• Guilherme Fiuza
  • 16 Janeiro 2018

 

 

Dizem que o Brasil vive uma nova onda de censura e moralismo conservador. Já temos inclusive vigilantes guardiões da liberdade de expressão e dos bons costumes atuando vigorosamente. Eles denunciaram, por exemplo, a queima de uma boneca representando a feminista Judith Butler em frente ao Sesc Pompeia, em São Paulo, onde a filósofa americana palestrava. Os arautos da liberdade disseram que os reacionários usaram métodos medievais para reprimir a defesa dos direitos da mulher.

É isso aí. Cada um tem o direito de falar o que quiser, onde quiser, dentro das regras da democracia. Não é isso? Bem, mas então surge a pergunta: onde estavam esses mesmos ativistas libertários que não toleram a censura quando a blogueira cubana Yoani Sánchez foi impedida de falar, no grito, nessa mesma cidade de São Paulo?

Diferentemente de Judith Butler, Yoani não conseguiu nem fazer a palestra para a qual fora convidada – onde, sintomaticamente, denunciaria o autoritarismo e a falta de liberdade na ditadura socialista da ilha. E ela estava dentro de uma livraria. Não teve conversa: aos berros, os manifestantes progressistas, libertários e adversários da sociedade moralista e conservadora calaram a palestrante. Impediram na marra que ela expressasse suas ideias. Reacionários são os outros.

Não houve nenhuma grita contra a censura por causa disso. Ao contrário, de lá para cá surgiu um movimento – organizado pelas mesmas figuras desse 342 contra as trevas – chamado Procure Saber, nascido basicamente para lutar pela censura prévia a biografias não autorizadas. Um primor de liberdade, estrelado por esses mesmos heróis da MPB que estão aí gemendo contra a onda conservadora. Reacionários, obscurantistas, autoritários e medievais são os outros. É proibido proibir – a não ser que estejam atrapalhando meus negócios, minha lenda, meu presépio de bondade tarja preta.

Não deixa de ser comovente todo esse esforço para a construção de um inimigo imaginário. Agora os arautos de laboratório estão gritando contra o tabu da nudez. Tabu de quê? No ano de 2017? Depois de tudo que a TV e a internet escancararam para todas as idades e em todos os lares, eles resolveram querer chocar a burguesia de novo ficando pelados... Nostalgia é fogo. Melhor nem contrariar. Como você vai conversar a sério com alguém que quer ser vanguarda de museu? Outro dia no Rio de Janeiro havia um grupo de mulheres fazendo topless contra a onda conservadora. Uma graça, parecia foto de época. Daqui a pouco elas descobrem a pílula anticoncepcional.

Enfim, inventaram a luta pela liberdade de cativeiro. O sujeito quer de qualquer maneira ser herói da contracultura e se propõe obstinadamente a uma masturbação cenográfico-temporal para fingir que o mundo vive dilemas de meio século atrás. É a mais completa definição do reacionário, coitado, mas ele ainda encontra plateias aplaudindo sua modernidade mórbida. Normal. Atrás dos muros altos também há vários Napoleões ganhando guerras entre um banho de sol e outro.

Os ativistas intrépidos das liberdades não se importaram com a ideologização vagabunda das provas do Enem. Não há problema transformar educação em panfleto. E ainda surgiu o requinte da ameaça de nota zero para o estudante que afrontasse os direitos humanos – e se você quiser imaginar quem, nesse caso, decidiria o que são direitos humanos, basta lembrar do bando que calou Yoani Sánchez no berro. É isso aí. Professores simpatizantes do PSOL, dos black blocs, do MST, do Maduro e grande elenco da fofura revolucionária avisando: quem desrespeitar os direitos humanos leva porrada.

Não tinha o general que ameaçava prender e arrebentar quem fosse contra a abertura política? Então por que os Napoleões de hospício da contracultura não podem barbarizar os subversivos que ousarem atrapalhar a lenda deles?

Os novos heróis da liberdade de cativeiro não gritam contra a campanha medieval para matar os aplicativos de transporte, não gritam contra a tentativa de censura da exposição sobre as vítimas de Stálin, não gritam contra a repressão sexual às mulheres e a escravização do povo nos regimes que seus amiguinhos do PT, PSOL e companhia apoiam. Censura é o que eles apoiam todas as noites nos seus travesseiros.


• Publicado em 16/11/2017 na revista Época
 

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  • Nivaldo Cordeiro
  • 16 Janeiro 2018

 

Certos liberais estão apegados ao sucesso econômico da China como se ali tivéssemos a prova empírica das verdades liberais, um suposto triunfo do liberalismo. Um grande equívoco. O liberalismo chinês é, no dizer de Mark Lilla, um “mercantilismo despótico”. Despótico sim, porque o regime político chinês é de partido único, sem independência do Legislativo e do Judiciário. Tudo é de cima para baixo. Um belo dia o dirigente decidiu abrir o país aos investimentos estrangeiros e fez da China uma plataforma de exportação. Obviamente isso não é capitalismo, é o velho mercantilismo de guerra, tanto assim que o país acumulou uma fortuna em saldos comerciais, que parece ser o seu objetivo permanente. Acumula mais papel-moeda norte-americano a cada período.

A China juntou três ingredientes que a tornaram imbatível no mercado internacional: mão de obra barata, baixos impostos e câmbio “administrado”, artificialmente baixo. Ninguém consegue competir com os produtos produzidos na China. Sem esquecer que conta com a tecnologia ocidental em quase tudo, sem ter concorrido para produzi-la. Virou uma máquina de exportação de muito sucesso, mas isso é insuficiente para fazer da sociedade chinesa um ente liberal. E conta também com baixa taxa de regulação, facilitando a vida das multinacionais que lá produzem e barateando ainda mais os seus produtos.

Obviamente que a experiência chinesa não confirma a ideologia liberal, centrada no indivíduo e no Estado mínimo. Poderíamos dizer que na China vige o Estado mínimo? Jamais diríamos isso de uma sociedade comunista, mesmo que nominalmente a participação do Estado no PIB seja baixa. O paradoxo é compreensível porque quem manda é o agente do partido, mesmo que a empresa seja, por alguma forma, tida como privada. Quanto ao individualismo, basta ver a foto do último congresso do partido comunista: todo mundo (os delegados) vestido igual, cabelo pintado igual e incapaz de sorrir, pois é a seriedade do partido que os torna iguais. Uma caricatura de evento democrático.

O espanto é a paixão com que certos liberais, ignorando os fatos óbvios, declaram o crescimento da China como vitória do liberalismo. Teve um, amigo de antigos duelos de ideias, que chegou a mandar para mim o mapa do metrô de Pequim, construído recentemente, como a provar a sua prosperidade liberal. Retruquei que qualquer Odebrecht da vida pode construir metrôs, os mais bonitos, mas não a liberdade. Os faraós também construíram pirâmides! É bem conhecida a queda dos déspotas pela arquitetura monumental, os exemplos são sobejos ao longo da história. A própria muralha chinesa é uma relíquia que prova que grandes projetos arquitetônicos mais provam o despotismo de uma sociedade do que sua liberdade.

Obviamente que o ciclo de desenvolvimento chinês passa por um pico e não vai durar. Há o ciclo econômico inexorável e só o capitalismo soube lidar com ele, pelo método da “destruição criadora”, que mantem o processo de desenvolvimento de maneira orgânica, trazendo sempre de volta novos picos de desenvolvimento. Sem contar a impossibilidade orgânica de formação de preços quando há interferência política no processo econômico. O desenvolvimento chinês tem pés de barro e mais depõe contra o liberalismo do que a seu favor.

Eu me recuso a ver justificativa para a tirania pelo processo econômico, porque sei que ele não dura. É uma riqueza com data para desaparecer. Contra isso se insurgiram os liberais clássicos que fizeram ciência justamente para mostrar que o mercantilismo não tinha futuro e que liberdade política rimava com liberdade econômica. Eles ensinaram que o Estado é o mal por definição e precisa ser mantido em seu tamanho mínimo. Recusar essa lição dos pais do liberalismo é destruí-lo. Toda ciência econômica, que é liberal (o marxismo é pura enganação), desmoronaria se se aceitasse a experiência chinesa como válida para a causa liberal. Enriquecer não é liberalizar. O certo é ver o fato como é: a China moderna é um produto do mercantilismo despótico que até pode ser ameaçador, na medida em que todo despotismo tende a ser imperial e expansionista.

José Nivaldo Gomes Cordeiro, colunista do MSM, é economista e mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), ocupou vários cargos na administração federal, e hoje é empresário em São Paulo.

* Publicado originalmente em midiasemmascara.org

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  • Olavo de Carvalho
  • 15 Janeiro 2018

 

O clamor obsessivo dos intelectuais, dos políticos e da mídia pela "supressão das desigualdades" e por uma "sociedade mais justa" pode não produzir, mesmo no longo prazo, nenhum desses dois resultados ou qualquer coisa que se pareça com eles. Mas, de imediato, produz ao menos um resultado infalível: faz as pessoas acreditarem que o predomínio da justiça e do bem depende da sociedade, do Estado, das leis, e não delas próprias. Quanto mais nos indignamos com a "sociedade injusta", mais os nossos pecados pessoais parecem se dissolver na geral iniquidade e perder toda importância própria.

Que é uma mentira isolada, uma traição casual, uma deslealdade singular no quadro de universal safadeza que os jornais nos descrevem e a cólera dos demagogos verbera em palavras de fogo do alto dos palanques? É uma gota d'água no oceano, um grão de areia no deserto, uma partícula errante entre as galáxias, um infinitesimal ante o infinito. Ninguém vai ver. Pequemos, pois, com a consciência tranquila, e discursemos contra o mal do mundo.

Eliminemos do nosso coração todo sentimento de culpa, expelindo-o sobre as instituições, as leis, a injusta distribuição da renda, a alta taxa de juros e as hediondas privatizações.

Só há um problema: se todo mundo pensa assim, o mal se multiplica pelo número de palavras que o condenam. E, quanto mais maldoso cada um se torna, mais se inflama no coração de todos a indignação contra o mal genérico e sem autor do qual todos se sentem vítimas.

É preciso ser um cego, um idiota ou completo alienado da realidade para não notar que, na história dos últimos séculos, e sobretudo das últimas décadas, a expansão dos ideais sociais e da revolta contra a "sociedade injusta" vem junto com o rebaixamento do padrão moral dos indivíduos e com a consequente multiplicação do número de seus crimes. E é preciso ter uma mentalidade monstruosamente preconceituosa para recusar-se a ver o nexo causal que liga a demissão moral dos indivíduos a uma ética que os convida a aliviar-se de suas culpas lançando-as sobre as costas de um universal abstrato, "a sociedade".

Se uma conexão tão óbvia escapa aos examinadores e estes se perdem na conjeturação evasiva de mil e uma outras causas possíveis, é por um motivo muito simples: a classe que promove a ética da irresponsabilidade pessoal e da inculpação de generalidades é a mesma classe incumbida de examinar a sociedade e dizer o que se passa. O inquérito está a cargo do criminoso. São os intelectuais que, primeiro, dissolvem o senso dos valores morais, jogam os filhos contra os pais, lisonjeiam a maldade individual e fazem de cada delinquente uma vítima habilitada a receber indenizações da sociedade má, e, depois, contemplando o panorama da delinquência geral resultante da assimilação dos novos valores, se recusam a assumir a responsabilidade pelos efeitos de suas palavras. Então têm de recorrer a subterfúgios cada vez mais artificiosos para conservar uma pose de autoridades isentas e cientificamente confiáveis.

Os cientistas sociais, os psicólogos, os jornalistas, os escritores, as "classes falantes", como as chama Pierre Bourdieu, não são as testemunhas neutras e distantes que gostam de parecer em público (mesmo quando em família se confessam reformadores sociais ou revolucionários). São forças agentes da transformação social, as mais poderosas e eficazes, as únicas que têm uma ação direta sobre a imaginação, os sentimentos e a conduta das massas. O que quer que se degrade e apodreça na vida social pode ter centenas de outras causas concorrentes, predisponentes, associadas, remotas e indiretas; mas sua causa imediata e decisiva é a influência avassaladora e onipresente das classes falantes.

Debilitar a consciência moral dos indivíduos a pretexto de reformar a sociedade é tornar-se autor intelectual de todos os crimes – e depois, com redobrado cinismo, apagar todas as pistas. A culpa dos intelectuais ativistas na degradação da vida social, na desumanização das relações pessoais, na produção da criminalidade desenfreada é, no seu efeito conjunto, ilimitada e incalculável. É talvez por eles terem se sujado tanto que suas palavras de acusação contra a sociedade têm aquela ressonância profunda e atemorizante que ante a platéia ingênua lhes confere uma aparência de credibilidade. Ninguém fala com mais força e propriedade contra o pecador do que o demônio que o induziu ao pecado. O discurso dos intelectuais ativistas contra a sociedade vem direto do último círculo do inferno.

* Publicado originalmente no Jornal da Tarde, 13 de abril de 2000
 

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  • Fabio Costapereira, Proc. de Justiça
  • 14 Janeiro 2018

 


O que acontece quando a prática e a Teoria se cruzam? Das duas uma: ou a teoria é validada no teste de realidade ou ela se mostra absolutamente inútil, devendo ser descartada. Pelo menos é o que o pensamento lógico aconselha.

Persistir no erro, pretendendo que a realidade se adapte à teoria, além do inevitável desperdício de tempo e dinheiro, é sandice, pois da reiteração de erros jamais sobrevirá um singular acerto.

Exemplos claros da persistência do erro, do sobrelevar a teoria em detrimento das evidências empíricas, podem facilmente ser encontrados na área da segurança pública no Brasil.

Muito embora o Brasil seja o país da impunidade, assolado por endêmica violência e criminalidade, os teóricos de plantão apontam, como soluções para estas Chagas que fazem sangrar a nação (em sentido literal), o abrandamento das penas, o desencarceramento em massa, o incremento de medidas alternativas à prisão entre outras medidas mais brandas.

Segundo eles, aumentar o contingente policial, ser duro em matéria de imposição e cumprimento das penas , bem como o encarceramento, não funcionam.

O que funciona, para nossos especialistas, é a diminuição da desigualdade social, o investimento em inteligência e a concentração dos esforços estatais na resolução dos crimes mais graves.

Apesar da explosão da criminalidade em solo pátrio ter assumido escala industrial a partir do ano de 2002, período em que o país passou a viver prosperidade econômica, pleno emprego e inclusão social como nunca dantes vista na história, o discurso teórico, calcado na desigualdade social como propulsora da criminalidade, permaneceu inalterado.

Mais uma vez a realidade, que desmentia o discurso dos nossos teóricos, foi solenemente ignorada.

As experiências de combate à criminalidade em NY e em Londres nos últimos anos, comparadas em reportagem do The Telegraph, veiculada em outubro de 2017, culminaram por sepultar o credo laxista e desencarceramentista que domina o imaginário dos nossos especialistas.

NY, a partir do mandato Prefeito Rudolph Giuliani, adotou um modelo de severidade no combate à criminalidade, intolerância com os pequenos delitos e aumento da presença policial nas ruas e a sua integração com a comunidade.

Londres, em sentido oposto, passou a concentrar os seus recursos, tanto materiais quanto econômicos, em inteligência e na elucidação dos crimes mais graves. Os crimes entendidos como de menor gravidade foram deixados em um segundo plano

Resultado, em Londres a criminalidade cresceu exponencialmente e, em NY, diminuiu.

Apesar da experiência de NY estar aí para quem quiser ver e aprender, o Brasil fez questão de a ignorar, optando por seguir o mesmo caminho teórico que embasou a práxis Londrina

Os resultados dessa equivocada escolha estão aí a nos assombrar: mais de dois milhões de roubos todos os anos, cerca de 130 mulheres estupradas por dia, sessenta e um mil homicídios em 2017 e muito mais.

Infelizmente não há nenhum indicativo de que o curso do Titanic da Segurança Pública venha a ser alterado.

O iceberg da anomia, do completo domínio da criminalidade e da falência do Estado como um todo está logo ali adiante a nos espreitar.

Estamos em rápida rota de colisão.

A primeira classe desta nau à deriva, composta por aqueles que comandam o país ou que tem como fugir das consequências da Violência urbana com os seus carros blindados e seus seguranças particulares , quando a fatídica colisão ocorrer, aguardarão no deck, ao som de violinos, regado a champanhe e caviar, o luxuoso bote salva-vidas que irá lhes conduzir para bem longe deste país.

Nós, infelizmente, a patuleia, com os destroços do navio, seremos levados para as abissais profundezas do caos que nos espera.

Não há, a persistir o domínio das abstrações teóricas, em detrimento da realidade de sucesso, saída para a Segurança Pública brasileira.

Que Deus tenha piedade de todos nós!


• - https://www.facebook.com/Movimentodecombateaimpunidade/
 

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  • Fábio Costapereira, Procurador de Justiça
  • 13 Janeiro 2018

 

Hoje, mais uma vez , parte de mim morreu. Não morreu, foi executada. Meu nome é Fábio, tenho dois filhos e sou orgulhoso funcionário público.

A fortuna quis e permitiu que eu, hoje, depois do trabalho, voltasse para casa.

Outro Fábio, no Rio de Janeiro, meu xará, funcionário público e pai de dois filhos como eu, hoje não teve a mesma sorte. Ele jamais voltará para casa.

Cometeu o grave Crime de ser funcionário público que trabalha na área da Segurança Pública. Era Delegado de Polícia de raiz.

Os bandidos que o capturaram (os fatos ainda estão meio nebulosos), ao descobrirem de quem ele se tratava, não perdoaram e executaram-no sem nenhuma clemência.Os sanguinários sicários abreviaram a carreira de um jovem Delegado que estava em ascensão, tanto em sua vida profissional quanto pessoal.

O pior, no entanto, é que o enterro do Fábio não terá pompas e nem circunstâncias. Os Direitos Humanos não farão protestos. As principais avenidas do RJ não serão interrompidas por movimentos sociais, e ONGs não soltarão pombinhas brancas em nome da paz.

Afinal de contas ele era só um funcionário público cumpridor da lei.Quantos Fábios como eu terão que morrer para que este país desperte? Para que bandidos não assumam o papel de heróis e heróis não sejam mortos e enterrados no anonimato?

Muitos outros, infelizmente, até o despertar acontecer (se acontecer), ainda morrerão.

Em dias como hoje o cansaço e a tristeza tomam conta de mim. Sinto apenas um profundo lamento. Sinto o sofrimento dos filhos que jamais verão o pai outra vez e da viúva que terá que carregar o fardo de criá-los sozinha.

Não vejo mais saída para o Brasil.

Parafraseando Fernando Pessoa,cansaço, cansaço, cansaço...só o que eu sinto é cansaço.

Descansa em paz, Fábio!

 

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  • Francisco Ferraz, Estadão
  • 12 Janeiro 2018

 

O que pretendem Lula e a esquerda com a despropositada e aberta contestação à legitimidade da Justiça para julgá-lo no recurso que encaminhou ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4)? A pergunta faz sentido porque:


? quem provocou esta fase processual foi o próprio Lula, usando um direito seu de recorrer da decisão de primeira instância;

? antes desta fase, Lula participou das anteriores, sem contestar o direito/dever que o juiz singular tem de sentenciá-lo;

? o ex-presidente certamente não se esqueceu de que, ao tomar posse, jurou solenemente cumprir e fazer cumprir a Constituição que agora está afrontando;

? Lula e seus advogados sabem que estão contestando um princípio geral do Direito que é um dos fundamentos da ordem jurídica: “ninguém pode ser juiz em causa própria” (nemo iudex in causa sua). Derrubado este princípio, a sociedade retrocede para o estado de natureza hobbesiano, isto é, quem detiver o poder político também terá o poder de julgar, inclusive de julgar em causa própria;

? além disso, ao desafiar e ameaçar os juízes de maneira tão agressiva, está criando um sentimento de autodefesa institucional inevitável, que em nada contribui para seu objetivo de revogar a decisão que o condenou;

? ao escolher o Poder Judiciário como inimigo, aposta numa estratégia anti-institucional, antidemocrática e possivelmente autodestrutiva que até agora não funcionou. Ataca e constrange quem vai julgá-lo, sem saber o resultado do julgamento. Diante deste tipo de ataque, amplificado pela inusitada mobilização política para o dia do julgamento, como seria visto o Judiciário, se viesse a acolher seu recurso? Para muitos, pareceria que se acovardou. Embora essa situação hipotética não deva afetar a decisão de um tribunal que preza sua independência, como é o caso do TRF-4, por certo abala os argumentos de recurso, transladando seu autor da condição de vítima para a de agressor;

? este aspecto da estratégia adotada só faz sentido se ele está convencido de que: 1) vai ser novamente condenado neste julgamento; ou 2) sabe que este talvez seja seu “canto do cisne” e que não terá outra oportunidade tão favorável para produzir um ato político de grande envergadura em seu apoio. Esses dois aspectos implícitos em sua decisão são decorrências lógicas da opção por este curso de ação;

? Lula, ao agir assim, deve também saber que o País e as instituições não vão cair de joelhos e pedir-lhe desculpas, atitude de que, segundo ele, é merecedor. Como tal, seu comportamento revela, ainda, seu pessimismo quanto ao desfecho do julgamento.

Entretanto, como hábil político que inegavelmente é, sua opção pela contestação da independência do Poder Judiciário e até mesmo da legitimidade da democracia indica a opção por uma estratégia vitimista. Em caso de condenação, o ressentimento deverá ser a base emocional para a mobilização política no pós-julgamento. É a opção política própria do derrotado: voltar-se contra o regime político sob o abrigo do qual “seus inimigos” o derrotaram.

A ser correta essa análise, fica evidente que Lula, o PT e as esquerdas continuam falando “para dentro”. Discursam para quem lhes garante o aplauso certo; escrevem e criam fatos para convencer os que já estão convencidos.

Estrategicamente, a manifestação em Porto Alegre não é uma batalha jurídica, e sim uma batalha publicitária que busca – pelo tamanho do público, oratória, slogans, comportamentos e cobertura midiática – manter eleitores fiéis e atrair indefinidos. Batalha publicitária paga, entretanto, com danos causados à já severamente comprometida institucionalidade democrática brasileira.

Sempre será possível reunir militantes e simpatizantes provindos de todo o País num único lugar. Não é difícil, havendo recursos e relações pessoais, atrair políticos, intelectuais e simpatizantes de outros países, e é fácil trazer artistas e intelectuais, professores e alunos.

O profissionalismo e a competência dos responsáveis pela Lava Jato tisnaram o PT com a marca da corrupção. As derrotas políticas e eleitorais no País e de regimes de esquerda na América Latina, sobretudo a situação trágico-patética da Venezuela, não levaram o PT e as esquerdas a repensar criticamente sua situação.

Num exercício de “faz de conta que”, optaram pela negação da realidade. Essa negação, porém, colidiu com a consciência da realidade pela população e acabou se tornando o discurso único da esquerda. A insistência em falar “para dentro” resulta da insegurança e da incerteza no resultado político de falar para “os de fora”, além da perturbadora desconfiança sobre a consistência e permanência dos resultados das pesquisas.
Foi a pesquisa que trouxe oxigênio para a sobrevivência política, e com ela a esperança, já que sem ela o quadro político seria muito diferente. A posição de liderança de Lula nas pesquisas eleitorais trouxe a esperança de uma recuperação e até, quem sabe, a esperança de um perdão.

Há dois fatores, entretanto, que, não obstante a qualidade das pesquisas, podem provocar mudanças nos seus principais resultados: o fator tempo e o fator grau de conhecimento dos candidatos pelo eleitor.

Estamos ainda distantes da campanha presidencial. Nem os atuais pré-candidatos nem a posição relativa de Lula devem ser encarados como definitivos. Grande parte dos eleitores se decide durante a campanha. Além disso, acredito que há pelo menos dois possíveis candidatos que ainda não estão na disputa.

O segundo fator diz respeito à variável conhecimento. Eleitor não vota em candidato que não conhece. É óbvio que nesta fase inicial há uma enorme diferença entre o grau de conhecimento de Lula e o dos demais pré-candidatos. Com o andamento da campanha e o crescente conhecimento dos demais candidatos, este quadro inicial de preferências pode mudar.

Considerações como estas certamente não são ignoradas pela equipe política de Lula e devem justificar a necessidade de politizar seu julgamento, de mantê-lo no centro do processo eleitoral por via de controvérsias, mesmo que não possa concorrer.

*Professor de ciência política, ex-reitor da UFRGS, é criador e diretor do site ‘Política para políticos’

 

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