• José Antonio Lemos dos Santos
  • 23/04/2019
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CIDADES E CIVILIZAÇÃO

 

     Dizem os historiadores que a cidade é a maior e mais bem-sucedida invenção do homem. Foram precisos 2,5 milhões de anos desde que o Homo Habilis demonstrou que sabia construir e utilizar suas primeiras ferramentas complementando suas limitações naturais até que o homem inventasse a cidade. Com a cidade o homem deu um salto e evoluiu muito rápido, bastando 5 mil anos para pisar na Lua e poucos dias atrás fotografou um “buraco negro” a 50 milhões de anos-luz da Terra.

A invenção da cidade teve como condição essencial uma outra invenção, a Civilização. Cidade e Civilização nasceram juntas e são gêmeas xipófogas inseparáveis. Uma não vive sem a outra. A cidade é o locus da Civilização, a qual por sua vez é condição indispensável para a existência da cidade. E cidade e Civilização não existiriam se o homem não desse um salto qualitativo também essencial, deixando de ser bárbaro para ser civilizado. Só que enquanto a Barbárie supera a Selvageria, a Civilização não supera a Barbárie, apenas a traveste com uma carapaça chamada Ética formada por leis, normas, costumes, princípios religiosos e morais, cuja obediência passa a interessar a todos pois sem ela a cidade não funciona, nem a Civilização.

Assim, por baixo da carapaça civilizatória persiste o bárbaro, pronto para escapar, o que acontece quando os controles dos códigos são afrouxados ou deixam de existir. O bárbaro deixa sua casca de civilizado e vai destruir a cidade e a Civilização, local e condição incompatíveis com sua existência. Só há uma forma do bárbaro retornar à sua armadura civilizatória: submetê-lo de novo às normas, regras e padrões, obedecidos por todos. Para isso existem as leis e suas penas.

Como considerar as cidades brasileiras e suas condições de existência se de um modo geral vivemos em um ambiente de quase barbárie, sem padrões legítimos de convivência e onde as autoridades responsáveis pelos mecanismos de controle estão ausentes ou também se comportam como bárbaros? No urbanismo a situação é trágica desde a fiscalização da responsabilidade técnica profissional até a aplicação das normas dos planos diretores, em especial as leis de uso e ocupação do solo e suas áreas de risco, criminosa e crescentemente ocupadas ao arrepio da lei. Está claro que barbárie dominou nossas cidades e a está destruindo sob o olhar acovardado ou criminoso nosso e de seus gestores, vide as grandes tragédias que emocionam o país ou mesmo as menores, cotidianas de pouco destaque mas que anualizadas são imensas.

Será que ninguém enxerga um conjunto de edifícios sendo construído, ou uma favela em nítida expansão, agora até verticalmente, em áreas de evidente risco, perceptível como tal até a um leigo? Alguém acredita que uma cidade como o Rio de Janeiro, ou qualquer outra grande cidade brasileira não disponha de uma carta geotécnica ou uma legislação para o uso e a ocupação do solo urbano, mais de 30 anos após a Constituição determinar que a tivessem? Onde estão os órgãos responsáveis em zelar pelas boas práticas da Engenharia, Arquitetura e Urbanismo no país? Pergunto envergonhado como conselheiro de um deles.

E as prefeituras? os prefeitos? os ministérios públicos? a Justiça? Onde estão as responsabilidades? As cidades que historicamente se revelam tão importantes na promoção da humanidade, no Brasil se transformaram em assassinas de seu próprio povo. Ao arquiteto e urbanista brasileiro que por formação tem o dever de entender, trabalhar e ao menos denunciar estes tétricos cenários, só lhe resta emprestar o grito desesperado de Castro Alves: “Meu Deus, meu Deus, mas que bandeira é esta que impudente na gávea tripudia?... Antes te houvessem roto na batalha, que servires a um povo de mortalha.”

• Arquiteto e urbanista, conselheiro do CAU/MT, acadêmico da AAU/MT e professor universitário aposentado.