• Géssica Hellmann
  • 21 Abril 2019

 

No primeiro artigo desta série sobre os benefícios da Educação Clássica, após uma exposição dos motivos históricos que conduziram o governo brasileiro a eliminá-la completamente dos currículos escolares nacionais, apresentamos um elenco de oito benefícios fundamentais de que nosso país abriu mão ao optar por um modelo de Educação de cunho meramente profissionalizante. Neste artigo, desenvolveremos o terceiro benefício fundamental da Educação Clássica, isto é, “a formação de um agudo discernimento sobre quais informações, ideias e conteúdos são benéficos para sua mente e seu caráter e quais são debilitantes”.

O que é discernimento
Mantendo-nos fiéis aos princípios de educação clássica que abordamos no artigo anterior, devemos começar esta discussão com uma simples consulta a um bom dicionário:
dis•cer•nir
(latim discerno, -ere, separar, distinguir, reconhecer, decidir)
1. Distinguir.
2. Estabelecer conveniente diferença (entre coisas ou pessoas).
3. Discriminar.
4. Conhecer.
5. Julgar.
6. Apreciar.
7. Medir.
8. Avaliar bem.
(Fonte: “discernir”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/discernir [consultado em 15-04-2019].)

Assim, no sentido mais geral e elementar da palavra, “discernimento” é a capacidade cognitiva de reconhecer a diferença entre duas coisas quaisquer. É o discernimento que nos permite diferenciar uma maçã de uma pera; um brinquedo inofensivo, de uma ferramenta perigosa; um alimento saudável, de uma porção de veneno.

Como dissemos no último artigo, esse sentido básico da palavra “discernimento” é a condição fundamental de todo conhecimento e o resultado esperado de todo processo educacional. Seja qual for a profissão, a Ciência ou o campo de conhecimento, o reconhecimento de diferenças entre as coisas é condição sine qua non – ou, como bem sintetizou Olavo de Carvalho em seu perfil no Facebook:

“As regras da vida intelectual são:
1) Olhar, olhar, olhar e depois olhar um pouco mais.
2) Sentir, impregnar-se do objeto e deixar que ele fale.
3) Distinguir, distinguir, distinguir e depois distinguir um pouco mais.”

No contexto do trivium, o discernimento se inicia nas distinções elementares da Gramática, refina-se nas associações Lógicas entre os diferentes conceitos e elementos da realidade e atinge seu ápice nas distinções mais linguisticamente complexas e intelectualmente elevadas da Retórica.

O discernimento na tradição cristã
No âmbito do Cristianismo, o discernimento assume um sentido especial, que merece um desenvolvimento um pouco mais detalhado.

O teólogo católico Joe Paprocki, D.Min., consultor da Loyola Press, sintetiza em poucas linhas e linguagem acessível ao leitor moderno, os elementos essenciais do conceito:

“Discernimento é uma prática consagrada pelo tempo na tradição Cristã. Em essência, o discernimento é um processo de decisão que honra o lugar de Deus em nossas vidas. É uma busca interior que se dirige ao alinhamento de nossa própria vontade à vontade de Deus com o objetivo de descobrir a que Deus nos convoca. Cada decisão que tomamos, pouco importando o quão pequena, é uma oportunidade de alinharmo-nos à vontade de Deus”.

A busca do discernimento nesse sentido de “alinhamento à vontade de Deus” também tem importância central entre os Cristãos protestantes, como se pode ver nestas claríssimas linhas do teólogo presbiteriano Sinclair Ferguson, PhD:
“O verdadeiro discernimento significa não apenas distinguir o certo e do errado; mas o primário, do secundário; o essencial, do indiferente; e, o permanente, do transitório. E, sim, significa distinguir o bom do melhor e, até mesmo, o melhor do melhor de todos”.

O problema/desafio do discernimento nesse sentido, digamos, mais “prático” permeia praticamente toda a vida do cristão, como se pode observar nesta singela descrição da adolescente católica americana Natalie Tansil:

“Discernimento é simplesmente a busca e a descoberta da vontade de Deus em sua vida. É uma aventura com Deus que começa com a elevação de uma pergunta a Deus. É mais fácil se não for uma questão aberta.
Eis alguns exemplos desse tipo de perguntas:
• Devo ou não namorar esta pessoa?
• Devo ir para a faculdade A ou para a faculdade B?
• Devo entrar para o seminário?
• Sou chamado para a vida religiosa ou para o casamento?
• Sou chamado ou não para ser um sacerdote ou irmão religioso?
• Sou chamada ou não para ser uma freira enclausurada?
• Devo me formar em Química ou em Inglês?
• Devo ou não pedir esta pessoa em casamento?
Você não pode discernir entre coisas que não tem muita importância, como a marca do cereal que você comerá no café da manhã. Também não há discernimento na escolha entre coisas imorais”.

No contexto católico, porém, a noção de discernimento está mais profundamente ligada à descoberta da vocação individual, especialmente às vocações sacerdotais. Trata-se em última análise de distinguir, entre as muitas opções de vida, qual se harmoniza melhor com a vontade de Deus, sendo evidente que somente um profundo conhecimento dessas opções aliado a uma forte disciplina espiritual pode levar a pessoa à escolha mais adequada. Nesse sentido, Santo Inácio de Loiola prescreve, como requisito para o discernimento, uma Santa Indiferença quanto ao valor das diversas opções:

“O homem é criado para louvar, prestar reverência e servir a Deus nosso Senhor e, mediante isto, salvar a sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem a conseguir o fim para que é criado. Donde se segue que o homem tanto há-de usar delas quanto o ajudam para o seu fim, e tanto deve deixar-se delas, quanto disso o impedem. Pelo que, é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é concedido à liberdade do nosso livre arbítrio, e não lhe está proibido; de tal maneira que, da nossa parte, não queiramos mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que vida curta, e consequentemente em tudo o mais; mas somente desejemos e escolhamos o que mais nos conduz para o fim para que somos criados” (LOIOLA, Santo Inácio. Exercícios espirituais. Tradução do autógrafo espanhol por Vital Cordeiro Dias Pereira, S.J. Braga (Portugal): Livraria Apostolado da Imprensa, 1999, p. 10).

A Santa Indiferença não é, deste modo, um tanto faz apático da parte do fiel, mas uma predisposição a aceitar seja qual for a opção reservada por Deus. Nesse ponto, São Francisco de Sales é ainda mais enfático:

“CAPÍTULO V – Como a santa indiferença se estende a todas as coisas:
A indiferença deve praticar-se em tudo o que é relativo à vida natural, como seja a saúde e a doença, a beleza e a fealdade, a fraqueza e a força; nas coisas da vida civil, como são as distinções, honras e riquezas; e na extensa escala da vida espiritual, como é a tibieza e as consolações, a desolação e a alegria. Devemos ser indiferentes nos atos, nos sofrimentos e, enfim , em toda a sorte de eventualidades”.
(SALES, São Francisco de. Tratado do amor de Deus. Porto (Portugal): Livraria Apostolado da Imprensa, 1950, 2a edição, p. 410).

O efeito na vida da pessoa de um discernimento que emerge da Santa Indiferença é adoravelmente descrito pela fiel católica Ann Yeoung em artigo no site da Arquidiocese Católica Romana de Singapura:

“Foi por isso que Santo Inácio de Loiola ensinou que precisamos da Santa Indiferença como pré-requisito para o discernimento. Esta indiferença, mais do que um estado de desligamento, é sentir-me tão confiante no amor e no desejo de Deus que não mais tenho necessidade de pensar no que eu acho que me fará feliz. É um estado de total humildade onde repouso meus próprios pensamentos sobre qual seria a melhor opção e, em vez disso, peço para ser guiada pelo Senhor”.

O abade A.D. Sertillanges, em sua obra “A Vida Intelectual”, reforça a percepção da fiel singapurana alertando para os perigos de abraçar uma atividade qualquer – no caso, a atividade intelectual – sem que a pessoa seja movida por uma autêntica vocação “alinhada à vontade de Deus”:

“Isto supõe que se abraça a vida intelectual com intenções desinteresseiras e não por ambição ou vã gloríola. Os guizos da publicidade só tentam os espíritos fúteis. A ambição, que quisesse subordinar a si a verdade eterna, ofendê-la-ia. Brincar com as questões que dominam a vida e a morte, com a natureza misteriosa, talhar-se um destino literário e filosófico à custa da verdade ou fora da dependência da verdade, constitui um sacrilégio. Tais intentos, sobretudo o primeiro, não conseguiriam manter o investigador; depressa o esforço esmoreceria e a vaidade haveria de entreter-se com bagatelas, sem curar das realidades”.

O teólogo católico Peter Kreeft, Ph.D., professor de Filosofia no Boston College, apresenta cinco princípios na busca do discernimento:

“1. Sempre comece com informações, com o que sabemos ao certo. Julgue o desconhecido pelo conhecido, o incerto pelo certo…
2. Deixe que seu coração eduque sua mente. Que seu amor de Deus eduque sua Razão no discernimento de sua vontade…
3. Mantenha o coração mole e a cabeça dura… Em nossos corações, devemos ser como chorosos liberais; em nossa cabeça, conservadores com os pés fincados no chão.
4. Todos os sinais de Deus devem alinhar-se, como uma trigonometria. Há pelo menos sete sinais: (1) Escrituras, (2) o ensino da Igreja, (3) a razão humana (criada por Deus), (4) a situação ou circunstâncias (que Ele controla por sua providência), (5) a consciência, ou o sentido inato de certo e errado, (6) nossas inclinações individuais, desejos ou instintos e (7) oração. Teste sua opção apresentando-as diante da face de Deus. Se uma destas sete vozes disser não, não faça. Se nenhuma delas disser não, faça.
5. Procure pelos frutos do espírito, especialmente os três primeiros: amor, alegria e paz”.

Ou seja, o discernimento, no sentido cristão em geral e, especialmente, no sentido católico, é uma conquista integrada de que participam o conhecimento e a razão ao lado do sentimentos, dos instintos, da fé, da doutrina, etc. Sua dificuldade reside justamente, no fato de que se trata de escolhas entre coisas inerentemente boas, como ressalta o adolescente católico homeschooler Peter Anselm Lyons ao relatar esta brilhante explicação que recebeu durante um retiro de discernimento num Colégio Beneditino:

“Todas estas coisas – casamento, família, paternidade, carreira – são boas; são boas porque é virtuoso o desejo de ser um bom marido, de amar e ser amado por uma mulher, ou de seguir com sucesso uma carreira profissional honesta. Esses desejos, ou apetites, são impulsos naturais dados por Deus que indicam um homem bem organizado. Mas Deus, às vezes, tira-nos coisas boas para dar-nos um bem maior. Abrir mão do casamento é duro? Claro que é duro, porque o Sacramento do Matrimônio é bom. Se Deus deseja que você desista de casar-se tornando-se um padre, isto não significa que você não ficaria, até certo ponto, satisfeito em um casamento, mais que você seria definitiva, única e dinamicamente feliz como um padre, numa extensão que jamais poderia experimentar num casamento. E vice-versa.”

A tragédia da perda do discernimento
Dissemos, no início deste artigo que um dos benefícios da Educação Clássica é o discernimento sobre a qualidade de informações, ideias e conteúdos. Ora, se já é indispensável desenvolver o discernimento naquele sentido mais básico de mera diferenciação entre coisas e conceitos, quando elevamos a compreensão do discernimento a seu nível espiritual mais elevado, veremos que a sua perda só pode levar à loucura. No contexto de uma Sociedade da Informação em que o indivíduo é bombardeado pela propaganda de todo tipo de valores, comportamentos, estímulos e mensagens de todo tipo, variando desde o útil e construtivo ao inócuo, ao inútil e ao abertamente nocivo, o desenvolvimento de critérios de filtragem, isto é, de discernimento, assume papel central na manutenção da sanidade e do crescimento espiritual. Como ressalta Olavo de Carvalho:

“O discernimento estético é parte integrante da cultura espiritual. A música, as artes plásticas, o cinema e o teatro são armas letais usadas na desumanização das massas, e isto menos pelo conteúdo propagandístico explícito (uma exceção) do que pelo simples fato de dissolverem o senso estético das multidões pela exposição repetida ao feio e disforme apresentado como normal”.

Essa exposição contínua “ao feio e ao disforme como se fossem normais” é parte de um projeto intelectual iniciado nos anos 1960, que não cabe desenvolver aqui, cujo resultado trágico foi a destruição do discernimento em todo o Ocidente. O resultado desse projeto é descrito magistralmente pelo advogado católico novaiorquino James Kalb:

“O resultado natural foi um declínio radical na vida intelectual, artística e religiosa, o caos, a banalidade e a brutalidade no mundo em geral, a substituição dos padrões tradicionais de vida pelo comércio, pela burocracia e por paliativos de efeito temporário. A esperada Idade de Ouro acabou sendo uma era de chumbo, ou melhor, de lantejoulas e lixo.
O contraste entre as expectativas e os fatos resultou em uma oposição entre aparência e realidade. Dadas as tendências marxistas da época, é apropriado que a oposição exemplifique-se numa falsa consciência – a aceitação de imagens falsas da realidade e o fracasso em reconhecer os interesses que essas imagens promovem.”

Carrie Gress, cujo currículo ostenta um doutorado na Universidade Católica da América, uma cátedra de Filosofia na Pontifícia Universidade e quatro filhos que educa em regime de homeschooling, testemunha como a perda do discernimento estético exerce um terrível efeito sobre muitas mulheres:

“Pegue qualquer revista feminina da atualidade e você terá a nítida impressão de que a beleza serve apenas à superficialidade: para seduzir os homens, impressionar as amigas ou esconder a devastação da idade. A noção de que a beleza deveria apontar para além de si mesma, à fonte de toda a beleza – o Criador – está muito, muito distante. Essa beleza esvaziada faz mulheres semelhantes a “sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície (Mateus 23:27) … Será que estamos fazendo perguntas como ‘Eu tenho uma bela alma?’ ou, mesmo, ‘O que é uma bela alma?’”.

O Padre Paulo Ricardo enfatiza o papel dos mitos clássicos sobre o crescimento pessoal e os perigos das inversões perpetradas pela mídia moderna sob os pretextos “politicamente corretos” de “não ofender minorias”:

“Na história das civilizações, os homens sempre criaram fábulas para narrar acontecimentos importantes ou transmitir alguma lição de moral às novas gerações. Mitos como o Labirinto de Creta ou a lendária figura do Rei Arthurnão tinham apenas a tarefa de entreter uma sociedade fatigada pela rotina do cotidiano, mas também a de oferecer respostas concretas aos dramas existenciais, de sorte que, olhando para o desfecho dessas histórias, o homem pudesse superar seus desafios e crescer como pessoa… Com efeito, os produtos da cultura de massa transformam-se em um perigoso instrumento de subversão, quando decidem alterar o sentido da mitologia tradicional para oferecer, em seu lugar, as fantasias que levam o ser humano para trás”.

Em síntese, os meios de comunicação inundaram o ambiente mental com informações perniciosas a tal ponto que não se pode confiar na “inocência” de um desenho animado ou história em quadrinhos como forma de diversão ou passatempo saudáveis. É, mais do que nunca, fundamental desenvolver em nós mesmos e em nossos filhos um agudo discernimento, tanto no sentido elementar de diferenciação entre coisas e conceitos como nos sentidos mais elevados de discernimento estético, ético e espiritual.

Como a Educação Clássica favorece o Discernimento
O fundamento da Educação Clássica, bem como seu objetivo maior, é o discernimento da Beleza, da Verdade, da Justiça e da Bondade. Somente na ausência dos princípios, conteúdos e valores da Educação Clássica é que podem prosperar o relativismo moral, a subversão da Estética, a confusão de conceitos, a inversão de prioridades e valores, entre tantos outros vícios que são a marca de nosso tempo.

Ao estudar os mitos, as histórias de santos e heróis, as grandes realizações artísticas e literárias que constituem a melhor herança de nossa civilização, o indivíduo tem a oportunidade de “vacinar-se” contra as mórbidas ideologias que infestam o ambiente mental da atualidade, distinguindo o que é belo, verdadeiro, justo e bom daquilo que não é.

O modelo de Educação Clássica, ao enfatizar o estudo das virtudes, exige do estudante o confronto de seus valores com os atos praticados por homens e mulheres ao longo dos séculos e a contínua comparação com sua própria realidade e com os próprios dilemas que vivencia, encontrando parâmetros e limites para avaliar seus atos e decisões.

O ponto fundamental a considerar é que, como vimos, o conhecimento da realidade, isto é, das opções à disposição do indivíduo em suas decisões é um componente essencial do discernimento inclusive no mais elevado sentido espiritual da palavra. Não se obterá discernimento isolando-se a pessoa numa redoma de informação filtrada e edulcorada, mas adquirindo critérios, meios de comparação, para julgar adequadamente a beleza, a verdade e a justiça das informações a que se é exposto.

Finalmente, você perguntará: mas como saberei se estou tendo sucesso nesse objetivo? Foi com esse exato propósito que incluímos neste artigo os depoimentos da moça e do rapaz adolescentes e da fiel singapurana: você perceberá o resultado de seus esforços quando você e seus filhos puderem testemunhar em sua própria vida a aplicação desses critérios com cada vez maior desenvoltura e naturalidade em todas as decisões importantes que venham a tomar.

Índice de artigos desta série:
Os oito benefícios fundamentais da Educação Clássica
Benefícios da Educação Clássica (1) – Pertencimento
Benefícios da Educação Clássica (2) – Independência Intelectual
Benefícios da Educação Clássica (3) – Discernimento

* Por Géssica Hellmann em Educação Clássica, Valorizando o conhecimento
 

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  • Ernesto Caruso
  • 21 Abril 2019

Ao final de 1999, a revista “Dever de casa”, com a imagem Marechal Deodoro na capa, destaca em certo trecho: “O “herói” dos massacres, Luiz Alves de Lima e Silva, foi recompensado por matar rebeles do Norte e do Sul do país, recebendo os títulos de barão e em seguida de Duque de Caxias — ele é o patrono do Exército Brasileiro.”

A cada um cabe eleger os seus heróis. Mas, denegrir aqueles que lutaram na defesa dos interesses nacionais, que mantiveram esta Nação em berço esplêndido. Gigante pela própria natureza que não foi “de graça”, nem foi esfacelado como a América espanhola. Caxias é um dos baluartes da Unidade Nacional.

Sobre tal fato escrevemos texto contraditório à desconstrução tipicamente marxista, publicado n’O FAROL em junho de 2000, epigrafado, “Iconoclastas da nacionalidade”. Repulsa às cunhas que agridem a monolítica Nação forjada com luta, sangue, combatentes mortos, feridos e mutilados. Não podem ser esquecidos viúvas e órfãos.

Ainda que tirem as poeiras dos porões, abram alas e criem heróis dos barracões, não os façam gerar outras nações que dividam o Laço Verde-Amarelo. Não apelem pro nada. E a Nação, salve, salve, não vire pó, nem farelo.

Multidões vestem a camisa “canarinho” — pra frente Brasil — Salve a seleção! Multidões bradam, “a minha Bandeira jamais será vermelha”. Vestem verde-amarelo para extirpar comunistas corruptos do poder; aos milhões exigindo a prisão do pixuleco. Saúdam heróis que defenderam a Pátria nos campos de batalha.

Nem do inimigo “tem sangue retinto pisado”. Tem honra e glória atrás de tantos heróis emoldurados.

O Duque de Caxias, magnânimo e pacificador, foi um desses vencedores que expulsaram invasores. A eles a grandiosa Nação deve os louros das vitórias e a herança herdada que todos usufruem, inclusive os que conspurcam suas imagens na vida mundana que levam.

Nascido em 25 de agosto de 1803, o Duque teve o seu batismo de fogo na Guerra da Independência (Bahia/1823), com 20 anos incompletos. A seguir lutou na Guerra da Cisplatina (1825-1828).

Foi precursor do abolicionismo ao alforriar os negros — bravos lanceiros farrapos — integrando-os ao Exército, na pacificação do Sul; longa guerra fratricida de 1835 a 1845 que ameaçava fraturar a unidade territorial consolidada. Caxias deixa uma lição ao proferir emocionante proclamação de brasilidade aos gaúchos: "Abracemo-nos e unamo-nos para marcharmos não peito a peito, mas ombro a ombro, em defesa da Pátria que é a nossa mãe comum.”.

Coragem e bravura não faltaram a Caxias em defesa da Pátria; fiel juramento dos militares, se preciso for, com o sacrifício da própria vida.

A História do Patrono do Exército se passou em grande parte nas operações de guerra, em barracas de campanha com o desconforto para dormir, com frio ou calor, se alimentar quando possível, em marchas forçadas para o combate, atacar e defender, socorrer os feridos, enterrar os mortos com sofrimento, pesar e orações. Dia e noite sob as agruras da guerra.

Não se compara aos barracões do samba que tem seus méritos, reconhecimento artístico, estandarte de ouro, enredo nota 10. Cada um no seu quadrado.

Sambistas e jurados sem compromisso com a História, “Com versos que o livro apagou/ Desde 1500/ Tem mais invasão do que descobrimento/ Tem sangue.../ Mulheres, tamoios, mulatos/... Não veio do céu/ Nem das mãos de Isabel...”

“Quem foi de aço nos anos de chumbo”, padrão Marighela, abusou das práticas terroristas, carro-bomba, explodiu, assaltou e matou/mutilou inocentes, como Orlando Lovechio, Mário Kozel Filho e até “justiçamento” dos comparsas julgados “traíras”.

Em 9 de dezembro de 1868, Caxias tinha 65 anos, quando a cavalo e com a espada em riste, irrompeu sobre a Ponte de Itororó arrostando o ferrenho inimigo, vencendo-o a caminho da vitória final. (Vale citar que hoje se discute a idade de 65 anos para a aposentadoria).

Verso por verso, o Hino a Caxias (letra, D. Aquino Correa) diz tudo: Salve, Duque Glorioso e sagrado/ Ó Caxias invicto e gentil! Salve, flor de estadista e soldado!/ Salve, herói militar do Brasil./ Do teu gládio sem par, forte e brando,/ O arco de ouro da paz se forjou,/ Que as províncias do Império estreitando/ À unidade da Pátria salvou.

Mas, não é só com Caxias. É ampla a frente de desconstrução daqueles que fizeram História. “Gerar outros é preciso”. Cantores que morreram de overdose, políticos feitores dos “direitos humanos”. Enfumaçar a Princesa Isabel e iluminar Zumbi dos Palmares. Pior, ao invés de se homenagear o considerado líder combatente do escravismo, se cultiva uma consciência como parâmetro que vai se contrapor a outra e incentivar a contenda.

Dia desses, em canal a versar sobre história, apresentado por brasileiros, o alvo era Santos Dumont. A chacota prevaleceu nos comentários de que o avião de Dumont se deslocava aos saltos (1906), em posição contrária ao que se entendeu posteriormente como normal, enquanto os entrevistados norte-americanos justificavam a primazia da invenção aos irmãos Wright (1903), em vôo sigiloso porquanto pretendiam registrar o invento como propriedade.

Até a sexualidade do Pai da Aviação, brasileiro, foi comentada, como se trouxesse alguma contribuição ao debate. Isto, nesta época cujo tema ideologia de gênero perambula no topo.

Em suma, o que seríamos nós sem o descobrimento, denominação genérica e histórica? Seríamos ainda tribos com gente pelada, arco e flecha, comendo caça, aipim/mandioca? Cada uma com línguas e dialetos distintos? Sem a abominável escravidão, com as contribuições trazidas da África? Sem a migração de gente pobre de origem européia? Ainda japoneses, árabes, judeus, etc?

Seríamos esta Nação Mestiça, gigante pela própria natureza?

O problema não está no Cabral de 1.500, mas nos cabrais do ano 2.000, lulas, dirceus, pezões, garotinhos... e parceiros que fazem igual ou pior do que os genocidas históricos trotskistas ninando gente que se acha grande.

Meus heróis não morreram de overdose (Hamilton Mourão).

*Ernesto Caruso é Coronel de Artilharia e Estado-Maior (reformado).
**Publicado originalmente em Alerta Total – www.alertatotal.net


 

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  • Júlia Schütt
  • 20 Abril 2019

 

(1) Instauração do Inquérito no 4.781-STF, (2) designação de Ministro daquela Corte para presidir a investigação, (3) determinação, de modo cautelar, da retirada de conteúdos divulgados por meios de comunicação eletrônicos, com imposição de multa diária de elevado valor; e (4) deflagração de operação para cumprimento de mandados de busca e apreensão sem o conhecimento e a participação do Ministério Público:

O quadro fático trazido com o Inquérito n. 4.781-STF revela grave violação ao sistema acusatório, adotado pela Constituição Federal,que determina rígida separação entre, de um lado, as tarefas de investigar e acusar e, de outro, a relevante função jurisdicional.

O órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga!

No caso concreto, há um magistrado que preside e determina atos de investigação que restringem direitos assegurados pela própria Constituição, sem qualquer iniciativa do Ministério Público, ferindo de morte o princípio acusatório.

Não bastasse o rompimento do princípio acusatório, houve também a designação de Ministro para presidir a investigação sem que houvesse a distribuição por sorteio determinada pelo Regimento do STF, em menoscabo ao princípio assentado na Constituição de que ninguém pode escolher quem irá julgá-lo, que garante a impessoalidade e o juiz natural.
Ademais, ainda que se compreenda a necessidade de combater a proliferação das denominadas fake news, é necessário que isso se faça com obediência ao devido processo legal, preservando-se a liberdade de imprensa e de opinião, uma vez que é próprio do regime democrático o pluralismo de ideias, com a garantia da liberdade de expressão e do direito de o cidadão ser informado por uma imprensa livre.

A liberdade de imprensa reveste-se de conteúdo abrangente: o direito de informar, o direito de buscar informação, o direito de opinar e o direito de crítica.

Sim, a CRÍTICA é um DIREITO de todos; a sua faceta negativa corresponde ao DEVER imposto aos “criticados”: de aceitá-la ou rebatê-la nos limites da LEI, pois ninguém está acima dela, correto?

*Texto escrito pela Dra. Júlia Schütt, Promotora de Justiça do Rio Grande do Sul.
**Publicado originalmente em https://mciradio.com.br

 

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  • João Carlos Biagini
  • 19 Abril 2019

 


  A maioria dos brasileiros já tem conhecimento da existência da ADPF – 442 - Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442-, ajuizada pelo Partido Solidariedade e Liberdade, mais conhecido por PSOL, em tramitação no STF-Supremo Tribunal Federal, destinada a autorizar o homicídio intrauterino, eufemisticamente chamado de interrupção voluntária da gravidez ou descriminalização do aborto. O nascimento da vida humana tem o mesmo ciclo dos demais nascimentos da natureza. Semente plantada, ovo ou óvulos fecundados. Na data da fecundação inicia-se a vida de uma planta, de um animal ou de um ser humano. A partir da fecundação, podemos matar a vida humana nas fases: inicial, dentro do útero ou intrauterina, de bebê, de criança, pré-adolescência, adolescência, adulta ou velhice. Sempre estaremos matando um ser humano, ou no dizer do artigo 121 do Código Penal, matar alguém.

Na ADPF 442, há muitas entidades e pessoas querendo liberar o homicídio intrauterino, para eliminar os bebês em gestação originados de relações sexuais consentidas. Nessas relações, o homem e mulher a praticam com gozo e alegria, mas, em diversas oportunidades, surge a gravidez inesperada. Não é indesejada porque, se o fosse, o ato sexual seria forçado ou contrário à vontade da mulher, que caracteriza o tipo penal do estupro. No caso do estupro, a lei permite a eliminação do bebê, pela forma ordenada no artigo 128, inciso II, do Código Penal. Embora a lei não permita a aplicação de pena, não deixa de ser um homicídio intrauterino.

Os crimes contra a vida estão capitulados nos artigos 121 e seguintes do Código Penal. Nos artigos 124 e 126, estão previstos os homicídios intrauterinos: cometer em si mesma ou permitir que outro o pratique. Os crimes sexuais estão elencados no Capítulo dos Crimes contra a Liberdade Sexual, onde lemos: Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso; Art. 215.Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. A gravidez somente será possível com a conjunção carnal, obtida pelo agente através de violência, ameaça, fraude ou outro meio que impeça a livre manifestação da vontade da vítima.

Dito isso, vamos às alegações que, em vez de proteger a menina ou a mulher dos agentes criminosos, em nossa opinião, as coloca diretamente sob a ganância sexual deles, por tempo indeterminado e com a possibilidade da institucionalização do estupro. Dentre tantas premissas e razões infundadas e improvadas presentes na ADPF 442,o Estado do Pará apresenta a ocorrência criminal e a espantosa solução:

“No cenário da Ilha do Marajó (onde situam-se sete dentre os vinte municípios com menor IDH do Brasil), no Baixo Amazonas (região de Santarém), nos garimpos da região dos Carajás e de Itaituba, nos grandes empreendimentos de Altamira, nas fazendas de soja e gado do Sul do Pará e na região metropolitana e central de Belém a violência contra a mulher não possui sequer estatísticas confiáveis, mas são amplamente conhecidas e aceitas pela cultura local. O corpo da mulher não lhe pertence, servindo apenas para satisfazer a lascívia dos genitores e demais parentes, para os garimpeiros e trabalhadores rurais, para os fazendeiros e para os peões.

A conhecida lenda amazônica do boto cor de rosa que se transforma num belo e elegante jovem nas noites de lua cheia e que conquista e engravida as mulheres, abandonando-as posteriormente, é somente a forma pitoresca que os moradores dessa região se utilizam para validar a lógica do estupro paterno que resulta em gravidez.

Em sua maioria, essas mulheres brancas, negras, pardas, ribeirinhas, quilombolas, indígenas e/ou pobres são mantidas dentro dessa cultura que seu corpo não lhe pertence, sofrendo as consequências de ser mulher em um mundo ainda rusticamente masculino, convivendo com diversas gravidezes indesejáveis, impossibilitadas de exercerem a opção do abortamento.”

As aberrações jurídicas existentes nas propostas do PSOL, dos Estados de São Paulo, Pará e das entidades e pessoas a favor da liberação do homicídio intrauterino são, em nosso entender, incomensuráveis. Analisemos o texto do Pará destinado a justificar a descriminalização do aborto ou da interrupção voluntária da gravidez: 1) o baixo IDH, ou seja, o Estado não cumpre sua obrigação de propiciar conhecimento ao povo; 2) em todo o Estado, inclusive no centro da capital Belém, a violência contra a mulher é conhecida, embora sem estatísticas, mostrando que o Estado não cumpre sua obrigação de proteger as vítimas e punir os criminosos; 3) O corpo da mulher não lhe pertence, servindo apenas para satisfazer a lascívia dos genitores e demais parentes, para os garimpeiros e trabalhadores rurais, para os fazendeiros e para os peões, ou seja, o Estado tem conhecimento de todas as violências e de todos os crimes, mas nada faz para punir os criminosos e 4) a lenda do boto cor de rosa é utilizada para validar a lógica do estupro paterno, ou seja, o crime tem autor conhecido que não é punido. O texto termina dizendo que as mulheres do Estado do Pará, diante dos estupros, rotineiros e de conhecimento público, precisam despenalizar os crimes cometidos e aplicar a pena de morte aos nascituros.

Além dos artigos do Código Penal, acima mencionados, a Lei Maria da Penha 11.340, de 7.8.2006, preceitua: Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. § 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

E a Constituição Federal, prescreve: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

As leis vigentes que protegem as mulheres contra a violência não são aplicadas. Os direitos constitucionais não são garantidos.

O Estado do Pará e todos o s demais defensores do homicídio intrauterino deveriam refletir nas consequências dessa insana proposta. No caso das mulheres do Pará e de todo o Brasil, temos a convicção de que a descriminalização do aborto ou interrupção voluntária da gravidez resultarão na institucionalização do estupro. Os estupros ocorrerão em massa contra as mulheres, diante da possibilidade de serem forçadas a se dirigir ao SUS e a cometer sucessivos homicídios intrauterinos.

Em nosso entender, a legislação vigente precisa ser cumprida, as mulheres precisam ser protegidas, os criminosos devem ser penalizados e as vidas dos inocentes bebês condenados à morte, futuros brasileirinhos e brasileirinhas, devem ser preservadas.

*João Carlos Biagini - Advogado na Advocacia Biagini, Coordenador do Departamento Jurídico da Diocese de
Guarulhos , membro do IDVF – Instituto de Defesa da Vida e da Família e seu procurador na ADPF 442-STF,
membro da Academia Guarulhense de Letras, diretor secretário da UJUCASP-União de Juristas Católicos de
São Paulo, coautor do livro "Imunidades das Instituições Religiosas", coordenado pelos Profs. Drs. Ives
Gandra da Silva Martins e Paulo de Barros Carvalho, Noeses, 2015, autor do livro "Aborto, cristãos e
ativismo do STF", AllPrint, 2017 e coautor do livro "Tratado Brasil Santa Sé", coordenado pelos Profs. Drs.
Ives Gandra da Silva Martins e Paulo de Barros Carvalho, Noeses, 2018. Email: joaobiagini@gmail.com
  

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  • Pe. Benedict Kiely
  • 19 Abril 2019

 

Muito já se escreveu, horas após o fogo que devastou a Catedral de Notre-Dame de Paris, a respeito do "caráter emblemático" do edifício, do seu valor como patrimônio da humanidade e do fato, notado pelo Papa Francisco, de que o edifício constitui "um tesouro arquitetônico de memória coletiva". Foi necessário, no entanto, que o arcebispo de Paris, Michel Aupetit, um ex-médico — discreto, mas profundo —, viesse responder (com uma pergunta retórica) o porquê de o edifício ser um "tesouro".

Entrevistado pela TV francesa, Dom Aupetit disse simplesmente que a magnífica basílica foi construída por uma razão, e não era ser um "tesouro", nem mesmo abrigar a Coroa de Espinhos de Nosso Senhor; Notre-Dame existe para un morceau de pain, isto é, para "um pedaço de pão" — o pão que, ele explicou, os católicos acreditam ser o Corpo de Cristo.

Todas as igrejas católicas — desde a magnificência de uma Notre-Dame em Paris ou de uma Basílica de São Pedro em Roma, até uma igrejinha do interior ou uma cabana de barro em terra de missão —, estando nelas presente a Eucaristia, foram construídas para ser domus Dei, a "casa de Deus". Para um católico, a ausência real que sentimos na Sexta-feira Santa, quando o sacrário fica vazio e a sua luz se apaga, é uma confirmação palpável de que, em certo sentido, uma igreja onde não está presente o morceau de pain não passa de uma "igreja zumbi", aparentemente viva, mas na verdade morta.

Com razão o mundo, especialmente aquelas partes que se consideram civilizadas, horrorizou-se ao ver o Estado Islâmico destruindo antigos artefatos da civilização mesopotâmica e tentando destruir a cidade de Palmira, na Síria. Notre-Dame de Paris é um patrimônio da humanidade, uma obra de arte cuja beleza é apreciada por pessoas de todos os credos, e até pelas que não possuem credo nenhum. O edifício fala, entretanto, não apenas da massiva contribuição que a cultura cristã ofereceu para criar a civilização ocidental (contribuição ignorada pela Constituição da União Europeia), mas também da fé viva sem a qual a basílica seria apenas um museu.

A basílica de Nossa Senhora em Paris leva esse nome não para "honrar o edifício como se ele fosse uma mãe" (como disse um repórter na internet, ilustrando a crescente ignorância religiosa da mídia), mas porque foi dedicado à Mãe de Deus, o primeiro tabernáculo vivo da Palavra feito carne. Esse "ícone" aponta para algo maior do que o homem; sua verticalidade e visibilidade são sinais do transcendente; o que nele sobressai é a verdade da fé a partir da qual tantos trabalharam por mais de um século para construí-la.

Quando os monstros que tocaram o terror da Revolução Francesa profanaram a basílica, dando-lhe o nome de templo do "Culto da Razão", destruindo imagens de Nossa Senhora e substituindo-a pela "deusa da liberdade", em certo sentido a basílica deixou de existir. Mas, assim como, em países que saíram do comunismo, igrejas que haviam sido usadas como salões de esportes ou cinemas voltaram ao seu uso sagrado, também Notre-Dame retornou à sua antiga glória com os sacramentos sendo celebrados novamente em seu interior.

O Estado francês é proprietário de Notre-Dame de Paris, mas, de acordo com a lei de 1905, a Igreja Católica detém os "direitos exclusivos de usá-la para propósitos religiosos perpetuamente". O presidente Macron teria dito que a basílica será reconstruída "de uma maneira consistente com nossa nação moderna e cheia de diversidade". O que se espera é que, por "diversidade", ele queira se referir simplesmente à ampla variedade de artistas e habilidades que se unirão para restaurar o edifício ao longo dos anos.

Falando aos bispos franceses durante sua visita ad limina apostolorum em 1997, o Papa João Paulo II parabenizou o Estado francês pelo seu cuidado com tantas catedrais e igrejas católicas, mas — ele lembrou na ocasião — a liturgia "deve ser sempre a verdadeira raison d'etre (razão de ser) desses monumentos".

Notre-Dame, esta "casa do pão" — o morceau de pain que é o Corpo de Cristo — será reconstruída, e a basílica será igreja viva. Não deixará de ser um "tesouro arquitetônico de memória coletiva", mas não será nunca um museu.
 

* Tradução da equipe Christo Nihil Praeponere, publicada originalmente em https://padrepauloricardo.org/blog/igreja-nao-museu

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  • Renato Santana
  • 17 Abril 2019

 

A “banalização da vida”, na expressão de Hannah Arendt, é um fato. Mas, mesmo assim, ainda não perdemos por completo a capacidade de indignação nem a de ficar sobressaltados com a hediondez daqueles para quem a vida não vale nada.

É abril. Outono. Paralelo 30. A natureza oferta a mais encantadora paleta de cores. Todavia, mal se descortina o dia outonal e tudo se torna sombrio e turvo: a realidade nos joga na cara que, para alguns sub-humanos, a vida nada vale, o que os motiva ao papel de predador.

Na doce calma da pequena cidade de Estância Velha, a manhã banhada de sol foi tingida pelo sangue dos inocentes: criminosos assaltaram uma joalheria e abateram a tiro os proprietários, Leomar e Fernando, pai e filho. Mais um caso de latrocínio. Mais uma família destroçada.

Numa hora destas, é impossível não lembrar com indignação o que prega Marcia Tiburi:
“Sou a favor do assalto”, diz ela. E justifica: “Tem uma lógica no assalto. Eu não tenho uma coisa que eu preciso, fui contaminada pelo capitalismo… (…) Tem muitas coisas que são muito absurdas, que se você vai olhar a lógica interna do processo (…)”. E chega a uma conclusão: “Sabe que isso seria justo dentro de um contexto tão injusto?”

Será que essa senhora, credenciada como “cabeça pensante da esquerda brasileira”, chega a sensibilizar-se com a tragédia de quem perde dois familiares a um só tempo e pelo motivo mais injusto?

Sua declaração (disponível no Youtube) é feita em abstrato e, por assim ser, é adequado afirmar que ela considera legítima a monstruosidade que, neste momento, deixa a comunidade de Estância Velha tomada pela mais dorida consternação.

Mas, apesar do óbvio, a sedizente filósofa jamais foi incomodada por exaltar a violência e fazer a apologia do crime.

E para onde rumamos, enquanto essa mentalidade era hegemônica? Alguém ignora que, nos últimos anos, a leniência com bandidos e outros preconceitos idiotas embasaram políticas criminais?

É certo que a segurança pública do Rio Grande do Sul teve um salto de qualidade no governo Sartori, sob a gestão do secretário de segurança Cezar Schirmer. E mostra sinais positivos com Ranolfo Vieira Júnior, o novo secretário. E daí? Ainda está muito, muito longe de ofertar à população a tranquilidade legitimamente querida por todos – menos pela sub-humanidade, claro.

Ao pensar nas verdadeiras vítimas de Estância Velha – excluídas, desde logo, do catálogo de vítimas de Marcia Tiburi e da esquerda que ela representa – é forçoso e muito triste lembrar que o secretário de segurança, por mais competente que seja, não tem poderes para devolver a vida que energúmenos ceifaram pelos motivos mais torpes.

Que a verdade não seja silenciada! E que não se omitam os que acreditam no bem! Mas, sempre, sempre métodos pacíficos! Lembrando Viktor Frankl: “As coisas vão mal, mas se não fizermos o melhor que pudermos para fazê-las progredir, tudo será pior ainda.”


*Renato Sant’Anna é psicólogo e advogado. Trabalha com vítimas de violência.
**E-mail do autor: renatos21@uol.com.br

 

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