontece? Acontece até pior. Escreveu-me outro dia um leitor relatando o caso de um vestibular para disputadíssimo curso. Havia 40 vagas ao todo. O último classificado pelas cotas fora o 142º lugar. O candidato que se classificou em 41º lugar ficou fora. De que modo isso serve à justiça? Ainda se poderia, com um senso bem elástico sobre o que seja justo, tolerar um sistema de cotas para acesso ao ensino superior que ponderasse a condição social num sentido amplo, mas ele envolveria irrealizável trabalho de investigação e classificação. Pois bem, o governo Tarso Genro reservará 1,8 mil vagas para negros no concurso para o magistério público estadual. Neste caso, não se trata de favorecer a ascensão de um grupo social presumivelmente desfavorecido (tal presunção, tomada pela cor da pele, é realmente presunçosa). Trata-se de outra coisa porque todos os concorrentes às posições no magistério saíram, com o canudo da mão, pelas mesmas portas escolares e universitárias. A cor da pele, nesse sentido, é tão representativa de suas diferenças quanto o penteado ou o sapato. Anuncia-se, então, um flagrante privilégio e uma ruptura com o princípio da igualdade de todos perante a lei. Não bastasse isso, a cota racial vai na contramão das promessas do governador Tarso Genro de qualificar o ensino público para que o Rio Grande do Sul recupere as posições perdidas no contexto da educação nacional. Como alcançar esse objetivo se a porta de entrada para o magistério vai levar em conta a cor da pele e não o desempenho nas provas do concurso de seleção? Vão ser politicamente corretos assim com o futuro deles mesmos e não com o futuro do Rio Grande do Sul! ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

30/12/2011
ELEITORADO FICHA SUJA Percival Puggina A eleição de políticos com ficha suja nada tem a ver com pobreza, ou etnias, ou padrões regionais de conduta. No Brasil inteiro elegem-se pessoas envolvidas em escândalos. Jader Barbalho não seria eleito se não fossem tão minguadas as exigências éticas de parcela expressiva do eleitorado. É inadmissível crer, como tem sido afirmado, que os 1,8 milhões de eleitores do novo senador sejam pessoas que a miséria destituiu de vontade própria. Ninguém das elites daquele Estado votou nele? Sua campanha foi financiada por matutos coletores de borracha na mata? E quem elegeu José Roberto Arruda em Brasília, onde estão a mais alta renda per capita e o maior IDH do Brasil? Todos miseráveis candangos? Quem elegeu e reelegeu João Paulo Cunha como o deputado federal mais votado do PT de São Paulo? Os desempregados? E quem fez dele presidente da CCJ da Câmara dos Deputados? Os pobretões do parlamento? São rasteiras e moralmente desprezíveis as motivações de voto de parcela significativa do eleitorado. Faz um discurso moralista na mesa do bar e coloca na urna um voto indecente.

Percival Puggina

24/12/2011
A PROPÓSITO, É NATAL Percival Puggina A noite de Natal é a mais diferente das noites. Silenciam as fábricas, quedam-se as ruas, ficam no solo as aeronaves. Até a mais insana das tarefas humanas, a tarefa de fazer a guerra, ganha na noite de Natal o silêncio das trincheiras. Numa noite assim, quando os mais nobres sentimentos varrem o pó do cotidiano e rompem a carapaça com que paradoxalmente sufocamos o bem para nos proteger do mal, inspiram-se os escritores para iluminar a literatura com páginas comoventes. São as histórias de Natal. Em cada uma delas se encontram fragmentos desse insondável mistério que é o homem, habitual espantalho de si mesmo, que cresce quando se ajoelha e se humaniza quando chora. Entretanto, leitor amigo, por mais histórias de Natal que você tenha lido, em nenhuma delas nem em todas elas existe a força do episódio ocorrido nas cercanias de Belém, a cidade de Davi, numa noite fria da Palestina. Nasceu o Menino, o Senhor da História, o Rei dos Reis. Envolto em panos estava; deitado numa manjedoura estava. Penso, às vezes, sobre como escreveríamos nós se nos coubesse conceber o roteiro daqueles fatos. Certamente não escolheríamos aquele local, nunca aquele povo e aquela época, jamais personagens assim. A humanidade já produziu ambientes melhores bem como circunstâncias e elenco mais promissores. E é exatamente por isso que não havia lugar na estalagem. Essa história de Natal, a própria história do Natal, tecida com os fios sutis com que o divino autor urdiu sua rede de amor à humanidade, vence os séculos, se torna eterna e se impõe ao coração dos homens. É tempo de repetir: ?Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade?.

Percival Puggina

22/12/2011
Em um descuido imperdoável, não arquivei a foto. Mas ela me ficou na memória porque a cena foi montada com perícia de bons marqueteiros. Transcorriam os últimos meses do governo Fernando Henrique Cardoso. Era época, portanto, da campanha presidencial de 2002. O fotógrafo que produziu a imagem posicionou-se, provavelmente, no nível da mesa da Câmara dos Deputados. Os figurantes, parlamentares todos, estenderam de um lado a outro do plenário um cordão do qual pendiam pequenos cartazes com os nomes de todas as CPIs solicitadas pela oposição durante os oito anos da gestão tucana. Pelo que me ficou gravado, era um cordel com bandeirolas em número suficiente para decorar um salão de baile em festa de São João. Fora do poder, o PT era tão operoso na fiscalização, tão minucioso em vasculhar as entranhas do governo e apontar indícios de irregularidades, tão exigente em transparência para a ética e em ética para a transparência, que Brizola definia o partido como a UDN de macacão. Meses depois da foto, aquele grupo político conquistou a presidência levado, não na onda, mas na branca espuma da onda de suas irretocáveis exigências morais. Portanto, desde o dia 1º de janeiro de 2003, teve acesso a todos os instrumentos necessários para apurar o que escancaradamente denunciara. Passou a contar com mais de três mil auditores altamente qualificados na Controladoria Geral da União, com o aparato técnico e funcional da Polícia Federal, da Receita Federal, da ABIN. Podia intervir junto ao TCU e ao Ministério Público Federal. E principalmente: assumiu o comando partidário de todos os órgãos da administração e do governo, e de todas as estatais sobre cujos antigos dirigentes incidiam suas acusações. Fez o quê? Encontrou o quê? Mas não ficam por aí os paradoxos. No poder, atraiu para a base o que havia de pior no Congresso, passou a impedir a formação de CPIs, constrangeu parlamentares a desassinar requerimentos de investigação que já haviam subscrito e expulsou os mais renitentes. Passou a qualificar como denuncismo as acusações levantadas pela mídia e abraçadas pela minguada oposição como afogado se abraça a pau de enchente. Denuncismo? Se for isso, Brasília está acometida de um surto psicótico depressivo que se manifesta em injustificadas renúncias, demissões e banimentos. Como o rolo compressor da base de apoio tem maioria para aprovar e rejeitar o que bem entender, o governo inviabilizou totalmente o instituto da CPI. Não adianta à oposição requerê-las porque não se concretizam as adesões necessárias. Pois eis que apesar da enxurrada de denúncias que faz rolar cabeças nos altos escalões governamentais, num parlamento onde a oposição não consegue criar uma CPI sequer, é o governo que vai dar à luz uma CPI para investigar o governo anterior. Coisa de 10 anos atrás, que poderia ter cumprido como tema de casa tão logo chegou ao poder, e que até hoje não se sabe se fez, se não fez, nem porque fez ou deixou de fazer. Trata-se de uma CPI de cabeça para baixo, às avessas. Primor de manobra diversionista. Uma CPI do governo contra a oposição, para mostrar como estão as coisas no Brasil. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.