• Olavo de Carvalho
  • 16 Agosto 2017

 

Quando ouço falar de "cultura negra", saco do meu exemplar da "História da Inteligência Brasileira", de Wilson Martins, e esfrego-o na cara do interlocutor:

"Cultura negra? Cultura negra para mim é o Aleijadinho, é Gonçalves Dias, é Machado de Assis, é Capistrano de Abreu, é Cruz e Sousa, é Lima Barreto. Quer Vossa Senhoria me explicar como esses negros e mulatos puderam subir tão alto, numa sociedade escravocrata, enquanto seus netos e bisnetos, desfrutando das liberdades republicanas, paparicados pela 'intelligentsia' universitária, não conseguem hoje produzir senão samba, funk e macumba e ainda se gabam de suas desprezíveis criações como se fossem elevadíssima cultura?"

O interlocutor, aterrorizado ante a perspectiva de ter de raciocinar por uns minutos fora da área de segurança dos chavões estabelecidos, fica mudo. Então, dou eu mesmo a resposta.

É que aqueles ilustres brasileiros não tinham bebido o veneno universitário norte-americano e conservavam seus cérebros em bom estado. Entendiam que suas remotas origens africanas tinham sido neutralizadas pela absorção na cultura ocidental, que sua condição de raça era apenas um fato biológico sem significação cultural por si, que a cultura a que tinham se integrado não era branca, mas universal, que era mais útil e mais honroso para o negro vencer individualmente no quadro da nova cultura mundial do que ficar choramingando coletivamente as saudades de culturas tribais extintas.

Ao afirmar-se como valores da cultura ocidental, esses homens ainda prestaram a ela o mais relevante serviço: cobraram dela o compromisso universalista firmado na cruz do Calvário, libertando-a das amarras do falso compromisso, acidental e transitório, que ela firmara mais tarde com a raça branca. Elevando-se, elevaram-na.

Quem eram, afinal, ante os negros, os portadores dessa cultura? Eram portugueses -uma raça céltica, tardiamente cristianizada por invasores imperialistas. E de onde vinha a força dos portugueses? Vinha da desenvoltura, do otimismo, da pujança com que, em vez de cair no ressentimento saudosista, em vez de revoltar-se contra a perda de suas "raízes" locais e raciais, em vez de buscar falsos consolos no ódio aos colonizadores, souberam se integrar criativamente no mundo cristão e tornar-se, mais que seus porta-vozes, seus soldados e seus poetas.

Coisas análogas podem dizer-se dos franceses, dos ingleses, dos dinamarqueses, dos suecos e, enfim, de todos os povos europeus: todos abandonaram seus cultos primitivos para integrar-se na nova cultura. Transfigurados pela cultura universalizante que os absorveu, puderam por isso mesmo tornar-se nações grandes e poderosas, ganhando com a renúncia e recuperando sua identidade num plano mais alto.

E de onde veio a tragédia cultural do povo alemão senão de sua cristianização imperfeita, de sua deficiente universalização, que, deixando à mostra as doloridas raízes da velha cultura bárbara, ocasionou a crise de regressão uterina que foi o nazismo?

É precisamente por não ter se libertado de seu apego a origens raciais e a cultos mitológicos que a Alemanha jamais alcançou, no mundo, o posto de liderança a que tão ardorosamente aspira: não há grandeza fora do senso de universalidade, que exclui por definição o apego atávico à comunidade de sangue. O destino da Alemanha é uma lição para os negros. E o anti-semitismo do sr. Louis Farrakhan não é, definitivamente, mera coincidência.
Se os portugueses, em vez de agir como agiram, tivessem dado ouvidos ao saudosismo rancoroso, apegando-se a cultos bárbaros e abominando o cristianismo como "religião dos dominadores", teriam sido varridos do cenário histórico e hoje teriam de viver da caridade dos museus de antropologia. A máxima expressão de sua cultura não seria Luís de Camões, mas alguma coisa como o sr. Pierre Verger.

E Portugal mesmo, mais tarde, ao abdicar da vocação universalista para cair no culto atávico do passado, saiu da história...

Os negros de gênio que se ocidentalizaram galhardamente, sem um gemido de rancor impotente, e que enriqueceram a cultura ocidental com suas criações imortais fizeram mais pelos seus irmãos -da sua e de todas as raças- do que os demagogos e palhaços que hoje querem não apenas escravizar os negros na adoração regressiva de cultos museológicos, mas africanizar todo o Brasil.

(Em 20 de novembro de 1997, há 20 anos, na Folha de São Paulo).

 

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  • Ricardo Bordin
  • 15 Agosto 2017

 

(Publicado originalmente em https://bordinburke.wordpress.com/)


Se fosse proposto o desafio de prever os próximos passos do regime totalitarista de Nicolás Maduro, eu cravaria sem medo de errar, baseando meu palpite tão somente na surrada cartilha de implantação do comunismo mundo afora: muito em breve, os cidadãos de nosso vizinho do norte serão tolhidos do direito de sair do país.

Se tal “privilégio” foi sonegado aos alemães que viviam no lado da nação regido pelo leninismo com a construção do muro de Berlim, aos cubanos que precisam fugir do inferno dos Castro remando em botes feitos com garrafas pet, e aos norte-coreanos que não tiveram a mesma sorte dos coirmãos do sul ajudados pelos americanos, não há porque acreditar que o mesmo fado não está reservado aos habitantes da outrora terceira terra mais rica da América Latina.

O ex-maquinista do metrô de Caracas demitido por desídia e notório sindicalista puxa-saco de Hugo Chávez está muito próximo, afinal, do xeque-mate em sua empreitada de impor o controle estatal sobre cada mínimo aspecto da vida dos venezuelanos.

Senão vejamos: tanto Executivo quanto Judiciário já estavam sob o jugo irrestrito do bolivarianismo desde a era de seu antecessor; com o advento de sua estapafúrdia Assembleia Constituinte (realizada sob o cadáver de mais de 160 pessoas famintas e desesperadas as quais a mídia brasileira não cansa de chamar de “oposição”), também o Legislativo – que tentou destronar Maduro propondo uma consulta popular que poderia antecipar o fim de seu mandato – foi totalmente abduzido pelas forças do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV); as forças armadas do país também já haviam sucumbido às aspirações ditatoriais, posto que Chávez, além de ser oriundo da caserna, logrou subjugar revoltosos que tentaram sacar-lhe do poder em 2002.

Some-se a este cenário desolador um povo desarmado, milícias municiadas até os dentes pelo próprio governo e o controle absoluto da imprensa, e pronto: não há mais como reverter – ao menos de forma pacífica – o processo que sempre inicia-se com promessas de “redução de desigualdade”, “apoio às minorias” (especialmente indígenas neste caso) e “combate às elites” – tudo regado a muito dinheiro do BNDES distribuído pela Odebrecht.

Tudo ainda piora na medida em que até mesmo os oposicionistas do regime tirânico também são socialistas – mas estes prometem não deturpar Marx pela enésima vez. E com até mesmo a Smartmatic (mesma empresa que fornece o sistema de nossas urnas eletrônicas) admitindo fraudes eleitorais, restou pouco ou quase nada a ser feito pela via democrática. Detalhe: o novo parlamento recentemente empossado já aprovou lei que restringe as futuras candidaturas aos candidatos portadores de licença expedida por este mesmo parlamento!

Dada esta conjuntura irreversível, um ponto de não retorno do dirigismo estatal, torna-se natural que a quase totalidade da população desalentada deseje deixar o país – “votando com os pés”, procurando recuperar a esperança alhures (dá para ter uma ideia do nível do desânimo desse povo quando um dos principais destinos é o…Brasil!).

O problema é que, se a ditadura bolivariana assim permitir que ocorra, escassearão os escravos que precisam laborar para manter as benesses dos apoiadores do regime – digo aqueles que se dão bem com o socialismo, não os que fazem regime de calorias forçado (animais do zoológico entre eles).

A sequência dos fatos é fácil de deduzir: eufemismos como “segurança nacional” serão utilizados como subterfúgio para dificultar ou mesmo impedir a confecção de passaportes; princípios jurídicos como a “solidariedade”, empregados para justificar a obrigatoriedade de participação dos trabalhadores na previdência social e a existência do falido SUS no Brasil, serão lançados à mão no esforço de “convencer” a todos a ficar na Venezuela e “contribuir” com a coletividade – quem sabe até mesmo sendo obrigados a trabalhar no campo, como o Mao caudilho intenciona proceder em breve; autorizações que nunca serão emitidas passarão a ser obrigatórias nos aeroportos e pontos limítrofes de estradas.

Até o dia em que, cansado de disfarçar suas reais intenções, o Estado irá baixar a cortina de ferro em definitivo, obstaculizando até mesmo que se saiba o que passa lá dentro por meio do controle severo da Internet – medida que já está entrando em vigor, bom que se diga. Mitos de Saúde e Educação modelo poderão ser construídos facilmente, tal qual se passa em Cuba.

Em suma: a Venezuela terá atingido os objetivos propostos no estatuto do Foro de São Paulo com louvor. A partir daí, histórias como a da “Fuga do Campo 14”, protagonizada por Shin Dong-hyuk, em sua jornada rumo à liberdade surrupiada em nome de um suposto bem maior, passarão a tomar lugar na América do Sul.

O Brasil demonstrou mais sorte do que juízo ao escapar de José Dirceu no Planalto, guerrilheiro que vinha sendo talhado para fazer as vezes de Maduro por aqui. Se quisermos, todavia, depender menos de eventos fortuitos (o Mensalão) para a manutenção de nossa liberdade no futuro, basta permanecer atento aos sintomas deste mal. Tudo sempre começa pelo gasto público desenfreado, como bem elucida Paulo Rabello de Castro na obra “O Mito do Governo Grátis”:

Maduro, que não tem o carisma de Chávez, precisa continuar “conquistando” o apoio da população. Agradar a todo custo é o princípio programático de qualquer governo grátis. Com esse objetivo, foram aumentados os gastos públicos com a própria máquina de governo e com propaganda. Ele manteve os 39 ministérios e criou 111 “vice-ministérios”, nisso ultrapassando muito o Brasil. Há, por exemplo, o Ministério da Transformação Revolucionária e o de Desenvolvimento Integral. Pela bizarra lógica administrativa de Maduro, cada ministério precisa de um apêndice. O da Saúde tem quatro vice-ministérios: Saúde Integral, Saúde Ambulatorial, Saúde Coletiva e Recursos, Tecnologia e Regulação. Há vice-ministérios para quase todas as atividades do governo, além do Vice-Ministério para a Suprema Felicidade Social do Povo. Existe o Vice-Ministério para a Economia Socialista, um para a União com o Povo e outro para o Desenvolvimento Produtivo da Mulher. Os mais espantosos são o Vice-Ministério para o Saber Ancestral e para a Vida e a Paz, além de um específico para as Redes Sociais.

A liberdade nunca está a mais de uma geração de ser perdida, como bem ensinava Ronald Reagan. E os venezuelanos estão aprendendo esta amarga lição da pior forma possível…

 

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  • Paulo Antônio Briguet
  • 15 Agosto 2017

 

1. Quando alguém diz que o bem e o mal não existem, ou que é preciso deixar de lado "esse maniqueísmo" e "essa moral cristã", já sei de quem se originou a conversa. Dele mesmo. O cara que deseja levar você para o inferno começa sempre por afirmar que o inferno não existe.

2. E, no entanto, o mal existe. Não só existe, como está solto no mundo. A boa notícia é que nós temos uma maneira de se defender dele: o cultivo da nossa própria consciência individual.

Ela é como um jardim, que deve ser constantemente regado, podado, cuidado. Os dois modos que você tem para cuidar deste jardim — que é você mesmo — são a cultura e a religião.
No fundo, trata-se da mesma coisa: a grande literatura e a tradição sagrada se equivalem a ponto de um escritor como Northrop Frye sustentar que todas as obras da literatura ocidental — todas, sem exceção — têm origem nos textos bíblicos. Mesmo Sade. Mesmo Nietzsche. Mesmo Henry Miller.

3. O diabo não quer que você cultive o seu próprio jardim. Ele quer você reduzido a um autômato, a um escravo totalmente desprovido de imaginação. Porque o mal só triunfa quando a maioria das pessoas não tem repertório intelectual para imaginá-lo. O diabo não quer que você conheça a verdadeira história dos ditadores e dos revolucionários (que frequentemente são a mesma pessoa).

4. Os dois grandes males do mundo contemporâneo — o globalismo e o socialismo — promovem o mal de maneira tão extrema e absoluta que se tornam inimagináveis. Assassinato, aborto, eugenia, eutanásia, tráfico de drogas, censura, destruição da família, ideologia de gênero, lavagem cerebral das crianças e jovens, mentira midiática, ateísmo obrigatório, relativismo moral, corrupção avassaladora — tudo é justificado em nome da conquista e manutenção do poder por uma elite criminosa.

5. Tudo que existe na realidade existiu antes na alta literatura ou nos textos sagrados. Os genocídios do século 20 — que superam o de todos os outros séculos somados — já estavam no Livro do Gênesis, nos Salmos, no Livro do Apocalipse, na Divina Comédia, nos Lusíadas, em Hamlet, em Macbeth, em Guerra e Paz, em Os Demônios, em Crime e Castigo, em The Waste Land, em Mensagem, em Os Sertões, em Triste Fim de Policarpo Quaresma, em O Processo, em Claro Enigma, em Admirável Mundo Novo, em 1984, em Os Rinocerontes, em Arquipélago Gulag...

6. O que está acontecendo agora na Venezuela — e que as forças do mal desejam fazer também no Brasil — é apenas uma repetição de processos revolucionários que ocorreram na Rússia, na Alemanha, na China, no Leste Europeu, no Camboja, em Cuba. Algo que já está em franco avanço na Europa e luta para conquistar os Estados Unidos. É o governo mundial, a ditadura internacional sonhada por Lênin, Hitler, Mao, Stálin e Trotsky. Esse mundo pode ter dois nomes: Getsêmani ou Jardim das Aflições.

7. Volto a dizer: só a cultura literária e a fé religiosa podem nos salvar do mal absoluto. Cuidemos do jardim de nós mesmos, para que os fazedores de deserto não venham a devastá-lo.

Fale com o colunista: avenidaparana @ folhadelondrina.com.br
 

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  • Eugênio Paes Amorim
  • 15 Agosto 2017

(Publicado originalmente na Folha de Londrina)

Há alguns dias atrás, Promotores de Justiça, acompanhados de alguns Delegados de Polícia, advogados e um Juiz de Direito, lançaram ao povo um manifesto com o destaque a que "você está sendo enganado", dando conta de várias situações de reformas legislativas e da própria aplicação das leis estão a fomentar mais impunidade e mais violência nas ruas.

Foram usados dois termos que não são novos, mas muito significativos, na referência ao trato da questão criminal brasileira, que são "bandidolatria e democídio". O primeiro, resumidamente, trata da idolatria e glamourização dos criminosos, coisas tão praticadas no Brasil. O segundo, da democratização dos assassinatos e latrocínios, que levam hoje mais de 60 mil brasileiros ao ano à perda precoce da vida. Todos temos "direito" (ou para alguns "dever") a sermos a próxima vítima.

A reação bandiólatra e democida foi imediata. Lênio Streck - ex-membro do Ministério Público Gaúcho, hoje advogado de réus acusados de crime contra o patrimônio público nas altas cortes nacionais - escreveu um texto onde, após muitos autoelogios e uma aura de superioridade por serviços prestados (99% administrativos - não tem 10% de efetiva atuação na esfera do Direito Penal que tem o mais novel dos manifestantes), afirma que o manifesto desrespeita advogados, professores e Juízes, nega a realidade do "super encarceramento", que os Promotores assinantes tem "posição prévia contra qualquer garantia", "querem que os professores ignorem a ciência e dois mil anos de conquistas", que pretendem criar a "presunção de culpa", que a prisão deve ser reservada apenas para os "réus perigosos" e que devemos ter cuidado com "discursos populistas".

Não se admite aqui que o eminente professor não tenha lido o manifesto ou que não saiba interpretar a língua portuguesa, tal qual a própria turba que ele tem por ignorante. O manifesto em momento algum critica os advogados, por compreender que estes estão na função de defesa. Onde ele leu crítica aos advogados no reclame dos 300 (reunidos em três dias - o que ele acha pouco)? Onde ele leu que se pretende suprimir todas as garantias dos réus, se o manifesto é claro em dizer que pretende fazer valer o direito das vítimas e "não só dos algozes" (portanto, em interpretação meridiana, também respeitando as garantias dos algozes)? Onde está no manifesto uma letra contra a presunção de inocência, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal?

Qual a ciência e avanço da humanidade explica que no Brasil se pode cumprir uma pena de homicídio em regime semiaberto ou de peculato com prestação de serviços à comunidade? Quais os presos "não perigosos" ele quer desencarcerar em um sistema que pune apenas 5% dos crimes hediondos e encontra-se lotado em mais de 90% de assassinos, latrocidas, estupradores, traficantes e assaltantes (não hediondo mas gravíssimo)? Qual o sentido de dificultar ainda mais as condenações no Tribunal do Júri, retirando dos autos o inquérito policial, e exigindo cinco votos condenatórios ao invés de quatro, em um país que condena menos que 1 assassino em cada 100 mortes praticadas?

Isso é democracia? Quem se opõe à impunidade é populista?

Em que mundo vivem os bandidólatras e democidas? Não enxergam, não ouvem e não conseguem fundamentalmente sentir as dores de um povo massacrado pela brutalidade dos crimes de sangue e espoliado pelos bandidos do "white collar"?

Paro por aqui. Há quem diga mesmo que toda esta maquiagem científica não passa de interesses e que a conta corrente e o ego em glória sejam as reais razões bandidólatras e democidas.

 

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  • Diego Pessi
  • 14 Agosto 2017

 

Farto com o estado de anomia a que foi reduzido o País, um grupo formado por mais de 300 Promotores de Justiça, Juízes de Direito, advogados e policiais lançou um manifesto intitulado “Você Está Sendo Enganado”. O mote do documento é a denúncia do ciclo democida promovido pelo Estado brasileiro, mediante sucateamento das forças policiais (que tiveram suprimida a capacidade de reprimir e investigar os crimes) e desmantelamento doloso do sistema penitenciário, seguidos da denúncia de sua ineficácia e oferta – a título de solução - de uma legislação ainda mais leniente e do desencarceramento de delinquentes perigosos.

O manifesto (ao qual tive a honra de aderir como signatário) ensejou diferentes reações: apoio e adesão, ostentações constrangedoras de covardia (travestidas sob as formas do bom-mocismo auto-indulgente, prudência e ponderação) e last, but not least, ataques de fúria histérica, mediante utilização de surrados expedientes da dialética erística, notadamente falácia do espantalho e ataque ad hominem.

O emprego de artifícios ignóbeis num debate de tamanha relevância não chega a ser motivo de surpresa, quer pela natureza e formação daqueles que o fazem, quer pela ingrata posição que ocupam na contenda. Dito de outro modo: não são necessárias muitas luzes para perceber que num País onde sair às ruas é, estatisticamente, um ato de coragem, soaria estranho qualificar o manifesto como alarmista. Por mais escasso que seja seu contato com a realidade circundante, os apologistas da impunidade são capazes de intuir que 60 mil homicídios por ano (sim, somos campeões mundiais em números absolutos) são algo que não pode simplesmente ser varrido para debaixo do tapete. Não por humanidade, mas por instinto de preservação pessoal, mesmo o mais jejuno dos apóstolos da bandidolatria percebe que diante dos cerca de 800 mil assassinatos (o equivalente à população de João Pessoa-PB) cometidos apenas nos últimos 15 anos (dos quais nem 10% resultaram em denúncias), dizer que “tudo vai bem” pareceria deboche. Ignorar a existência de 130 estupros registrados diariamente no Brasil poderia soar, como direi, algo misógino, sendo igualmente insano ignorar de forma explícita os mais de 985 mil roubos contabilizados numa totalização realizada no longínquo ano de 2011 (certamente a situação atual é bem pior).

Ruminando sua fúria impotente diante da veracidade apodíctica do conteúdo do manifesto, restou aos seus detratores a desesperada tentativa de transformá-lo num espantalho (afirmando que ele “fere garantias”) ou atribuir aos seus signatários algum rótulo infamante, a fim de neutralizar de antemão a discussão sobre a matéria de fundo, através da desmoralização preventiva e irremediável do inimigo. Foi exatamente isso o que fez a defensora pública Tatiana Kosby Boeira - em artigo publicado no jornal Zero Hora em dia 11 de agosto de 2017 - ao lançar mão da famosa “Lei de Godwin” e equiparar os signatários do manifesto a membros do movimento nazista. Como tudo que é ruim sempre pode piorar, a manifestação da defensora, até então um espasmo isolado de obtusidade presunçosa, rapidamente ganhou caráter institucional ao ser replicada pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul.

Causa horror e espanto o fato de que, em seu furor difamatório, defensora e Defensoria pareçam não haver percebido a gravidade da comparação realizada. Ao atribuírem aos signatários do manifesto a condição de nazistas, equipararam, ipso facto, milhares de vítimas inocentes do holocausto a estupradores, assassinos e latrocidas da pior espécie! As vítimas do nazismo, segundo essa visão, não merecem ser comparadas aos pobres inocentes abatidos como gado todos os anos no Brasil, mas sim aos seus algozes! A memória dos heróis, santos e mártires da resistência ao nazismo foi lançada no mesmo esgoto onde habitam as reputações de facínoras sanguinários: Viktor Frankl, São Maximiliano Kolbe e Anne Frank restaram reduzidos ao mesmo patamar moral de figuras como o goleiro Bruno, o Maníaco do Parque e Suzane Von Richtofen!

O banho de sangue vivido no Brasil é consequência direta dessa falta de senso de realidade e de proporções. A reação intempestiva e irracional ao manifesto corrobora seu teor e chancela o alerta emitido, mostrando que a autora do artigo - junto com outros tantos - incorre no radicalismo e cegueira ideológica que alega denunciar. O General Dwight D. Eisenhower - que viria a se tornar o 34° Presidente dos Estados Unidos – afirmou jamais haver sofrido choque semelhante ao de sua visita a um campo de concentração na cidade de Gotha, em 12 de abril de 1945. Na ocasião determinou que o horror presenciado fosse objeto de amplo e detalhado registro pela imprensa, temendo que, um dia, idiotas viessem a negar a existência do holocausto. O velho “Ike” só não contava com a possibilidade de que no futuro alguém fizesse tão pouco caso dele.

 

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  • Wambert Di Lorenzo
  • 13 Agosto 2017

 

(Publicado originalmente em Zero Hora)

 

Os gregos, mesmo não tendo inventado a cidade, perceberam nela um espaço comum e plural que exige uma técnica especial de organização: a política. Resultante da combinação dos termos "Pólis" (cidade) e "Tecné" (arte), a política é, por definição, a "arte da cidade".

Já os romanos afirmaram uma natural resistência da vida privada frente à cidade. Essencial para a liberdade, a separação entre público e privado foi uma das maiores obstinações do liberalismo que afirmou como princípios a oposição entre sociedade e Estado e a limitação da política ao ambiente público.

Na contramão, ideologias totalitárias como o comunismo e o nazismo têm como tática traiçoeira vazar o público para o privado, rompendo a barreira de contenção da privacidade. Público e privado se opõem. O ambiente público é por natureza plural, o ambiente privado é essencialmente hegemônico. É por isso que Hannah Arendt afirma que a família é antipolítica por excelência. Ela é a última trincheira da liberdade em face da própria política. A estatização da vida privada é um movimento nefasto que leva, por exemplo, ao domínio das ideologias no ensino e a à sujeição da educação dos filhos à política. Não teve recentemente uma procuradora que falou que os filhos não pertenciam aos pais, mas ao Estado? Na família não existem petralhas ou coxinhas, mas apenas irmãos e irmãs. Sua natureza é o amor, a solidariedade e a comunhão. Politizá-la é destruí-la.

Há uma tendência do senso comum de afirmar a política como uma arte de utilidade geral. Perigoso engano. Na vida privada, as relações são privadas, assim como nos negócios elas são comerciais e, no foro, são jurídicas. Hannah Arendt descreve tal confusão como crise do conceito. Quando um conceito serve para tudo, ele não serve para mais nada. E é aí que reside a vitória do totalitarismo: a morte da política. Pretender que ela seja tudo em todos é decretar o seu fim. O fim daquela arte do diálogo que pressupõe a natureza plural do espaço público e do próprio pluralismo em si.

* Advogado, professor universitário e vereador em Porto Alegre

 

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