• Carlos I. S. Azambuja
  • 12 Novembro 2017

 

"Nenhum jogador de xadrez descobriu um meio seguro de ganhar a partida no primeiro lance, pois o jogo encerra um sem número de variáveis. A guerra, embora não seja um jogo de xadrez e sim um fenômeno social, possui um número de variáveis infinitamente maior. Algumas fogem a quaisquer análises, como, por exemplo, a sorte. Não obstante, o acúmulo de experiências e os estudos geraram livros e documentos que podem ser definidos como as Leis da Guerra, embora não possuam, como é natural, o mesmo valor das leis da Física" ("Como Combater na Guerra Revolucionária", Carlos I. S. Azambuja)

Na Guerra Revolucionária, assim como em uma Insurreição, o objetivo principal é a população; e as operações destinam-se a conquistá-la ou, pelo menos, a mantê-la passiva. Essas ações são essencialmente políticas. Daí que nesse tipo de guerra as ações políticas conservam a preponderância durante todo o tempo.

Uma insurreição poderá ser definida como um tipo de guerra direcionada a compensar a fraqueza relativa do grupo que assumiu a iniciativa. O insurgente, de início, não procura a vitória militar e sim abalar o moral, o desejo de resistir e a autoconfiança de seu adversário e empenha-se em fazer com que o oponente abandone a luta sem considerar a sua superioridade militar.

Já o terrorismo é uma forma de propaganda armada. É definido pela natureza do ato praticado e não pela identidade de seus autores ou pela natureza de sua causa. Suas ações são realizadas de forma a alcançar publicidade máxima, pois têm como objetivo produzir efeitos além dos danos físicos imediatos. Muito embora em toda a sua existência a ONU não tenha obtido consenso em encontrar uma definição para o terrorismo, ele poderá ser definido como o uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou propriedades, objetivando influenciar uma audiência e coagir um governo e a população de um Estado em proveito de objetivos políticos ou sociais.

A principal característica que define o terrorismo moderno é a sua internacionalização, resultante de quatro fatores, até certo ponto complementares: a cooperação entre organizações terroristas de diversas regiões; o fato de muitos Estados nacionais apoiarem grupos terroristas e utilizarem o terror como meio de ação política; a crescente facilidade com que terroristas cruzam fronteiras para agir em outros países; e a rapidez no fluxo de informações propiciada pela Internet.

Tanto na Guerra Revolucionária como na Insurreição e no Terrorismo, a promoção da desordem é fundamental, pois desagrega a economia, causa insatisfação e serve para solapar a força e a autoridade do governo. A criação da desordem não é dispendiosa mas é de custosa prevenção. Ao ver explodir uma ponte ou uma torre de transmissão de energia, o governo vê-se obrigado a vigiar todas as demais; se uma bomba explode em um cinema, isso obriga a que todos os freqüentadores de todos os cinemas passem a ser submetidos a uma revista; quando uma fazenda é queimada, todos os fazendeiros passam a clamar por proteção e, se não a recebem, podem ser tentados a organizar milícias de defesa armada.

Também simples telefonemas anônimos, avisando sobre supostos artefatos colocados em terminais rodoviários, ferroviários ou aeroviários podem causar anarquia nos horários do sistema de transportes e afugentar turistas.
O governo, por sua vez, não pode fugir à responsabilidade de manter a ordem – pois para isso ele é governo -, o que causa uma desproporção elevada de despesas entre ele e os terroristas ou insurretos.

Atualmente, o fundamentalismo islâmico substituiu o marxismo-leninismo e o anarquismo como principal ideologia revolucionária utilizada para justificar, gerar e difundir o terrorismo em nível mundial.

Uma imensa variedade de organizações diferentes, com metas diferentes, táticas operacionais diferentes, com objetivos de ataque diferentes, está coberta pela expressão "guerra de insurreição". Nesse sentido, o planejamento das contramedidas deve ser adotado de forma também diferente para cada organização insurgente, de acordo com as suas características particulares, depois de analisadas pela Inteligência.

Todavia, nem todos os movimentos clandestinos optam, necessariamente, por um conflito violento. A atividade política clandestina pode ser não-violenta e a resistência passiva pode ser caracterizada simplesmente pela não-cooperação ou por manifestações não-violentas.

A busca do apoio da população aos insurgentes é fundamental quando se procura cobertura para as atividades clandestinas. Quanto mais brutais forem as represálias contra o apoio da população às atividades terroristas, menor será o apoio ao governo. Por outro lado, também é verdadeiro que as organizações que se valem da coerção e do terror para conseguirem o apoio da população colocam em risco os seus interesses de longo prazo e apresentam à Inteligência oportunidades para recrutar informantes e penetrar nas organizações terroristas ou insurgentes.

A insurreição e o terrorismo são a arma dos fracos. Existe, todavia, uma tendência nas sociedades ocidentais de identificar o "lado fraco" com o "lado justo". Essa tendência faz com que as organizações insurgentes ou terroristas, ou ainda de ideologias religiosas reacionárias, mesmo agindo contra a maioria da opinião pública, contra os desejos da maioria do povo, aproveitem-se dessa tendência – "lado fraco", "lado justo", e usem a mídia para tentar aumentar o apoio à sua causa, embora nas atividades terroristas os civis inocentes tornem-se o alvo principal.

Paradoxalmente, as organizações terroristas, cuja essência é lutar contra a lei e a ordem, são freqüentemente respaldadas por essas mesmas leis que almejam destruir: leis que garantem os direitos individuais e que buscam evitar que o governo penetre na privacidade das pessoas, que não permitem prisões indiscriminadas, que proíbem o uso de pressões durante interrogatórios e que determinam o seguimento estrito dos procedimentos legais.

Tais leis servem como um dispositivo importante na proteção aos insurgentes e aos terroristas. Além disso, em nome da democracia, as leis geralmente não se opõem a que as organizações levem a cabo operações abertas para organizar-se, recrutar novos membros, publicar jornais e panfletos.

É essencial que a organização de Inteligência que opera contra qualquer tipo de adversário tenha seus objetivos estratégicos claramente definidos. Esses objetivos podem ser diferentes: a) uma estratégia defensivo-passiva, cujo objetivo fundamental é gerar um aviso de alarme sobre o surgimento de uma ameaça terrorista clandestina antes mesmo que ela tenha começado a operar; b) ou uma estratégia ativa, com ações visando evitar a obtenção de infra-estrutura para treinamento e organização, bem como os esforços de recrutamento; c) uma variedade de operações de desinformação e de dissimulação; d) ações com o objetivo de fomentar intrigas, atritos e conflitos na organização ou entre organizações terroristas rivais.

Deve ser enfatizado que uma defesa puramente passiva – o Contraterrorismo – historicamente não tem constituído um obstáculo suficiente para conter o seu desenvolvimento. O Antiterrorismo, ao contrário, sugere uma estratégia ofensiva, uma luta global contra os inimigos da liberdade, a fim de impedir que atos terroristas sejam desencadeados, levando a guerra até eles próprios, aos terroristas. Ou seja, enfrentando-os decididamente ANTES que quaisquer ações terroristas sejam levadas a efeito.

Mais do que em qualquer outro tipo de guerra, a organização de Inteligência deverá encabeçar as operações militares e, freqüentemente, a fronteira entre o trabalho de Inteligência e a atividade de combate é nebulosa. Essa, todavia, não é uma tarefa simples. Exige Serviços de Inteligência altamente capacitados e governos determinados, com vontade política e com decisões que não temam riscos, pois o Antiterrorismo é uma resposta a algo que ainda não ocorreu. Foi por essa estratégia que a Primeira-Ministra Golda Meir e os Serviços de Inteligência de Israel se decidiram, após o assassinato de seus atletas nas Olimpíadas de Munique em setembro de 1972: levar o terror aos terroristas, fazendo com que passassem todo o tempo preocupados com sua própria segurança.

Uma das primeiras áreas que se constituem em alvo para as operações de Inteligência é descobrir o sistema ideológico e político da organização. Mesmo quando a ideologia parecer estranha, ininteligível ou repulsiva, ela existe e deve ser estudada com atenção. Entender a ideologia, monitorando de perto sua evolução, assim como o crescimento ou a diminuição de sua influência, é essencial para se entender a organização e lutar contra ela, pois não se pode lutar contra aquilo que se desconhece.

Há casos em que as lideranças políticas operam mais abertamente, tornando-se mais fácil identificar e alcançar os seus objetivos do que reconhecer os seus elementos operacionais. Entre os assuntos que demandam conhecimento mais profundo por parte dos analistas da Inteligência, requerendo um acompanhamento mais atento, destacam-se: a) as lideranças e sua hierarquia; b) publicações da organização; c) manifestações públicas de protesto que apóiem os objetivos da organização; e) vinculações com outras organizações, nacionais ou estrangeiras.

A infraestrutura organizacional-operacional dos terroristas ou insurgentes deve ser um dos alvos centrais, devendo receber especial atenção, entre outras, as seguintes facetas organizacionais: o processo de recrutamento, quem são os recrutados, a que extrato social e regiões pertencem, quais os métodos de recrutamento, quais as fontes de recursos financeiros da organização, quantas são e onde estão localizadas as instalações de treinamento e instrução, inclusive em outros países, qual a infra-estrutura logística, incluindo redes de comunicações, quais os serviços médicos, gráficas e "aparelhos" (casas de segurança) de que a organização dispõe.

Desnecessário assinalar que é desejável para a Inteligência penetrar nos vários "aparelhos" e, para isso, é fundamental uma infiltração nos grupos operacionais. Nesses casos, surgem problemas éticos e legais que devem ser solucionados de imediato, como, por exemplo: a Inteligência deve permitir que seus agentes infiltrados participem de ações que possam causar mortes ou prejuízos?

Um assunto que deve requerer considerável atenção é um sistema de comunicação rápido e confiável entre as fontes infiltradas na organização e a Inteligência, objetivando permitir a emissão de alertas para prevenir ataques e preparar ações de antiterrorismo.

É sabido que quase todas as agências de Inteligência participam da coleta de informes sobre organizações terroristas. A coleta em fontes abertas é a de menor importância, pois existem muito poucas organizações terroristas ou insurgentes que publiquem jornais ou revistas. Embora essas publicações, evidentemente, não divulguem ou exponham nada que faça referência à sua ação ou a seus planos operacionais, eventualmente poderão divulgar nomes, codinomes ou fotografias que ajudem na identificação de pessoas, instalações e suas localizações. A coleta em fontes abertas é muito importante para o estudo da ideologia da organização.

A mais importante fonte de informações sobre as atividades terroristas é conhecida como a Inteligência Humana (Human Intelligence – HUMINT). Essa é uma área onde a imaginação e a criatividade de uma organização de Inteligência em recrutar e manipular suas fontes tornam-se de máxima importância. Em alguns casos é bastante difícil para a Inteligência recrutar agentes diretamente em seu próprio nome. Pode ser menos difícil o recrutamento com alguma cobertura falsa, fingindo representar outra organização terrorista ou uma ideologia diferente. Por outro lado, pode ser mais fácil - embora nem sempre mais proveitoso - infiltrar novos membros que, desde o início, estejam a serviço da Inteligência.

Deve ser assinalado que os contatos, o agente infiltrado e os informantes são o maior capital de um Serviço de Inteligência e devem ser preservados a todo custo. Uma prova recente da importância desse capital foi o nível de informação que possibilitou aos EUA liquidar com Al Zarqawi, o segundo homem mais importante na hierarquia da Al-Qaeda, o que seria impensável sem esses recursos.[*]

Como escreveu John Keegan em seu livro A Inteligência na Guerra,"o clima criado pelos mestres da ficção de espionagem influenciou as reações populares em relação ao trabalho de coleta e análise dos informes. O fascínio despertado pelas técnicas reveladas na utilização da linguagem cifrada, caixas-postais secretas, o controle e a cooptação de agentes que se tornam 'duplos', a vigilância, a interceptação de correspondência e dezenas de outras práticas do mundo secreto lograram representar a técnica como um fim em si mesma. O 'espião' adquiriu o status de herói e, às vezes, de anti-herói, figura glamorosa que parecia ter importância pelo que era, e não pelo que fazia". Mas, na prática, não é isso que ocorre.

A seqüência das operações eficazes de Inteligência é corriqueira e burocrática, pouco apropriada para os mestres da ficção, mas essencial para que a Inteligência tenha utilidade. A informação de que se precisa pode ser encontrada facilmente em publicações, jornais ou em monografias acadêmicas. Todavia, é perecível e pode ser ultrapassada pelos acontecimentos e deteriorada pelo passar do tempo e, a menos que seja transmitida oportunamente para que possa ser utilizada, ela perde o seu valor. Devemos recordar que não existe uma informação que dissipe todas as dúvidas. Ela nunca é completamente exata e definitiva. Os chefes da Inteligência querem sempre mais.

"Existe a idéia de que a Inteligência é a chave necessária para o sucesso nas operações. Uma opinião mais sensata, todavia, é a de que ela, embora imprescindível, não constitui um meio suficiente para se chegar àe vitória. Em um combate, a força de vontade vale mais do que o conhecimento antecipado. Os que discordarem que demonstrem o contrário", escreveu John Keegan.

A menos custosa e mais simples fonte de informações é o interrogatório detalhado e sistemático de um terrorista recém-capturado, realizado imediatamente após a sua prisão. Nesse caso, existe uma corrida contra o tempo: entre a capacidade de conseguir uma vantagem imediata utilizando-se os informes obtidos no interrogatório, e as medidas de precaução e de retaliação tomadas pela organização terrorista imediatamente após se dar conta de que um de seus membros foi capturado. É fundamental que o interrogador mantenha um relógio adiantado duas ou três horas à vista do interrogado, a fim de que ele suponha que o tempo passou e ele já pode falar sem perigo de comprometer seus companheiros.

O interrogatório deverá ser feito por um experiente homem de Inteligência e jamais por civis, ou militares inativos terceirizados por empresas militares privadas, como ocorreu no Iraque, onde o Pentágono tercerizou milhares de postos de trabalho nos interrogatórios a suspeitos de terrorismo e na tradução de textos e – acreditem – até na elaboração de análises. Esse é um indiscutível fator de fraqueza da Inteligência, com reflexos altamente negativos no desenvolvimento das operações. Reflexos que estão aí, quase diariamente, nos jornais.
É também importante que se demore o máximo de tempo possível na divulgação da informação de que um membro da organização foi capturado.

Na guerra da Inteligência contra o terrorismo devem ser espalhados rumores e falsas histórias a respeito do destino daqueles que forem capturados, falando de traidores, espiões e informantes dentro da organização, a fim de minar a sua coesão interna; corroer a credibilidade da liderança e das medidas de segurança da organização; criar atritos e rivalidades entre os líderes; promover conflitos com outras organizações terroristas, e promover um rompimento entre a organização terrorista e sua infra-estrutura de apoio civil, objetivando afastar os aliados e simpatizantes.

Finalmente, deve ser assinalado que nenhuma organização clandestina tem condições de funcionar sem um mínimo de apoio externo, o que é um fator de vulnerabilidade que não deve ser relegado. O que os governos devem ter em mente – e muitos não têm - é que a resposta ao terrorismo não está nem na complacência e nem na histeria, mas em um modesto e contínuo investimento em esquemas e contramedidas realmente efetivas e, por uma questão de sobrevivência, na utilização de múltiplos meios de combate. Aliás, todos os meios são legítimos e devem ser utilizados na luta contra o terrorismo: os diplomáticos, os econômicos, os psicossociais e os políticos, e não apenas os militares.
Segundo Steven Metz, chefe do Departamento de Estratégia Regional e Planejamento da Escola de Guerra do Exército dos EUA,"o mundo chegou a um ponto onde pode-se ver o perigo do terrorismo, mas não a cura. Pior: esta pode nem existir".

Finalmente, é imperativo que aqueles que decidem expliquem claramente suas necessidades ao Serviço de Inteligência, a fim de que este possa definir, com objetividade, para seus agentes e analistas, os elementos essenciais de informações.

[*]Vejam a notícia veiculada na Folha de São Paulo de 9 de junho de 2006 sobre a morte de Al Zarqawi, no Iraque: "Segundo a CNN, que cita fontes do Exército dos EUA, um importante membro da Al Qaeda preso na Jordânia no mês passado e ao menos um 'espião' infiltrado na rede terrorista forneceram informação suficiente para que as tropas americanas no Iraque localizassem o esconderijo em que Al Zarqawi estava".

Carlos I. S. Azambuja é Historiador

* Publicado originalmente em http://www.alertatotal.net/

                    

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  • Rafael Rosset
  • 11 Novembro 2017

 

Você sai para uma viagem um pouco mais longa, de 6 meses, e tranca a sua casa. Ao voltar, encontra seu muro pichado com a frase “miséria não acaba porque dá lucro”. Ao tentar estacionar o carro, depara-se com um acampamento do MTST na sua garagem. O MST invadiu seu quintal, matou seu cachorro e derrubou sua jabuticabeira. Os agricultores não plantaram nada porque estão esperando as sementes da Embrapa e a assistência técnica do Ministério da Agricultura, enquanto sobrevivem de Bolsa Família há 5 meses, depois de terem devorado tudo o que havia na sua dispensa.

Entrando em casa dá de cara com o Caetano Veloso sentado de cuecas no seu sofá e cantando, sem nunca ter sido petista, o verso “Por que você me esquece e some?”. Ao enxotá-lo de lá, você o ouve balbuciando “censura!”, e imediatamente é produzido um manifesto (você não sabe de onde) brandido pela Letícia Sabatella lembrando a ditadura militar (e você fica sem entender nada, porque quando o AI-5 surgiu ela não era nem nascida).

Um inconfundível cheiro de maconha vem do seu quarto, onde Zé Celso está encenando uma peça orgiástica de 15 horas com 18 atores nus, financiada pela Lei Rouanet.

Atordoado você corre pra cozinha, apenas para encontrar Eduardo Suplicy cantando um rap (“pou! pou! pou!”) e distribuindo livros sobre o Renda Mínima.

João Pedro Stedile está na sala de jantar dizendo que seu imóvel é um latifúndio improdutivo e por isso merece ser ocupado, enquanto bebe seu uísque.

Enjoado você se dirige ao banheiro, onde encontra um mendigo maltrapilho e mal cheiroso com uma camiseta do Che Guevara bebendo o seu perfume, mas que na verdade é um estudante (jubilado) de Ciências Sociais da USP, presidente do DCE e filiado à União da Juventude Socialista.

Parabéns! Você acaba de entender os conceitos de Função Social da Propriedade, Reforma Agrária, Intervenção Urbana, Políticas Redistributivas e Arte Engajada.

É a isso que se resumiu a extrema esquerda atual.

 

* Transcrito do Facebook do autor.
 

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  • Olavo de Carvalho
  • 10 Novembro 2017


* Publicado originalmente em www.midiasemmascara.org

Condensando um zunzum que já circulava em jornais comunistas e em teses do Comitê Central do PCB, o livro do jornalista Edmar Morel, O Golpe começou em Washington, publicado pela Editora Civilização Brasileira em 1965, lançou, já no seu título, o mantra que desde então foi repetido incansavelmente em artigos, reportagens, livros, teses universitárias, filmes, especiais de TV e vídeos do YouTube: o movimento que removeu do cargo o então presidente João Goulart foi, no essencial, uma trama do governo americano, uma brutal intervenção estrangeira dos assuntos nacionais, uma manobra da CIA urdida para derrubar um governo nacionalista cujas reformas ameaçavam os interesses do capital imperialista.

A Civilização Brasileira era a maior editora comunista do país, dirigida pelo militante histórico Ênio Silveira, e Edmar Morel, tendo servido ao famigerado Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) da ditadura Vargas, soube adaptar-se rapidamente aos novos ares após a queda do ditador: ganhou do governo soviético uma viagem a Moscou, que relatou num livro de 1952. Ninguém ignora o que essas viagens significam na longa história das cooptações e recrutamentos.

Não é humanamente possível fazer a lista das publicações e produções que endossaram a tese de Edmar Morel. Praticamente nenhum jornal, canal de TV ou universidade no Brasil (e algumas no exterior) falhou em repeti-la com a constância de um devoto recitando preces jaculatórias. Mais recentemente, a tese ganhou o apoio de celebridades americanas, entre as quais Noam Chomsky, e, entre inumeráveis filmes que confirmavam a mesma versão dos acontecimentos, pelo menos um recebeu um prêmio nos EUA.

Tão vasta, contínua e prestigiosa unanimidade é de molde a desencorajar, no nascedouro, qualquer objeção que possa colocá-la em dúvida.[1]

No entanto, toda essa vistosa e idolatrada construção, em que se empenharam tantos cérebros, tantas verbas públicas e tantos patrocínios privados, é posta abaixo e reduzida a pó mediante uma simples pergunta: como é possível que a CIA tenha exercido tão profunda e avassaladora influência no curso da história nacional em 1964, se até agora não apareceu, na imensa bibliografia a respeito, o nome de um único agente daquela organização que estivesse lotado no Brasil na época? Nem unzinho só.

Como é possível tanta ação sem nenhum agente?

Inversa e complementarmente, a teoria moreliana do golpe de 1964 baseia-se na premissa — tão unânime e indiscutida quanto ela mesma — de que não havia nem séria infiltração comunista no governo João Goulart, nem o menor risco de uma revolução comunista, nem muito menos qualquer ingerência soviética nos assuntos nacionais.

A importância vital deste livro reside em que demole a porretadas esse mito, mostrando que, em contraste com a ausência total de homens da CIA operando no Brasil naquela ocasião, os agentes da KGB nas altas esferas da República eram, documentadamente, centenas, talvez milhares. O governo Goulart nunca foi senão uma ponta-de-lança do imperialismo soviético.

Mauro “Abranches” Kraenski, tradutor brasileiro residente na Polônia, que domina a língua polonesa e conhece suficientemente o idioma checo, e Vladimír Petrilák, colunista checo, não fazem aqui obra de polêmica, muito menos de acusação: lêem e resumem documentos de fontes primárias — sobretudo do serviço checo de inteligência, a StB — com extrema idoneidade científica e têm o cuidado de não sair carimbando ninguém de “agente da KGB”, nem mesmo quando há razões de sobra para fazê-lo, enfatizando, antes, que muitas pessoas mencionadas nesses documentos não passam de inocentes úteis, levados a colaborar com a subversão comunista sem seu pleno consentimento e às vezes sem clara consciência do que se passava. Ainda assim, o panorama que eles traçam da presença soviética no governo João Goulart ultrapassa as dimensões da mera “infiltração” e justifica falar, mesmo, de “ocupação”.

Sem nenhum exagero, a narrativa oficial de 1964 é uma inversão completa e cínica da realidade, dando foros de certeza ao que é mera conjetura, quando não invencionice, e ocultando montanhas de fatos decisivos.

Este livro, sozinho, vale mais do que toda a bibliografia consagrada sobre os acontecimentos de 1964. E uma pergunta que ele suscita inevitavelmente é: quanto dessa bibliografia não foi inspirado ou produzido, justamente, pelos mesmos agentes soviéticos aqui nomeados e fichados?

Antes mesmo das revelações aqui estampadas, os rombos da narrativa canônica já eram tão gigantescos que, para não vê-los, era preciso um considerável esforço de auto-hipnose.

Vinha, em primeiro lugar, a crença geral de que Goulart fora derrubado, não por ser um joguete nas mãos dos comunistas, mas por ser um patriota, um nacionalista, cujas “reformas de base” constituíam um acinte e uma ameaça aos interesses do capital imperialista.
Mas como podia ser isso, se o malfadado presidente jamais apresentou um único projeto de “reforma de base”, todas as iniciativas nesse sentido partindo do Congresso contra o qual ele tanto esbravejava?

Como observei em artigo de 25 de maio de 2014,

a lei mesma da remessa de lucros, que teria sido a “causa imediata” do golpe, só o que Goulart fez com ela foi sentar-se em cima do projeto, que acabou sendo aprovado por iniciativa do Congresso, sem nenhuma participação do presidente. Se a fúria do capital estrangeiro contra essa lei fosse a causa do golpe, este teria se voltado não contra Goulart e sim contra o Congresso — Congresso que, vejam só, aprovou o golpe e tomou, sem pressão militar alguma, a iniciativa de substituir Goulart por um presidente interino.[2]

Outro simulacro de prova em favor da tese da “intervenção imperialista” foi a ajuda que algumas entidades americanas — não a CIA — deram à resistência parlamentar e jornalística anti-Goulart. Ninguém, entre os que apelavam a esse argumento, fez jamais a seguinte pergunta: se os tais agentes do imperialismo ianque exerciam tanta influência sobre o Congresso e a grande mídia, reunindo condições para um impeachment do presidente, com uma transição legal e pacífica, por que iriam recorrer ao método traumático e desnecessário da intervenção militar?

Para sustentar que “o golpe começou em Washington” seria preciso provar, não que o governo americano ajudou a fomentar uma gritaria difusa contra a situação, mas que os agentes dele participaram ativa e materialmente da conspiração militar em si, entrando em reuniões secretas de generais e discutindo com eles os detalhes estratégicos e táticos da mobilização final. Mas, se não existe sequer indício da presença de um único agente da CIA no território nacional, como poderia haver provas de que essa criatura inexistente fez isso ou aquilo?

A tese consagrada mistura, numa síntese confusa mais conveniente aos objetivos da propaganda que aos da ciência histórica, a ação pública com a ação secreta, a atmosfera política geral com as iniciativas concretas dos militares e, fundindo tudo sob a mágica do símbolo “interesse imperialista”, enxerga uma autoria única e central por trás de processos não só diversos, como antagônicos.

De fato, quando o general Mourão partiu de Minas Gerais com suas tropas, ninguém, absolutamente ninguém num Congresso que estava ansioso para se livrar do incômodo presidente, tinha a menor idéia de que houvesse alguma iniciativa militar em andamento.

Longe de tramar o golpe, os americanos estavam, isto sim, apostando no que se destinava a ser e poderia ter sido uma alternativa parlamentar à intervenção militar.

No mesmo artigo citado, escrevi:

Todos os jornais do país, até hoje, usam como prova da cumplicidade americana (com o golpe) a gravação de uma conversa telefônica na qual o embaixador Lincoln Gordon pedia ao presidente Lyndon Johnson que tomasse alguma providência ante o risco iminente de uma guerra civil no Brasil. Johnson, em resposta, determinou que uma frota americana se deslocasse para o litoral brasileiro. Fica aí provado… que os americanos foram, se não os autores, ao menos cúmplices do golpe. Mas, para que essa prova funcione, é necessário escamotear quatro detalhes: (1) a conversa aconteceu no próprio dia 31 de março, quando os tanques do general Mourão Filho já estavam na rua e João Goulart já ia fazendo as malas. Não foi nenhuma participação em planos conspiratórios, mas a reação de emergência ante um fato consumado. (2) A frota americana estava destinada a chegar aos portos brasileiros só em 11 de abril. Ante a notícia de que não haveria guerra civil nenhuma, retornou aos EUA sem nunca ter chegado perto das nossas costas. (3) É obrigação constitucional do presidente dos EUA enviar tropas imediatamente para qualquer lugar do mundo onde uma ameaça de conflito armado ponha em risco os americanos ali residentes. Se Johnson não cumprisse essa obrigação, estaria sujeito a um impeachment. (4) As tropas enviadas não bastavam nem para ocupar a cidade do Rio de Janeiro, quanto mais para espalhar-se pelos quatro cantos do país onde houvesse resistência pró-Jango e dar a vitória aos golpistas.

A insistência obstinada numa tese impossível explica também o silêncio atordoante com que mídia e o establishment bem-pensante em geral receberam a revelação do então chefe da KGB no Brasil, Ladislav Bittman, de que essa mesma tese fora inventada pela própria espionagem soviética, mediante documento falso enviado a todos os jornais na ocasião.[3]De 2001 a 2014, várias vezes tentei, em vão, chamar a atenção da classe jornalística para o livro de memórias em que o agente checo[4] faz essa confissão explosiva.

O silêncio cúmplice, o comodismo, a mistura promíscua e obscena de jornalismo com militância esquerdista, conseguiram bloquear, por meio século, o acesso do povo brasileiro não só a fatos como a meras perguntas que pudessem abalar a mitologia dominante.

Mas agora a brincadeira acabou. Não só este livro memorável traz a prova cabal e definitiva do engodo, mas surge numa situação bem diversa daquela em que o país viveu nos últimos cinquenta e tantos anos. Hoje há um público mais consciente, que, desmoronada a farsa do comunopetismo, já não se verga, com mutismo servil, ante a opinião do beautiful people jornalístico e universitário.
O trabalho paciente e consciencioso de Vladimír Petrilák e Mauro “Abranches” Kraenski vai, com certeza, encontrar uma platéia atenta e sensível, madura para desprezar o argumentum auctoritatis e sobrepor, à lenda, a realidade.

Petersburg, VA, 25 de outubro de 2017.
 

Notas:
[1] Não preciso relembrar aqui os freqüentes e discretíssimos episódios de carreiras universitárias abruptamente encerradas pela ousadia de contestar esse ou qualquer outro dogma do credo esquerdista.
[2] V. www.olavodecarvalho.org/falsificacao-integral/.
[3] V. meu artigo “Sugestão aos colegas”, de 17 de fevereiro de 2001: www.olavodecarvalho.org/sugestao-aos-colegas/.
[4] Como se verá no presente livro, a KGB, nos países do Terceiro Mundo, não atuava diretamente, mas através dos serviços secretos dos países satélites; no Brasil, a StB, serviço de inteligência da Tchecoslováquia.

 

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  • Carlos I. S. Azambuja
  • 09 Novembro 2017

 



                        "Sou a favor da idéia socialista. Mas uma vez disse a meu pai: 'se isso é socialismo, eu sou contra o socialismo" (Yuri Ribeiro Prestes, historiador; filho de Luiz Carlos Prestes; viveu na Rússia de 1970 a 1994; jornal Folha de São Paulo de 2 de novembro de 1997)
 


A partir do momento em que, na ex-União Soviética os arquivos da 3ª Internacional foram abertos aos pesquisadores, vários mitos e lendas não mais se sustentam. Alguns livros, editados com base nesses arquivos, foram publicados, dando conta de detalhes inéditos do Movimento Comunista Internacional.

A 3ª Internacional, ou Komintern, do alemão "Komunistiche Internationale", foi uma entidade com sede em Moscou, criada por Lenin, que funcionou de 1919 a 1943.

O Komintern era dirigido pela "Uskaia Komissia", a "Pequena Comissão", responsável por todas as decisões relativas aos aspectos políticos, de inteligência e de ligação do Kominern com o Partido Comunista da União Soviética.

Desde a década de 20, o Komintern financiava e controlava os partidos comunistas de todo o mundo, com verbas fornecidas pelo Estado soviético. Essa prática permaneceu inalterada por mais de 70 anos. Quando o Komintern foi desativado, em 1943, o Departamento de Relações Internacionais do PCUS assumiu suas tarefas.

Ao final do ano de 1991, após o fim da União Soviética, foram encontrados na sede do Comitê Central do partido único documentos referentes à "ajuda financeira fraternal" aos demais partidos comunistas de todo o mundo Esses documentos, como é evidente, faziam menção ao Partido Comunista Brasileiro, e comprovam que já em 1935 Luiz Carlos Prestes era um assalariado do Komintern: No período de abril a setembro de 1935, US$ 1.714,00 foi a quantia destinada a Prestes.

Assinale-se que Luiz Carlos Prestes foi admitido como membro do Komintenr em 8 de junho de 1934. Antes, portanto, de sua filiação ao PCB, o que constituiu um fato inédito no comunismo internacional. Prestes só viria a ser admitido no PCB em setembro desse ano.

A alemã Olga Benário (que também utilizava os nomes de "Frida Leuschner", "Ana Baum de Revidor", "Olga Sinek", "Olga Bergner Vilar" e "Zarkovich" (casada em Moscou com B. P. Nikitin, aluno da Academia Militar Frunze) que pertencia ao IV Departamento do Estado-Maior do Exército Vermelho foi a pessoa designada para a missão de acompanhar Luiz Carlos Prestes em sua volta da União Soviética ao Brasil, em 1935.

Ao contrário do que afirma o historiador brasilianista Robert Levine, em seu livro O Regime de Vargas - 1935-1938, bem como diversas outras publicações nacionais e estrangeiras, Prestes nunca foi casado com Olga.

O clube de revolucionários profissionais a serviço do Komintern, tinha poderes praticamente ilimitados de intervenção nos diversos partidos comunistas, bem como instruções muito precisas sobre como levar adiante as planejadas ações revolucionárias.

O Partido Comunista Brasileiro jamais se libertou de sua subserviência a Moscou. O PCUS, até ser posto na ilegalidade por Boris Yeltsin, em 1991, sempre manteve sobre estreito controle a direção política do PCB, a forma como eram escolhidas suas lideranças, seus processos de formação ideológica, bem como aquilo que sempre foi o mais importante para o partido: o auxílio fraternal. Em 1990, último ano de ativo funcionamento do PCUS, essa ajuda fraternal ao Partido Comunista Brasileiro foi de US$ 400.000 conforme divulgado pelo Tribunal Constitucional Russo que, em 1992, julgou os crimes do PCUS (jornal "Konsomolskaya Pravda", Moscou, 8 de abril de 1992).

Prestes somente em setembro de 1934 seria admitido nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro, conforme documento do Bureau Político do PCB, datado de 4 de setembro de 1934, publicado no jornal Sentinela Vermelha, nº 1, outubro de 1934, São Paulo. Segundo esse jornal, Prestes foi admitido no partido "por proposta da IC" e como "simples soldado da IC". No entanto, diz o jornal, "ao mesmo tempo que o BP aceita a adesão de Prestes, chama todo o partido para intensificar o fogo contra o prestismo dentro e fora de nossas fileiras, contra essa teoria e prática de conteúdo contra-revolucionário, pequeno-burguês, que consiste na subestimação das forças do proletariado como única classe revolucionária, nas ilusões em chefetes e caudilhos pequeno-burgueses, salvadores, cavaleiros da esperança, etc (...)".

A aceitação de Prestes como membro do PCB foi, portanto, decorrente não do reconhecimento de sua liderança ou de seus atributos de dedicação à causa comunista, mas sim uma imposição do aparato da IC, o que desfaz um outro mito.

Em 10 de abril de 1935 - às vésperas da chegada clandestina de Prestes ao Brasil -, referindo-se à primeira reunião pública da Aliança Nacional Libertadora (ANL), realizada dia 30 de março desse ano, no teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, um documento do PCB, assinado por M ("Miranda"), codinome de Antonio Maciel Bonfim, Secretário-Geral do partido, referia-se a Prestes, aclamado presidente da ANL, como "um grande lutador antiimperialista e antifeudal". Esse documento foi publicado no jornal A Classe Operária nº 178, de 10 de abril de 1935.

"Miranda", na "A Classe Operária" de 23 de abril de 1935, assinala: "(...) As massas populares aclamam espontaneamente Prestes como Presidente de Honra da Aliança Nacional Libertadora (...) Essa aclamação de Prestes significa que as massas populares reconhecem nele um grande lutador contra o imperialismo (...) um lutador conseqüente de há muitos anos (...)".

Em apenas 7 meses, portanto, Prestes passou de "caudilho pequeno-burguês" a "lutador conseqüente de há muitos anos".

Logo depois, Fernando Lacerda, membro do Comitê Central do PCB, delegado do partido ao VII Congresso da Internacional Comunista, realizado em Moscou em julho de 1935, em seu discurso nesse evento, transcrito na revista da IC, "Correspondência Internacional" de 4 de dezembro de 1935, assinalou: "(...) Desde outubro de 1934, após a 3ª Conferência dos Partidos Comunistas dos Países da América Latina, conseguimos realizar uma reviravolta decisiva, tomando audaciosamente a iniciativa da organização de uma Aliança de Libertação Nacional (...) Entre seus organizadores e dirigentes destacava-se o nosso camarada Luiz Carlos Prestes (...) Já lançamos audaciosamente a palavra de ordem de 'todo poder à ANL'(...)". Observe-se que na data referida por Fernando Lacerda - outubro de 1934 - Prestes vivia, ainda, em Moscou.
Essa é outra lenda que desaba: a de que, quando criada, a ANL não tinha qualquer vinculação com o partido. Na verdade, desde o primeiro momento, foi uma organização de fachada do PCB, como centenas de outras durante toda a existência do partido.

Em 14 de julho de 1935 a Aliança Nacional Libertadora foi colocada fora da lei pelo governo e suas sedes fechadas.

O Comitê Central do PCB, reunido em fins de julho de 1935, tachou o fechamento da ANL de "arbitrário e violento" e concitou seus militantes a recrutar elementos e formar o partido no campo, "criando Ligas Camponesas" (documento apreendido em agosto de 1935 e integrante do processo nº 1, arquivado no STM).

Desfaz-se, portanto, outro mito: o de que foi Francisco Julião o inspirador e criador das "Ligas Camponesas", nos anos 50.

Em 15 de setembro de 1935, às vésperas, portanto, da deflagração da Intentona, o "BSA-Bureau Sul-Americano" do Komintern, que funcionava em Buenos Aires, recebeu do "EKKI" a determinação de passar a dirigir as atividades do PCB conjuntamente com Luiz Carlos Prestes e "Miranda"- Antonio Maciel Bonfim, Secretário-Geral. Isso significou, na prática, que o "BSA", organismo do Komintern para a América Latina, passou a comandar (esse é o verbo correto) as atividades do Partido Comunista Brasileiro.

Logo depois, com data de 6 de outubro de 1935, "Indio Negro" remetia a "Américo" (um outro codinome de "Miranda") uma carta com a proposta "de cooptar 'Garoto' para membro do Comitê Central e elegê-lo para o Birô Político do CC". E determina: "Isso deve ser efetuado na próxima reunião do plenário do CC" (documento integrante do processo nº 1, arquivado no Superior Tribunal Militar). A pessoa referida como "Garoto" era Luiz Carlos Prestes.

Mas, quem é "Indio Negro" que dava ordens ao Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro?

Eram duas pessoas, segundo os dados obtidos nos arquivos da 3ª Internacional:
"Indio" – Rodolfo José Ghioldi, que também utilizava os codinome de "Autobelli", "Quiroga" e "Luciano Busteros"; argentino; membro do "Bureau Sul-Americano"; agente do Komintern deslocado da Argentina para o Brasil em dezembro de 1934, juntamente com sua mulher Carmen de Alfaya.

"Negro"- Arthur Ernst Ewert, que também usava os codinomes de "Albert", "Castro" e "Harry Berger"; alemão; agente do Komintern mandado para o Brasil em dezembro de 1934.

A lenda, já integrada à História, de que apenas os 9 estrangeiros presos após a Intentona integravam o aparato do Komintern no Brasil, revelou-se falsa. Os estrangeiros deslocados para o Brasil pelo Komintern, para fazer a Intentona, foram 23. Os nomes de todos podem ser encontrados no livro "Camaradas", do jornalista William Waak.
Desaba também um outro mito: o de que a Intentona Comunista tenha sido uma ação genuinamente brasileira, imaginada e levada a cabo pelo PCB.

Não foi.

A ordem para que a insurreição fosse deflagrada partiu de Moscou, em telegrama do Secretariado Político do "EKKI", dirigido a Ewert e a Prestes, nos seguintes termos: "A questão da ação (o levante) decidam vocês mesmos, quando acharem necessário. Assegurem apoio à ação do Exército pelo movimento operário e camponês. Tomem todas as medidas contra a prisão de Prestes. Enviamos 25.000 por telegrama. Mantenham-nos informados do rumo dos acontecimentos".

Esse telegrama, escrito em francês, foi encontrado nos arquivos do Komintern, e na página 128 do livro "Camaradas" está publicada uma cópia xerografada do mesmo.

No período pré e pós-Intentona o partido cometeu diversos assassinatos de seus próprios correligionários, a título de "justiçamentos", por suspeita de colaboração com o inimigo de classe.

Um deles foi o da jovem de 16 anos "Elza Fernandes" ou "Garota", como era conhecida no partido Elvira Cupelo Colônio, amante de "Miranda", Secretário-Geral do PCB - e que, devido a isso, conhecia todos os demais membros do Comitê Central, e outros, com atuação relevante na Intentona Comunista -, por suspeita de colaboração com a repressão. A decisão de eliminar "Garota" foi tomada por Luiz Carlos Prestes, conforme documentos que integram o processo nº 1, já referido. Nos autos desse processo está uma carta, de próprio punho de Prestes, com data de 16 de fevereiro de 1936, remetida a "Meu Caro Amigo" (não identificado), dizendo: "(...) Não podemos vacilar nessa questão (...) Tudo precisa ser preparado com o mais meticuloso cuidado, bem como estudado com atenção todo um plano de ação que nos permita dar ao adversário a culpabilidade (...) Ela já desapareceu há alguns dias e até agora não se diz nada (...)".

Em outra carta , dirigida ao Secretariado Nacional do PCB, datada de 19 de fevereiro de 1936 (apenas três dias depois), Prestes escreveu: "(...) Fui dolorosamente surpreendido pela falta de resolução e vacilações de vocês (...) Companheiros, assim não se pode dirigir o partido do proletariado, da classe revolucionária conseqüente (...) Já em minha carta de ontem formulei minha opinião a respeito do que precisávamos fazer (...) Não é possível dirigir sem assumir responsabilidades. Por outro lado, uma direção não tem o direito de vacilar em questões que dizem respeito à defesa da própria organização (...)".

Cópia do original da carta acima, manuscrita por Prestes, está entre as páginas 33 e 34 do livreto "Os Crimes do Partido Comunista", de Pedro Lafayette, Editora Moderna, 1946, Rio de Janeiro.

"Miranda" e "Elza Fernandes" haviam sido presos em 13 de janeiro de 1936. A Polícia colocou "Elza Fernandes" em liberdade, pelo fato de ser menor de idade. Logo, a direção do partido colocou-a em cárcere privado, na residência do militante conhecido como "Tampinha" (Adelino Deycola dos Santos), na rua Maria Bastos nº 41-A, em Deodoro, subúrbio do Rio, sob a guarda dos militantes "Gaguinho" (Manoel Severino Cavalcanti) e "Cabeção" (Francisco Natividade Lira).

Nessa casa, em 20 de fevereiro de 1936 - um dia após a segunda carta de Prestes -, "Elza Fernandes" foi assassinada por enforcamento, por esses elementos, e sepultada no quintal da casa. Após terem sido presos, todos confessaram o assassinato, dando-o como um justiçamento, sendo o corpo de "Elza Fernandes" exumado pela polícia em 14 de abril de 1936.

Luiz Carlos Prestes, o mandante, e Olga Benário foram presos em 5 de março de 1936. Em 17 de abril de 1945, 9 anos depois, Prestes foi anistiado e em outubro desse mesmo ano eleito Senador da República. Em maio de 1946 o partido foi tornado ilegal pela Justiça Eleitoral e passou a funcionar na clandestinidade. A partir de 1971 Prestes passou a viver em Moscou, sendo novamente anistiado em 1979 e, por força da Constituição de 1988, reincluido no Exército, promovido e reformado.

Em 16 de agosto de 2006 Luiz Carlos Prestes foi promovido ao posto de Coronel, com os proventos de General de Brigada.

Muitos dirão, principalmente os mais jovens: Caramba, eu não sabia!

* Publicado originalmente em www.alertatotal.net.
 

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  • Alexandre Garcia
  • 08 Novembro 2017

 

            Começou o exame nacional do ensino médio, conhecido como ENEM, que abre portas para a universidade. De 6 milhões 731 mil inscritos, uma multidão de 2 milhões não compareceu. Vergonha nacional: precisa da polícia e vigilância eletrônica para evitar fraudes. Domingo foi a prova de redação, antecedida por discussão na Justiça, sobre se havia ou não censura prévia sobre a opinião dos alunos. E, como sempre, o lugar-comum das reportagens na televisão, foram as cenas de fechamento dos portões com gente chegando atrasada, jogando-se pelas frestas entreabertas ou voltando em choro desesperado. Na lição da pontualidade, de planejamento, de compromisso, os atrasados receberam reprovação. Alguns foram vítimas de imprevistos, porque esqueceram de calcular o tempo que o acaso pode tomar.

            A liminar da Presidente do Supremo foi fiel ao que está mais de uma vez na Constituição: "é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato"(art. 5º, IV). Aproveito para perguntar: E o anonimato nas redes sociais? No mesmo artigo, logo adiante: "é inviolável da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosas e garantida a proteção aos locais de culto e suas liturgias"(5º,VI). Aproveito para perguntar: E quem desenha, em exposição pública, a cabeça da ratinha Minnie em lugar do rosto da principal devoção católica?

Também no art. 5º "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença"(IX). Aí, pergunto: como poderia o ENEM ameaçar com anulação da prova o eventual autor do que for interpretado como agressão aos direitos humanos? Qual era a intenção? Impor a ditadura do politicamente correto?

E o que são, afinal, direitos humanos? O idoso doente teria o direito de ser atendido logo em vez de ficar na fila durante a madrugada em hospital público? Os brasileiros que são mortos à razão de 171 por dia teriam direito à vida? Os amontoados na condução diária teriam direito a transporte humanizado? As pessoas teriam o direito de não ter medo de sair de casa? O suor que os contribuintes vertem lhes daria o direito de não ver seus impostos saírem pelo ralo da corrupção?

Como se percebe, o respeito aos direitos humanos que agentes do estado querem impor aos jovens do ENEM, na verdade revela uma tremenda hipocrisia. O tema da redação foi "Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil". Eu não saberia escrever sobre isso. Em 77 anos de vida, confesso que não reúno informações suficientes para desenvolver o tema. Aplaudo os estudantes que dispunham de conteúdo para a tarefa. Eu ficaria na superfície da questão, sem conseguir mergulhar.

Enfim, sabemos todos que a escolha de uma profissão não é questão de cor da pele, ou de currículo, mas de vocação. Será que o ENEM consegue sugerir a vocação com esses exames de múltipla escolha? Que poder tem o ENEM sobre milhões de brasileiros que querem galgar o curso superior! Apagam-se as idiossincrasias regionais, inserem-se as ideologias da moda - e depois ficamos nos últimos lugares nas classificações mundiais de ensino. Atrasados, os portões vão se fechando.
 

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  • Ênio Meneghetti
  • 08 Novembro 2017

              Ao discursar no encerramento de seu périplo por Minas Gerais na última semana, Lula anunciou o “perdão” aos golpistas, aqueles a quem assim classifica por terem sido favoráveis ao impeachment de sua maior criação, Dilma.

                “Sou mais paciente que Getúlio, João Goulart e talvez mais que JK, que tentaram tirar três vezes, e ele sempre perdoou. Estou perdoando os golpistas deste país”, afirmou Lula, na Praça da Estação, em Belo Horizonte, no encerramento da caravana que percorreu 20 cidades mineiras.

                 Para muitos soou como um recado aos antigos aliados.

                 Lula quer fazer alianças.

                 Depois de xingar bastante os partidos que apoiaram o impeachment de Dilma como “golpistas”, o PT quer aliados para 2018.

Luiz Marinho, um dos companheiros petistas próximos de Lula, presidente estadual e pré candidato do partido ao governo de São Paulo, disse em entrevista que a sigla precisa recuperar bases. “A maioria do povo brasileiro também apoiou o impeachment, e nós queremos recuperar a maioria do povo”, disse.

Os petistas sabem que o TRF-4 deve confirmar a condenação de Lula. Mas Gleisi Hoffmann assinalou que há precedentes de políticos condenados por órgão colegiado, portanto, enquadrados na Lei da Ficha Limpa, que conseguiram concorrer amparados em decisões dos tribunais superiores, STJ, STF e mesmo o TSE.

Um dos casos em que o PT lembra é o de Paulo Maluf, que teve o registro de candidatura cassado pela Justiça Eleitoral em 2014 e conseguiu um recurso no TSE, disputou a eleição e hoje é Deputado Federal.

Vamos imaginar que Lula concorra e aconteça o desastre dele se eleger Presidente da República. Teríamos um caso inédito de um presidente que, após o término do governo, deveria ir para a cadeia direto, com base na lei que garante prisão após condenação em segunda instância.

Alguém duvida que Lula, antes de submeter-se ao que diz a lei, destruiria o Brasil, se necessário?

Cabe sempre lembrar e repetir: o próximo presidente eleito deverá indicar, no mínimo, três novos Ministros para o STF.

O drama da Segurança Pública, que pautará a próxima eleição, é muito mais que discutir somente prisão de assaltantes e assassinos. Estamos diante de casos repetidos de descumprimento da lei. A segurança jurídica está em jogo. A punição prevista em lei a criminosos condenados está sendo vilipendiada no país. A legislação está sendo rasgada a céu aberto pelas autoridades públicas.

A maioria da população não domina estes conceitos, basilares em países civilizados. Esta é a parcela da população com que Lula conta para eleger-se.

Lembrem-se do título daquele filme, “Perigo Real e Imediato”. Estamos vivendo o nosso.

Por fim, convenhamos: partido que tiver a cara de pau de aliar-se ao PT para fazer campanha para Lula, deve ser marcado na paleta. Lula, se quiser comparar-se a alguém, deveria ser com Maluf.

Embora o ex-presidente esteja muito adiante do deputado paulista nesses assuntos pelos quais foram condenados.

* Publicado originalmente em https://eniomeneghetti.com
 

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