A política externa brasileira foi uma política de “consenso” nos últimos 25 anos porque refletiu um consenso mais amplo, o consenso na base do sistema político que ameaçou sufocar a nação brasileira com a corrupção e a estagnação econômica, a crise moral e o enfraquecimento militar, o apequenamento internacional, o descaso pelos sentimentos do povo brasileiro.
Os brasileiros rejeitaram esse consenso nas urnas, em outubro de 2018, ao escolher o único candidato que se ergueu contra o sistema. Insistir agora em que esse consenso continue a prevalecer na esfera da política externa, por temor e preguiça, sob o pretexto de “manter as tradições”, seria trair o povo brasileiro.
O “consenso” na política externa, com sua “maturidade” e “equilíbrio”, permitiu ao longo desse período a subida de Chávez na Venezuela, o predomínio crescente do bolivarianismo na América do Sul concebida como um bloco socialista, a consolidação de Chavez e Maduro no poder, a corrosão progressiva de todos os elementos do Estado Democrático de Direito naquele país, sua entrada no Mercosul a ponto de quase destruir o bloco, a deliberada política do regime de Caracas de criar miséria para reforçar o controle sobre a sociedade – tudo isso sob as barbas do nosso “consenso”. Alguns apoiaram abertamente o chavismo. Outros fingiram que foram contra mas não fizeram nada de concreto. Aquilo que parecia haver de defesa da democracia na política brasileira para a Venezuela no último governo extinguiu-se completamente, entre sorrisos, em setembro de 2018, na reunião de Aloysio Nunes com o chanceler de Maduro em Nova York, onde o lado brasileiro aceitou na prática a normalização das relações com a Venezuela sob o pretexto de que “é um país com o qual fazemos fronteira”. Se permanecesse aquele maravilhoso consenso, não haveria hoje um pingo de esperança para a Venezuela, e Maduro estaria firme, sem qualquer receio de perder o poder, sorrindo ao ver as crianças venezuelanas comerem lixo.
Eu vi com meus próprios olhos essas crianças e seus pais, nas fronteiras da Colômbia e do Brasil com a Venezuela. Eu ouvi os venezuelanos em Cúcuta gritando “obrigado Brasil” e apertei suas mãos, eu escutei suas vozes rasgadas de esperança, gritando “Venezuela libre!” e gritei junto com elas. Eu senti o seu enorme anseio de que agora, finalmente, graças em grande parte ao novo Brasil, os venezuelanos possam recuperar sua pátria e sua dignidade humana, com o fim iminente da ditadura. Eu abracei Juan Guaidó, esse líder destemido que, sob risco de vida, corporifica o sonho de uma nova Venezuela, vi os índios pemones que viajaram até Brasília, grande parte do trajeto a pé, e saudaram Guaidó em frente ao Itamaraty, e entoaram um cântico por seus parentes massacrados por Maduro – tudo isso enquanto Rubens Ricúpero e Fernando Henrique Cardoso escreviam seus artigos espezinhando aquilo que não conhecem, defendendo suas tradições inúteis de retórica vazia e desídia cúmplice.
O Presidente Bolsonaro e eu estamos, sim, rompendo esse consenso infame. Estamos rompendo com a tolerância irresponsável que ajudou a acobertar os crimes do regime chavista-madurista, e que continuaria acobertando até hoje, se o sistema que vinha governando o Brasil permancesse no poder.
A esperança de uma nova Venezuela não existiria sem o novo Brasil. A atuação do Brasil no Grupo de Lima em 4 de janeiro, a organização do encontro das forças de oposição em Brasília em 17 de janeiro, a denúncia do genocídio silencioso praticado por Maduro por meio da nota do Itamaraty igualmente de 17 de janeiro, o respaldo ao Tribunal Supremo de Justiça legítimo da Venezuela que avaliza constitucionalmente o processo, o reconhecimento de Guaidó como Presidente Encarregado em 23 de janeiro – todas essas iniciativas da nova política externa brasileira, que o Presidente Bolsonaro me deu a honra de conduzir, foram decisivas para acender a esperança que vi brilhar nos olhos das pessoas de carne e osso, e que contagiou toda a região, que colocou a barbárie do regime madurista sob os olhos de todo o mundo. Segundo me confidenciou pessoalmente uma grande liderança democrática venezuelana, foram as iniciativas do Brasil que mudaram o jogo e mobilizaram os próprios Estados Unidos a romperem a inércia em que se encontravam até o início de janeiro e a virem colocar seu peso político em favor da transição democrática. Não foi o Brasil que seguiu os EUA, mas antes o contrário. Quem não acreditar, pergunte aos venezuelanos que lutam por sua pátria, e que passarão à história como heróis da liberdade. Perguntem a eles o que acham da política externa de Bolsonaro. Perguntem aos venezuelanos expulsos de seu país pela fome e pela tristeza e que agora sentem-se à beira de poder voltar para casa. Perguntem a eles, e não aos comentaristas de política externa, não aos ex-presidentes e ex-ministros do “grande consenso” da inação e da mediocridade.
Perguntem a eles se me veem como a caricatura de um guerreiro medieval com a cruz de Cristo no peito (da qual aliás muito me orgulho) ou simplesmente como um homem que, com todas as sua limitações, está trabalhando para defender a democracia, em benefício de toda a região, essa democracia de que os críticos de Bolsonaro tanto falam mas pela qual nada fazem nunca.
Agora vem FHC, com o mais surrado dos artifícios retóricos: a criação de uma falsa dicotomia. Segundo ele, as únicas opções são o prosseguimento do “consenso” ou a intervenção armada na Venezuela. Não, não são as únicas. Ao contrário de FHC, eu acredito na diplomacia, porque acredito na força da palavra e do espírito humano para mudar a realidade, porque não sou cínico nem materialista, porque acredito no povo brasileiro, esse povo dos “grotões” que FHC abertamente desprezava (assim como desprezava e despreza os eleitores de direita que o fizeram presidente duas vezes), e acredito que este povo tem em suas mãos um destino imenso capaz de mudar o mundo, começando por ajudar na libertação do povo-irmão venezuelano.
Nessa libertação, o sentimento de solidariedade humana para com os venezuelanos coincide com o interesse nacional brasileiro. Uma Venezuela eternamente chavista-madurista, vivendo do narcotráfico, albergando terroristas de toda estirpe, armando milícias criminosas, financiando crime organizado e movimentos pseudo-sociais em território brasileiro, expulsando seu próprio povo pela fome e pela doença, essa Venezuela seria uma ameaça permanente e tremenda à segurança do Brasil e dos brasileiros. Fazer algo efetivo a respeito, contribuir para uma Venezuela democrática, é algo que a melhor tradição diplomática brasileira exige e impõe. Estamos restaurando a verdadeira tradição diplomática brasileira, a tradição de um país livre, soberano, orgulhoso de si mesmo, consciente de sua capacidade e sua responsabilidade de contribuir para o bem da humanidade.
*Publicado originalmente em https://www.metapoliticabrasil.com/blog/contra-o-consenso-da-ina%C3%A7%C3%A3o
Só maluco torce para que o avião em que se está viajando caia; e o Brasil sem a reforma não vai voar.
Um cara entrou no elevador outro dia e me disse: “Bom dia”. Eu respondi: “Se aprovarmos a Previdência, será um bom dia”. Peguei um táxi no aeroporto, e o motorista me perguntou: “Para onde vamos?”. Eu respondi: “Se não aprovarmos a Previdência, vamos para o brejo”.
Enfim, nos próximos meses, no elevador, no táxi, no artigo da Folha, na reunião de condomínio, no bar com os amigos, eu, você e qualquer pessoa de direita, centro e esquerda, mas com juízo, deve lutar para aprovar a reforma da Previdência.
O governo já enviou sua proposta ao Congresso Nacional, e agora cabe o debate democrático em torno dela. Só não cabe mais, no meu entender, aquele papo de dizer que é a favor da reforma, mas não desta, e aí acabamos sem reforma alguma. Não há mais tempo para isso.
A reforma é decisiva para a economia decolar. Já se calcula que US$ 100 bilhões estão para serem investidos no Brasil, mas esperam a aprovação das mudanças. Ninguém quer investir num país que pode quebrar mais à frente.
O Estado brasileiro está sufocado por déficits monstruosos. Os governos de turno não conseguem investir onde deveriam, como saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, habitação...
Os dados não são novos e são bem conhecidos. Todo o mundo que chega ao governo é a favor da reforma, mas, quando está na oposição, fica tentado a fazer proselitismo com o eleitorado, brincando com fogo.
Eu inclusive acho errado o tema ser reforma da Previdência. O professor Lavareda disse algo que nunca esqueci —não se trata de reformar a Previdência, mas de salvar a Previdência.
Sem salvar a Previdência, não vamos conseguir pagar aos aposentados. Estados liderados por governadores de todos os partidos sabem disso. Estão quebrados ou a caminho de quebrar e não conseguirão custear obrigações básicas se seguirmos desse jeito.
Não é uma medida fria, liberal. É uma medida humana, difícil às vezes de entender, embora as pesquisas mostrem que a população cada vez mais entende a reforma.
Os empresários, em vez de comodamente jogarem a reforma no colo e na conta do governo e do Congresso, precisam ajudar a mobilizar o país para a importância desta hora.
Os veículos de comunicação, da forma crítica que lhes é habitual e fundamental, têm o papel de mostrar a realidade e o perigo dos números. Não é questão de ideologia, mas de matemática. A conta não fecha.
Sem salvar a Previdência, quem trabalhou duro não vai ter proventos. E os jovens terão um futuro pior.
Não cabe a nós, formadores de opinião, líderes empresariais, influenciadores, ficarmos em cima do muro.
O celular é o microfone que a tecnologia deu a todos. Temos nos nossos grupos de WhatsApp a oportunidade de propagar essa mobilização.
Tenho amigos e parentes que são contra a reforma. Respeito todos eles, e que também façam a campanha pelo que acreditam. Mas os que concordam comigo precisam se mobilizar e ajudar a aprovação no Congresso.
Não é questão de apoiar ou não este governo. Só maluco torce para que o avião em que se está viajando caia. E o Brasil sem a reforma não vai voar.
É aritmética, não é ideologia. As pessoas vivem cada vez mais no mundo todo, e a conta atual não fecha.
Com todo o respeito às pessoas que pensam diferente de mim, eu convido aqueles que pensam como eu a repetirmos juntos esse mantra: Previdência, Previdência, Previdência.
Vamos salvar a Previdência.
*O autor é publicitário, fundador do Grupo ABC.
**Publicado originalmente na Folha de São Paulo
Desde o início do novo governo dizia que teria uma primeira avaliação a respeito da pasta da segurança pública a partir das primeiras nomeações ao Conselho Penitenciário Nacional.
Primeiro, não tive a sensibilidade de parabenizar publicamente o grande amigo Dr. Pery Francisco Assis Shikida que fora nomeado para a suplência do referido Conselho. Penso que já merecia a titularidade, inclusive. Parabéns, meu dileto e competentíssimo amigo. Nesse quesito, Moro teve um ótimo conselheiro.
Por outro lado, vejo vários nomes - simbolizado pela única conhecida do grande público, a Sra. Ilona Szabó (já deposta) - que discordam das visões empíricas e teóricas do grande economista do crime e da chapa presidencial eleita. Ecoam ainda naquele conselho as vozes dominantes na cena intelectual pátria, afeitas a variados graus de determinismo social, jogando as escolhas racionais de um indivíduo nas costas da sociedade, das vítimas, das desigualdades socioeconômicas etc. Aquelas visões que nos levaram a exculpar o criminoso e dessensibilizar inumeras pessoas quanto à imoralidade e a prejudicialidade social e individual do crime.
Como lembra Thomas Sowell, em sua magistral obra “Intelectuais e a Sociedade”: engenheiros quando falham na engendração de uma ponte e médicos quando falham na imperícia sofrem severos abalos em suas reputações profissionais, mas quando certos setores dos intelectuais terão a sua conta de participação cobradas e assumidas?
Lembro ainda que postei em julho do ano passado, resolução do CNPCP que determinava que fossem distribuídos lubrificantes e insumos ao consumo de drogas, tudo “discretamente”. Além disso, durante muitos anos predominado por vozes singulares (sem pluralismo), vem estipulando exigências arquitetônicas quase inexequíveis para a construção de novos presídios, dificultando o alargamento da falsa percepção do encarceramento em massa, que a grande maioria dos conselheiros combate com unhas e dentes.
Também estranhamente, a única voz forte e combativa ao discurso singular do Conselho, o Dr. Eugenio Paes Amorim, não foi reconduzido, talvez porque Brasília esteja desacostumada com aqueles que não se dobram aos seus maus hábitos. Não raro, quem expõe francamente suas posições acaba por ser excluído do “debate”.
Enfim, governo temporário e democrático é legitimado a representar os anseios da maioria - essa é a arte da democracia. Chama-se a outra turma, que aguarda a sua vez para colocar em prática as suas ideias. A turma perdedora, que aguarde novamente a sua vez no banco de reservas. Essa é a linda pluralidade democrática: cada turma respeita à vontade da maioria, buscando restabelecer a confiança de suas ideias junto à sociedade. Parece-me que o anseio por pluralidade dentro de órgãos do Executivo, que irão ditar políticas públicas durante o mandato presidencial, desrespeita a representatividade temporária selada nas urnas. Ora, se paradigmas antepostos e adversários nas eleições acabam por se encontrar de qualquer maneira durante o exercício do mandato, qual o sentido do voto? Aliás, se bem entendi o recado das últimas eleições, a sinalização é de que há certa intransigência ao compadrio, jogo de cenas e, o pior de tudo, desrespeito à representatividade democrática.
Em resumo, a perda de sentido sobre os reais significados de um Estado Democrático de Direito é um dos principais problemas a longo prazo da nação.
Ao digníssimo Ministro da Justiça vale a pena dar uma lida nas publicações do Ministério da Justiça antes de sua chegada recente e, consequentemente, no seu íntimo poderá refletir se as ideias de certos servidores de segundo e terceiro escalão - e também das cúpulas de outros órgãos parceiros - que produziram tais peças ideologizadas pelo irreal podem servir-lhe de bom conselheiro.
Em tanto desvio de rumo e de sentido na seara político-institucional brasileira, sempre é bom relembrar que a Prudência é a mãe das virtudes em matéria de Política.
*Bruno Carpes é Promotor de Justiça no MP/RS
Foi nas redes sociais que a cidadania passou a participar ativamente da eleição presidencial.
Muito se tem falado das mudanças nas campanhas eleitorais antecipadas pela eleição de 2018. Na realidade, a tecnologia de campanha desde a eleição de 1989 e a campanha de Fernando Collor atingiu o ápice na eleição de Lula em 2002. A partir de então começou a perder eficiência. Nesse período o tempo de TV era considerado crítico e decisivo e tornou-se o fator dominante na composição de apoios e coalizões. Foi a época dos grandes publicitários, como Duda Mendonça e Nizan Guanaes, cuja qualidade profissional criou peças de propaganda que se tornaram clássicas.
Ao longo desse período os custos de campanha atingiram centenas de milhões de reais. Grandes publicitários precisavam de tempo de TV e eram caros. Com as revelações da Lava Jato, o financiamento público e o modelo de campanha baseado na TV e em profissionais de elevado custo não mais poderia continuar.
Outros fatores contribuíram para a exaustão desse tipo de campanha. Em 2018 pesquisa não faltou. Ao menos seis institutos divulgavam resultados praticamente de forma semanal e em torno das mesmas datas. Pesquisas com perguntas sem imaginação produziram respostas sem utilidade prática. Elas se limitavam a perguntar como o entrevistado ia votar, não exploravam as razões do voto.
A padronização e a falta de criatividade dos programas de TV consolidaram a convicção da sua inutilidade no formato vigente. A limitação temporal não instigou a criatividade para fazer “melhor em menos tempo”. A grande maioria dos candidatos também não percebeu as mudanças que estavam em curso e insistia nos mesmos tipos de programas, já fartamente conhecidos e desinteressantes.
Nossa legislação eleitoral é minudente, detalhista, meticulosa, comprometendo a espontaneidade tão necessária à dinâmica eleitoral e provocando o engessamento e burocratização da campanha. Evidência da irracionalidade da legislação, resultante do seu afã de regular tudo, é o paradoxo de que ao candidato que liderava as pesquisas e venceu a eleição apenas alguns segundos de TV foram atribuídos.
Debates são oportunidades únicas para o eleitor conhecer o seu candidato quando submetido a um teste exigente. Neles o candidato está desprotegido num confronto direto com os adversários, numa situação rara em que suas fragilidades e qualidades serão provocadas à vista dos eleitores. A regulamentação a que sujeitamos os debates, negociada entre os candidatos sob o olhar severo da legislação eleitoral, parece ser concebida para emascular aquela situação que deveria ser rara e única, como oportunidade para alcançar as regiões emocionais dos candidatos que permitem aos eleitores melhor conhecê-los.
Mais ainda, numa eleição democrática, que é inevitavelmente desigual em tudo o que respeita aos candidatos, eles são tratados com a ficção de serem iguais. Cria-se, então, um cenário insólito. A oportunidade do debate favorece mais os candidatos inexpressivos do que os principais; favorece mais as redes de TV cuja preocupação principal é mostrar neutralidade política.
Numa programação de campanha concebida para o confronto - sobretudo em 2018, a julgar pela temperatura elevada dos debates nas redes sociais -, leva-se o eleitor para o mundo da irrealidade, em que se mesclam candidatos competitivos e não competitivos. Como se não bastassem os artistas medíocres e um libreto sem talento, esse teatro de péssimo gosto patrocina um debate da mais absoluta irrealidade, perguntando a um candidato com 0,5% das intenções de voto o que ele fará para resolver o problema da saúde!
Em 2018 surgiu uma nova campanha eleitoral, numa eleição em que o resultado nada ou muito pouco teve que ver com o arsenal desenvolvido a partir de 1989. Que relação a nova campanha teve com pesquisas? Muito pequena. Pesquisa como vem sendo feita é um produto que atende aos interesses de quem a oferece no mercado. Seus “compradores” (mídia e políticos) desconhecem seu potencial e sua complexidade. Como tal, foi um produto que produziu informações superficiais e apenas sobre quem estaria na frente.
Que relação tinha com programas de TV? Nenhuma, a ponto de o candidato vencedor em 2018 nem ter usado seu tempo de TV de alguns segundos.
Com programas de governo detalhados, objetivos e prioritários? Mínima, inexpressiva. Apenas o programa de Geraldo Alckmin se dedicou a apresentar os projetos de sua candidatura no formato conhecido. Com partidos políticos que recentemente haviam ocupado a Presidência, PT, PSDB e PMDB? Muito pequena. Só o PT conseguiu, coadjuvado pela reação de rejeição a Bolsonaro, chegar ao segundo turno. Inversamente, Jair Bolsonaro venceu com um partido quase inexistente, o PSL.
Com debates? Nenhuma. O candidato vencedor em 2018 não participou dos debates no primeiro nem no segundo turno. Com o apoio de nomes expressivos nacionais e estrangeiros do mundo da arte, cultura, espetáculo, jornalismo, esportes, política? Muito reduzida. Reforçou quem já estava decidido.
Como se podia esperar, o momento da mudança chegou.
A razão básica para a mudança se verificar em 2018 se deve ao fato de o eleitor não ter encontrado na campanha convencional nenhuma de que estivesse interessado em participar. Foi encontrá-la nas redes sociais, continuando a pré-campanha que havia meses já se fazia nelas.
Essa peculiaridade tornou a campanha mais longa, livre dos prazos formais e sem igualdade compulsória entre desiguais. A rigidez, o engessamento e a burocratização da legislação eleitoral foram superados pelo exercício da liberdade viabilizada pelas redes sociais.
Quem não entendeu que a legislação eleitoral foi “derrogada” pela cidadania nas redes sociais não entendeu a mais importante e mais eloquente mudança de campanha que se impôs em 2018. O eleitor passou a participar ativamente da eleição presidencial em todas as suas fases, ao contrário do modelo burocrático que só admitia sua participação na hora de votar.
*PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA E EX-REITOR DA UFRGS, FRANCISCO FERRAZ É CRIADOR E DIRETOR DO SITE POLÍTICA PARA POLÍTICOS
**Publicado originalmente no Estadão 01/03/2019 e enviado pelo autor.
Era noite e chovia em Brasília quando o “sucatão”, o Boeing presidencial, aterrissou.
Voltando da Bolívia, Lula já se entregava ao cansaço quando o avisaram que o tempo na Base Aérea seria curto porque decolaria num jato menor, porém mais seguro, para Manaus.
Balançou o restinho do destilado num restinho de gelo parecendo explodir. Porra, Celso Amorim, o Chavez de novo? Eu não aguento mais o Chavez!
Não que a proximidade física de Hugo Chavez provocasse em Lula irritantes coceiras daquelas que se transmudam em alergias incuráveis. O tempo mostrou o quanto se alinhavam.
Depois, no quase dezembro de 2007, na Cumbre Ibero-Americana, em Santiago do Chile, quem não aguentou mais foi o Rei da Espanha, Juan Carlos.
Chavez excedia em muito o tempo que ouvidos lúcidos poderiam tolerar. Por qué no te callas?. Bronqueou o Rei. E só então Chavez calou.
Os populistas em geral fazem suas escaladas para a ditadura ensaiando discursos autoritários. Discursos intermináveis. Intragáveis à racionalidade dos ouvintes.
Na armação dos seus domínios, os ditadores sempre escolhem, entre os subservientes, os imbecis, senão os mais medíocres, para o seu derredor.
Quem diria que o corpulento e espaçoso maquinista do metrô de Caracas chamado Nicolás Maduro, sindicalista arredio a livros e à didática das escolas, autodidata em nada, só em autoritarismo, alcançaria o topo entre os mais confiáveis ao Comandante da Revolução Bolivariana, o coronel Hugo Chavez?
Agora, enquanto a grande maioria dos venezuelanos, morrendo de fome, assaltando carros de lixo nas ruas em busca de comida, sem trabalho, e pior, sem direito algum à própria liberdade, Maduro discursa para si mesmo por horas seguidas, apoiado por sua trupe de militares corruptos e aplaudido por suas hordas de camisas e bonés vermelhos.
Reprovado por 75% da população, sem concorrentes nas urnas, ainda assim, Maduro fraudou os resultados para se dizer eleito. Ah, mas ele ainda tem muitos apoiadores! Tem os generais corruptos, narcotraficantes ou peculatários.
Maduro tem ainda, e especialmente, ao seu lado, os mesmos que aparecem de vermelho nos seus comícios e que em troca da impunidade e de comida, portando armas modernas, promovem arruaças, agridem, matam e dão sumiço nos opositores. Toda ditadura tem os seus temíveis e bem treinados milicianos.
O Povo da Venezuela já não aguenta mais Maduro e sua ditadura, sua entourage violenta e corrupta. A voz do Povo da Venezuela já lhe repete seguidamente a bronca do Rei da Espanha – Por qué no te callas?. Acrescentando – Por que no te vás?
O chavismo ocupou com os seus apaixonados dependentes, idiotizados pelas benesses do poder, as universidades, o legislativo, os tribunais, as forças armadas, e ao mesmo tempo em que quebrou empresas e empresários não alinhados ao regime impôs a censura e fechou jornais, canais de rádio e de televisão descompromissados com a mentira.
Quando Maduro, na sequência do seu projeto de poder absoluto, fez lei dificultando aquisição de armas pelas pessoas do Povo poucos se deram conta de que, desarmando a população, ele queria apenas, e conseguiu, criar e armar a sua própria milícia, os terríveis esquadrões que intimidam, agridem, matam e dão sumiços às pessoas.
Hoje, mais de 50 entre os grandes países, dentre eles o Brasil, o Canadá e o Japão, não reconhecem Nicolás Maduro como Presidente da Venezuela.
Mais de 50 entre os grandes países, dentre eles a Espanha e a França, Reino Unido, Alemanha, Dinamarca e Austria, reconhecem Juan Guaidó, o Presidente da Assembleia Nacional, que nessa condição tornou-se Presidente da República encarregado para a transição do País para a democracia.
O Brasil, que seguia se aparelhando com a corrupção e seus abusos nas empresas estatais e em muitas das grandes empresas privadas, e em outros patamares estratégicos da República, serviu de prova de que Deus é brasileiro. Segue escapando. Por pouco, mas segue escapando.
*Edson Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.
** Publicado originalmente no Diário do Poder
A Folha de São Paulo publicou uma matéria em 23-2-2019 intitulada “Favela com PCC tem menos crimes violentos, segundo estudo”, sugerindo, já no título, que a presença do crime organizado nas comunidades é sinônimo de segurança para as pessoas. Impressionante como alguns setores da imprensa adoram flertar com bandidos e servir à causa da marginalidade. Depois, são esses mesmos jornalistas que escrevem notícias sobre o aumento da violência realçadas com uma fingida indignação.
De acordo com a reportagem, o estudo aponta que as favelas dominadas pela facção criminosa PCC tiveram 12% menos crimes violentos em relação às favelas onde a bandidagem não está presente. Não se trata de nenhuma novidade. Dizer que as áreas dominadas por organizações criminosas possuem menos crimes violentos é chover no molhado. A novidade está em distorcer as causas da diminuição dessa violência. Ainda segundo a matéria, o estudo considera que a redução da violência se deve a um “modelo de negócios muito aberto e profissional” desenvolvido pelo PCC, no qual impera o que os autores chamaram de “pax monopolista”. Ora, vejam, o jornalista destaca o tráfico de drogas não como um crime hediondo, mas como um “modelo de negócio muito profissional”, e os traficantes como “empresários racionais” filiados a um “grupo”, e não bandidos integrantes de facção criminosa. Só faltou obrigar a Associação Comercial de São Paulo a admitir em seus quadros os traficantes de drogas.
É certo que a presença policial atrapalha o comércio de drogas, como aponta o estudo. Por isso, os traficantes buscam manter a violência sob controle nos seus domínios. Sem crimes violentos, a polícia não precisa entrar na favela. Chega a ser infantil apontar essa constatação óbvia como uma grande descoberta. O que o jornalista ignora ou oculta é que a tal “pax monopolista” é imposta por meio do terror contra a população. Até um chimpanzé sabe que as organizações criminosas possuem um código penal próprio que é imposto para a população sob o seu jugo. Qualquer pessoa que transgrida esse código é punido sumariamente com torturas, mutilações ou morte. É assim que as organizações criminosas agem para garantir que todo mundo ande na linha sob os seus domínios, afinal quem vai querer perder uma mão por furtar uma bicicleta? Percebam que o modo de agir das facções criminosas, no sentido de punir severamente qualquer transgressor do código de conduta da organização, confirma a tese de que a certeza de uma punição rígida é um componente fundamental para inibir a prática de crimes. Ocorre que o tipo de jornalista que defende o “modelo de negócios” das organizações criminosas é o primeiro a se insurgir contra qualquer política que vise recrudescer o combate a esses criminosos por meio do aumento das penas e estabelecimento de regras mais rígidas para o seu cumprimento.
É interessante a matéria destacar a expressão “pax”, que remete claramente à conhecida “pax romana”, período histórico do Império Romano durante o qual os romanos garantiam o controle das regiões conquistadas por meio da imposição da cultura e dos valores de Roma e, fundamentalmente, pelo uso da força para conter rebeliões. Em outras palavras, a “pax romana” não foi conquistada como decorrência natural de um “modelo de negócios”, mas sim pelo uso da força bruta das legiões de exércitos romanos. Ou seja, os romanos ameaçavam empregar a força e a violência para assegurar a paz e, assim, viabilizar os negócios e a prosperidade do império. Exatamente como fazem as organizações criminosas, que empregam o terror contra a população para manter a “paz” e, assim, garantir a prosperidade dos seus negócios escusos. Simples assim.
Eis a razão porque a violência é maior nas áreas controladas pelo Estado do que naquelas controladas por facções criminosas. Ora, qualquer um que pudesse reinar absoluto no seu bairro, instituir um código próprio de conduta e montar um esquadrão da morte com fuzis e metralhadoras para o fim de estabelecer um tribunal de exceção para julgar e guilhotinar sumariamente os suspeitos de qualquer transgressão, com certeza também conseguiria estabelecer uma “pax” local. Mas o Estado tem que agir pautado pelas garantias e liberdades individuais, em especial o devido processo legal, e não pelo terror.
Combater a violência num estado democrático de direito é mais difícil mesmo. Conferir ao crime organizado contornos de uma empresa lícita que age de modo mais eficiente do que a polícia para garantir a paz e a segurança nas favelas é uma distorção tão obscena que só pode ser explicada por uma paixão cega pelo criminoso, um tipo de amor bandido alimentado por uma doença mental incorrigível do seu autor, quem sabe até um desejo perverso de fazer parte do mundo da criminalidade. Quem acha mais seguro viver nas favelas dominadas pelo PCC deveria se mudar para uma dessas comunidades. Assim pode ficar mais próximo dos seus amores.
*O autor é Promotor de Justiça no MP/SC
**Publicado originalmente no blog do autor, em https://leandrogovinda.blogspot.com/2019/02/imprensa--e-amor-bandido.crime-organizadohtml