Li hoje de um professor da UFRJ que “não existe ciência sem forte financiamento estatal nos EUA”, citando como exemplo Harvard, “que tem quase 4 vezes o orçamento de todas as nossas universidades federais somadas”. Obviamente, o docente acha que o contingenciamento (não corte) de 3,75% (e não 30%) do orçamento do MEC é o fim da ciência brasileira, já que a ciência na meca do capitalismo é, segundo ele, financiada pelo pagador de impostos. O citado professor reclama ainda da “burguesia” nacional, que ao contrário da norte-americana não tem projeto de país nem comprometimento com o futuro da nação, já que não doa dinheiro para suas universidades.
Ele tem direito a achar o que quiser. Só não pode mentir nem falsear dados e informações. Harvard, assim como a esmagadora maioria das universidades americanas, são pessoas jurídicas de direito privado organizadas sob a forma de fundações. Estão nesse grupo todas as universidades da Ivy League, mais o MIT e Stanford. A maior biblioteca privada do mundo, inclusive, é a de Harvard. As universidades lá geralmente foram instituídas por um benfeitor (que costuma dar nome à instituição que fundou – Stanford, Yale, Duke e Cornell são exemplos) que doou um “endowment” (o que no Brasil denominamos “patrimônio afetado”, uma grande quantia em dinheiro que forma um fundo perpétuo cujos juros servirão para financiar as atividades da fundação, e que, no caso de Harvard, passa de US$ 37 bilhões), alimentado por “tuitions” (taxas cobradas dos alunos, que podem passar de US$ 50.000/ano no caso de Harvard), e gerido por um comitê de gestores profissionais (não por militantes do PSOL). Além delas, as Universidades financiam suas atividades através de doações (principalmente de ex-alunos bem sucedidos que desejam retribuir o que receberam de suas respectivas “alma-maters”), bolsas de estudo (company scholarships e sponsored degrees) oferecidas por empresas (por critérios de mérito fixados por quem concede a bolsa, possibilitando que mesmo os mais pobres tenham acesso ao ensino superior, desde que talentosos) e royalties de patentes geradas por suas pesquisas.
E esse último ponto é muito importante – existe por lá uma mentalidade fortíssima de resultados. As pesquisas mais valorizadas são aquelas que geram patentes, que por sua vez viram produtos e serviços que dão lucro. Isso não quer dizer, obviamente, que não são feitas pesquisas em Ciências Sociais ou Humanidades – mas há uma métrica rigorosa de avaliação, geralmente envolvendo publicação em revistas de divulgação científica e publicação de livros que atraiam prestígio para o nome da universidade. Quem não é publicado, quem não é relevante, deixa de receber dinheiro, por mais “socialmente justa” que seja sua pesquisa. As universidades americanas estão repletas de justiceiros sociais, é verdade, mas a dissertação sobre o Banheirão da Lapa jamais seria financiada pelo board de Harvard.
Não existem universidades federais nos EUA, com exceção dos institutos de formação ligados às forças armadas. Existem sim universidades públicas, mas não existem universidades “grátis”: mesmo as que recebem alguma subvenção de governos locais cobram anualidades (US$ 8.000 em média, não muito distante do que cobram as universidades privadas de ponta no Brasil) e lucram com royalties de suas patentes. É extremamente comum que empresas se estabeleçam dentro dos campi para integrar a comunidade acadêmica no desenvolvimento de seus produtos e serviços. Lá, ao contrário daqui, isso não é visto como anátema nem como violação da “autonomia universitária”, e sim como uma simbiose saudável para a universidade (que financia suas atividades sem precisar de dinheiro do pagador de impostos), para os alunos (que aplicam o conhecimento teórico adquirido na prática e já saem do curso com uma carreira útil encaminhada), para as empresas (que aproveitam a atividade criativa da academia para potencializar seus lucros e captar os melhores profissionais enquanto ainda são estudantes, antes da concorrência) e para a sociedade (que incrementa exponencialmente seu nível de vida pelas patentes de produtos e serviços geradas pela parceria empresa-universidade).
O Vale do Silício nasceu dentro de Stanford, que dispõe inclusive de incubadora para start-ups. O incentivo ao empreendedorismo, junto com a pressão por resultados, são fortíssimos.
No Brasil esse modelo é inviabilizado por interesses corporativos de professores e associações de estudantes. Qualquer iniciativa para se cobrar mensalidades, ao menos dos alunos que possam pagar, é vista como “privatização” e “elitização” (o que é irônico, dado o perfil histórico dos alunos de universidades públicas gratuitas no Brasil). Doações para universidades públicas dependem de aprovação prévia dos respectivos Conselho Técnico-Administrativo, do Conselho Deliberativo, e do Conselho Gestor, em processo administrativo que pode durar MESES; se a doação for em dinheiro, há necessidade de aprovação pela Procuradoria Geral (contei aqui minha saga para tentar doar livros para a escola em que cursei o ensino médio: https://www.facebook.com/rafaelrosset/posts/10212097093480859). Apesar de não haver vedação legal, as universidades em geral recusam doação de acessões artificiais (reformas) pela complexidade do processo administrativo exigido por lei. Se o Ministério Público entender que a doação implica em alguma contrapartida (por exemplo, a colocação de uma placa com o nome do doador, prática comum nos EUA, desde o nome das instituições até prédios e bibliotecas), pode recomendar a abertura de procedimento licitatório (sim, você leu direito - se você quiser doar a uma universidade pública no Brasil pode precisar ENTRAR NUMA LICITAÇÃO).
Não existe cultura de parceria entre a universidade pública e a iniciativa privada. Aliás, a livre empresa e o lucro são demonizados em nossas universidades públicas, principalmente nas Humanidades, mas não somente. Os poucos exemplos de parcerias entre empresas e universidades são apenas no setor privado (a SAP, multinacional alemã no setor de tecnologia, tem uma sede dentro do campus São Leopoldo da Unisinos, uma universidade católica, com investimento de R$ 120 milhões e geração de 700 bons empregos diretos).
O sistema norte-americano, privado até a alma, sem um centavo de dinheiro federal, e que qualquer professor marxista no Brasil (um pleonasmo, eu sei) qualificaria como “cruel” e “desumano”, ajudou a produzir a maior máquina de bem-estar e prosperidade distribuída que a humanidade já viu. É verdade que Harvard sozinha tem quase 4 vezes o orçamento de todas as universidades federais brasileiras, mas Harvard sozinha também produziu 42 ganhadores do Prêmio Nobel, ao passo que nossas universidades federais produziram um total de ZERO laureados. O raciocínio “mais dinheiro = melhor pesquisa” até valeria se as universidades brasileiras houvessem produzido um quarto de ganhadores do Nobel quando comparadas a Harvard, mas, como vimos, não é bem assim que funciona. Tem mais coisa aí além de dinheiro. Muito mais coisa.
Resta saber se a afirmação tão falsa e errônea, vinda de um catedrático, é má-fé ou só ignorância. Dada a irrelevância e inutilidade do que se ensina nas nossas universidades hoje, eu sinceramente acredito mais na hipótese de ignorância mesmo.
*Por extremamente valioso, reproduzido do Facebook do autor: https://www.facebook.com/rafaelrosset/posts/10216342176925292
As cidades brasileiras pedem socorro. Enquanto vão morrendo como “locus” da civilização as nossas cidades matam ou mutilam nas mais diversas formas seus cidadãos, ao invés de evoluírem como ferramentas-mestra de promoção da qualidade de vida de seus habitantes. Na contramão do mundo civilizado a ciência do Urbanismo é desprezada bem como seus especialistas e suas normas integrantes dos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano exigidos pela Constituição Federal. Valem nada! Os cidadãos morrem em áreas de risco sob enormes pedras em clara iminência de quedas, em áreas inundáveis indispensáveis aos processos “respiratórios” dos corpos hídricos, em áreas em grande declividade ou outra condição geotécnica imprópria aos parcelamentos, sob barragens instaladas à montante e coladas a núcleos urbanos, ou em rodoanéis traçados desconsiderando seus possíveis impactos sobre a cidade circundada, casos configuradores de um quadro urbanístico trágico que infelizmente que só tende a piorar.
Como entidade que congrega os profissionais da arquitetura e do urbanismo com competência técnica e legal exclusiva na área do urbanismo no país, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), tanto em nível nacional como em nível das unidades federativas, tem entre suas preocupações principais a busca de maior eficiência e eficácia nas ações orientativas, punitivas e de fomento às boas práticas inovadoras em sua área de atuação conforme determina sua lei de criação. Nesse sentido mantem constante discussão sobre as diversas áreas da profissão e, diante do quadro urbano dramático vivido no país, muito em especial sobre as dificuldades enfrentadas pelo urbanismo em busca de sua afirmação como instrumento de ordenamento das cidades brasileiras e de melhoria na vida de seus habitantes.
Nesta semana o CAU/BR promove em Brasília o II Encontro Nacional das Comissões Especiais de Planejamento Urbano e Ambiental (CEPUAs) com extensa pauta de trabalho, onde o CAU/MT apresentará através de sua CEPUA propostas específicas de intervenção nesse quadro grave em que vive as cidades brasileiras, propostas desenvolvidas e aperfeiçoadas ao menos desde 2017 quando da realização do I Seminário Nacional de Política Urbana e Ambiental também realizada em Brasília. O objetivo destas propostas é resgatar para o urbanismo o protagonismo que lhe compete nas ações referentes ao desenvolvimento urbano no Brasil pois, apesar de se fazer presente em grande parte dos processos de planejamento das cidades brasileiras, é inegável que de um modo geral tem sido negligenciado durante a aplicação daquilo que planeja e regulamenta, bem como durante as apurações de responsabilidades sobre as sucessivas tragédias decorrentes dessa situação.
Trata-se de duas proposições. A primeira, trata de uma proposta de deliberação ao CAU/BR no sentido de que os CAU/UFs através de suas CEPUAs se apresentem de imediato nos locais de novas tragédias de caráter urbanístico (indesejáveis, mas, infelizmente muito prováveis), providenciando laudos próprios sobre suas causas e com indicação ao Ministério Público dos possíveis responsáveis. A outra é a proposta de uma lei de responsabilidade com a qual possam ser punidos os prefeitos em cujas administrações sejam descumpridas a legislação urbana repassando ao sucessor a cidade com indicadores básicos piores do que os recebidos. A ideia é que a punição implique na reprovação das contas públicas do mandatário e na sua consequente inelegibilidade. A ideia é que a categoria dos arquitetos e urbanistas não espere mais ser chamada, mas se antecipe assumindo sua grande e intransferível responsabilidade social.
*O autor é arquiteto e urbanista, conselheiro do CAU/MT, acadêmico da AAU/MT e professor universitário aposentado.
Nota do editor: O autor publicou este artigo em setembro de 2012 . Ele ajuda a compreender o quanto os governos petistas, cujos líderes agora reaparecem apresentando como "solução" a manutenção das mesmas práticas que produziram o desastre brasileiro. Para que ninguém esqueça, foi da reiteração disso que escapamos em 2018.
Há cerca de uma década vimos, quase solitariamente, apontando mazelas e descrevendo o país do futuro. Ceteris paribus, sem futuro aparente. Para ter um futuro será necessário mudar tudo. Da maneira como vamos, não haverá recursos para nada em 2020. Isso, claro, sob a descrença de todos que nos lêem e ouvem. Somos realistas, e a realidade está ai, à frente de todos, para quem quiser entendê-la, tarefa difícil no Brasil atual.
Temos ouvido que o país já tirou milhões de pessoas da pobreza encaixando-as na classe média. Que mais gente está comendo, e melhor. Está consumindo e o mercado consumidor é cada vez maior. Que mais gente está estudando, com milhões a mais nas universidades. Que o país está crescendo muito. Que nós é que não estamos vendo o que está acontecendo. Pois é. O que é a cegueira que interessa.
O problema é que tudo isso é falso, uma fantasia criada para iludir os incautos. Todos estão sendo iludidos e fica tudo por isso mesmo. Enxerga-se a árvore em detrimento da floresta. Podemos dizer que estão vigiando determinadas árvores, e estas não estão sendo mortas. Enquanto isso, a floresta está em pleno desmatamento. É esta exatamente a situação que estamos vivendo, senão vejamos.
Para começar, o país considera, através da SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência (da República), classe média quem tem renda familiar per capita entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00 mensais. E esse contingente social é 54% da população, o maior do país. Se R$ 291,00 é valor para classe média, e uma família de quatro pessoas está nessa categoria tendo uma renda familiar de R$ 1.164,00 estamos mais em pânico do que nunca.
Obviamente, não há como uma família de quatro pessoas, com essa renda, menos de dois salários mínimos, ter casa, carro, estudar, se vestir bem, ter um convênio médico decente, etc. E, sem isso, não há como se falar em classe média, mesmo que baixa. Uma renda per capita de apenas um salário mínimo já não poderia, em nossa modesta opinião, ser considerada classe média num país com o nível de vida dos mais caros do planeta. Tudo nos EUA, por exemplo, custa bem menos que aqui, e lá a renda per capita é cinco vezes maior que a nossa.
As pessoas estão comendo e consumindo um pouco mais porque o país está lhes dando dinheiro a fundo perdido, via bolsa-esmola. Sem que façam algo pelo país. Enquanto isso, nossa infraestrutura com portos, rodovias, ferrovias, etc., está destroçada. Nossa matriz de transporte é a pior do mundo. Todo este contingente poderia ser alocado para construir portos, rodovias, ferrovias, etc. E ganhando e consumindo mais, e com dignidade.
Nós investimos 0,49% do PIB – produto interno bruto em infra-estrutura. A China e a Rússia 5%. A Índia 4%. Acreditamos que todos ficariam mais felizes, e bem melhores financeira e economicamente, trabalhando pelo país. Bastaria haver investimento na área. Melhorando a infraestrutura, ficaríamos mais competitivos e o emprego e consumo seriam ainda maiores. E levando benefícios à importante atividade de comércio exterior, em que não somos quase ninguém, com 1,3% do comércio mundial.
Estamos colocando mais gente nas universidades, mas sabemos a que preço. Com bom contingente sem a devida preparação básica para isso, já que o ensino fundamental é péssimo. Assim, o nível vai diminuindo, enquanto a quantidade de universitários e formados vai aumentando. Melhora a estatística e piora a cultura e educação.
No início do 2º semestre de 2012, duas matérias do jornal Folha de São Paulo tinham como título “Brasil: Rico ao investir, pobre ao educar” e “Entre os universitários, 38% não sabem ler e escrever plenamente”. Nossos empregos não conseguem ser ocupados adequadamente. O que vai levando o país cada vez mais para o buraco 2020. Em olimpíada internacional em 2011, ficamos, em leitura, matemática e ciências, nas 53ª, 57ª e 53ª posições. A China, considerando Xangai, na 1ª posição em todas. A Coréia, que estava em situação pior que a do Brasil nos anos 70, está na 2ª posição em tudo.
O funcionalismo público aumentou significativamente nos 10 anos passados. E seus aumentos salariais foram bem maiores que os da sociedade “comum”, inflando mais ainda os gastos públicos.
Os desvios financeiros são recordes na história do país. E isso não tem como ser contestado. Sendo comprovado pela carga tributária, a mais elevada do mundo. Está, por ora, em 37% do PIB, e sem quase retorno. Era 13% em 1948 e 22% em 1989. E cresce todos os anos, retirando da população renda disponível, que deveria ir para o consumo. E não adianta querer citar alguns países europeus com carga tributária absoluta maior que a nossa. Lá retorna, o que a alivia e a torna menor. A nossa é a maior do mundo em termos relativos. E até absolutos, se tivermos que dar ao governo o suficiente para nos proporcionar, pelo menos, saúde, educação e segurança que não nos são dados com os impostos pagos. Nesse caso, em nossa opinião, ela está por volta de 45/50%, maior do mundo também em termos absolutos.
Para compararmos apenas com alguns países, nos EUA ela é de 24%, no Japão 28%, no Chile 18%, na Coréia 26%, na Suíça 30%, no Canadá 31% segundo a OCDE/IBPT 2009. E eles vivem bem com essas cargas tributárias.
Em face da nossa enorme, impagável e crescente dívida interna, que em abril/12 chegou a 2,7 trilhões de reais, pagamos em 2011 a bagatela de R$ 237 bilhões em juros em face da mais alta taxa de juros no mundo. E ela era de 89 bilhões em 1994, 1,1 trilhão em 2002 e 2,4 trilhões em 2010. E poderá ser, pelo andar da carruagem, ceteris paribus, entre 4 e 5 trilhões em 2020, praticamente um PIB – produto interno bruto.
Assim, só para ficarmos por aqui, em 2020 não haverá dinheiro para a bolsa-esmola, aposentadorias, juros e principal da dívida, para o funcionalismo, etc. A menos que a carga tributária continue crescendo para o nível de uns 50/60/70% ou mais. Assim, deixando nada para o consumo e crescimento da economia. Ou seja, o caos absoluto.
E tudo que está aqui não é fantasia, mas realidade, e está disponível a todos. E o que está por vir pode ser um futuro negro. Ou grafite, ceteris paribus.
* Jornal Diário do Comércio de 06/09/2012
Madrugada calada.
Noite abraçada pelo cansaço.
Todos dormindo.
Ou melhor, quase todos.
O silêncio gritava um diapasão no ouvido estafado.
O ronco acordava o mais despreocupado.
O bebê declarava o amor sob prantos.
A mãe trabalhava o peito, declarando seu amor,
Ansiosa por negar o despeito da vizinha sonolenta.
Rabugenta.
Amargurada e esquecida da própria infância.
Mal-agradecida pela maternidade que jamais conhecera.
A vida era comum.
Estranhamente comum.
Seguia em calmaria inocente ou indolente.
Mas seguia.
Dia após dia, sob espaço calmo.
Obscuramente calmo.
Cada qual ao seu amparo,
Garantindo, assim, o silêncio pacífico na "Vila Andrada".
Vila feliz,
Onde tudo acontecia, e nada se falava.
De repente, um único estalo.
Todos acordados, movidos pela curiosidade.
Tontos, e ainda embaçados em suas vistas,
Abrem as portas de suas casas, avistando a cena do crime - Dona Maria, da casa seis, deitada sobre bloquetes.
Fazia-lhe companhia um rastro de sangue cru, e uma arma ainda quente.
A visão feriu mortalmente os corações dos moradores.
A histeria começou a reinar sobre a Vila.
Todos indignados pela morte da professora que havia ensinado gerações, e ainda ensinaria outras.
Um choro copioso e inconsolado,
Vertia sobre o corpo enrugado da velha tia.
Velha conhecida como "A professorinha da Vila Andrada".
Quem teria tamanha coragem e sandice?
Tirar a vida de uma senhorinha...
A quem sobrou sangue frio para esfriar o corpo da cansada tia?
Logo a professorinha!
A revolta contagia...
E sem esperar o raiar do dia,
Os moradores da Vila,
Pródigos em histeria,
Iniciaram a celebração póstuma da velha tia.
Coitada da tia!
Honrada por cartazes feitos com cauteloso carinho.
Com amor incomum, e inigualável esmero,
Escreviam palavras impregnadas de ódio, dor e amor.
Na última homenagem à tia da Vila:
"Quem matô minha tia?"
"Mecheu com a Tia, mecheu com todos!"
"Tiramão da minha Tia"
"Matarão minha profeçora"
"O que vai ser da minha educassão!"
"Quem trazerá educassão pra Vila?"
"Sauve a Tia da Vila!"
Placas e palavras ornavam o caixão da velha tia.
Se vida tivesse, estaria a tia orgulhosa de seus frutos?
A pergunta ecoou em ouvidos mais atentos.
O mais inquieto era aquele que mostrava maior intimidade com o cadáver.
Seu Freire - entre lágrimas de lamentos e consolo de viúvos - expressava sua gratidão.
E sentia...
Mediunicamente, ouvia a voz da velha amiga que ali jazia.
- Freire, Freire!
- Meu amigo. Não procure assassino algum.
- Suicidei-me!
- Não aguentava mais os frutos de uma vida inteira.
- Se queres saber o motivo de minha ida, leia atentamente os cartazes, e veja com seus próprios olhos tudo que fiz, e a vergonha que me tomou.
- Suicidei-me!
- E após tantas palavras escritas, irei descansar.
- Deixe-me ir!
A revelação pesou sobre Freire que, fingindo passamento menor, curou-se com água e açúcar.
Logo Freire recobrou o juízo, tratando de acalmar os espíritos doloridos.
Pranteou, como poucos, o luto da Tia da "Vila Andrada".
E comemorou, com todos, a chegada da nova Professora da Vila.
Uma jovem bonita e vistosa.
Substituta da velha tia,
Em todos os termos.
Em novos tempos.
Parecia sobremaneira inteligente.
Apta ao lugar.
De pronto abusaram, ambos, da "empatia".
Freire e a "nova" professorinha tornaram-se íntimos.
Ímpios parceiros intelectuais,
Cúmplices gramaticais,
Párocos da letargia.
E a Tia?
Todos passam.
Ela passou.
A vida retomou seu curso...
Os moradores seguiram passivos.
Freire, como bom e velho amigo, aconselhava a todos.
A nova professorinha, escutava.
E a "Vila Andrada" seguia moribunda.
Rota e analfabeta.
Burra.
Porém, "feliz".
Harley Wanzeller. 16.05.2019
Ela é como o arbusto que, à fúria da ventania, verga mas não cai, não se quebra, e quando a calma retorna, ergue-se com todo viço.
Porque o padrasto não deixa, ela não mora com a mãe, que não tem energia. O pai, meio hippie, trabalha só de vez em quando e é mais imaturo que a filha. Resta-lhe viver com os avós, que são muito pobres, doentes e atrapalhados. Porém, apesar de tanto desmantelo e de andar quase sempre mal alimentada, Carol encara a vida com entusiasmo: é alegre, delicada, positiva e aplicada aos estudos. E conseguiu terminar o ensino médio aos 17 anos.
Há pessoas que, em vez de acumular amargura, adoçam a alma com o sofrimento. Carol é dessa têmpera. De incoercível bondade, olhar doce, alegria serena, ela é de um tipo raro de ser humano que acredita existir amanhã.
Fez contagem regressiva para o dia da formatura, a singela solenidade de entrega do certificado de conclusão do ensino médio, que haveria de orgulhar seus pais. Ia ser em 2017! Mas... A pobre Carol é da Escola Estadual Tereza Francescucci, em Canoas, RS. E, como em todos os anos, em 2017 houve greve do magistério estadual. Foram mais de três meses sem aula, minguando o sonho da menina.
O vestido comprado com sacrifício, o salão de festa contratado coletivamente por garotas pobres como ela, o passeio que o grupo de colegas faria para selar a amizade antes da natural diáspora de fim de curso, além doutros eventos juvenis para marcar o último ano de escola, foi tudo arruinado. Não teve solenidade. Formatura não houve.
Como sempre, os grevistas prometeram recuperar aulas perdidas. E como sempre... Mais de três meses de greve viraram um mês de recuperação - terminando em janeiro, com dois feriados pelo meio. E, no lugar de dar aula, houve docentes que só "passaram trabalhinhos".
Desde 1979 até hoje não houve ano sem greve dos professores. Nos governos petistas foi só um jogo de cena. Com alunos sem aula, claro. Já nos outros governos... São 38 anos consecutivos de grevismo, um genocídio cultural, condenando o futuro de várias gerações de gaúchos.
Carol está magoada. É natural. Percebe que o ensino médio foi-lhe sofrível. Diz que os professores tomaram os alunos por bobos, quando falaram que o governador estava pagando só R$ 300 por mês. Sabia que isso era só uma parcela, não o salário todo - o que é ruim, mas não é culpa dela. E critica os professores que faziam propaganda do PT em sala de aula. Humilde, ouvia tudo calada. Ela não quer saber de ideologia. A seu modo, define o jogo do poder como egoísta. Diz não entender de política. Acha que não é hora de se ocupar dessas coisas. Carol deseja formar-se para trabalhar. Acha que, terminando os estudos, supera a pobreza. Carol só quer mudar de vida. Só isso - coisa simples que o sindicato dos professores despreza.
Post scriptum:
Crônica escrita há um ano, mas vale a releitura, porque os professores gaúchos seguem mentindo e enganando.
* Renato Sant’Ana é Advogado e Psicólogo
** Publicado originalmente em https://blogdopolibiobraga.blogspot.com/2019/05/artigo-renato-santana-menina-de-canoas.html
TSUNAMI
Depois que o TSUNAMI ( palavra de origem japonesa, onde -tsu- significa "porto", e -nami- "onda", portanto "onda de porto") atingiu vários países do Oceano Índico, provocando a morte de mais de 170.000 pessoas só na Indonésia, a maioria na província de Aceh, cada vez que estamos diante de algo arrasador virou praxe utilizar o termo para definir o tamanho do estrago.
APÓS DERROTAS
Como foi amplamente noticiado, após se manifestar sobre as derrotas que sofreu:
1- na discussão da REFORMA ADMINISTRATIVA no Congresso;
2- da contestação quanto ao DECRETO DAS ARMAS; e,
3- através das críticas quanto ao CONTIGENCIAMENTO DE GASTOS COM AS UNIVERSIDADES;
o presidente Jair Bolsonaro previu um TSUNAMI para esta semana.
DESCUIDO ELEITORAL
Dito e feito. Ontem, 3ª feira, 14, o mundo todo viu e ouviu o governo admitir que as propostas que levaram a maioria do povo brasileiro a eleger Jair Bolsonaro não agradam a maioria dos ocupantes do Poder Legislativo. Uma prova de que ao mesmo tempo em que teve cuidado para eleger Bolsonaro, não teve o mesmo cuidado na escolha da maioria dos deputados.
ONDAS ENORMES E CRESCENTES
Se o TSUNAMI POLÍTICO já vinha dando sinais de que promete muita destruição e pouca construção, o TSUNAMI ECONÔMICO não deixa dúvida. As ONDAS ENORMES E CRESCENTES do DÉFICIT FISCAL aí estão para comprovar seus TERRÍVEIS E ARRASADORES EFEITOS. Um verdadeiro e triste DESASTRE, diga-se de passagem.
INEVITÁVEL CAPOTAMENTO
O que mais chama a atenção é que, da mesma maneira em que não existe uma viva alma que desconheça o tamanho da ENCRENCA FISCAL que levou o nosso país literalmente à lona, não são poucos aqueles que, sabendo que o VEÍCULO BRASIL está com os freios totalmente avariados, se colocam nas curvas que beiram o GRANDE E PROFUNDO ABISMO para se deliciar com as cenas do INEVITÁVEL CAPOTAMENTO.
PEDIDOS DE SOCORRO
Este, infelizmente, é o quadro da nossa crítica situação. O carro está desgovernado, as contas públicas arrasadas, o futuro comprometido e mesmo assim grande parte dos nossos maus deputados não manifesta a mínima vontade e/ou pressa para evitar a TRAGÉDIA ANUNCIADA. Mais: faz de conta que não ouve os estridentes gritos de insistentes pedidos de SOCORRO. Pode?