• Luiz Guedes da Luz Neto
  • 14 Dezembro 2018

A propósito do art. 13 da Diretiva da União Europeia sobre Direitos Autorais.

 

            Difícil imaginar a vida hoje sem a internet. Pessoas físicas e jurídicas estão conectadas a maior parte do tempo através de vários tipos de dispositivos. Modelos de negócios foram criados tomando por base a rede mundial de computadores e a possibilidade de se alcançar, potencialmente, qualquer pessoa conectada à rede em qualquer ponto do globo terrestre é um dos grandes diferenciais da rede, além da sua liberdade.

            A internet foi pensada para ser um território livre, no qual as pessoas podem transitar sem limites geográficos ou políticos. Porém, a liberdade da rede vem sendo diminuída gradativamente ao longo dos anos em diversos pontos do planeta. A China tenta controlar o tráfego da internet em seu território. Cuba da mesma forma. Entre outros países.

            Os países Europeus integrantes da União Europeia, em sua maioria conhecidos como países democráticos e que prezam pela liberdade, demonstraram, através do Parlamento Europeu, uma tendência que pode colocar em risco a internet como estamos acostumados a ter ou a imaginamos que ela seja.

            Em diversos canais do Youtube e blogs surgiu nos últimos dias a polêmica gerada pelo artigo 13 aprovado (ou em vias de aprovação) pelo Parlamento da União Europeia. O que é esse artigo? Qual a repercussão para a Europa e para o mundo?

            O documento sobre a Diretiva de Direitos Autorais do Parlamento Europeu, com a redação ora conhecida, foi aprovado em 12 de setembro de 2018 e ainda precisa ser internalizado nos ordenamentos jurídicos dos países membros (28 nações). A argumentação para a aprovação do projeto foi a modernização das regras de proteção ao direito autoral (copyright). Pelo menos essa é a motivação externa do projeto, motivação a ser exposta como argumento para o convencimento dos parlamentares e da população dos países membros.

            O que preocupa os usuários e os produtores de conteúdo para a internet são as externalidades negativas desse tipo de regulação. Qual a consequência mais provável do referido projeto? Proteger os produtores de conteúdo fazendo com que eles recebam pelo que produzem? Ou isso irá inviabilizar a continuidade de modelos de negócios que foram formatados tendo como referência o modelo tradicional da internet? Ou o pior, tolherá a liberdade de expressão? Existirão mais externalidades positivas ou negativas?

            É sempre um grande desafio elaborar uma regulação inteligente e efetiva que permita o desenvolvimento de novos projetos e a manutenção dos já existentes, que promova o desenvolvimento de riqueza para os empreendedores. Se pensarmos nos modelos das Agências Reguladoras, existentes em vários países, tais como Portugal, Espanha, França, Estados Unidos da América, Brasil, entre outros, há vários estudos [1] que comprovam que a regulação realizada pelas Agências Reguladoras tendem a beneficiar os players já existentes no mercado, mormente os grandes, dificultando ou impossibilitando o ingresso de novas empresas para aumentar a concorrência, criando, de fato, uma reserva de mercado. Reserva essa extremamente prejudicial para a coletividade.

            Em carta aberta aos criadores de conteúdo, Susan Wojcicki, CEO do Youtube, explica os efeitos nefastos do art. 13, caso esse dispositivo legal seja internalizado nos países que compõem a União Europeia. Em um trecho de sua carta aberta, Susan alerta para o impacto negativo nos pequenos canais da plataforma.

            Da diretiva de direitos autorais, o artigo mais polêmico e problemático é o 13. Este prevê que a plataforma que hospedar conteúdo que contenha áudio e/ou elementos visuais que não sejam de propriedade (ou que este tenha licença de uso) do produtor do vídeo, responderá por violação aos direitos autorais, podendo, inclusive, ser demandada judicialmente. Pode-se imaginar o impacto desse tipo de regulação nas plataformas de canais como o Youtube, o que impactará milhares de pessoas e empresas que tenham canais na referida plataforma. Alguns especialistas em internet chegam a afirmar que será o fim das redes sociais.

            Em uma carta endereçada ao Parlamento da União Europeia sobre o art. 13 da Diretiva sobre Direitos Autorais da UE, Vint Cerf, pioneiro da internet, Tim Berners-Lee, inventor da WWW, entre outros ilustres assinantes da missiva, alertaram para o perigo da aludida diretiva, que, de acordo com os subscritores da carta, acabará com a liberdade pensada pelos criadores da rede mundial de computadores e defendida pelos usuários, pois obrigará as plataformas a filtrar os conteúdos antes da publicação do upload e, com isso, transformará a internet, pensada para ser uma plataforma aberta para compartilhamento e inovação, em uma ferramenta para a vigilância automática e de controle dos seus usuários.

            Ainda de acordo com os autores da referida carta, serão prejudicados vários tipos de aplicação, entre os quais aqueles que compartilham fotos, textos, códigos de computador para plataformas abertas de colaboração como Wikipedia e GitHub.

            Na prática, tomando como exemplo o Youtube, que de longe é a plataforma com maior alcance mundial, os vídeos que ali forem carregados passarão previamente por um filtro, obrigado os produtores dos vídeos a comprovarem se têm a licença daquele conteúdo, seja um logotipo que aparece ou uma música de fundo. Não se precisa conhecer muito de internet para imaginar o impacto dessa medida, que prejudicará milhões de pessoas e forçará empresas de internet a deixar de operar em território da União Europeia.

            Então, por que uma regulação tão prejudicial aos usuários da internet foi aprovada pela União Europeia? Essa questão pode ser explicada através da atuação dos grupos de interesse que, através do exercício do lobbying, organizaram-se e juntos ao Parlamento da União Europeia fizeram pressão junto a cada parlamentar e setores técnicos do parlamento para viabilizar a aprovação da medida, por mais prejudicial que seja para a maioria da população, usuários, produtores de conteúdo, empreendedores e empresas daquele bloco. Geralmente essa é a dinâmica do lobby junto aos reguladores. Fenômeno esse, da captura do regulador, estudado pela academia mundo afora.

            E quem é esse grupo de interesse ou quem são esses grupos de interesse? Até o presente momento não consegui identificar concretamente quem possam fazer parte desse grupo ou desses grupos de interesse. Porém, já se pode constatar um traço em comum entre eles: são pessoas físicas e/ou jurídicas que se sentem ameaçadas com a internet livre. Colocando de outra forma, são pessoas físicas e/ou jurídicas que ou se sentem ameaçadas ou que já sofreram algum dano nos seus interesses pelo formato atual da internet no território da União Europeia e que pretendem preservar o seu espaço de atuação e/ou recuperar o espaço já perdido.

            Além desses traços semelhantes que podem ser utilizados para identificar os componentes do(s) grupo(s) de pressão ou de interesse, esse(s) grupo(s) de interesse detém força política e/ou econômica suficiente para conseguir exercer influência sobre o regulador, no caso deste artigo, sobre o Parlamento da União Europeia.

            E essas características em comum dos componentes do(s) grupo(s) de interesse podem apontar para diversos setores, entre eles grandes conglomerados da mídia tradicional que perderam bastante espaço nos últimos anos para canais independentes criados e exibidos na internet; grupos políticos tradicionais, que perderam influência junto ao eleitorado enquanto que as pessoas que antes não tinham espaço para apresentar as suas propostas políticas, com a internet conseguiram esse locus com alcance praticamente ilimitado, mudando inclusive o resultado de eleições, antes dominadas pelos políticos tradicionais ou já instalados no poder há muitos anos.

            Independente dos grupos de interesse que tenham atuado junto ao Parlamento da União Europeia, o resultado prático do artigo 13 da Diretiva de Direitos Autorais será a enorme limitação da liberdade da internet, desnaturando a própria rede mundial de computadores no território da União Europeia. E a limitação da liberdade, com a responsabilização das plataformas pelos direitos autorais eventualmente infringidos, acarretará o fechamento de vários empreendimentos naquele território, pois a mudança regulatória fere total e mortalmente a lógica dos negócios digitais, infligindo um ônus desproporcional às plataformas pelo controle e fiscalização de todo o conteúdo ali postado.

            A legislação atual já responde bem ao propósito da proteção dos direitos autorais, pois é possível responsabilizar diretamente a pessoa que produziu o conteúdo disponibilizado na internet que eventualmente infrinja o direito autoral. Não há necessidade de infligir um ônus gigantesco às plataformas que hospedam os conteúdos produzidos pelos internautas. E esse ônus resultará, se o artigo 13 for incorporado aos ordenamentos jurídicos nacionais dos países membros da União Europeia, na extinção de vários negócios com a redução drástica de receita para indivíduos, empresas e, consequentemente, diminuição na arrecadação tributária incidente sobre os produtos digitais para os Estados nacionais.

            Diante da preponderância das externalidades negativas sobre as positivas (arrisco afirmar que não há uma externalidade positiva), essa regulação não deveria ser aprovada pelo euro-parlamento e muito menos internalizada pelos 28 países membros da União Europeia. O art. 13 funcionará como o fundamento legal, na União Europeia, para uma grande censura na produção e divulgação de conteúdos pelas plataformas da internet, limitando sobremaneira (para não falar em eliminação mesmo) a liberdade individual de pessoas e empresas. E o pior, isso poderá contaminar toda a internet, globalmente, não apenas no território da União Europeia, bem como esse modelo de regulação pode ser copiado e replicado em outros blocos econômicos ao redor do mundo, o que poderá resultar em um retrocesso da liberdade de expressão ao período pré-internet, período esse no qual a mídia tradicional detinha o monopólio da informação e era grande influenciadora da dita opinião pública.

            Somente a organização dos interessados, em grupos de pressão, pode vir a barrar a implementação do artigo 13 nos ordenamentos nacionais dos países membros da União Europeia. Apenas com ação estratégica, através do lobbying, que os interessados (produtores de conteúdo, usuários, consumidores, empresas e cidadãos) conseguirão fazer pressão efetiva, quer no parlamento da União Europeia, quer nos parlamentos locais, para, ou revogar a medida ainda no euro-parlamento, ou para evitar a internalização do referido diploma legal nos ordenamentos jurídicos de cada país. Hoje essa ameaça está na União Europeia, amanhã, se nada for feito de forma eficaz para barrar essa tentativa de censura, será em blocos de países de outros rincões do globo. O alerta está dado.

P.S.: Há uma página no Facebook de nome Embaixada da Resistência que formulou um texto sucinto dando uma explicação acerca do art. 13, bem como um vídeo (que consolida vários vídeos sobre o tema) que apresenta, de forma bastante didática, o mencionado dispositivo legal. Para assistir ao vídeo, clique aqui.
 

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  • Alexandre Garcia
  • 14 Dezembro 2018

 

Passou em branco, no início de outubro, o primeiro aniversário do ato heróico da professora Helley de Abreu Silva Batista, que sacrificou a vida para salvar crianças de uma creche atacada por um incendiário suicida. Morreram 10 crianças e mais de 30 ficaram feridas, mas sobreviveram graças à professora Helley, de 43 anos. Ela deixou três filhos menores, inclusive um bebê. Fiquei esperando homenagens nas escolas brasileiras, mas se aconteceram, foram discretas. Parece que não gostamos de heróis. Quando Amyr Klink atravessou o Atlântico Sul sozinho, remando, da Namíbia à Bahia, era para ser carregado em triunfo em carro aberto nas avenidas Rio Branco e Paulista, mas nada aconteceu. Charles Lindberg, quando atravessou o Atlântico Norte de avião, foi recebido com chuva de papel picado na Quinta Avenida, em Nova York. Aliás, o New York Times noticiou o heroísmo da professora Helley.

Mas temos heróis anônimos do cotidiano. Policiais e bombeiros que dão ou arriscam a vida para salvar e defender pessoas que nem conhecem; gente que mantém creches, asilos, instituições de caridade; gente que se dedica a tratar, abrigar e alimentar animais abandonados; heróis que se dedicam à ciência e à medicina sem qualquer apoio; e gente que realiza feitos que orgulham a nacionalidade, como a professora Isabel Pimentel, que circunvagou o planeta sozinha num veleiro. Não nos lembramos deles, nem os homenageamos e muito menos os apresentamos para que sirvam de exemplo a todos nós.

No oposto, o que temos muito são os anti-heróis – os heróis do mal. Os que andam de fuzis “para se defender da polícia”, no dizer de uma anti-heroína em entrevista. Aliás, estamos cheios dessa gente destruidora que prega a inversão de valores, que aplaude os maus exemplos. Temos muitos bandidos e mais bandidos são aqueles que usam o pretexto dos direitos humanos para defender os inimigos da sociedade. E temos também os que se fingem de defensores do país e do povo, e usam votos e mandatos e cargos para tirar os recursos do país e do povo em benefício próprio e de suas quadrilhas, que se camuflam sob a denominação de partidos.

São especialistas em camuflagem. Usam salas de aula para conquistar os jovens para sua seita de tomada de poder por ideologia que nunca deu certo. Camuflados sob o belo jargão de politicamente correto, impõem uma ditadura de conceitos, tentando intimidar os mais fracos. Ousam até negar a biologia e a física na sublimação da ideologia que não deu certo e ruiu com o Muro de Berlim. Usam a ignorância e a desinformação para enganar os ingênuos. Esses são a antítese dos nossos heróis anônimos do cotidiano. Depois de duas décadas de hegemonia dos anti-heróis, as urnas mostram que a maioria cansou dos enganadores.

 * Publicado originalmente no Facebook do autor.

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  • Rodrigo Constantino
  • 14 Dezembro 2018

 

Impossível ver as cenas dos "protestos" na França recentemente e não lembrar do influente livro The Strange Death of Europe, de Douglas Murray. Sim, Paris foi palco de muitas revoltas, a começar pela mais sangrenta de todas, a própria Revolução Francesa. Mas uma análise mais distante e isenta vai comprovar: a Europa vive dias tensos em que seu futuro mesmo se encontra em jogo.

Pode-se apontar para as demandas pontuais dos "coletes amarelos", para a proposta de aumento de impostos, ou para a fraca liderança de Macron. Mas tudo isso é conjuntura. A estrutura, que está podre, fala muito mais fundo aos corações: os europeus em geral e os franceses em particular deixaram os pilares de sua civilização se erodirem a tal ponto que uma reconstrução pode ser inviável agora.

A tese central de Murray é que uma população culpada pelo passado, que perdeu o contato com os valores morais tradicionais e a religião que os garantia, resolveu se tornar a "casa do mundo" e abraçou o multiculturalismo, escancarando suas fronteiras para imigrantes, em especial muçulmanos que se recusam a assimilar a cultura que os recebe. Esse somatório de imigração descontrolada, autoestima reduzida e o multiculturalismo estão levando a um suicídio cultural, acelerado por lideranças fracas.

Faltou na equação o modelo econômico paternalista, que promete muito e entrega pouco, cobrando caro demais para tanto. A "utopia" universalista que seduziu os europeus, ao mesmo tempo em que as lideranças políticas ignoravam a importância do patriotismo, foi fatal. Bancar o politicamente correto e o bonzinho, embarcar na histeria ecológica e receber todo tipo de imigrante sem qualquer preocupação com sua assimilação cultural, justo num momento de fragilidade da identidade e enfraquecimento religioso, pode ter sido fatal.

A França é um caso ainda pior por conta de sua mentalidade dirigista, da força descomunal dos sindicatos, de uma elite extremamente arrogante e culpada ao mesmo tempo, ícone da esquerda caviar global. Estado de bem-estar social com pesados impostos, multiculturalismo que rejeita a superioridade da cultura ocidental, desprezo religioso confundido com laicidade, perda de identidade nacional e invasão bárbara: eis o caldo que entornou no caos social de hoje.

É triste ver a nação que nos deu Tocqueville, Bastiat e tantos outros pensadores liberais sucumbir desse jeito sob o peso do "progressismo". É lamentável ver o continente de Goethe, Kant e Shakespeare se tornando cada vez mais irreconhecível. Mas é o preço da utopia. E a reação nem sempre será positiva. Ou alguém acha mesmo que Marine Le Pen seria a salvação? Pobre Europa. Colhendo aquilo que plantou. Será que ainda é possível evitar um destino tão sombrio?

 

* Publicado originalmente em https://istoe.com.br/a-estranha-morte-da-europa/
 

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  • Antônio Augusto Mayer dos Santos
  • 12 Dezembro 2018

  A juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, indeferiu um pedido manifestamente infundado subscrito pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal para inspecionar, mais uma vez, a cela do ex-presidente encarcerado.

  No seu despacho, a magistrada salientou que a pretensão de suas excelências aparentava “operar-se em desvio de finalidade, cuidando-se, em verdade, de visita meramente protocolar ou social”. Noutro trecho, a juíza referiu que na ausência de qualquer denúncia de ofensa a direitos humanos em relação ao condenado, o pedido causava “estranheza”. Por fim, para fulminar o convescote, a juíza salientou que “O único preso a ser avaliado já conta com defesa composta por grande número de advogados, com acesso bastante frequente ao local de custódia. O mesmo preso recebe visitas familiares e sociais semanais (inclusive de integrantes da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal), além de atendimento médico, não sendo reportada qualquer anormalidade”.

Foi o que bastou para uma turba de sites e blogueiros tatuados pelo déficit civilizatório irrogar ofensas à sentenciante. Incansáveis nas suas expressões de sarjeta, esses rebotalhos virtuais sistematicamente ignoram que o respeito ainda é uma premissa elementar de convivência humana. Não se contentando em perpetuar seu barulho digital enfadonho, infantilizado e quase sempre nocauteando o vernáculo, os ataques perpetrados mais uma vez trombetearam sandices e heresias jurídicas.

Sobre os parlamentares “indignados” pelos efeitos da irrepreensível decisão judicial, vale ressaltar que dois pontos comuns os identificam. O primeiro é que daqui a pouco mais de um mês a maioria integrará um pelotão de ex-senadores, sendo que alguns foram desterrados pelos eleitores, outros por seus próprios partidos e um punhado eleito para atuar em Executivos. O segundo é que o desempenho legislativo da maioria é de uma inexpressão aviltante capaz de indignar o mais humilde dos contribuintes.

Especificamente no que concerne à defenestrada “inspeção”, implicava a mesma numa afronta a diversos preceitos de ordem pública. Afinal, forçar comitivas inúteis, além de causar um tumulto sem precedentes na história do Direito Penitenciário brasileiro e na própria superintendência policial, é um desperdício de recursos públicos que, embora permanentemente escassos, seguem sendo financiados diuturnamente pelos trabalhadores e pela sociedade produtiva.

Resumo da ópera: um ato ocioso e impulsionado por subterfúgios restou legalmente frustrado. E o tom do recado dado foi certeiro: uma comissão do Senado Federal não pode superestimar seu poder de fiscalizar arvorando-se das competências do Poder Judiciário e dos órgãos dotados de atribuições para manter as garantias de presidiários. Em verdade, esta comissão fogo de palha seria útil ao país se se preocupasse em inspecionar a falta de tratamento sanitário ou as filas dos hospitais e postos de saúde, situações inocultáveis que infernizam parte da vida de milhões de brasileiros.

   * *Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado e professor de Direito Eleitoral.

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  • Olavo de Carvalho
  • 10 Dezembro 2018

 

Lenin dizia que, quando você tirou do adversário a vontade de lutar, já venceu a briga. Mas, nas modernas condições de "guerra assimétrica", controlar a opinião pública tornou-se mais decisivo do que alcançar vitórias no campo militar. A regra leninista converte-se portanto automaticamente na técnica da "espiral do silêncio": agora trata-se de extinguir, na alma do inimigo, não só sua disposição guerreira, mas até sua vontade de argumentar em defesa própria, seu mero impulso de dizer umas tímidas palavrinhas contra o agressor.

O modo de alcançar esse objetivo é trabalhoso e caro, mas simples em essência: trata-se de atacar a honra do infeliz desde tantos lados, por tantos meios de comunicação diversos e com tamanha variedade de alegações contraditórias, com freqüência propositadamente absurdas e farsescas, de tal modo que ele, sentindo a inviabilidade de um debate limpo, acabe preferindo recolher-se ao silêncio. Nesse momento ele se torna politicamente defunto. O mal venceu mais uma batalha.

A técnica foi experimentada pela primeira vez no século XVIII. Foi tão pesada a carga de invencionices, chacotas, lendas urbanas e arremedos de pesquisa histórico-filológica que se jogou sobre a Igreja Católica, que os padres e teólogos acabaram achando que não valia a pena defender uma instituição venerável contra alegações tão baixas e maliciosas. Resultado: perderam a briga. O contraste entre a virulência, a baixeza, a ubiqüidade da propaganda anticatólica e a míngua, a timidez dos discursos de defesa ou contra-ataque, marcou a imagem da época, até hoje, com a fisionomia triunfante dos iluministas e revolucionários. Pior ainda: recobriu-os com a aura de uma superioridade intelectual que, no fim das contas, não possuíam de maneira alguma. A Igreja continuou ensinando, curando as almas, amparando os pobres, socorrendo os doentes, produzindo santos e mártires, mas foi como se nada disso tivesse acontecido. Para vocês fazerem uma idéia do poder entorpecente da "espiral do silêncio", basta notar que, durante aquele período, uma só organização católica, a Companhia de Jesus, fez mais contribuições à ciência do que todos os seus detratores materialistas somados, mas foram estes que entraram para a História – e lá estão até hoje – como paladinos da razão científica em luta contra o obscurantismo. (Se esta minha afirmação lhe parece estranha e – como se diz no Brasil – "polêmica", é porque você continua acreditando em professores semi-analfabetos e jornalistas semi-alfabetizados. Em vez disso, deveria tirar a dúvida lendo John W. O'Malley, org., The Jesuits: Cultures, Sciences, and The Arts, 1540-1773, 2 vols., University of Toronto Press, 1999, e Mordecai Feingold, org., Jesuit Science and the Republic of Letters, MIT Press, 2003).

Foi só quase um século depois desses acontecimentos que Alexis de Tocqueville descobriu por que a Igreja perdera uma guerra que tinha tudo para vencer. Deve-se a ele a primeira formulação da teoria da "espiral do silêncio", que, em extensa pesquisa sobre o comportamento da opinião pública na Alemanha, Elizabeth Noëlle-Neumann veio a confirmar integralmente em The Spiral of Silence: Public Opinion, Our Social Skin(2ª. ed., The University of Chicago Press, 1993). Calar-se ante o atacante desonesto é uma atitude tão suicida quanto tentar rebater suas acusações em termos "elevados", conferindo-lhe uma dignidade que ele não tem. As duas coisas jogam você direto na voragem da "espiral do silêncio". A Igreja do século XVIII cometeu esses dois erros, como a Igreja de hoje os está cometendo de novo.

A sujidade, a vileza mesma de certos ataques são planejadas para constranger a vítima, instilando nela a repulsa de se envolver em discussões que lhe soam degradantes e forçando-a assim, seja ao silêncio, seja a uma ostentação de fria polidez superior que não tem como não parecer mera camuflagem improvisada de uma dor insuportável e, portanto, uma confissão de derrota. Você não pode parar um assalto recusando-se a encostar um dedo na pessoa do assaltante ou demonstrando-lhe, educadamente, que o Código Penal proíbe o que ele está fazendo.

As lições de Tocqueville e Noëlle-Newman não são úteis só para a Igreja Católica. Junto com ela, as comunidades mais difamadas do universo são os americanos e os judeus. Os primeiros preferem antes pagar por crimes que não cometeram do que incorrer numa falta de educação contra seus mais perversos detratores. Os segundos sabem se defender um pouco melhor, mas se sentem inibidos quando os atacantes são oriundos das suas próprias fileiras – o que acontece com freqüência alarmante. Nenhuma entidade no mundo tem tantos inimigos internos quanto a Igreja Católica, os EUA e a nação judaica. É que viveram na "espiral do silêncio" por tanto tempo que já não sabem como sair dela – e até a fomentam por iniciativa própria, antecipando-se aos inimigos.

A única reação eficaz à espiral do silêncio é quebrá-la – e não se pode fazer isso sem quebrar, junto com ela, a imagem de respeitabilidade dos que a fabricaram. Mas como desmascarar uma falsa respeitabilidade respeitosamente? Como denunciar a malícia, a trapaça, a mentira, o crime, sem ultrapassar as fronteiras do mero "debate de idéias"? Quem comete crimes não são idéias: são pessoas. Nada favorece mais o império do mal do que o medo de partir para o "ataque pessoal" quando este é absolutamente necessário. Aristóteles ensinava que não se pode debater com quem não reconhece – ou não segue – as regras da busca da verdade. Os que querem manter um "diálogo elevado" com criminosos tornam-se maquiadores do crime. São esses os primeiros que, na impossibilidade de um debate honesto, e temendo cair no pecado do "ataque pessoal", se recolhem ao que imaginam ser um silêncio honrado, entregando o terreno ao inimigo. A técnica da "espiral do silêncio" consiste em induzi-los a fazer precisamente isso.

*Publicado originalmente no Diário do Comércio, 20 de setembro de 2010

 

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  • Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
  • 10 Dezembro 2018

 

Gostaria de tecer palavras para enaltecer, elogiar e demonstrar meu espanto com as coisas. Mas, deparo-me com a realidade, com os fatos, sempre eles, e não há motivos para alegria.

O título desta é uma alusão direta ao ocorrido entre o advogado e o ministro Lewandowski. Sim, ministro com letra minúscula. Já há muito tenho indicado, neste espaço, o quanto nossas estruturas de estado estão apodrecidas, carcomidas. Corroeram-se na própria dinâmica de manter seus privilégios, defenestrando os interesses de seus verdadeiros patrões (o povo).

O episódio acima, em que o ministro mandou prender um advogado, no avião, porque ouvira do advogado que o mesmo sentia vergonha do STF, é a exata amostra do que querem nos impor. Ainda que o advogado tenha sido inoportuno, vale lembrar que o ministro Gilmar Mendes já se viu, por várias vezes, confrontado e nem por isso tomou a mesma atitude. Não se trata aqui de exaltar Gilmar Mendes, mas de se criticar a atitude de Lewandowski, que mostrou, mais uma vez, o seu verdadeiro viés como servidor público: é uma autoridade autoritária. Tais “autoridades”, não podem ser confrontadas. Não devem satisfações a ninguém. Não precisam prestar contas. São donos do poder.

Para apimentar a celeuma, o ministro ofendido divulgou uma nota dizendo que ao perceber que o STF fora injuriado, reagiu cumprindo seu dever funcional. Usou a expressão injúria com sentido técnico-jurídico, como crime contra a honra. Dizer-se envergonhado por alguém pode ser indelicado, chato mesmo. Contudo, essa percepção pessoal, ainda que externada, ainda não é crime. Em verdade, se houve crime, quem o cometeu foi o ministro, que abusou de sua autoridade. Entretanto nunca que o estado admitirá, mormente a função judiciária, que tenha cometido crime de abuso de autoridade. Aliás, essa é uma confusão comum por aqui. Agentes de estado não gostam de serem questionados ou cobrados no exercício de suas funções e, em especial, o poder judiciário é o que tem mais resistência a essa cobrança. A ideia de que são servidores e, portanto, devem servir, não entrou na cabeça de boa parte deles. A ideia de accountabillity, ou seja, de prestar contas ao povo do que fazem, do como fazem, por que fazem e quando fazem, é algo que, absolutamente, não assimilaram.

A reação do ministro, mandando prender, é bem uma amostra disso.

Todavia, infelizmente, não me espanta.

Notem que, em especial o stf (minúsculo mesmo), assim como grande parte do judiciário, tem se mostrado com voraz apetite em aparecer, em mostrar-se como força, inclusive política, determinado destinos e comandos que não seriam próprios dessa função de poder, mas sim das demais. Todavia, quando assim se comportam, exteriorizam sua tendência arbitrária e nada respeitosa para com verdadeiros donos do poder. Vejo, há muito tempo, uma certa complacência com o chamado “ativismo judicial”, que invade as esferas próprias de outras funções de poder, subvertendo a ordem democrática. Assenhorar-se do poder que pertence ao povo é uma forma de solapar a democracia, pois a função judiciária não se submete ao escrutínio; juízes não são eleitos e escolhidos pelo povo, o que nos obriga a atura-los até que vistam o pijama (de seda) ou que algum verme roa suas carnes frias (fiquei machadiano…).

Contudo, essa situação tem mais significância do que parece. Ao mandar prender, quis calar, e mandou as calendas a ideia da liberdade de expressão. Com muita franqueza, creio que já faz muito tempo que o vêm fazendo, mas essa situação, de tão anormal, expôs a natureza do que realmente pensam. O pior é que, logo a corte que deveria defender os mais sagrados direitos inerentes a cidadania, para defender sua “honra”, afogou a liberdade de expressão e o pobre “livrinho”. Se era para defender o stf, jogou água fora com criança…

Cabe lembrar ainda que, o advogado vitimado, agindo não como advogado na defesa de alguém mas como cidadão exercente dos mais elementares direitos, foi calado pela violência do estado. Creio que o mesmo agiu mais como cidadão do que como advogado, pois tivesse agido como advogado, teria ali, no ato, criado um bom imbróglio para o ministro que, com sua atitude desmedida, alvejou a LOMAN e a Constituição Federal, para dizer o mínimo.

Não há mais espaço e nem tempo para agentes que públicos que não se importam com a crítica e creem que estão acima do bem e do mal. No executivo e legislativo, ainda que de maneira branda, já se mostrou isso, nas últimas eleições. Creio que está chegando a hora do judiciário começar a prestar contas…Dentro em breve, não haverá mais espaço para carros oficiais, palácios monumentais, auxílios moradia e, tampouco, com o “teje preso” (sic). O povo exige respostas e não um “cala boca”. Melhor aprender com Santo Agostinho: prefiram a crítica que corrige ao elogio que corrompe.
*Marcus Vinicius Ramos Gonçalves, advogado, é sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados, professor convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ, presidente da Comissão de Estudos em Comunicação da OAB/SP e do Iladem (Instituto Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).

** Publicado originalmente no Diário do Poder
 

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