• Prof. Francisco Ferraz
  • 25 Dezembro 2018

Geograficamente situadas no Estreito de Messina, entre a Sicília e a costa da Itália, Scylla e Charybdis eram dois monstros marinhos da mitologia grega. Scylla era um monstro de seis cabeças que assumia a forma de uma extensa rocha submersa situada do lado italiano do estreito. Charybdis era um enorme redemoinho próximo da costa da Sicília. Para tornar mais grave a situação, ambos os riscos estavam perigosamente próximos um do outro. A expressão significava ter de escolher entre duas alternativas, ambas muito perigosas e provavelmente fatais. 

Vou usar a expressão para tipificar dois modelos de governo e dois tipos de riscos políticos a que nos temos submetido nas eleições presidenciais. Para esse propósito vou redefinir Scylla por um governo de líderes moralistas, afirmativos, reformistas, com graus diferentes de autoritarismo e que não temem a impopularidade; e Charybdis, por lideranças populistas, negociadoras, transigentes, corruptas ou incompetentes, reféns da popularidade e predatórias.

As principais relações entre os dois riscos seriam: 1) os dois tipos de governo/lideranças estão sempre presentes na dinâmica política do País; 2) a relação que existe entre ambas as “alternativas” tende a assumir a forma de correção dos excessos da outra; 3) na perspectiva da disputa pelo poder, os excessos de uma alternativa tendem a favorecer e até tornar viável a vitória do seu oposto; e 4) há, contudo, uma lógica contraditória que opõe os principais atributos de cada uma no conteúdo e na prática desta disputa: populismo x sem medo de impopularidade; transigentes x intransigentes; negociadores e eticamente flexíveis x moralistas, autoritários; incompetentes, corruptos x tecnocratas, reformistas.

O período de 68 anos de 1950 a 2018 corresponde a 17 mandatos de quatro anos, dos quais 11 (65%) tiveram a orientação Charybdis- Scylla, isto é, de governos populistas em crise para governos reformistas, eleitos no argumento de resolver as crises criadas por seu antecessor.

- Governo Vargas (1950) e Juscelino (1956) para governo Jânio (dois mandatos);
- Governo João Goulart para Castello Branco e presidentes militares (cinco mandatos);
- Governo José Sarney para Fernando Collor (um mandato);
- Governo Collor-Itamar para FHC (dois mandatos);
- Governos Lula e Dilma para Jair Bolsonaro (um mandato).

Os dois mandatos de FHC constituem formas menos afirmativas e autoritárias de Scylla, embora dentro dessa orientação, sobretudo em razão da condição crítica em que Collor deixou a Presidência, da disputa contra Lula (tipicamente de orientação Charybdis), do Plano Real e das privatizações.

O fato estatístico de que a cada três mandatos dois seguem a orientação Charybdis-Scylla constitui importante regularidade política, a exigir uma explicação. Essa estatística atribuiu ao governo Bolsonaro apenas um mandato - o que foi obtido na eleição de 2018.

A explicação que desde logo se impõe é que a expressiva regularidade da sucessão do tipo Charybdis-Scylla supõe a presença de uma mesma estrutura de conflito ao longo de um período de sete décadas, não obstante as mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais. É plausível, pois, supor que a estrutura desse conflito subjaz às naturais variações da conjuntura política.

Tal regularidade é também compatível com as deficiências típicas da nossa democracia instável, em estado de cronificação: legitimidade, autenticidade, eficiência e permanência baixas - como descrevi em Brasil: a Cultura Política de uma Democracia Mal Resolvida. (O tema central do livro é que há 50 anos o Brasil continuava prisioneiro de sua instabilidade democrática e sem uma mudança que dividisse os Poderes do Estado com a sociedade e o mercado assim continuaria nos próximos 50 anos.)

Nossa dinâmica política combina mudança conjuntural com permanência estrutural. Não há avanço continuado. Nunca se chega a cruzar o point of no return. Os poucos momentos de mudança e progresso são logo contidos pelo eterno retorno de seu oposto, a impedir a necessária continuidade.

Na realidade, uma análise histórico-política desse período pode ser reduzida a uma mesma narrativa que repete personagens e temáticas, diferentes em suas peculiaridades individuais, embora com papéis muito assemelhados, não obstante a passagem do tempo.

As semelhanças dos papéis políticos desempenhados por presidentes individualmente tão diferentes entre si como Getúlio Vargas 1950-54, JK, Jango, Sarney, Lula e Dilma(Charybdis) é equivalente e complementar à semelhança de papéis de seus respectivos opostos: Lacerda, Jânio, Castello e presidentes do ciclo 1964, Collor e Bolsonaro.

As diferenças sociais e tecnológicas ao longo daquele período de 68 anos são enormes; mas o mesmo não ocorre com as diferenças no ambiente político. Nos anos 50 e 60 não havia internet, redes sociais, máquinas de votar, celulares... Mas se examinarmos a temática política vamos encontrar mais semelhanças que diferenças.

Questões como compadrio, corrupção, populismo, despesas públicas, estatismo, aparelhamento, rejeição ao mercado, previdência, insuficiência da infraestrutura, precariedade da educação, saúde, segurança são problemas igualmente crônicos, que não só continuam conosco, como se agravaram de forma assustadora.

Com a vitória de Bolsonaro, Scylla mais uma vez assumiu o comando. A correção dos excessos dos governos Lula e Dilma (Charybdis) tende a buscar no passado o modelo para a correção do rumo. Em grande parte esse foi o recado das urnas.

A outra parte, entretanto, é preparar o País e seu povo para conquistar o direito de viver num país que prospera, progride e rompeu com seu atraso centenário. Esse o desafio que precisamos superar e se interpôs entre nós e um futuro sempre postergado.

* PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA E EX-REITOR DA UFRGS, PÓS-GRADUADO PELA PRINCETON UNIVERSITY, FRANCISCO FERRAZ É CRIADOR E DIRETOR DO SITE MUNDODAPOLITICA.COM

** Publicado originalmente no Estadão.
 

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  • João Carlos Biagini
  • 23 Dezembro 2018

 

 Vivemos uma época turbulenta e confusa em muitas áreas de nossas vidas, inclusive na área jurídica. Participo dos meios jurídicos desde 1.972. Primeiro como funcionário da Justiça, no cargo de oficial de justiça por 12 anos, e o restante na advocacia. São 46 anos. Em tempo nenhum vi tanta confusão com as ideias das pessoas.

Houve um tsunami de más ideias que confundiram os pensamentos de grande parte das pessoas. As posições pessoais muitas vezes não têm nenhuma lógica, nenhuma coerência. Acabei de ver um vídeo com a demonstração das contradições absurdas hoje existentes, entre elas: querem que os padres se casem, mas que todos os casais se divorciem; querem que os casais tenham sexo livre e residam em casas diferentes, mas também querem que os homossexuais se casem na Igreja e vivam sob o mesmo teto; querem que uma criança de cinco anos escolha o seu sexo para o resto da vida, desprezando o natural, mas dizem que um jovem armado, que rouba e mata friamente, não tem discernimento para entender o que ele está fazendo; querem que os médicos contrariem o juramento que fizeram de defender a vida e sejam obrigados a matar bebês nos ventres das mães; querem proibir os psicólogos de atender pessoas com problemas sexuais e os ministros do STF querem que os outros cumpram a Constituição, menos eles que são obrigados a cumpri-la.

As decisões contraditórias vindas do STF-Supremo Tribunal Federal estão causando uma infinidade de considerações, discussões sobre as obrigações dos ministros, que são funcionários públicos pagos pelos contribuintes, sobre valor de salários e tantas outras que, em nossa opinião, não deveriam estar acontecendo.

Na vivência jurídica diária, dá a impressão que temos quatorze Supremos Tribunais Federais: nas decisões monocráticas, cada ministro é um, somando onze; nas decisões colegiadas das duas câmaras julgadoras, mais dois, e nas decisões do Pleno mais um. Um ministro diz que está acima da lei, que não deve obrigação para nenhum brasileiro; outro parece que foi alçado à Corte para introduzir o casamento homossexual e o aborto, tanto que se empenha e se declara com esse propósito, como se fosse advogado das partes. Noticia-se que, recentemente, disse que para descriminalizar o aborto não há necessidade do Legislativo nem do povo. Os ministros se agridem verbalmente diante da televisão, ao vivo, para o mundo inteiro ver e ficar chocado.

Há muitos juristas, muitos advogados, inúmeros brasileiros comuns, religiosos e uma multidão se formando para brecar as violações constitucionais e as decisões em desacordo com as leis, principalmente as que confrontam a Constituição Federal. O povo não suporta mais o prende e solta criminosos e manda prender advogado por expressar a indignação geral contra o STF.

O eminentíssimo e incomparável Doutor Ulysses Guimarães, deputado federal por longo tempo, no célebre discurso pronunciado no dia 05 de outubro de 1988, no ato da promulgação da Constituição Federal, disse: 

“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Democracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos, e não a do príncipe, que é unipessoal e desigual, para os favorecimentos e os privilégios.
Se a democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são governo o Executivo e o Legislativo”.

“Traidor da Constituição é traidor da Pátria”. Nenhum brasileiro comum, nenhum membro dos legislativos municipais, estaduais e federais, nenhum integrante do poder executivo, nenhum julgador do poder judiciário, ninguém pode descumprir ou afrontar a Constituição. Na Democracia, somente é possível a elaboração de nova Constituição com a eleição de deputados e senadores constituintes, pelo povo, com a finalidade específica de a escreverem. “A democracia é a vontade da lei.”

Eu não quero ser lembrado como um traidor da Pátria, por omissão. Respeitando a Constituição, promulgada sob a proteção de Deus, depois da Bíblia é meu livro de leitura diária.

Estou utilizando todas as minhas insignificantes forças para trazer de volta a coerência e a lógica na interpretação dos fatos pelas pessoas, no meu entorno familiar e de amizade, no profissional e até onde mais eu puder chegar. Em relação à Constituição, quero que seja obedecida, como pensada pelo legislador que me representou e me representa. Mudá-la é competência única dos legisladores eleitos. Não sou e nem serei lembrado como traidor da Pátria!


*João Carlos Biagini - Advogado na Advocacia Biagini, Coordenador do Departamento Jurídico da Diocese de Guarulhos , membro do IDVF – Instituto de Defesa da Vida e da Família e seu procurador na ADPF 442-STF, membro da Academia Guarulhense de Letras, diretor secretário da UJUCASP-União de Juristas Católicos de São Paulo, coautor do livro “Imunidades das Instituições Religiosas”, coordenado pelos Profs. Drs. Ives Gandra da Silva Martins e Paulo de Barros Carvalho, Noeses, 2015, autor do livro “Aborto, cristãos e ativismo do STF”, AllPrint, 2017 e coautor do livro “Tratado Brasil Santa Sé”, coordenado pelos Profs. Drs. Ives Gandra da Silva Martins e Paulo de Barros Carvalho, Noeses, 2018. Email: joaobiagini@gmail.com
 

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  • Neemias Félix
  • 23 Dezembro 2018



O Natal é uma das festas mais importantes para o mundo cristão. No entanto é preciso celebrá-lo com a consciência do seu real significado. Apresento aqui quatro perigos que devem ser afastados nesta época de tanta euforia e tão pouca reflexão.


1.º Colocar o berço acima da cruz
É importante celebrar o Natal, e os anjos nos deram o exemplo, pois quando Jesus nasceu a Bíblia diz que eles louvaram a Deus pela chegada do seu Filho, que veio em carne a este mundo, como qualquer um de nós, menos no que se refere ao pecado. Além desses seres celestiais, pastores vieram de longe trazer presentes para Jesus.

No entanto devemos lembrar que aquele menino da manjedoura não ficou sempre menino. Foi adolescente sábio entre os adultos doutores da lei; foi jovem, adulto, e aos trinta e poucos anos, entregou-se por nós na cruz para salvar a humanidade do pecado e da morte. Uma de suas mais importantes ordenanças, a Ceia, que ele nos mandou celebrar, figura como ato memorial de maior importância que a celebração do seu nascimento, já que é uma ordem direta para lembrar o outro extremo de sua existência, a morte, até que Ele volte.


2.º Colocar a Ceia de Natal acima do Pão que desceu do céu
Nada contra saborear as gostosas iguarias do Natal. É um costume que promove a unidade, a comunhão dos seguidores de Cristo. Sem os excessos, tão comuns nessa época, os quais devemos evitar, a Ceia enseja a alegria e a boa conversa. Lembremos, porém, que o alimento por excelência é o próprio Cristo. Nutrir-nos de seus ensinamentos preciosos, seus valores e ideais expressos na sua Palavra, a Bíblia, é o que faz diferença entre nós, seus discípulos, e aqueles que não o são. Assimilar seus preceitos, assumir o seu jugo, seu domínio, e viver segundo a sua lei, a lei do amor, é a razão maior de nossa existência neste mundo.


3.º Colocar o Papai Noel acima do Papai do Céu
Papai Noel deve ser colocado no seu devido lugar. Ele é um mito, uma lenda que está incrustada no imaginário popular, nada mais que isso. Transformá-lo em alguém de carne e osso como se fosse uma realidade palpável pode fazê-lo mais importante do que é. Mais que isso, pode desfazer a tênue linha que separa a realidade da fantasia e confundir até os adultos, imagine as crianças. Inadmissível é deixar o velhinho roubar a cena e transformar-se no personagem central do Natal, às vezes ofuscando quase por completo o brilho do Aniversariante, que é Jesus Cristo.


4.º Colocar o presente acima da Presença
É bom ganhar e dar presentes, e não apenas na época do Natal. Mas é preciso lembrar que o maior presente que podemos ganhar é a presença de Jesus na nossa vida, no nosso coração, por meio do Espírito Santo. O presente material deteriora-se com o tempo ou é deixado de lado por desuso, por aparecer outro mais atraente. Além disso, valorizá-lo demais pode ocasionar uma febre consumista jamais desejada por aquele que nasceu numa simples estrebaria. Bem diz Tiago 1.17: "Toda dádiva perfeita provém do Pai das Luzes, que não muda nem sofre variação". Jesus é, ao mesmo tempo, Pão da Vida e Presente vivo que desceu do céu.


Todos esses perigos apontam para a necessidade de uma visão correta do Natal, privilegiando o espiritual sobre o material, a realidade bíblico-cristã sobre o simbólico e o fantasioso, sem deixar de reconhecer a importância desses dois últimos aspectos. Assim estaremos resgatando o verdadeiro sentido do Natal, com o Aniversariante ocupando, finalmente, o seu devido lugar.

                                                                       

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  • Gustavo Corção
  • 23 Dezembro 2018


Um amigo que se julga ateu ou não-católico telefonou-me outro dia, e logo me atirou pelos fios esta pergunta aflita: "Meu caro C. me diga uma coisa: a Igreja antigamente era ou não era uma coisa muito inteligente?"

Ia responder-lhe com ênfase: "Era!" Mas enquanto vacilei alguns segundos meu amigo desenvolveu a idéia: "Olhe aqui. Eu bem sei que antigamente existiam padres simplórios, freiras tapadíssimas, leigos ainda mais simplórios e tapados. A burrice não é novidade, é antiqüíssima. Garanto-lhe que ao lado do artista genial que pintava touros nas cavernas de Espanha, anunciando há quarenta mil anos a brava raça de toureiros, havia dois ou três idiotas a acharem mal feita a pintura.

— Mas, calavam-se, disse eu.

E logo o meu amigo uivou uma exclamação que trazia na composição harmônica de suas vibrações todas as explosões da alma: a alegria, a angústia, a aflição de convencer, a tristeza de um bem perdido e até a cólera...

— Pois é! CALAAAVAM-SE!!!

Contei-lhe então uma história de antigamente. Teria eu dezoito ou dezenove anos, e meu heróis dezessete ou dezoito. Ele era o aluno repetente de uma escola qualquer, e eu seu "explicador" de matemática. Eu sentia a resistência tenaz que, dentro dele, se opunha às generalizações matemáticas. Ficava rubro, vexado e alagado de suor.

Recomeçava eu a explicar certo problema quando ele, numa decisão brusca, me deteve e suplicou:

— Explica devagar, devagarzinho, porque eu sou burro.

Na outra ponta do fio meu amigo de hoje explodiu:

— Que gênio! QUE GÊNIO!!

Era efetivamente genial aquele moço de antigamente. Não segui sua trajetória e não sei se ele hoje amadureceu e desabrochou aquele botão de sabedoria em flor, ou se virou idiota e portanto intelectual. O que pude garantir ao meu amigo não-católico é que antigamente a atitude média dos idiotas era tímida, modesta e respeitosa. E isto que se observava nas ruas, nas aulas particulares, nos salões de bilhar e nos clubes de xadrez, observava-se também na Igreja. De repente, em certo ângulo da história, mercê de algum gás novo na atmosfera, ou de algum fator ainda não deslindado, os idiotas amanheceram novos e confiantes. Já ouvi e li muitas vezes o termo "mutação" surrupiado das prateleiras da genética e aplicado à história, à Igreja, ao dogma e aos costumes. Dois ou três bispos franceses não sabem falar dez minutos sem usar o termo "um mundo em mutação".

Se mutação houve, estou inclinado a crer que foi naquele ponto a que atrás aludimos: os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra, possuem hoje todos os meios de comunicação. O mundo é deles. Será genético o fenômeno e por conseguinte transmissível?

— "Receio muito", gemeu a voz de meu amigo, "você não leu os jornais da semana passada?"

— O quê? — perguntei com a aflição já engatilhada.

— A descoberta do capim!

Não tinha lido tão importante notícia, e o meu amigo explicou-me: um sábio, creio que dinamarquês, chegou à conclusão de que o capim é um dos melhores alimentos do homem. Meu amigo não me explicou que se tratava do Homo Sapiens, do Everlasting Man, de Chesterton, ou do Homo postconciliarius. Seja como for, dentro de quatro ou cinco anos teremos a humanidade de quatro e espalhada nos pastos.

* * *

Estas reflexões amaríssimas, como diria o "agregado" de Machado de Assis, vieram-me hoje ao espírito depois da leitura de La Documentation Catholique, e principalmente depois da casual leitura de um volume encontrado entre outros livros de vinte anos atrás: O personalismo, de Emmanuel Mounier.

Nunca lera nada desse personagem que fundou a revista Esprit e que fez escola. Abri a página 42 da tradução editada pela Livraria Duas Cidades e li: "O homem é um ser natural". Detenho-me nesta proposição seguida desta outra: "Será somente um ser natural?" E depois: "Será, inteiramente, um joguete da natureza?" Ora, é fácil de ver que nenhuma dessas proposições têm sentido, e nenhuma conexão se percebe entre elas. Ou então, se o leitor quiser ser mais exato, diremos que todo aquele fraseado joga com a polivalência te termos equívocos pretendendo com essa confusão transmitir ao desavisado adepto do "personalismo" um sentimento de profundidade ou de rara acuidade. O que quer dizer "um ser natural"? Dotado de natureza própria todos os seres o são, desde o átomo de hidrogênio até Deus. Tenho diante dos olhos o dorso de um livro de Garrigou-Lagrange: Dieu, son existance et sa nature. Logo, Deus é um ser natural. Se por natural se entende tudo o que pertence ao Universo criado, todos os seres, exceto o Incriado, serão seres naturais: a água, um gato, São Miguel Arcanjo. Se o termo natural se contrapõe a artificial, todos nós sabemos que um homem não é montado como um rádio de pilha, ou como uma máquina de costura. Logo, é um ser natural. Mas não se entende por que razão foi preciso fundar Esprit, lançar o progressismo, atirar-se nos braços do comunismo, comprometer Jacques Maritain, excitar tanta gente em torno de tão óbvia proposição.

Emmanuel Mounier já morreu coberto de glória há mais de dez anos. Podemos tranqüilamente dizer que era burro, apesar de tudo o que foi escrito em francês a seu respeito, como já podemos dizer tranqüilamente que Teilhard de Chardin era meio tantã. Dentro de cinqüenta anos ninguém mais saberá em que consistiu o "personalismo" de Mounier, ou o "phenomène humain" de Teilhard de Chardin. Essas obras foram o consolo e a volúpia de muitos leitores que, não entendendo nada do que liam, ao menos se aliviavam com este pensamento balsâmico: todos os livros são escritos para ninguém entender. E assim os idiotas do mundo tiveram um decênio ou dois de júbilo.

Passarão esses autores, mas se é verdadeira a descoberta das propriedades do capim, muitos novos autores surgirão a perguntar "se o homem é um ser natural". Já se houve o tropel... Mas — quem sabe — talvez o próprio capim, entre suas virtudes estudadas em Estocolmo ou Copenhague, entre duas Pornôs, traga uma espécie de calmante que nos devolva o genial tipo clássico do burro que se conhecia e que não fundava revistas católicas nem rasgava novos horizontes para a Igreja.

*Publicado originalmente em O Globo, 22/08/70
**Extraído do site https://permanencia.org.br/drupal/node/40 (uma coletânea de genialidades)

 

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  • Arthur Jorge Costa Pinto
  • 23 Dezembro 2018

 

A dívida bruta brasileira, que é um somatório das obrigações envolvendo os governos federal, estaduais e municipais, excluindo o Banco Central e as estatais, vai ingressar numa rota de crescimento, devendo apresentar fortes indícios de atingir o pico de 81% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2022, mesmo que sejam aprovadas as reformas estruturais como a da Previdência, a mais importante de todas, segundo previsões divulgadas recentemente pelo Tesouro Nacional no Relatório Quadrimestral de Projeções da Dívida Pública. Sem elas, alerta o órgão, a dívida poderá ultrapassar 90% do PIB. Todavia, ocorrendo o avanço das reformas, o nosso endividamento começará a cair a partir de 2023, podendo chegar em 2027 a 73,2% do PIB.

A dívida bruta de R$ 5,5 trilhões é um dos principais indicadores internacionais utilizados pelas agências de classificação de risco (rating agency). As notas atribuídas por elas servem para avaliar o grau de confiança dos investidores na economia de um país. De acordo com as agências, o patamar de 80% representa a "faixa da morte", indicando que o endividamento de países emergentes como o Brasil, é insustentável. Serve também como uma recomendação, ou não, na tomada de decisões sobre investimentos.

Havendo uma tendência crescente da dívida, em um cenário de ausência de reformas, ocorrerá o agravamento da nota brasileira e os investidores estrangeiros fatalmente terão que retirar seus recursos do Brasil, em função do elevado risco de ser decretada uma "moratória" interna. Esta seria uma condição um pouco semelhante ao que ocorreu conosco durante o governo Sarney, só que, naquela época, isso ocorreu com a nossa dívida externa.

A situação poderia estar muito pior, caso não tivessem sido acordadas, logo após o impedimento da "iluminada" Dilma, as antecipações nas devoluções dos empréstimos realizados pelo Tesouro Nacional ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), principalmente durante o desgoverno da petista com o pretexto de serem "subsídios" para estimular o setor produtivo através do crédito. No fundo, a finalidade era outra, ou seja, "acolher" com outras intenções preferencialmente os empresários próximos à caneta presidencial.

Com isso, esta se tornou uma interessante contribuição para o controle da dívida. Até momento, já foram devolvidos R$ 310 bilhões, havendo o cronograma de retorno acertado com este banco de fomento que ampliará de R$ 6 bilhões para R$ 25 bilhões, podendo chegar a R$ 30 bilhões, os reembolsos anuais ao Tesouro. Os custos dessa "generosidade" nos últimos anos chegaram ao incrível montante de R$251 bilhões.

Até 2027, existe uma possibilidade de redução da dívida bruta de aproximadamente nove pontos porcentuais, consequência dessas restituições já realizadas e as firmadas pelo BNDES com o Tesouro para os próximos anos. É bem provável que se não houvesse a implantação desse cronograma de reembolso, a dívida bruta atingiria o patamar de 82,2% do PIB em 2027 , sendo este, reforçando o que já foi dito, um percentual considerado altamente explosivo conforme os padrões internacionais na avaliação de sustentabilidade para nações emergentes como a nossa.

Outro ponto relevante encontrado nas projeções do relatório do Tesouro é que a dívida vai crescer 3,3% no exercício de 2018 e deverá se colocar a 77,3% do PIB no final desse mês. Nos últimos cinco anos, sua trajetória saltou de 51,5% ao final de 2013 para 77,2% em outubro passado. Isso indica que o custo de não fazermos as reformas implicará que certamente o mercado irá se antecipar, tornando bem mais dispendioso o financiamento da dívida interna. Consequentemente, existe o risco de a inflação voltar e o crescimento da atividade econômica ser muito baixo e, até mesmo, retornar ao negativo. São fatos realmente concretos e extremamente preocupantes.

Não consigo enxergar outra alternativa no primeiro ano do novo governo que não seja o enfrentamento da dívida pública. Sem falar que ele tem que assegurar o crescimento da economia e as reformas estruturantes, uma vez que a estabilização do endividamento público somente terá resultado se for realizado por meio de um caminho mais duro. São inevitáveis os cortes profundos nos gastos, a fim de evitar o aumento de impostos que a sociedade brasileira jamais aceitará pois já vem sendo sufocada há décadas. Além do mais, isso vai na direção contrária ao que foi defendido pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral.

Outra grande verdade se deve ao fato de que a economia, a partir do final de 2014, foi perdendo fôlego a cada mês, em virtude da recessão que começávamos a enfrentar e das despesas que até hoje não param de crescer. Evidentemente, a arrecadação despencou a um nível insuportável. Atualmente, já apresenta uma tímida recuperação frente às nossas reais necessidades. Afinal de contas, se as coisas continuarem nesse ritmo a expectativa é que os resultados fiscais do Brasil sejam muito piores que os dos demais emergentes nos próximos anos.

O desafio de restaurar as condições de sustentabilidade da dívida é prioritário e está inteiramente correlacionado com a recuperação da capacidade de crescimento, de geração de renda e emprego e na redução das desigualdades sociais, por meio de um Estado mais eficiente e, igualmente, eficaz.

*Arthur Jorge Costa Pinto é Administrador, com MBA em Finanças pela UNIFACS (Universidade Salvador).

**Publicado originalmente em http://lorotaspoliticaseverdades.blgspot.com.br/

 

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  • Gilberto Simões Pires, em Ponto Crítico
  • 21 Dezembro 2018

Por tradição, boa parte das últimas semanas de dezembro, tanto nos ambientes corporativos quanto no seio das famílias, é destinada para os preparativos das festas de Natal e, a seguir, para comemorações da entrada do Ano Novo.

RETROSPECTIVA
Enquanto rola esta atenção nos lares e escritórios da sociedade brasileira em geral, boa parte dos meios de comunicação, também de forma tradicional, tratam de apresentar uma -RETROSPECTIVA- dos acontecimentos que mais se destacaram, em todas as atividades, ao longo do período que está findando.

CAUSAS DOS GRAVES PROBLEMAS
Pois, quem se atém, como é o meu caso, mais às questões que envolvem a ECONOMIA e as FINANÇAS PÚBLICAS do nosso País (União, Estados e Municípios,) percebe, claramente, onde residem as reais e legítimas CAUSAS dos graves problemas que impedem o crescimento e desenvolvimento do nosso empobrecido Brasil.

Mais: se a RETROSPECTIVA 2018 mostra o quanto foi feito para continuar colhendo muitos INSUCESSOS, a EXPECTATIVA -favorável- para 2019 depende basicamente da eliminação dos constantes ROMBOS QUE ASSOLAM AS CONTAS PÚBLICAS.

SAFRA ABUNDANTE
Vejam, por exemplo, que dos ORÇAMENTOS PÚBLICOS que estão sendo apreciados e aprovados nos Legislativos da União, Estados e Municipais, a maioria deles mostra que para 2019 a SAFRA DE ROMBOS NAS CONTAS PÚBLICAS seguirá ABUNDANTE.

PLANTADORES DO CAOS
Esta fantástica PROSPERIDADE -NEGATIVA-, demonstrada através do constante CRESCIMENTO dos DÉFICITS NAS CONTAS PÚBLICAS, conta com as poderosas mãos dos PLANTADORES DO CAOS que ocupam os Poderes da nossa quase nada democrática República. Além disso, conta, também, com exímios MALVADOS REGADORES que garantem os espetaculares resultados do PERDULÁRIO SETOR PÚBLICO.

LOA DA UNIÃO
A propósito, na última 3ª feira, 19, o Congresso Nacional aprovou o projeto da lei orçamentária de 2019 (PLN 27/18). Pois, o novo Orçamento da União reflete as condições fiscais do País, com previsão de um novo ROMBO, desta vez na ordem de R$ 139 bilhões nas contas do governo. Que tal?

ROMBO ADICIONAL DE R$ 17 BILHÕES
Pois mesmo diante deste quadro dantesco, hoje pela manhã li a notícia (tomara que não seja verdadeira) dando conta que Jair Bolsonaro está disposto a apoiar a aprovação, no próximo ano, de um ROMBO ADICIONAL DE R$ 17 BILHÕES, através do projeto de lei (9.252/2017) no que concede PERDÃO TOTAL das dívidas acumuladas, tanto por PRODUTORES RURAIS quanto pelas AGROINDÚSTRIAS, com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) -.

Detalhe importante: o SETOR RURAL é o único que ainda faz com que o PIB brasileiro se mantenha no positivo. E mesmo assim ainda consegue produzir um ROMBO DE 17 BILHÕES. Pode?
 

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