• Olavo de Carvalho
  • 16 Favereiro 2018


Um empresário é um sujeito que ganha a vida organizando a atividade econômica. Ele acumula um capital, investe, ganha, paga suas dívidas para com os fornecedores, os empregados e o Estado, e no fim, se todo dá certo, tem um lucro. A quase totalidade do lucro é reinvestida no mesmo ou em outros negócios. Uma parte ínfima ele pode gastar em benefício próprio e da família. Se seu negócio é muito, muito próspero, mesmo essa parte ínfima basta para que ele compre mansões, iates, jatinhos e jatões, carros de luxo, cavalos de raça, e tenha, se é do seu gosto, múltiplas amantes. Em geral ele se contenta com muito menos.

Um político de esquerda é um sujeito que ganha a vida tentando jogar os empregados contra os empregadores. Ele mostra aos operários os aviões, os cavalos de raça e os carros de luxo do patrão e grita: "É roubo!" No começo ele faz isso de graça. É um investimento. Assim como o empresário investe dinheiro, ele investe insultos, gestos, caretas de indignação, apelos à guilhotina. Em troca, dão-lhe dinheiro. Ele vive disso. Quando alcança o sucesso, pode dispor de mansões, iates, jatinhos e jatões, carros de luxo, cavalos de raça e amantes em quantidade não inferior às do mais próspero capitalista.

Tanto a atividade do empresário quanto a do político de esquerda pode ser exercida de maneira honesta ou desonesta. O empresário pode dar golpes em seus fornecedores, vender produtos fraudados, sonegar o pagamento devido aos operários, ou então pode pagar tudo direitinho e vender produtos bons. Do mesmo modo, o político de esquerda pode desviar dinheiro público, utilizar-se indevidamente de imóveis do Estado, possuir sob ameaça aterrorizadas empregadinhas domésticas como o fazia Mao-tsé-tung. Ou então pode fazer tudo dentro da lei que ele próprio instaurou e ser incorruptível como Robespierre.

A diferença é a seguinte: da atividade do empresário, mesmo o mais desonesto, resultam sempre uma ativação da economia, uma elevação da produtividade, a expansão dos empregos. Esses resultados podem vir em quantidade grande ou pequena, mas têm de vir necessariamente, pela simples razão de que "empresa" consiste em produzi-los e em nada mais.

Da atividade do político de esquerda, mesmo o mais honesto, resultam sempre um aumento do ódio entre as classes, o crescimento do aparato estatal que terá de ser sustentado pelos padrões com dinheiro extraído aos empregados e consumidores, a politização geral da linguagem que transformará todos os debates em confrontos de força e, em última instância, desembocará num morticínio redentor. Esses resultados também podem vir em quantidades grandes ou pequenas, mas virão necessariamente, pois "política de esquerda" consiste em produzi-los e em nada mais.

Um empresário, honesto ou desonesto, está no auge do sucesso quando pode, sem prejuízo de seus investimentos, comprar mansões, iates, carros de luxo, jatinhos, jatões etc. Ele alcança isso quando se torna um mega-empresário. Para chegar a esse ponto, ele tem de deixar em seu rastro fábricas, bancos, plantações, jornais, canais de TV e mil e um outros negócios dos quais vivem e prosperam milhares de pessoas.

Em político de esquerda, honesto ou desonesto, está no auge do sucesso quando destruiu toda oposição às suas idéias e comanda uma sociedade fielmente disposta a realizá-las. Ele alcança isso quando se torna o chefe de uma revolução vitoriosa. Para chegar a esse ponto, ele tem de deixar em seu rastro milhares ou milhões de cadáveres, edifícios destruídos, plantações queimadas, órfãos e viúvas vagando pelas ruas, fome, miséria e desespero.

O governador Olívio Dutra acha que é imoral ser empresário e que é lindo ser um político de esquerda.

Ele não tem maturidade intelectual suficiente para perceber que o sucesso final de um empresário, mesmo desonesto, traz sempre mais bem do que mal, e que o sucesso final de um político de esquerda, mesmo inflexivelmente honesto como ele, produz uma quantidade de mal acima do que qualquer bem poderá jamais reparar.

O governador Olívio Dutra, como qualquer outro político de esquerda, tem uma consciência moral deformada por um uso falso da linguagem. Ele ouviu dizer na infância: "Lucro egoísta", "justiça social", e impregnou-se de tal modo desses símbolos verbais do mal e do bem, que pôs sua vida a serviço do que lhe parece uma nobre causa: combater as coisas que têm nomes feios e louvar as que têm nomes bonitos. Uma coisa que criou as nações mais prósperas e livres da Terra deve ser muito má, pois tem o nome hediondo de "lucro egoísta". Uma coisa que matou cem milhões de bodes expiatórios e reduziu à escravidão e à miséria um bilhão e meio de outros inocentes deve ser ótima, pois leva o belo nome de "justiça social".

Romper a unidade mágica de nomes e coisas é uma operação dolorosa. Custa vergonhas e humilhações à mente altiva. Mas é o preço da maturidade. No julgamento são do homem maduro – o "spoudaios" –, via Aristóteles a única esperança de um governo justo, do predomínio, ainda que relativo e precário, do bem sobre o mal. Não existe bem onde não existe amor à verdade, e não existe amor à verdade onde uma mente obstinada se apega ao instinto pueril de julgar as coisas pelos nomes que ostentam.

O problema do governador Olívio Dutra, assim como de milhares que pensam como ele, já foi diagnosticado por Jesus Cristo dois milênios atrás: "Na verdade, amais o que devíeis odiar e odiais o que devíeis amar." Eles pecaram contra o Espírito, protegendo-se por trás das belas palavras contra a visão das realidades feias, e receberam como castigo exatamente aquilo que pediam: a cegueira forçada tornou-se espontânea, e hoje a sua moralidade invertida lhes parece a atitude mais natural do mundo, a única maneira possível de julgar as coisas — o caminho do bem, fora do qual tudo é perdição e "lucro egoísta".

Não creio sequer que valha a pena rezar para que despertem. Eles não despertarão enquanto não enviarem milhões de seres humanos para o sono eterno.

 

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  • Paulo Delgado
  • 16 Favereiro 2018

 

Ele se amontoa sobre o país. Hiperrealiza seus desejos, usa aliados como escória. Sem álibi, mandou o genro do compadre desqualificar a acusação, e deu errado. Segue trabalhando mal o luto. Um voo tão alto, uma queda tão grande. Revelou-se político de comodidade, tirou vantagem da desonestidade e alega princípios para abafar inconveniências. Chegou ao limite de querer aproveitar da própria decadência.

Um grupo e ele saem do Fórum seguindo na direção do passeio. Embora vários do cortejo sejam mais altos e estejam à frente dele, qualquer pessoa que os observe do outro lado da rua pode ver a cabeça dele ultrapassando por uma cabeça a dos seus apoiadores. Não é perspectiva, é subalternidade. Lembra livro de Willian Faulkner, Enquanto Agonizo, onde um pai brutal impõe a todos um enterro sem fim, não deixando a vida de ninguém fluir sem ter de pensar no seu egoísmo doentio.

A calçada, esturricada pelos pisões do povo e pedras soltas, segue reta como um fio de prumo até o pé do avião emprestado onde ele os deixará, indiferente aos terrenos resvalantes que o levaram a escorregar. Antes de embarcar, mirando o dilúvio, determina: meu reino por minha vitimização, façam ferver o coração, vai ser longa a condolência. Preparem o caixão e, se der certo, enterrem, com a toga preta do Supremo, o princípio da igualdade de todos perante a lei.

Alguns aliados não aduladores sentiram que havia alguma coisa ruim. Nem em silêncio era razoável aquela insensatez de celebrar como triunfo uma calamidade. Nem apropriado apiedar-se de um político mais que do povo. Uns diziam que era anomalia necrológio de homem vivo; outros, que não se chama crime de perseguição; todos julgavam sinistro candidato cuja glória é ser condenado por mentir.

Ele estava se esvaziando rapidamente. Um tique nervoso, fruto de soberba banal, o levava a referir-se a si mesmo na terceira pessoa. “Não há qualquer rival de ‘o líder’ em todo o firmamento.” Era assim mesmo que se chamava, “o líder”, apelido privado que incorporou ao nome, marca da sua ambiguidade pública.

Como numa piada, arrumou advogado na ONU. Sentia-se um país. Não queria mais suar. Botaram na cabeça dele que se é vontade de Deus que as pessoas tenham opinião diferente sobre honestidade não cabe a ele discutir desígnios divinos. Suas proezas entardeceram e começaram a alimentar uma ordem política incapaz de produzir valores sociais. Vazio, deixou-se preencher pelo maior valor do mundo moderno, o ouro de tolo, que lambuza no presente a consequência do futuro.

Quando mais se encheu de medalhas, mas se esvaziou de ideias. “A abundância de diploma acaba com o diploma”, alguém alertou, e foi expulso da sala. E uma pessoa vazia na política não é mais um político. Enchendo-se de autoelogios e fúria, logo ele não sabe se é ou não é, ou que é que de fato é. Saiu do trilho, aumentou necessidades, até que as dádivas deram por conhecidos seus favores.

Enfraqueceu a autoridade por seu abuso e o hábito de confundir poder com relação e intimidade. No mundo das decisões apressadas, dissimulações, das interdições sobre as quais ninguém tem domínio, da liberdade irresponsável de ser o que você quiser ser, a transgressão percebeu a melhor das convergências. Com a autoridade participando, o erro ganha mais velocidade.

Seu talento para a evasão o tornou conhecido como aquele político “veloz estruturador de negócios e soluções”. Logo que recebeu a resposta da carta enviada aos brasileiros donos de banco, escrita em inglês, percebeu que pecado-salvação é mera questão de palavra. Harmonizou-se com a parceria de talentosos ocultadores de intenções para montar as ladainhas, a lenga-lenga a que deu o nome de política de governo.

Quando a Justiça abriu a porta dos seus transtornos desesperadores, ele já havia caído na mais sedutora armadilha da política atual, o dinheiro fácil, e não quis reconhecer o que fez. Saiu em desespero para pagar a promessa de 40 anos atrás. Mas sem dizer o que deveria ter dito ao juiz – o que o deteria na certeza de que alcançar seu objetivo primordial de ser respeitado, ser alguma coisa nova, é que compunha seu élan vital – pressupôs que a condição de vítima evitaria o caminho da desmoralização. Ele voltou a suar, como se estivesse espumando, feito um cavalo desembestado, convocou adoradores, dependentes, para a velha modalidade de ação heroica – camisa de partido, candidatura, comício, farisaísmo – na tentativa desesperada de incinerar a sentença e botar fogo na pavorosa jornada da Justiça de ousar apontar o dedo para quem sempre fez o que quis e nunca foi tão adequadamente contrariado.

Quando ouviu “estamos aqui e você tem de lidar conosco”, percebeu que escondera dos amigos o que os inimigos já sabiam. Falhou em grandeza, foi-se a profecia. Quem dera fosse capaz de suportar o sucesso com mais honestidade e a adversidade com mais autocontrole.

Um partido de esquerda moderno e com capacidade de diálogo deve parar de tratar de forma errada o erro. E reconhecer que um período de governo com um presidente deposto, três ex-presidentes da Câmara, senadores e inúmeros ministros de Estado presos ou processados, dirigentes partidários e governadores confinados ou envolvidos, a maior empresa do País dilapidada, a autoridade olímpica nacional presa, o bilionário do período encarcerado, a Copa investigada, fundos de pensão arruinados, o BNDES um clube de amigos, grandes empresários condenados, frugal intimidade com ditadores, etc., não foi um período virtuoso.

O que “o líder” quer é o refluxo da identidade perdida, fugir da responsabilidade confinado na condição de perseguido. Pelo alto, espalha simulacros de habeas corpus, certo de que a Justiça dos privilegiados prevalece e o ressuscita, como Lázaro. Por baixo, mantém agitada a agonia, seguro de que a manipulação do povo reabsorve a desordem que ele criou e a dissolve na sociedade até sumir sua autoria.


* Paulo Delgado, sociólogo, cumpriu seis mandatos consecutivos de deputado federal pelo PT/MG
** Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.
 

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  • Gilberto Simões Pires, em Ponto Crítico
  • 15 Favereiro 2018



DUAS GERAÇÕES

Há quem esteja convencido de que o atraso imposto ao nosso empobrecido Brasil, pelos neocomunistas capitaneados por Lula e Dilma, dependendo da forma como for atacado deve levar algo como duas gerações para ser recuperado.


CULTURA DO ATRASO INTACTA
Pois, para quem se dispõem a ler com razoável atenção e despido de ideologia a história do nosso Brasil, vai perceber, claramente, que desde a -descoberta-, em 1500, inúmeras gerações passaram por aqui e mesmo assim boa parte da cultura do atraso continua intacta. 

VOO DE GALINHA
Chama muito a atenção, por exemplo, que só nos últimos QUARENTA ANOS os períodos de crescimento econômico foram sempre inferiores aos períodos de crises. O que comprova a enorme semelhança que a economia brasileira guarda com o chamado VOO DE GALINHA.

TRAJETÓRIA HISTÓRICA
A nossa trajetória histórica, principalmente econômica, que já referi em editoriais anteriores, especialmente a partir de 1974, quando Ernesto Geisel assumiu a presidência do Brasil, informa, com absoluta nitidez, a notória dificuldade que apresentamos para aproximar o nosso sistema educacional com a importante ampliação da produtividade.

CICLOS EFÊMEROS

A simples constatação destas verdades absolutas nos levam a entender, com precisão, as razões para esse já crônico, ou quase eterno, BAIXO DESENVOLVIMENTO. Bem diferente do que experimentamos antes de 1974, quando os ciclos de crescimento não se mostravam tão efêmeros.

BAIXA EFICIÊNCIA
Como se isto não bastasse, os brasileiros ainda continuam obrigados a arcar com o nojento custo de carregamento da nossa BAIXA EFICIÊNCIA. Desde a chegada da Corte de Portugal, sem tirar nem por, a sociedade brasileira é obrigada a bancar a cultura dos privilégios do setor público. Nem esta fantástica e gigantesca INJUSTIÇA SOCIAL, onde a Previdência dos Servidores Públicos é a grande protagonista, consegue mudar a cultura e a vontade de boa parte do povo brasileiro. Pode?

 

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  • Profª Cristiane Lasmar
  • 15 Favereiro 2018

 

Já há algum tempo, no curso de um movimento iniciado no hemisfério norte, vem sendo disseminada nas escolas brasileiras a chamada “ideologia de gênero”. À revelia dos pais, crianças e adolescentes têm sido expostos a um discurso sobre os sexos que, além de os levar a interpretações errôneas da realidade, os torna confusos e vacilantes em relação à circunstância mais básica e evidente da existência humana: o fato de alguém ser homem ou mulher. O que vem ocorrendo é um verdadeiro abuso moral. Dada a importância do assunto, resolvi dedicar a ele uma série de artigos.

A “ideologia de gênero” é um emaranhado de postulados sem comprovação científica, desarticulados e muitas vezes contraditórios entre si, que transitam entre temas como “identidade de gênero”, “transgeneridade”, “orientação sexual” e “desigualdade de gênero”. Nesse artigo, vou tratar do primeiro tema, ou seja, da pressuposição de que ser homem ou ser mulher nada teria a ver com o fato de se nascer com um corpo masculino ou feminino, sendo antes matéria de decisão pessoal. Ou, alternativamente, de que uma pessoa pode “descobrir” que não é nem homem nem mulher, havendo um cardápio de mais de 50 gêneros já catalogados e disponíveis à escolha. O “gênero” seria não só algo descolado do sexo biológico, como teria o poder de anulá-lo.

É com base nessas ideias delirantes que os promotores da “ideologia de gênero” militam pela implementação de uma pedagogia escolar que estimula meninos e meninas a realizarem atividades, usarem roupas, e brincarem com objetos tradicionalmente associados ao sexo oposto. Em certas escolas, chega-se ao paroxismo de proibir o uso de pronomes distintivos de gênero, que são substituídos por um pronome “neutro” inventado artificialmente com esse fim. Segundo essa cartilha, as crianças devem ser educadas num ambiente de completa indistinção, alienadas, o máximo possível, de sua condição sexuada. Mas não nos deixemos iludir: essa ideologia é essencialmente política e nada tem de libertária.

Não se trata de dar liberdade para que as crianças sejam meninos ou meninas à sua própria maneira, e sim de fomentar dúvidas e questionamentos em relação à sua própria identidade. O objetivo não é combater discriminações e preconceitos, estimular o respeito às diferenças, etc, e sim planificar a visão de mundo das novas gerações, por meio da desconstrução do conceito tradicional de família e do ataque à heteronormatividade. Não por acaso, nas escolas cujos currículos já foram invadidos pela “ideologia de gênero”, os estudantes também são permanentemente expostos a um discurso de crítica ao modelo universal de família baseado na complementariedade entre marido e mulher.

De onde vem a “ideologia de gênero”? O que chega nas escolas é uma versão popularizada de ideias gestadas no contexto das disciplinas universitárias agrupadas sob o título de Humanidades, e posteriormente disseminadas com o auxílio da mídia. A partir da década de sessenta, essas disciplinas foram se tornando gradativamente comprometidas com a pauta da segunda onda feminista, focada na crítica aos fundamentos da cultura judaico-cristã, e na revolução dos costumes. Nos anos noventa, já haviam acolhido também os anseios da militância LGBT. Porém, apesar de sua origem acadêmica e de seu verniz pseudocientífico, a “ideologia de gênero” se baseia em formulações desprovidas de rigor intelectual e sem nenhum compromisso com a realidade dos fatos associados aos sexos. Vamos então aos fatos.

Meninos e meninas nascem diferentes, não só no que se refere à fisiologia genital e reprodutiva, mas também à composição hormonal e à estrutura psíquica. Numa visada geral, essas diferenças se refletem nos modos de se desenvolver e de se comportar, assim como em suas respectivas seleções recorrentes de interesses. A partir dos três anos de idade, quando as capacidades verbais e motoras já estão mais desenvolvidas e as crianças adquirem competência para expressar suas disposições e habilidades, alguns padrões se tornam evidentes.

Por exemplo, é fato notório que, em média, os meninos desenvolvem a coordenação ampla (relacionada aos atos de correr, pular, escalar, etc.) ligeiramente mais cedo, ao passo que as meninas se antecipam no desenvolvimento da coordenação fina (relacionada às habilidades de desenhar, escrever). A maioria dos meninos costuma vibrar com brincadeiras de lutar, escalar e deslizar pelo chão, ao passo que a maioria das meninas prefere movimentar-se de maneira mais estruturada, ou, pelo menos, não tão explosiva e arriscada. Do ponto de vista linguístico, é comum que as meninas falem e ampliem o vocabulário mais cedo, sendo também mais sensíveis aos sinais de comunicação não-verbal. Por fim, podemos citar ainda tendências diversas nas formas de sociabilidade, os meninos preferindo brincar em grupos maiores e mais erráticos, e as meninas sendo mais inclinadas a formar grupos coesos ou pares de afinidade.

Os promotores da “ideologia de gênero” alegam que esses padrões não seriam expressão de diferenças naturais entre os sexos, e sim resultado de um processo de socialização que induziria as crianças a se comportarem de acordo com os “estereótipos sexuais da sociedade ocidental”. Ora, ao defender essa ideia, eles fazem vista grossa para dois conjuntos de dados muito importantes. Por um lado, para toda a produção das neurociências a respeito das correlações entre o comportamento de homens e mulheres, e o modo como funcionam os seus respectivos sistemas hormonal e neuronal. Por outro lado, para o fato de que, a despeito de variações culturais de nível superficial, esses padrões se revelam histórica e etnograficamente recorrentes, estando longe de representar uma exclusividade da sociedade ocidental. Mas os promotores da “ideologia de gênero” não gostam de discutir dados que contrariem as suas teses e os seus projetos de engenharia social. Sendo assim, temos mais um motivo para impedi-los de participar da educação de nossas crianças, a saber, a sua desonestidade intelectual.

Educar uma criança consiste em oferecer-lhe os meios para que desenvolva, da maneira mais elevada possível, as suas potencialidades individuais, o que inclui dar plena expressão à sua condição sexuada. Nesse sentido, devemos ajudá-la a cultivar os seus melhores talentos não só para a vida em comunidade, mas também para a vida na intimidade da família que provavelmente irá formar. Nunca houve, em lugar ou tempo algum, exceto na mídia e nas universidades do Ocidente pós-moderno, quem deixasse de compreender o papel que as diferenças naturais entre homens e mulheres cumprem no sentido de prover a estrutura familiar com o máximo de recursos que concorram para o seu sucesso. Porém, para aqueles que desejam o esfacelamento da família tradicional, nada que propicie a complementariedade entre os sexos deve ser legitimado.

Isso explica, por exemplo, a aversão dos promotores da “ideologia de gênero” às clássicas brincadeiras de menina e menino, bem como a sua insistência em criticá-las. Para eles, uma menina pode brincar de ser médica, empresária, astronauta ou presidente de um país, mas a fantasia de ser mãe ou dona de casa precisa ser desconstruída. Melhor guardar a boneca e as panelinhas antes que ela tome gosto. Do mesmo modo, é preciso impedir que os meninos se percebam ágeis, fortes e resistentes. Urge proibir a brincadeira de luta e dar sumiço na capa de super-herói. Pois se um homem confiante e corajoso é um bem incalculável para uma família, para a ideologia de gênero ele representa um empecilho e tanto.

Mas o que dizer das meninas que não ligam para bonecas e dos meninos que não gostam de brincar de luta? Ora, não há absolutamente nada de errado com essas crianças. Evidentemente, não seria de se esperar que as diferenças naturais entre os sexos se atualizassem da mesma forma, e na mesma medida, nas predisposições e preferências individuais de todas os meninos e meninas. Escolhi citar tais brincadeiras menos por sua recorrência (que, no entanto, é real), e mais pelo fato de serem tão combatidas pelos promotores da “ideologia de gênero”. Mas deixo o assunto para o próximo artigo. Esse aqui já está muito longo e preciso finalizá-lo com um alerta.

Pais e mães, redobremos a nossa atenção. Não deixemos que os nossos filhos sejam usados como massa de manobra por pessoas que não hesitarão em se aproveitar de sua imaturidade intelectual e psicológica. Precisamos ficar de olho no modo como a escola lida com essas questões, e sempre atentos ao nível de transparência de suas ações pedagógicas. Não podemos abrir mão de nossas prerrogativas parentais, permitindo que crianças saudáveis e cheias de energia criativa sejam transformadas em pequenos militantes angustiados e ansiosos em relação ao seu próprio modo de ser. Seja ele qual for.

* Publicado originalmente em https://infanciabemcuidada.com/2017/09/
** Mestre e doutora em Antropologia, ex-professora universitária e pesquisadora acadêmica. Atualmente é proprietária e diretora de uma escola de educação infantil. Editora do blog infanciabemcuidada.com

 

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  • Marcos Eduardo Rauber, Promotor de Justiça
  • 13 Favereiro 2018

 


Não é novidade a prática de rotular pejorativamente pessoas cujas opiniões e condutas destoam da cultura hegemônica em determinada época, independentemente da razoabilidade lógica ou legitimidade moral de suas motivações e argumentos. A etiqueta preferida é a que lhes imputa a condição de “loucas”.

Na história da humanidade sobejam exemplos de vítimas desse infame artifício. Gênios como Leonardo da Vinci (1452-1519), Isaac Newton (1643 a 1727), Alexander Graham Bell (1847 a 1922), Thomas Edison (1847 a 1931), Nikola Tesla (1856 a 1943), Albert Einstein (1879 a 1955) e tantos outros vultos da ciência e das artes foram classificados como “loucos” por seus contemporâneos, em razão de suas ideias e de seus comportamentos considerados excêntricos frente aos padrões tidos por “normais”. Muitos deles, enquanto não alcançaram reconhecimento por suas descobertas ou feitos extraordinários, foram perseguidos, ridicularizados, ofendidos e discriminados pela intelligentsia.

Mas ainda antes, entre 60 e 62 d.C., a narrativa constante do livro dos Atos dos Apóstolos, cuja autoria é atribuída ao evangelista Lucas (médico e historiador), dá conta de que o mesmo rótulo foi lançado sobre Paulo de Tarso (o Apóstolo dos gentios) quando exercia sua autodefesa de falsas acusações perante o Rei Herodes Agripa II e Pórcio Festo, Governador da Cesaréia, capital da província romana da Palestina (Capítulo 26, versos 1 a 23). Enquanto Paulo discursava, inclusive narrando as circunstâncias de sua repentina e surpreendente conversão de perseguidor implacável da Igreja Cristã à condição de pregador do cristianismo, Festo o interrompeu em alta voz, bradando: “Estás louco, Paulo; as muitas letras te fazem delirar!” (verso 24). Paulo, por sua vez, replicou destemidamente, com autoridade de quem diz a verdade: “Não deliro, ó excelentíssimo Festo, antes digo palavras de verdade e de perfeito juízo.” (verso 25).

Ora, Paulo não era um plebeu iletrado. Tampouco padecia de doença mental. Ao contrário, era homem culto e erudito, poliglota (falava e escrevia em hebraico, aramaico, latim e grego), instruído segundo toda a lei judaica, em Jerusalém, pelo famoso Rabino Gamaliel (um dos maiores e mais ilustres doutores da Lei na época), além de ser conhecedor da cultura e filosofia greco-romana (vide Atos 5:34, 13: 17-41, 17:18, 22:2 e 3, 23:6; Filipenses 3:5; I Coríntios 14:18). Paulo fora alguém respeitado por seus concidadãos, tanto que merecera confiança e delegação de autoridade dos líderes judaicos para perseguir, prender e até matar cristãos, como o mártir Estevão (Atos 7:54 a 8:3). Mesmo assim e apesar de seu bem articulado e veemente discurso, que por pouco não convenceu o Rei (“E disse Agripa a Paulo: Por pouco me queres persuadir a que me faça cristão!”
Atos 26:28), foi arbitrariamente interrompido e tachado de “louco” porque sua fala e conduta destoavam do padrão ditado pela hegemonia cultural vigente. Um raso e conhecido artifício da erística , para desacreditá-lo e desmoralizá-lo publicamente diante da autoridade e demais presentes, que o ouviam atenciosamente.

Guardadas as devidas proporções e circunstâncias, fato é que atualmente, neste mundo pós-moderno, em que importantes valores civilizatórios estão sendo questionados e postos “de ponta cabeça”, a infame etiquetagem continua “de vento em popa”. E com objetivo claro: humilhar, constranger, calar, isolar e lançar no ostracismo todos aqueles que ainda os defendem e cultivam, mantendo-os sob efeito da “espiral do silêncio”.

Nos dias que correm, para tornar-se potencialmente merecedor do rótulo de “louco” basta que o sujeito, por exemplo:

1) esteja casado com pessoa do sexo oposto há mais de 05 anos, valorize o casamento heterossexual monogâmico e se desvie deliberadamente das oportunidades de adultério;

2) priorize a vida familiar e a participação na educação dos filhos, abdicando de momentos de lazer com amigos e/ou da ascensão e fama profissional, se inconciliáveis estes com aqueles;

3) considere seu trabalho mais do que fonte de renda ou status, mas algo que lhe dá sentido à vida, uma vocação e uma oportunidade de servir ao próximo e promover o bem comum (alto risco de classificação como “megalomaníaco”);

4) creia em valores morais absolutos e imutáveis, busque viver de forma coerente com sua fé, participe de alguma igreja, contribuindo financeiramente e/ou prestando serviços voluntários nos finais de semana e horários de folga (alto risco de classificação como “fanático”, “fundamentalista religioso”, “radical”, “puritano” etc);

5) aprecie músicas eruditas ou populares de boa qualidade técnica, com letras que não exaltem a licenciosidade sexual, a objetificação do ser humano, a malandragem ou o banditismo (além da etiqueta de loucura, atrai classificação de “pedante”, “elitista”, “chato”, “moralista” etc.);

6) tenha aversão a pichações em locais públicos, exposições de “arte moderna” ou “queer”, considerando-as expressões de mau-gosto e/ou manifestações ofensivas (afora o label da insanidade, podem recair acusações de censura e preconceito, bem como adjetivações de “retrógrado”, “antiquado”, “reaça” etc);

7) acredite que a escola deve ensinar língua portuguesa (conforme a norma culta), matemática, biologia, física, química, geografia, história e outras matérias do currículo, com isenção político-ideológica, ao passo que à família compete educar crianças e adolescentes (inculcar-lhes valores éticos, morais, religiosos e a orientação sexual);

8) acredite no mérito e no esforço individual como meios para alcançar êxito na vida pessoal e profissional, enunciando ressalvas ao sistema de cotas raciais;

9) expresse sua indignação e intolerância à criminalidade, manifestando-se pelo direito à posse/porte de armas de fogo pelos cidadãos para exercício do direito de legítima defesa, pela maior severidade na aplicação das penas privativas de liberdade e rigor na execução penal, pela redução da maioridade penal, pela admissibilidade da prisão perpétua ou da pena de morte, preconizando defesa dos direitos humanos das vítimas;

10) enuncie opiniões contrárias ao aborto, à legalização das drogas, à pregação da ideologia de gênero nas escolas, à erotização infanto-juvenil, ao casamento homoafetivo e à participação de indivíduos transgênero em competições esportivas com indivíduos do sexo oposto , inclusive em lutas de MMA, em que indivíduos biológica e fisiologicamente do sexo masculino/homens - em evidente superioridade física - agridem violentamente e subjugam indivíduos do sexo feminino/mulheres! (estes posicionamentos ensejam, é claro, xingamentos clássicos como “machista”, “fascista” e “homofóbico”).

Veja-se que muitos desses comportamentos ou opiniões não causariam maior estranheza há alguns anos ou décadas. Contudo, a cultura da sociedade ocidental sofreu gradual subversão, sendo atacada por uma espécie de surto anticivilizacional. O que outrora revelava virtude e era incentivado como sendo bom e salutar, passou a ser apontado como sintoma de loucura, motivo de escândalo, xingamentos, quando não de imputações criminais! 

Por outro lado, a promoção ostensiva de pautas ditas progressistas, como a liberação do aborto (“meu corpo, minhas regras”), a legalização das drogas, a volubilidade e descompromisso nas relações amorosas e sexuais, a ridicularização dos conceitos tradicionais de casamento e família e sua substituição por qualquer tipo de união afetiva, a doutrinação escolar acerca das questões de gênero (mesmo que em contrariedade à orientação sexual, moral e religiosa da família), a estimulação sexual prematura de crianças e adolescentes, a igualdade absoluta entre indivíduos transgêneros e aqueles com sexo biológico e “gênero” harmônicos, o desarmamento da população civil, a pregação da falência da pena de prisão e o desencarceramento em massa como medida necessária à tutela dos direitos humanos de criminosos, a glamourização destes como agentes revolucionários em luta contra injustiças sociais e a demonização das polícias (cujos agentes são presumidos arbitrários, torturadores e assassinos de inocentes), são tidas como provas cabais da mais absoluta sanidade mental, neutralidade, prudência e bom senso do indivíduo. E mais: sem qualquer risco de que a excessiva abertura da mente pudesse vir a ejetar seu cérebro, como advertia G. K. CHESTERTON.

Mas como se chegou a essa situação? FLÁVIO GORDON, Doutor em Antropologia Social pela UFRJ, observa que para determinar a média da opinião pública (na verdade, opinião publicada), fabricando um aparente consenso social, “Basta que a classe falante cole naqueles que destoam de seus valores rótulos tais como ‘fanáticos’, ‘extremistas’, ‘ultrarreligiosos’, ‘reacionários’ ou ‘polêmicos’, fazendo com que pareçam portar uma visão parcial e radical do mundo, alheia à racionalidade padrão da opinião pública. Assim, a excêntrica visão de mundo de uma casta social minoritária acaba fazendo as vezes da normalidade sadia, ao passo que valores da maioria são ridicularizados e desprezados como aberrações patológicas, furto de mentalidades pouco esclarecidas.”

Foi exatamente o que ocorreu no Brasil. A elite cultural brasileira, secularizada e contrária aos valores morais e sociais tradicionais, apregoados pelas religiões de matriz judaico-cristã, conseguiu dominar grandes setores da mídia, das artes e da academia, influenciando também as esferas político-administrativas do Estado. Assim, logrou inocular aos poucos na sociedade sua particular visão de mundo, impondo à população brasileira – ainda majoritariamente conservadora - um moralismo próprio, o politicamente correto. Os que ousam desviar-se dessa cartilha – mesmo em um Estado Democrático de Direito que tem no pluralismo político um de seus fundamentos (art. 1º da CF/88) e que reconhece como direitos fundamentais a liberdade da expressão do pensamento e de crença religiosa e convicção filosófica ou política (art. 5º, incisos IV, VI e VIII, da CF/88) – são rapidamente alcunhados “loucos”, “reacionários”, “radicais” e “extremistas”, passando a ser vistos com desconfiança, tornando-se motivo de escárnio e maledicência, pouco importando sua honradez pessoal, sua competência e qualificação intelectual ou profissional e a razoabilidade de seus argumentos. O resultado é que a maioria se cala, temendo a exposição ao ridículo ou mesmo sofrer represálias.

O mais incrível é que esses etiquetadores de plantão são os mesmos que enchem a boca para pregar tolerância, liberdade e democracia. Apenas discurso, todavia, pois o pensamento que lhes perpassa as mentes é similar àquele confessado pelo jornalista americano Nicholas Kristof, do New York Times: “Aceitamos muito bem as pessoas que não se parecem conosco, com a condição de que pensem como nós.”

Contudo, perseguições, ironias e zombarias à parte, os resultados desse pseudoprogressismo político-ideológico e cultural no Brasil são gritantes e falam por si: 61.619 assassinatos por ano (em 2016) ; 01 roubo ou furto de veículo por minuto (em 2017) ; 437 policiais civis e militares mortos (em 2016), um aumento de 17% em relação ao ano anterior (2015) ; 79º lugar no ranking de desenvolvimento humano da ONU ; 88º lugar do ranking de educação da UNESCO ; 7ª maior taxa de gravidez na adolescência na América do Sul (65 gestações para cada 1.000 meninas de 15 a 19 anos) ; 05 casos de exploração sexual de crianças ou adolescente por dia (entre 2003 e 2008) , alcançando o vergonhoso 1º lugar no ranking da exploração sexual infanto-juvenil na América Latina (em 2012) ; 23.973 crianças e adolescentes vivendo nas ruas de 75 cidades com mais de 300.000 habitantes e outras 47.000 crianças e adolescentes em abrigos ; índices de transmissão e contágio de doenças sexualmente transmissíveis em crescimento . E, como sabido, nada há que não possa piorar, em seguindo a carruagem nos mesmos trilhos em direção ao despenhadeiro.

Frente a essa realidade alarmante a conclusão não poderia ser outra: o País precisa de menos gente passiva seguindo a manada, sob a toada do politicamente correto, e de mais “loucos virtuosos”. A agonizante nação brasileira reclama homens e mulheres de coragem, que, a despeito de risinhos irônicos, chacotas, indiferença ou ira dos que se intitulam “normais” e “ponderados”, aceitem o desafio de viver e trabalhar arduamente para conservar e restaurar as tradições e valores que sempre e em qualquer lugar garantiram a harmonia, a estabilidade e a prosperidade da civilização humana, preservando-a dos efeitos nefastos da barbárie. Eis uma loucura sábia, pois como adverte THEODORE DALRYMPLE, “o sábio questiona apenas aquelas coisas que merecem questionamento.”

* Marcos Eduardo Rauber, Promotor de Justiça no RS

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O mesmo Paulo, em sua segunda Epístola aos Coríntios, deixou expressa sua plena devoção à verdade, ao sentenciar: “Porque nada podemos contra a verdade, senão pela verdade.” (2 Coríntios 13:8).

2 Como leciona OLAVO DE CARVALHO, em prefácio à obra Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas (Dialética Erística), de ARTHUR SCHOPENHAUER (Rio de Janeiro, Topbooks, 1997, pp. 40-41), “A erística, em suma, é uma arte da discussão contenciosa, que, utilizando os instrumentos da dialética, da sofística, da erística e da retórica aristotélicas, abrange também os aspectos psicológicos do duelo argumentativo, ao mesmo tempo em que deixa de lado as regras de ordem ética que faziam da dialética aristotélica um instrumento confiável de investigação.” No caso, o artifício utilizado é definido por SCHOPENHAUER como “rótulo odioso”, porquanto “Um modo rápido de eliminar ou, ao menos, de tornar suspeita uma afirmação do adversário é reduzi-la a uma categoria geralmente detestada, ainda que a relação seja pouco rigorosa e tão só de vaga semelhança.” (Op. cit. p. 174). Assim, afirmar arbitrariamente que as ideias do debatedor são “loucura” se enquadra no conceito dessa detestável técnica erística.

3 NOELLE-NEUMANN, Elisabeth. The Spiral ou Silence: Public Opinion, our Social Skin. Chicago & New York: University of Chicago Press, 1993.

4 https://www.gazetaesportiva.com/campeonatos/superliga-feminina-de-volei/fivb-ratifica-inclusao-de-transgeneros-no-volei/, e https://www.gazetaonline.com.br/esportes/mais_esportes/2018/02/desempenho-da-trans-tiffany-na-superliga-feminina-provoca-discussao-1014118430.html, acessados em 13.02.2018.

5 http://sportv.globo.com/site/combate/noticia/2013/05/lutadora-transexual-vence-luta-com-alanah-jones-por-finalizacao-no-cfa.html, e https://www.youtube.com/watch?v=f_SRrT00szI, acessados em 13.02.2018.

6 "O objetivo de abrir a mente, assim como o de abrir a boca, é fechá-la novamente com algo sólido dentro. (...) Não seja tão mente aberta que o cérebro caia para fora". (https://www.facebook.com/chestertonnobrasil/posts/716468081753047?comment_id=1290533637679819&comment_tracking=%7B%22tn%22%3A%22R2%22%7D, acessado em 13.02.2018); citado também por GORDON, Flávio, A Corrupção da Inteligência: Intelectuais e Poder no Brasil. 1. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2017, p. 325.

7 GORDON, Flávio. A Corrupção da Inteligência: Intelectuais e Poder no Brasil. 1. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2017, pp. 66-67.

8 https://exame.abril.com.br/geral/pesquisa-ibope-comprova-que-brasileiros-estao-mais-conservadores/ , acessado em 12.02.2018.

9 Citado por GORDON, Flávio, op. cit. p. 338.
10 https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/brasil-registra-o-maior-numero-de-homicidios-da-historia-em-2016-7-pessoas-foram-assassinadas-por-hora-no-pais.ghtml, acessado em 12.02.2018.

11 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1931061-brasil-tem-1-roubo-ou-furto-de-veiculo-a-cada-minuto-rio-lidera-o-ranking.shtml, acessado em 12.02.2018.

12 http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2017/10/saiba-em-que-estados-policia-mais-morre-e-em-quais-mais-mata-no-brasil.html, acessado em 13.02.2018.

13 https://g1.globo.com/mundo/noticia/em-79-lugar-brasil-estaciona-no-ranking-de-desenvolvimento-humano-da-onu.ghtml, acessado em 12.02.2018.

14 https://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/brasil-fica-em-88o-lugar-em-ranking-de-educacao-da-unesco/, acessado em 12.02.2018.

15 https://nacoesunidas.org/brasil-tem-setima-maior-taxa-de-gravidez-adolescente-da-america-do-sul/

16 https://www.unicef.org/brazil/pt/media_13759.html, acessado em 13.02.2018.

17 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/11/21/alfredo-nascimento-brasil-ocupa-topo-do-ranking-de-exploracao-sexual-infantil-na-al, acessado em 13.02.2018.

18 http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/23-mil-criancas-ainda-vivem-nas-ruas-no-brasil-epp6r1bvny1r1impam9dv7426 . acessado em 12.02.2018.

19 https://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-tem-47-mil-criancas-em-abrigos-mas-so-7300-podem-ser-adotadas-21384368

20 https://saude.abril.com.br/bem-estar/numero-de-infeccoes-sexualmente-transmissiveis-nao-para-de-crescer/, acessado em 12.02.2018.
 

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  • Francisco Ferraz
  • 13 Favereiro 2018

 

Termos como carisma popularidade e desempenho muitas vezes são tratados como sinônimos de legitimidade, conceito central da teoria da política.

Legitimidade conota a ideia de correção, justiça, obrigação moral que são internalizados pelos indivíduos, isto é são incorporados à sua consciência como valores pessoais, como princípios para orientar suas ações.

Pela internalização desses valores incorporam também o sentimento de que eles devem ser respeitados, sob pena de tornar-se réu e culpado no Tribunal de sua consciência.

Assim ocorre também com os princípios que regem nossas relações pessoais. Nós internalizamos regras de convívio em sociedade e de relacionamento pessoal que, se contrariadas seremos punidos por aquela sanção moral de foro íntimo.

A internalização de normas tem, portanto, o poder de dispensar ou reduzir o uso de sanções externas para assegurar o seu cumprimento. Se os alunos internalizaram a norma de que “não se pode colar”, o professor pode deixá-los as sós que não vão colar. De forma análoga, o trânsito seria absolutamente inviável se a maioria dos motoristas não obedecesse as suas regras voluntariamente.

“Quanto mais legítimo for o sistema político, menos ele terá que recorrer à coerção, para assegurar o cumprimento de suas leis e, inversamente, quanto menos legítimo, mais dependerá da coerção para se fazer respeitado”

Esta é uma regra universal da política, válida em todos os tempos e lugares. Não é por outra razão que todos os regimes buscam dotar a sua autoridade de legitimidade.

O sistema político ilegítimo, isto é, em conflito com os valores mais importantes de sua população, somente se sustenta com base na coerção; no uso ou ameaça de uso da coerção física.

Apoiar uma ordem política na coerção tem um custo muito elevado, seja para garantir a estabilidade das instituições, seja no custo econômico e organizacional do aparato coercitivo para vigiar, controlar e punir.

A legitimação de uma ordem política é, portanto, crucial para a sua sobrevivência e funcionamento.

Significa que os indivíduos internalizaram suas regras básicas como justas, válidas e como tais, moralmente vinculativas. Ao obedecerem às leis e normas, baixadas pela autoridade legítima da forma legítima, estarão seguindo seus próprios princípios.

O sistema político, desta forma, ganha o auxílio da consciência individual para assegurar a anuência às suas normas, relegando o uso do aparato coercitivo para aquele resíduo minoritário de indivíduos que escolhe desrespeitá-las.

Legitimidade e popularidade

Legitimidade, porém não significa o mesmo que popularidade. Este é um equívoco que conduz a ilusões e desastres políticos. Sobretudo numa época de política de massas, artistas, atletas, personagens da TV e do rádio são vistos por muitos como potenciais líderes políticos, já pré-legitimados pelo bafejo de sua popularidade.

Embora, sobretudo em momentos de crises isso seja bastante comum, democracias estáveis e consolidadas “filtram” candidatos que provêm desses surtos de entusiasmo.

Alguns políticos populistas conseguem criar em torno de si sentimentos de admiração, confiança e fidelidade que se aproximam de uma legitimidade carismática. Entretanto, poucos conseguem percorrer este trajeto até conquistar e manter-se no poder.


Legitimidade e Carisma

O termo “carisma” é uma palavra grega que significa “dom da graça”.

Na linguagem da política, usam-se os termos carisma e carismático com demasiada liberdade confundindo-o com o conceito de popularidade.

Carisma é um conceito mais próximo da religião do que da política. Ser carismático é ser percebido como possuindo dons excepcionais, inacessíveis às pessoas comuns.

Em consequência, estes indivíduos são objeto de devoção e respeito reverencial. Líderes carismáticos “convertem” pessoas, realizam “milagres”, podem exigir sacrifícios de seus comandados, são encarados como seres superiores – na sabedoria, na força, na visão.

Não é, portanto qualquer político com alta popularidade que pode ser considerado carismático. Para sê-lo, é preciso ser capaz de despertar no povo sentimentos muito intensos, de natureza semirreligiosa ou religiosa e de que é dotado de poderes excepcionais.

Se o fundamento da sua autoridade é o “dom da graça” o líder carismático precisa, continuadamente, dar prova de possuí-lo, para manter a sua autoridade. Se, em algum momento suceder que ele se revela incapaz de realizar o que dele se espera, naquela virtude onde se fundamenta o seu carisma, sua autoridade se esvai. Em termos religiosos, equivale ao profeta que não mais realiza milagres, porque o Senhor o abandonou.

Legitimidade e desempenho

Há outro conceito de legitimidade que apareceu na segunda metade do século XX: legitimidade por desempenho. Segundo este conceito, mesmo governos nascidos ilegitimamente poderiam alcançar a legitimidade se se revelassem eficientes na sua função de governar.

Esta legitimidade não se basearia em princípios de uma tradição venerável, ou de uma ordem legal reconhecida, ou ainda como resultado da admiração por um líder que revelasse possuir dons excepcionais, como propôs Max Weber.

Legitimidade por desempenho é inerentemente utilitarista. Ao assentar a legitimidade numa transação cujos conteúdos são benefícios materiais, a teoria limita a sua validade a situações de prosperidade.

O conceito de legitimidade, entretanto assemelha-se ao conceito de amizade: ambos somente têm sua real autenticidade testada nos momentos de dificuldade. Não se testa uma amizade somente nos bons momentos, nem se testa a legitimidade de um regime apenas quando o país vai bem.

Legitimidade é norma apoiada em força moral, internalizada pelo indivíduo como integrante do seu sistema de valores. Por isso ela, quando existe, resiste aos maus momentos e às crises.

Dessas considerações pode-se concluir que ao lado de outras crises sofremos também uma crise de legitimidade que não será resolvida por líderanças populistas, supostamente carismáticas ou administrativamente eficientes.

* Professor de Ciência Política, ex-reitor da UFRGS, pós-graduado pela Universidade de Princeton, criador e diretor do site Política para Políticos
 

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