• Miguel Lucena
  • 13 Favereiro 2018


O politicamente correto, importado dos Estados Unidos, botou o pescoço para fora neste Carnaval, massacrando as atrizes Paolla Oliveira e Viviane Araújo por terem se fantasiado de índias. Foram consideradas racistas, na esteira das manifestações da ativista Katu Mirim no sentido de que índio não é fantasia. É melhor sair nu por aí.

Tudo pode ser fantasia, menos o nada. Nessa pisada, podem se preparar para o fim da ala das baianas, reis e rainhas, príncipes e princesas, tudo representações de histórias que vivemos e contamos, postas mais em evidência no Reinado de Momo.

Pela ótica da ditadura politicamente correta, heterossexual se vestir de mulher também deveria ser proibido, porquanto quem assim procede, não sendo transexual, estaria agindo com preconceito de gênero.

Li protestos vindos da Bahia contra mulheres brancas que se vestiram de Iemanjá na festa de 2 de fevereiro, em Salvador, como se a rainha do mar tivesse cor.

A coisa mais hipócrita, autoritária e falsa que surgiu nos últimos tempos foi a farsa do politicamente correto, criada para calar as críticas a comportamentos antissociais, como praticar atos obscenos em público. Silencia a manifestação de desagrado, mas libera toda a devassidão, desde quando tudo que desbanque a maioria é permitido. É proibido proibir, a menos que a ação, mesmo inocente, se refira a minorias.

A maioria silenciosa precisa criar coragem e enfrentar esses chatos, antes que eles suprimam a verdadeira liberdade, a beleza e o bom gosto naturais das coisas da vida.

* Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista e escritor.
** Publicado originalmente no Diário do Poder

 

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  • Editorial de O Estado de São Paulo
  • 11 Favereiro 2018

 

A ministra Cármen Lúcia fez uma leitura acurada do atual estado de espírito de grande parte da sociedade. Em visita a Goiás para a cerimônia de inauguração de um novo presídio em Formosa, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disse que “o cidadão brasileiro está cansado da ineficiência de todos nós (autoridades públicas), cansado inclusive de nós do sistema Judiciário”.

A declaração da ministra é mais surpreendente por vir da chefe de um dos Poderes do que por seu conteúdo, que já havia sido diagnosticado por uma miríade de pesquisas de opinião e pode ser constatado em qualquer roda de conversa País afora.

De fato, os brasileiros estão cansados do Poder Judiciário. Mas de um Judiciário muito particular, não do Poder que foi consagrado pela literatura política como a última linha de defesa na garantia dos direitos sociais, individuais e coletivos. Não há um cidadão sensato que apregoe a prescindibilidade do Poder Judiciário como um dos esteios da República. Se há, não é sensato.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que criminaliza a política indistintamente e, assim agindo, avilta um dos fundamentos da democracia representativa.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que usurpa as competências de outros Poderes em nome de uma superioridade moral que não encontra resguardo na Constituição, governando e legislando quando assim lhe apraz sem correr os riscos políticos que correm aqueles que dependem do voto popular para exercer o múnus público.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que parece ser composto por cidadãos imunes ao alcance da lei, como quaisquer outros, tão somente por terem sido aprovados em um concurso público.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que “pune” os seus membros que cometem crimes e desvios funcionais com uma polpuda aposentadoria compulsória.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que concede férias de 60 dias para os seus - sem contar os períodos de recesso judiciário -, enquanto a esmagadora maioria do povo brasileiro nem sequer consegue gozar os 30 dias a que tem direito, não raro tendo de “vender” parte dos dias para reforçar sua renda.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que não se constrange em ir contra a realidade do País a que serve e concede a seus membros “auxílios” imorais, que nem sequer são tributados, como é a renda de quase todos os brasileiros, e tampouco são contabilizados para efeitos de teto constitucional.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que não dá à sociedade as respostas que ela demanda em um prazo razoável, deixando de julgar em tempo oportuno ações do mais relevante interesse, como são os casos dos réus e indiciados no âmbito da Operação Lava Jato que ainda não foram julgados pelo STF, onde tramitam processos por conta do foro por prerrogativa de função.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que, em nome de seus interesses meramente corporativos, boicota projetos fundamentais para o País, como a reforma da Previdência. Como interpretar de outro modo as sucessivas decisões judiciais que suspenderam a veiculação de campanhas informativas do governo a respeito de pontos cruciais da reforma? Não por acaso, pulula nas redes sociais uma infinidade de mentiras a respeito da reforma, enganando a população num tema tão grave como é a Previdência - e disso a Justiça não toma conhecimento.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que gasta quase sete vezes mais do que a soma dos Poderes Legislativos da União, dos Estados e dos municípios, de acordo com os dados da ONG Transparência Brasil.

A fala da ministra Cármen Lúcia é alvissareira porque, sendo quem ela é e tendo o papel que tem, dá esperança à sociedade de que este tipo de Poder Judiciário do qual ela está cansada pode estar com os dias contados. Que assim seja.
 

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  • João César de Melo
  • 11 Favereiro 2018


 

Como sabemos, qualquer pessoa não alinhada à extrema-esquerda que ingresse no governo tem, imediatamente, sua vida vasculhada pela imprensa. Qualquer mancha na biografia é motivo de condenação sumária. Qualquer ato politicamente incorreto é motivo para linchamento midiático. No entanto, tudo – tudo mesmo – é aceitável se a pessoa ilustrar alguma retórica socialista.

Por exemplo: a mesma esquerda que repudia quem elogia torturadores enaltece ditadores e ditaduras que torturaram e assassinaram milhares de vezes mais pessoas.

Não consigo lembrar de uma única reportagem na grande imprensa brasileira sobre a participação de pessoas como Dilma, José Dirceu, José Genoíno e Aloysio Nunes em grupos terroristas que assassinaram pessoas durante a ditadura militar e que planejavam implantar no Brasil uma ditadura muito mais violenta do que a que combatiam. Por outro lado, ainda é comum reportagens sobre os anos da ditadura.

As mesmas pessoas que pedem cadeia para Aécio e Temer pedem liberdade para Lula.

É pertinente esclarecer por que a esquerda se esforça tanto em defender bandidos comuns, ladrões, assaltantes e até pedófilos, como houve há dois dias com G1, O Globo e Quebrando Tabu enaltecendo um estuprador de crianças condenado a 50 anos de prisão porque ele foi aprovado em um vestibular da UFPA pelo sistema de cotas.

Para a esquerda marxista-leninista representada por partidos como PT, PSOL e PCdoB, não existe crime. Existe apenas “história”. A história de luta de classes, uma tese sem qualquer fundamento na realidade.

Por conta disso, os atos de indivíduos que representam a suposta classe dos “oprimidos” contra indivíduos que representam a suposta classe dos “privilegiados” são reparações, não crimes. Segundo a teoria socialista, um bandido que rouba alguém está tomando de volta o que deveria pertencer a ele. Um criminoso que assalta a estudante de uma universidade particular é um “agente da revolução do proletariado”. Não houve crime. Houve reparação. Se ele agredi-la ou matá-la, terá apenas dado vazão à revolta de sua classe contra “séculos de opressão burguesa”.

Dessa forma, tenta-se fazer a sociedade acreditar que a prisão de cada assaltante é um ataque a todos os pobres enquanto classe social.

É assim que os petistas de todos os partidos enxergam o mundo. De Lula à Márcia Tiburi, não há personalidade da esquerda que não tenha justificado o crime.

O que movimento socialista ganha em defender ladrões e assassinos?

Como já escreveram Marx, Marcuse e Gramsci, não há revolução sem desqualificação das instituições. Defender um ladrão significa atacar a justiça. Desqualificada da função de prender “ladrõezinhos”, a justiça também estará desqualificada da função de coibir ações fascistas de grupos como MTST e CUT e, claro, de prender um ex-presidente socialista condenado por corrupção.

Isto fica mais claro quando estamos sob um governo não alinhado à partidos de extrema-esquerda, mas a mesma estratégia é utilizada em governos de esquerda eleitos democraticamente como os de Lula e Dilma.

Um estado democrático é caracterizado pela independência dos três poderes, com cada um vigiando os outros para impedir abusos contra a população.

A desqualificação do Poder Judiciário é a tentativa de criar no imaginário popular a necessidade de uma reforma – “uma nova justiça” – que, liderada pela esquerda, seria facilmente manipulada para aumentar o poder do Executivo, subordinando a justiça ao Presidente da República. Foi o que Hugo Chávez e Nicolás Maduro fizeram na Venezuela.

O Estatuto do Desarmamento teve essa intenção.

Enquanto a militância socialista nas ruas, nas universidades e na imprensa estimulava a criminalidade, todos os partidos de esquerda – do PT ao PSDB – uniram-se para restringir o porte de armas sob a justificativa de diminuir a violência urbana. Conseguiram.

Defendem isso com tanto afinco porque sabem que uma população desarmada pede cada vez mais proteção ao estado, justificando a criação de mais e mais leis de controle da liberdade e da propriedade privada. Pior: uma sociedade desarmada não tem poder de reagir à tirania do governo, vide o drama dos venezuelanos.

A esquerda investe tanto nisso porque tem convicção de que, em algum momento, terá pleno poder no país. Se não foi com Lula e Dilma, será com outro.

Como conta a história – e devemos sempre considerá-la porque a própria esquerda faz questão de repetir seus procedimentos -, o movimento socialista atua em diversas frentes ao mesmo tempo. Na cultura, desqualificando os padrões estéticos construídos ao longo de séculos para impor “novos valores” criados por ela, financiando artistas e intelectuais alinhados às suas pautas enquanto isola os demais. Na religião, destruindo princípios cristãos para substituir a igreja pelo estado na vida das pessoas. Na economia, insistindo na ideia de que o estado deve controlar o mercado e promover uma ampla política de impostos para deixar pessoas e empresas dependentes do financiamento estatal. Na educação, criando uma massa de militantes. Na política, criando formas legais de obrigar cristãos a financiar anticristãos, empresários a financiar comunistas, trabalhadores a financiar vagabundos. Por fim, na justiça, criando leis que beneficiam criminosos para que a sociedade honesta esteja sempre acuada e dependente da proteção do governo.

Uma vez com o pleno controle, o estado socialista converte a tolerância ao crime em sistemática e massiva campanha contra todos os criminosos que, nesse momento, já são todos os cidadãos não alinhados ao partido do governo. Foi assim na URSS, na China, em Cuba, na Venezuela… e quase no Brasil.

* Artista plástico formado em arquitetura, acredita no libertarianismo como horizonte e no liberalismo como processo, ateu que defende com segurança a cultura judaico-cristã, lê e escreve sobre filosofia política e econômica.
** Conheça as obras do autor em http://www.joaocesardemelo.com/
*** Publicado originalmente em www.ilisp.org

 

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  • Eurico Borba
  • 10 Favereiro 2018

 

Em Washington há um monumento belíssimo em homenagem aos fuzileiros navais, (“marines”). Linda homenagem ao heroísmo e ao patriotismo. Na base da obra há uma inscrição muito apropriada ao nosso mundo atual: “A incomum coragem era uma virtude comum...”.

Lembrei-me da frase e do que ela pode expressar neste momento de covardia generalizada, como uma comum determinação de relegar a dignidade a uma posição secundária, de onde a maioria parece se afastar, se omitindo ou pelo silencio ou pela inação, não se opondo ao descalabro moral que assola nossa civilização construída em séculos de lutas, de sonhos de felicidade e segurança acalentados por gerações. Agora, quando as primeiras luzes das conquistas humanas começavam a surgir, em horizontes ainda tumultuados, as pessoas passaram como a que se esconder por detrás do que é fácil e cômodo, do que oferece prazer, do que não se precisa refletir não provocando debates esclarecedores e reflexão critica, estimuladoras de novas conquistas – apenas aceitação e adesão. A maioria parece ter vergonha de pautar suas ações por valores antigos, ao não aceitar o conceito de modernidade de uma juventude que não mais lê, não mais conversa, não mais acredita em nada que não seja a satisfação dos seus anseios superficiais e vazios. O “politicamente correto”, raso e simplista, passa a conduzir o pensamento e as ações da maioria dos povos. É como se a ignorância e a compreensão do muito que já foi feito pela construção do Humanismo – a supremacia da dignidade da pessoa humana no processo histórico - com todas as suas ainda imperfeitas e inacabadas conquistas, não valessem nada – tudo precisaria ser redescoberto...

Isto é abdicar da inteligência, fazer mau uso da liberdade, desperdiçar o valor insubstituível da convivência democrática, por em risco a própria existência da humanidade, (vejam o que está acontecendo com o meio ambiente). A história pressupõe a progressiva e contínua superposição organizada de saberes verdadeiros para possibilitarem o progresso e o refinamento de conquistas anteriores. O deboche, a indisciplina social sistemática e o cinismo permanente impedem o adensamento da consciência integra e responsável, a descoberta do belo e do respeito pela integridade do próximo, pelas exigências de tudo aquilo que é necessário para a explicitação progressiva da sacralidade da vida, que se manifesta em todo o seu esplendor na pessoa humana – ser individuo de natureza racional, livre e social.

Afirmar verdades permanentes e faze-las prevalecer no cotidiano das sociedades orientando suas caminhadas, no que diz respeito às exigências da pessoa humana, da família, da paz, da dignidade inerente a todas as pessoas, conquistas reais da história da humanidade, não significa humilhar ou oprimir o outro, mesmo que veementes discussões perdurem por muito tempo. Esta atitude de coerência exige, nos dias atuais, muita coragem, coragem física inclusive, com a indispensável reação à truculência e ao crime. O debate organizado pode ser desconfortável, pois obriga a reflexão, a aceitação da critica e a honesta revisão do erro, da posição equivocada, uma vez comprovado o equivoco. É impossível ficar em silencio se se quer a preservação do Humanismo – é imperiosa a coragem para afirmar as poucas verdades que orientam e conferem significado e beleza às nossas existências.

• Eurico Borba, aposentado, ex-professor da PUC RIO, ex-Presidente do IBGE, escritor, mora em Caxias do Sul.
• Publicado originalmente no Diário do Poder.

 

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  • Murilo Resende Ferreira
  • 10 Favereiro 2018

 

A mídia e a Escola de Frankfurt

Um dos grandes paradoxos da civilização moderna é a coexistência de uma prosperidade material desconhecida junto à crescente feiúra e brutalidade social. As antigas formas de convivência social foram completamente devastadas e trocadas por diversões alucinadas onde uma música fabricada em laboratório hipnotiza e brutaliza os participantes. Nas ocasiões mais calmas, inexiste a antiga arte da conversa, da música e da poesia: só o que vemos são zumbis grudados em suas TVs e celulares. Muitos consideram que isso é uma evolução cultural natural, e até mesmo algo desejável e “progressista”. Mas em uma perspectiva histórica mais ampla, essa tirania da feiúra se mostra completamente injustificada. No final do século e no começo do século 20, a humanidade talvez tenha passado por um de seus maiores períodos criativos, com desenvolvimentos magníficos na música clássica, na literatura, na filosofia e em vários outros campos, e, pelo menos até a Segunda Guerra Mundial, esses desenvolvimentos tinham ampla reverberação na cultura popular. Como se deu uma queda tão rápida? Como chegamos ao mundo em que tudo é cultura, em que os estudantes universitários desejam proibir os grandes clássicos da literatura por não se encaixarem nos ditames do politicamente correto? O centro de onde irradiou essa verdadeira conspiração foi o Instituto de Pesquisa Social, popularmente conhecido como a Escola de Frankfurt.

Após a Revolução Comunista na Rússia em 1917, a crença geral do comunismo internacional era de que a revolução se espalharia como fogo por todo o mundo. Como isso não aconteceu, a Internacional Comunista deu início a uma série de iniciativas que buscavam compreender os motivos. Uma delas era liderada por Georg Lukács, um aristocrata húngaro, filho de um dos maiores banqueiros do Império Austro-Húngaro. Como comissário de cultura do breve regime comunista de Budapeste em 1919, ele descobrira um interessante fenômeno em relação à doutrinação ideológica. Um de seus projetos consistia na doutrinação marxista das crianças e adolescentes dos bairros mais pobres de Budapeste. Apesar da pesada carga de aulas e estudos, ele percebia que os jovens, ao saírem das salas de aula logo retomavam seus terços e sua devoção aos sacerdotes. Inspirado no pansexualismo de Sigmund Freud, ele optou por uma abordagem diferente: começaria com cursos de educação sexual. À medida que os cursos se espalharam, e incitaram alguns jovens a relações extraconjugais ou ao mero desafio das normas morais tradicionais, Lukács percebeu que os que entravam em conflito com suas igrejas e famílias logo estavam dispostos a aceitar qualquer tipo de doutrina que lhes fosse ensinada. Um dos motivos que levou à rápida queda do regime foi implantação por Lukács da educação sexual obrigatória, do acesso à contracepção, e do relaxamento da lei do divórcio, o que enfureceu a população devotamente católica da Húngria.

Lukács foi enviado para a Alemanha em 1922, onde liderou um encontro de sociólogos e intelectuais comunistas que viria a se tornar o Instituto de Pesquisa Social, a maior arma de guerra psicológica já desenvolvida pelo comunismo internacional. Para Lukács, o comunismo só invadiria o Ocidente com um movimento de características demoníacas, que fizesse prevalecer o sentimento de que fomos abandonados por Deus. A revolução só ocorreu na Rússia porque o país era há muito dominado por uma versão gnóstica do Cristianismo, como aparece nos escritos de Dostoievski. O que diferenciava o Ocidente da Rússia era principalmente a crença na sacralidade do indivíduo e sua capacidade de discernir a vontade divina através do uso progressivo da razão e da inteligência. A tarefa da Escola de Frankfurt consistiria então em destruir o legado judaico-cristão, por meio de uma abolição da cultura e a criação de novas formas culturais que levariam a uma alienação crescente da população e um novo barbarismo. Num período de três décadas, o Instituto de Pesquisa Social conseguiria o patrocínio das seguintes instituições para sua “causa”: universidades americanas e alemãs, a Fundação Rockfeller, a CBS(canal de TV americano), o Comitê Judeu-Americano, vários serviços de inteligência americanos, a Organização Internacional do Trabalho, etc..

Logo Stálin, enfurecido com o caráter cosmopolita do Instituto, cortou todo o financiamento soviético, uma atitude que expressa a relação de amor e ódio entre o nascente marxismo cultural e a ortodoxia do comunismo-leninismo. Uma outra grande figura do Instituto era Herbert Marcuse. Ele começou como um comunista, tornou-se um protegido de Heidegger no exato momento em que este se tornava um nazista; na América serviu à OSS, o embrião da CIA, e se tornou o analista chefe de política soviética durante o período de Joseph McCarthy; na década de 60 houve uma nova virada, e ele se tornou o guru mais importante da Nova Esquerda, e terminou seus dias fundando o Partido Verde na Alemanha Ocidental. Em tudo isso só há uma tentativa de responder à pergunta: quem poderá nos salvar da civilização ocidental?

O empreendimento de maior sucesso da escola de Frankfurt foi a influência maciça sobre o desenvolvimento da programação de rádio e TV da modernidade. Isso se deu a partir dos trabalhos de Theodor Adorno e Walter Benjamin. Em 1924, Adorno se mudou para Viena, para estudar com os compositores atonais Alban Berg e Arnold Schonberg, e se associou ao círculo ocultista ao redor do marxista renegado Karl Kraus. Ali ele entrou em contato com as idéias de Otto Gross, um discípulo extremista de Freud. Gross, um viciado em cocaína, tinha desenvolvido a teoria de que a saúde mental só seria atingida no Ocidente através de uma renascença do antigo culto de Astarte, que destruiria o monoteísmo e a família burguesa.

Um dos primeiros problemas em que se engajaram Adorno e Benjamin foi o da criação de uma base materialista sólida para a estética. O inimigo de ambos era Gottfried Leibniz, que era acima de tudo um antidualista, um inimigo da divisão gnóstica de corpo e mente, e que também afirmara a liberdade criativa humana. Para o marxismo, que tudo enxerga como fruto de uma teia de relações sociais, essa perspectiva é claramente um problema. Benjamin afirma então que a preponderância da mente racional é um erro, um triste legado de Sócrates. De fato, na origem de tudo está a capacidade de dar nomes às coisas, tomada aqui como uma espécie de imposição linguístico-social que nunca pode ter certeza de sua base objetiva. A tentativa de expressar a realidade é completamente distorcida pela natureza das relações de classe. Ao historicizar e relativizar dessa forma a busca da verdade, o conceito antiquado de bem e mal também pode ser esquecido. Foi por isso que Benjamin defendeu o que chamou de “Satanismo” dos simbolistas e surrealistas franceses, pois considerava que o cerne do Satanismo é o culto do mal como instrumento político, como instrumento de combate contra o diletantismo moralizante da burguesia. O objetivo de uma elite cultural na sociedade capitalista moderna deve ser a destruição da concepção da arte como imitação consciente do Deus criador; é preciso mostrar que a iluminação religiosa é, na verdade, uma iluminação profana, uma inspiração materialista e antropológica que pode ser iniciada pela maconha, pelo ópio e outras drogas. É preciso também criar novas formas culturais que aumentem a alienação da população, pois o povo precisa entender o quão alienante é viver sem o socialismo. Na música, por exemplo, ninguém deve acreditar que é possível compor hoje como Mozart e Beethoven; a composição deve ser atonal, diz Adorno, pois a atonalidade é doentia, e “o caráter doentio, dialeticamente, é ao mesmo tempo a cura…”. O objetivo da arte moderna deve ser a destruição do caráter elevador da arte, para que o homem, privado de sua ligação com o divino, só enxergue a revolta política como opção criativa. Trata-se de fomentar e organizar o pessimismo com instrumento político. Benjamin colaborou com Bertold Bretcht nesse sentido, e as peças teatrais que daí surgiram buscam desmoralizar e deixar a platéia gratuitamente irritadiça.

A análise feita por Adorno e Benjamin também é a base teórica de quase todas as tendências estéticas politicamente corretas que dominam as universidades. O pós-estruturalismo de Roland Barthes, Michael Foucault, e Jacques Derrida, a semiótica de Umberto Eco e o Desconstrucionismo de Paul de Man têm todos como fonte o trabalho de Benjamin. A novela Em Nome da Rosa, de Umberto Eco, é , por exemplo, nada mais que uma ode a Benjamin. Atualmente todos já têm a experiência de universitários alucinados que dizem que Monteiro de Lobato, Shakesperare e Platão são racistas, machistas e homofóbicos, e que isso é a única coisa que importa em suas obras. Mas a origem profunda dessa loucura é a tese de Benjamin-Adorno de que o que importa na obra artística é o contexto inconsciente das relações e tensões sociais. O abandono dos clássicos em prol de autores negros e feministas é bom porque a tradição é somente um conglomerado de falsos nomes, um logocentrismo que reflete a dependência que a burguesia tem de suas palavras. Se essas palavras de ordem universitárias parecem retardadas, é porque foram calculadas para serem. Adorno acreditava que as gerações vindouras seriam receptivas a esse tipo de propaganda porque seriam completamente retardadas pela reprodução mecânica da arte.

Antes do século 20, a distinção entre arte e entretenimento era muito maior. A experiência artística poderia ser divertida, mas era fundamentalmente ativa e não passiva. Era preciso fazer a escolha consciente de ir a um concerto, comprar um livro ou ir a uma exibição de arte. Não havia um acesso facilitado e até forçado às grandes formas culturais. A grande arte exigia um poder de concentração máximo e amplo conhecimento do assunto tratado. Naqueles tempos, a memorização da poesia e de peças de teatro e a reunião da família para um recital caseiro de piano eram a norma até no campo. As pessoas não aprendiam a “apreciar” a música, mas sim a executá-la. No entanto, as novas tecnologias contêm um potencial dialético de manipulação das massas na perspectiva marxista. O fato de que uma sinfonia de Beethoven pode ser infinitamente reproduzível leva a uma dessacralização da experiência e uma alienação crescente. Segundo Adorno, trata-se de um processo de desmitologização. Esta nova passividade diante do que antes exigia um esforço monstruoso poderia levar ao fracionamento da composição musical em partes “divertidas”, que poderiam ser então “fetichizadas” na memória do ouvinte, enquanto as partes difíceis seriam esquecidas. O ouvinte atomístico e dissociado é infantilizado, só que seu primitivismo não é o dos primitivos, mas sim dos forçosamente retardados.

Esse retardo conceitual indicava que que a programação das rádios poderia determinar as preferências. Se você tocar Mozart e Caetano Veloso na mesma rádio, tudo acabará mesclado como “música de rádio” na cabeça do ouvinte. Idéias agressivas e novas também poderiam ser introduzidas através da homogeneização da indústria cultural, que seria assim explorada pelas forças “progressistas”. Foram estas percepções que provavelmente justificaram o apoio maçiço que o Instituto recebeu do establishment americano depois de sua transferência para os Eua em 1934. Em 1937, a Fundação Rockfeller começou a financiar uma pesquisa sobre os efeitos sociais das novas formas de mídia de massas, particularmente o rádio, que ficou popularmente conhecida como o “Projeto do Rádio”. O diretor do projeto era Paul Lazersfeld, o filho adotivo do economista austro-marxista Rudolph Hilferding, e antigo colaborador do Instituto de Pesquisas Sociais. Dentre os colaboradores estavam Frank Staton, um P.H.D em psicologia industrial que viria a se tornar presidente da CBS no cume de sua influência e auxiliar influente de Lyndon Johnson; Herta Herzog, que se casaria com Lazersfelz e se tornaria a primeira diretora de pesquisa da Voz da América; e Hazel Gaudet, um dos principais diretores de pesquisas políticas dos Eua. Theodor Adorno era o chefe da seção musical. O objetivo era testar a tese de Adorno-Benjamin e mensurar o potencial da grande mídia para a lavagem cerebral.

O sucesso foi estrondoso. Uma das primeiras descobertas foi a do formato seriado de programação de novelas. Antes se acreditava que o sucesso desse formato se restringia a mulheres das classes baixas, que precisavam de um escapismo para suas vidas entediantes. Herta Herzog descobriu que não havia a menor correlação com o status socioeconômico e nem mesmo com o conteúdo. O fator determinante era a forma seriada; as pessoas se viciavam no formato, no desejo de saber o que irá acontecer na próxima semana. Descobriu-se que era possível até dobrar a audiência de uma peça de rádio dividindo-a em fragmentos. Não é nem preciso dizer como a indústria do entretenimento se apropriou desse insight. O próximo estudo do projeto foi uma investigação do terror causado pela transmissão que Orson Welles fez de A Guerra dos Mundos em 1938. A despeito de vários alertas sobre o caráter fictício da peça, aproximadamente 25% dos ouvintes acreditaram que era um relato real. Os pesquisadores descobriram que a maioria dos que entraram em pânico não acreditaram que marcianos estavam invadindo e sim os alemães. Os ouvintes já estavam condicionados pelas outras notícias e pela quebra do noticiário em pequenos boletins alarmistas. Welles usou essa técnica em seu programa, simulando que se tratava de uma série de boletins urgentes no meio de uma programação musical. A técnica de seriação das novelas, transplantada para o noticiário, funcionava perfeitamente.

Adorno e o Projeto do Rádio chegaram à conclusão de que a repetição do formato era a chave para a popularidade. O sucesso era determinado pela escolha e o formato da programação. Se um contexto familiar fosse mantido, qualquer conteúdo poderia se tornar aceitável. E nós, que padecemos com o funk e o sertanejo universitário, podemos atestar esse diagnóstico. A maior descoberta do projeto foi “Little Annnie” o apelido dado ao sistema de análise programas de Stanton-Lazersfelz. Os métodos anteriores de pesquisa de audiência eram bastante ineficazes e se limitavam a perguntar ao fim de um programa se a audiência estava satisfeita ou não e pedir uma opinião sobre o conteúdo. Isso não levava em conta a percepção atomizada do sujeito moderno, e exigia a análise racional de uma experiência irracional. O Projeto desenvolveu então um aparelho em que a pessoa podia registrar a intensidade do seu gosto e desgosto a cada momento de um programa. Ao comparar os gráficos, os pesquisadores puderam avaliar quais situações ou personagens provocavam um estado momentâneo de prazer. Essa descoberta transformou toda a indústria do entretenimento; os resultados das análises de programação e a audiência têm uma correlação que se aproxima de 85%. É por isso que hoje temos uma sensação de dejá vu em qualquer programa de TV. São os mesmos personagens e situações que se repetem indefinidamente, e somente o cenário se altera, pouco importando se é a Idade Média ou o espaço sideral. E a grande verdade é que o conteúdo estúpido e erótico da indústria do entretenimento não é uma necessidade natural, mas algo que foi planejado.

Esses esforços de manipulação da população geraram a pseudociência da pesquisa de opinião pública. Atualmente, tudo na mídia é direcionado por pesquisas de opinião, mesmo quando os jornalistas e senhores da mídia juram desejar estimular a liberdade de opinião e pensamento. A idéia da opinião pública como corte julgadora de tudo e todos é ademais absurda e irracional, pois nega a idéia da mente racional individual. A verdade é fruto do pensamento correto, e não do fato que 50,1% das pessoas concordam ou não com determinada asserção.

As técnicas de manipulação das pesquisas de opinião são inteiramente baseadas na psicanálise e se tornaram padrão em todo o mundo. Tudo gira ao redor do projeto de estudo da personalidade autoritária desenvolvido por Max Horkheimer, diretor do Instituto de Pesquisa Social pelos idos de 1942. Segundo Horkheimer, o objetivo era entender o preconceito com o objetivo de erradicá-lo. Nova traços de personalidade foram mensurados, incluindo o grau de convencionalismo, de agressão autoritária a pessoas que violam valores convencionais, de projetividade sobre os perigos do mundo e de preocupação com a sexualidade. A partir dessas mensurações foram construídas várias escalas: a escala E de etnocentrismo, a escala PEC de conservadorismo político e econômico, a escala A-S de antissemitismo e a escala F de fascismo. Surge um novo tipo ideal weberiano: a personalidade autoritária. Um observador mais benigno diria que a pesquisa provou que a população americana era conservadora, mas os mestres da Escola de Frankfurt viram nos resultados a prova de um fascismo irredutível e perigoso, oriundo da própria civilização cristã. A pesquisa foi popularizada por Hanna Arendt no seu famoso livro As Origens do Totalitarismo: todo mundo é um fascista em potencial.

Esse método de interpretação de pesquisas de opinião e personalidade é dominante até hoje nas ciências sociais e também em todos os grandes institutos de pesquisa, que surgiram motivados exatamente por essas novas descobertas e projetos. É ele também que perpassa todo o marketing das campanhas políticas, e por isso o maior medo de um político moderno é o “extremismo”, ou o fascismo na linguagem frankfurtiana. E não para por aí: todo o desenvolvimento da propaganda e da televisão nas décadas de 50 e 60 foi iniciado por pessoas treinadas nas técnicas frankfurtianas de alienação em massa, incluindo os diretores das grandes redes de televisão. Essa popularidade da Escola de Frankfurt advém do fato incrível de que as teorias da escola foram oficialmente aceitas pelo governo americano durante a Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que este dizia combater a ameaça comunista. A OSS, o embrião da CIA, era basicamente composto de frankfurtianos, dentre eles: Carl Schorske, Franz Neumann, Herbert Marcuse, Paul Baran, Otto Kirchheimer, Leo Lowenthal, Sophie Marcuse, Siegfried Kracauer, Norman Brown, Barrington Moore Jr, Gregory Bateson e Arthur Schlesinger. Um dos primeiros projetos da OSS, liderado por Marcurse, foi o uso de técnicas de lavagem cerebral para desnazificação da Alemanha do pós-guerra. Horkheimer, que recebeu dupla nacionalidade, sendo naquele momento o único indivíduo que era ao mesmo tempo alemão e americano, foi enviado à Alemanha para reformar todo o sistema universitário, tendo como fruto toda uma geração de pensadores antiocidentais como Hans-Georg Gadamer e Jurgen Habermas. Nos Eua, a influência intelectual da Escola de Frankfurt se fez sentir no fato de que a sociologia se tornou o curso universitário mais procurado durante a década de 60 e nas revoltas estudantis que marcaram a época.

Um outro braço das operações frankfurtianas chegou até às experiências da CIA com drogas psicodélicas. O LSD se tornou a droga de uso da própria agência e dos antigos membros do Instituto de Pesquisa Social. Foi Gregory Bateson, por exemplo, que levou o poeta Allen Ginsberg a participar de um experimento da Marinha com o LSD em Palo Alto, California. Esses alucinógenos tornam a vítima completamente antissocial e autocentrada, preocupada somente com objetos, que ganham uma aura monstruosa e ilusiva. As drogas produzem instantaneamente o estado de espírito desejado e propagado pela Escola de Frankfurt. Os famosos protestos de 1968 foram simplesmente frutos de décadas de atividade frankfurtiana e muitas drogas, não espantando que ao fim Herbert Marcuse tivesse emergido como o grande líder da revolta dos loucos. O visual de cabelos longos, a comida macrobiótica, a libertação sexual: tudo já tinha sido testado em comunidades ocultistas relacionadas com a Escola de Frankfurt, como a comuna de Ascona antes de 1920. O documento fundador da contracultura da década de 60 foi o Eros e Civilização de Marcuse, publicado em 1955 e financiado pela Fundação Rockfeller. Para Marcuse, o homem ocidental é unidimensional, e a única salvação é a libertação absoluta do erotismo em uma rebelião contra a racionalidade tecnológica. Foi ele que criou, na nova edição de 1966, o famoso slogan “faça amor, não faça guerra”. O objetivo era propagar a perversidade polimórfica e o pansexualismo como ideal civilizacional. Wilhem Reich, um membro mais marginal e louco da Escola de Frankfurt, chegou a dizer que o Nazismo fora causado pela monogamia. A educação primária foi dominada por um seguidor de Reich, A.S Neill, um ateísta militante e membro da Sociedade Teosófica, cujas teorias pregavam a rebelião aberta dos alunos contra os professores. Seu livro Summerhill atingiu a marca de 2 milhões de unidades vendidas em 1970 e se tornou leitura obrigatória de mais de 600 cursos universitários, influência que permanece até hoje. A libertação sexual da Escola de Frankfurt sempre foi um instrumento de controle político que visava transformar as pessoas em categorias objetivas através da despersonalização sexual. A partir daí, não somos mais indivíduos, mas negros, mulheres ou homossexuais. Tudo o que hoje chamamos de ideologia de gênero tem sua raiz em Marcuse, Fromm, Reich e outros agregados da Escola de Frankfurt.

Essa popularização da vida como um ritual pessimista e erótico é base do horror da vida moderna. Os herdeiros de Frankfurt dominam completamente as universidades e treinam os alunos em seus rituais de purgação politicamente corretos. A intolerância universitária é uma implementação da tolerância libertadora de Marcuse: toda a tolerância com a esquerda, nenhuma com a direita. Toda a arte foi erotizada e brutalizada até o ponto em que é impossível assistir um concerto de Mozart sem indicações de um contexto erótico. Crianças de 5 anos assistem em casa a filmes de terror com imagens que petrificariam os mais entusiasmados frequentadores do Coliseu romano. Fica claro que sem a destruição dessa verdadeira abominação da desolação, não será possível qualquer ressurgência da civilização ocidental em sua tradição judaico-cristã.

• Aluno do Seminário Filosofia - Olavo de Carvalho desde 2009, Doutor em Economia pela FGV/EPGE e professor universitário.
• Publicado originalmente no blog do autor https://muriloresende.org  (inclua nas suas preferências!)

Fontes
Minnicino, Michael. The Franfkurt School and Political Correctness. Disponível em: https://www.schillerinstitute.org/fid_91-96/921_frankfurt.html
 

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  • Juan Ramón Rallo
  • 09 Favereiro 2018

O bolo não possui tamanho fixo; ele cresce e permite fatias cada vez maiores para todos

Apesar de toda a ampla literatura disponível, ainda há pessoas que genuinamente acreditam que a economia é um jogo de soma zero, isto é, que para algumas pessoas ganharem outras têm necessariamente de perder.

Tais pessoas acreditam que a economia seria uma espécie de bolo, cujo tamanho é fixo e representa toda a riqueza disponível. Sendo assim, cada indivíduo que se apossa de uma fatia está na realidade retirando esta fatia da boca de outro indivíduo.

A verdade, no entanto, é que este bolo de riqueza não tem um tamanho fixo; ao contrário, ele cresce de maneira tal que há cada vez mais quantidade disponível para todos.


As circunstâncias e as ações

O fundador da Escola Austríaca de economia, Carl Menger, deixou claro que, para que uma coisa possa ser considerada um bem econômico, quatro circunstâncias devem ser observadas: 1) deve existir uma necessidade humana; 2) a coisa em questão deve ser capaz de satisfazer essa necessidade humana; 3) o indivíduo deve conhecer a adequabilidade da coisa em satisfazer sua necessidade; e 4) o indivíduo deve usufruir poder de disposição sobre esta coisa.

Tendo em mente estas quatro circunstâncias às quais o austríaco condicionou a existência de bens econômicos, podemos deduzir por que a economia não é um jogo de soma zero na qual toda a riqueza possível já se encontra dada de antemão.

Em primeiro lugar, a imensa maioria das coisas, na forma como se encontram em seu estado natural, não nos permite satisfazer nossas necessidades. Por mais que toda a matéria já exista e esteja disponível na natureza, ela não nos foi dada de uma forma que nos permita satisfazermos nossas necessidades. A matéria tem de ser trabalhada e transformada por meio do trabalho e de investimentos.

A madeira das árvores deve ser cortada e processada para a fabricação de abrigos dentro dos quais iremos morar; as terras têm de ser aradas e cultivadas para que possamos colher alimentos que irão saciar nossa fome; o ferro e o alumínio têm de ser extraídos das minas para que seja possível a fabricação de aviões que irão nos transportar de um ponto do globo a outro.

Só é possível criar riquezas quando transformamos coisas (que não satisfazem diretamente nossos desejos) em bens (que satisfazem). É por isso que recursos minerais que estão no subsolo não configuram riqueza por si só. Eles têm antes de ser transformados. E isso só irá ocorrer com investimentos maciços, mão-de-obra capacitada e tecnologia avançada.

Em segundo lugar, a incapacidade dos objetos em seu estado natural em satisfazer diretamente nossas necessidades advém do fato de que nem sequer conhecemos todas as suas combinações e usos possíveis. A tecnologia, que é a arte de combinar e ordenar a matéria para que ela gere o resultado desejado, também não nos vem dada; antes, ela deve ser descoberta por meio da investigação e da experimentação, duas atividades que, por sua vez, requerem o uso de outros bens econômicos.

Em outras palavras, dado que não somos oniscientes, não apenas temos de criar bens econômicos a partir das coisas que nos circundam, como também temos de descobrir informações acerca de como transformar essas coisas em bens econômicos — informações que, por si só, constituem uma nova fonte de riqueza.

Terceiro e último, por mais adequado que seja um bem em satisfazer nossas necessidades, ele será totalmente inútil se não o tivermos ao nosso alcance. A natureza pode ter sido generosa em nos agraciar com rios caudalosos por todo o planeta; no entanto, estes rios não proporcionarão nenhum serviço àquele indivíduo que se encontra no meio do deserto.

Em outras palavras, não apenas temos de produzir os bens, como também temos de saber distribuí-los aos seus usuários finais.

As trocas voluntárias explicitam nossas preferências subjetivas

Em nossos sistemas econômicos, produção e distribuição andam de mãos dadas: com o intuito de maximizar nossa eficiência na fabricação de bens econômicos, cada um de nós se especializa em produzir um ou dois bens econômicos no máximo, mesmo que necessitemos de uma grande variedade deles para satisfazer nossas mais diversas necessidades — ou seja, somos produtores especializados e, ao mesmo tempo, consumidores generalizados.

Demandamos os mais amplos e variados bens econômicos e, em troca, podemos apenas ofertar nossa extremamente limitada e específica especialização. E, ainda assim, as trocas ocorrem. Portanto, a maneira de termos acesso aos mais diversos bens econômicos é oferecendo em troca nossa extremamente limitada oferta de bens.
E isso ocorre por meio das trocas comerciais.

O problema é que, desde Aristóteles, a humanidade acredita que as trocas comerciais ocorrem somente entre bens com igualdade de valor. Se o bem A é trocado pelo bem B, então necessariamente o valor de A deveria ser igual ao valor de B. Consequentemente, nenhuma troca comercial poderia gerar valor, e sim apenas redistribuí-lo.

A interpretação alternativa (a de que o valor de A seria superior ao de B, ou vice-versa) seria ainda mais desalentadora, pois implicaria que, em toda e qualquer transação, um lado ganharia à custa do outro (ele entregaria algo com um valor objetivo maior em troca de algo com um valor objetivo menor).

No entanto, graças a Carl Menger, que popularizou a descoberta de que o valor dos bens não é objetivo mas sim subjetivo, a realidade se comprova totalmente distinta: em toda e qualquer transação comercial, cada lado atribui àquele bem que está recebendo um valor subjetivo maior do que àquele bem que está dando em troca.

Afinal, se não fosse assim — se você não valorizasse mais aquilo que está recebendo do que aquilo que está dando em troca —, a transação simplesmente não ocorreria.

Em decorrência deste fato, conclui-se que os indivíduos geram riqueza ao simplesmente trocarem bens econômicos. Ao fazerem isso, eles estão recorrendo a um meio (trocas comerciais) para chegar àqueles fins que lhes são mais valiosos.

Simplesmente não tem como ser soma zero

Em definitivo, a economia não é um jogo de soma zero, uma vez que durante todo o processo de produção de bens e serviços estamos gerando riqueza: seja quando investigamos como converter coisas em bens, quando de fato convertemos as coisas em bens, e quando distribuímos os bens por meio das trocas comerciais.

Ao contrário do que supõem os socialistas — que toda a riqueza já está criada e dada, e que é necessário apenas redistribuí-la —, o livre mercado é o único arranjo no qual os indivíduos podem se organizar de modo a incrementar ao máximo possível a oferta de bens e serviços, os quais iremos utilizar para satisfazer de maneira contínua nossos mais variados fins.

A economia, portanto, não é um jogo de soma zero, mas sim um jogo de saldo positivo e expansivo — a menos que o estado entre em cena e se aposse destes ganhos.

O bolo não está dado e não possui tamanho fixo. Ao contrário: ele cresce e permite fatias cada vez maiores para todos — exceto se o estado entrar em cena e gulosamente abocanhar uma grande fatia.


• Diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.
• Publicado originalmente no excelente www.mises.org.br
  

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