• J.R. Guzzo
  • 17 Outubro 2019

 

Nota do Editor: este artigo, estampado em verdade e fatos, é o que derrubou  da Veja o melhor colunista do Brasil. Ele o disponibilizou em sua página no Facebook.

 

Um dos grandes amigos do Brasil e dos brasileiros de hoje é o calendário. Só ele, e mais nenhum outro instrumento à disposição da República, pode resolver um problema que jamais deveria ter se transformado em problema, pois sua função é justamente resolver problemas — o Supremo Tribunal Federal. O STF deu um cavalo de pau nos seus deveres e, com isso, conseguiu promover a si próprio à condição de calamidade pública, como essas que são trazidas por enchentes, vendavais ou terremotos de primeira linha. Aberrações malignas da natureza, como todo mundo sabe, podem ser resolvidas pela ação do Corpo de Bombeiros e demais serviços de salvamento. Mas o STF é outro bicho. Ali a chuva não para de cair, o vento não para de soprar e a terra não para de tremer — não enquanto os indivíduos que fabricam essas desgraças continuarem em ação. Eles são os onze ministros que formam a nossa “corte suprema”, e não podem ser demitidos nunca de seus cargos, nem que matem, fritem e comam a própria mãe no plenário. Só há uma maneira da população se livrar legalmente deles: esperar que completem 75 anos de idade. Aí, em compensação, não podem ser salvos nem por seus próprios decretos. Têm de ir embora, no ato, e não podem voltar nunca mais. Glória a Deus.

Demora? Demora, sem dúvida, e muita coisa realmente ruim pode acontecer enquanto o tempo não passa, mas há duas considerações básicas a se fazer antes de abandonar a alma ao desespero a cada vez que se reúne a apavorante “Segunda Turma” do STF — o símbolo, hoje, da maioria de ministros que transformou o Supremo, possivelmente, no pior tribunal superior em funcionamento em todo o mundo civilizado e em toda a nossa história. A primeira consideração é que não se pode eliminar o STF sem um golpe de Estado, e isso não é uma opção válida dos pontos de vista político, moral ou prático. A segunda é que o calendário não para. Anda na base das 24 horas a cada dia e dos 365 dias a cada ano, é verdade, mas não há força neste mundo capaz de impedir que ele continue a andar. Levará embora para sempre, um dia, Gilmar Mendes, Antônio Toffoli, Ricardo Lewandowski. Antes deles, já em novembro do ano que vem e em julho de 2021, irão para casa Celso Mello e Marco Aurélio — será a maior contribuição que terão dado ao país desde sua entrada no serviço público, como acontecerá no caso dos colegas citados acima. E assim, um por um, todos irão embora — os bons, os ruins e os horríveis.

Faz diferença, é claro. Só os dois que irão para a rua a curto prazo já ajudam a mudar o equilíbrio aritmético entre o pouco de bom e o muitíssimo de ruim que existe hoje no tribunal. Como é praticamente impossível que sejam nomeados dois ministros piores do que eles, o resultado é uma soma no polo positivo e uma subtração no polo negativo — o que vai acabar influindo na formação da maioria nas votações em plenário e nas “turmas”. Com mais algum tempo, em maio de 2023, o Brasil se livra de Lewandowski. A menos que o presidente da época seja Lula, ou coisa parecida, o ministro a ser nomeado para seu lugar tende a ser o seu exato contrário — e o STF, enfim, estará com uma cara bem diferente da que tem hoje. O fato, em suma, é que o calendário não perdoa. O ministro Gilmar Mendes pode, por exemplo, proibir que o filho do presidente da República seja investigado criminalmente, ou que provas ilegais, obtidas através da prática de crime, sejam válidas numa corte de justiça. Mas não pode obrigar ninguém a fazer aniversário por ele. Gilmar e os seus colegas podem rasgar a Constituição todos os dias, mas não podem fugir da velhice.

O Brasil que vem aí à frente, por esse único fato, será um país melhor. Se você tem menos de 25 ou 30 anos de idade, pode ter certeza de que vai viver numa sociedade com outro conceito do que é justiça. Não estará sujeito, como acontece hoje, à ditadura de um STF que inventa leis, censura órgãos de imprensa e assina despachos em favor de seus próprios membros. Se tiver mais do que isso, ainda pode pegar um bom período longe do pesadelo de insegurança, desordem e injustiça que existe hoje. Só não há jeito, mesmo, para quem já está na sala de espera da vida, aguardando a chamada para o último voo. Para estes, paciência. (Poderiam contar, no papel, com o Senado — o único instrumento capaz de encurtar a espera, já que só ele tem o poder de decretar o impeachment de ministros do STF. Mas isso não vai acontecer nunca; o Senado brasileiro é algo geneticamente programado para fazer o mal). Para a maioria, a vitória virá com a passagem do tempo.

 

*Publicado originalmente no Facebook do admirável autor.

Continue lendo
  • Harley Wanzeller
  • 16 Outubro 2019

É isso mesmo que você leu. Há quem pense que você, leitor, valha menos (e bem menos) que um cachorro.

Já adianto aos apressados portadores de retóricas fofas e politicamente corretas que a opinião que ora emito não atravessa a importância que se deve dar ao animal - um bem jurídico importante e, por isso mesmo, tutelado individual e coletivamente pelo direito.

A vida animal é corretamente tutelada, e deve ser preservada. Mas será que o mesmo ocorre com a vida humana?

Pois bem.

Na semana que passou, uma manifestação estarreceu muita gente que insiste em manter a sanidade nesse país de delírios diários. Em um documento oficial submetido ao Parlamento brasileiro, uma Procuradora Federal destacada (pasmem) para atuar na área de direitos dos cidadãos, defendeu uma tese que pode ser resumida na seguinte conclusão: "E, se o uso da força legítima é monopólio do Estado, certamente, por razões lógicas, a "autodefesa" não pode ser um direito."

É isso mesmo que você leu. Um ser humano que, diferentemente de um animal, é sujeito de direitos e obrigações, não teria direito à autodefesa legítima diante de uma agressão atual ou iminente, segundo a tese.

Claro que essa assertiva desconsidera totalmente a inteligência do art. 25 do Código Penal. Mas a antijuridicidade da tese "lacradora" não se resume ao enfrentamento legal, e sim a negativa da própria natureza humana que, nos anos 40, jamais seria questionada por pessoas ditas sãs.

A autodefesa não só encerra um direito fundamental como é, de fato, um direito natural. Quero dizer com isso que o direito à autodefesa e autopreservação é inerente à própria natureza animal, da qual o ser humano não pode ser dissociado.

Somos sim animais e políticos, segundo a própria filosofia aristotélica. E negar as nuances naturais que formam um animal seria o mesmo que negar a essência da natureza humana.

Portanto, valores como liberdade, igualdade, busca da felicidade, e muitos outros caros para a política jamais deveriam ser dissociados da essência natural identificada em um ser humano, individual e coletivamente considerado.

Trocando em miúdos, e para ser mais direto ao caro leitor, posso afirmar que negar o instinto de autopreservação e o direito de autodefesa ao ser humano significa, invariavelmente, retirar de todos nós a própria natureza humana.

Para exemplificar, compare a tese em análise com a simples experiência de retirar a tigela de ração de um cachorro enquanto se alimenta. O animal reagirá, em medida suficiente, para afastar o perigo atual e iminente que o cerca, protegendo sua comida. Portanto, na hipótese, negar o instinto de autodefesa seria acreditar piamente que o cão, diante dessa ameaça, não defenderia a sua existência.

O que nos difere do animal irracional, neste aspecto? Será que diante de uma agressão atual ou iminente, não poderá um ser humano valer-se daquilo que é intrínseco a sua natureza, defendendo, por exemplo, a própria vida, a vida de um filho, de um pai, ou mesmo de outro ser humano injustamente ameaçado?

Temos, sim, a atividade intelectual como outro fator inerente a nossa natureza. E por isso mesmo não somos, como os animais, bens jurídicos. Somos diversos. Somos todos seres que, pelo exercício da razão, ostentamos a condição de sujeitos de direitos e deveres. Assim, em nosso caso, tanto o agressor quanto o agredido devem responder, automaticamente, por seus atos diante das obrigações e direitos que lhes são acessíveis pelo exercício da razão.

Não seria demais afirmar, então, que retirar do ser humano o direito de autodefesa legítima significa não só negar-lhe os instintos de autopreservação, como retirar-lhe a condição racional que permite, a cada um de nós, avaliar os atos que devem ser executados para autopreservação, e responder pelas naturais consequências.

Assim, um ser humano vítima de qualquer atentado que ponha em risco sua incolumidade seria despido de defender-se. Conceberíamos, pela absurda proposição, que até mesmo a um bezerro amarrado no ato do sacrifício seria garantido o instinto natural de debater-se em clara reação ao mal iminente.

Mas ao ser humano, não.

Que morra sem ao menos reclamar, e que não cometa a "insanidade" de tentar preservar sua própria vida.

Não me valho da condição de magistrado ou escritor para comentar esta tese. De forma alguma. Que esta reflexão seja tida como um verdadeiro ato de legítima defesa de um ser humano, em franca preservação de sua própria natureza humana.

Por certo, a tese que falha ao deixar de apresentar qualquer lógica jurídica e revela-se pródiga ao lançar elemento claramente ideológico sobre o direito, ao que parece, não extingue ainda um direito que penso ter: o direito de pensar.
 

*Harley Wanzeller é magistrado federal trabalhista, escritor, e membro do Movimento de Combate à Impunidade. (11.10.2019)
  **Publicado originalmente no Estadão.

Continue lendo
  • Roberto Veloso
  • 16 Outubro 2019


 

Quando se vai assistir a uma partida de futebol da série A do campeonato brasileiro, a grande estrela é o VAR. Uma sala equipada com monitores de televisão por todos os lados, onde árbitros da CBF averiguam a legalidade e normalidade dos lances e dos gols.

Os comentaristas estão em estado de irritação e aborrecimento, porque gritam gol e depois de alguns minutos, com o árbitro postando a mão no ouvido, o lance é anulado e a torcida do time beneficiado pelo VAR vibra como se o tento tivesse sido marcado em seu favor. Jogadas dentro da área são revistas e pênaltis marcados de faltas passadas desapercebidas pela arbitragem.

Depois da entrada em vigor da Lei 13.869/2019 em janeiro de 2020, a legalidade das decisões e sentenças dos juízes ficarão aguardando a avaliação de um VAR simbólico representado pelas partes e pelo ministério público, para saber se o magistrado decretou a prisão ou condenou para prejudicar alguém, beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

A lei não pretende punir a exceção, que realmente pode acontecer. A exemplo de um juiz por ter tido o seu veículo avariado por outro em um acidente de trânsito sem vítimas, manda prender o motorista do carro causador da batida. Isso é um abuso de autoridade e deve ser punido.

No entanto, a lei aprovada não deseja punir a exceção, mas a regra. A atividade cotidiana de todo juiz criminal é analisar prisões em flagrante realizadas pela Polícia e decretar prisões requeridas. Assim, todas as decisões ficarão à mercê de uma revisão pelas partes para saber se estão enquadradas ou não na Lei 13.869/2019. A exemplo das realizadas no campeonato brasileiro pelo VAR.

Quando o Tribunal de Apelação conceder o Habeas Corpus declarando que a prisão decretada pelo juiz não se justifica, então não há mais o que discutir, o juiz cometeu abuso de autoridade. É essa circunstância que está a angustiar a magistratura criminal brasileira.

Fico a me lembrar de um colega magistrado que condenou uma quadrilha de assaltantes de banco, com inúmeros latrocínios (homicídios para roubar) praticados. Perguntado pela reportagem qual o sentimento dele naquele momento em que o bando estava preso e condenado, respondeu que estava pessoalmente satisfeito.

Se fosse agora, incidiria nas penas do art. 9°, da Lei 13.869/2019 (Lei do Abuso de Autoridade), por estar satisfeito pessoalmente com a prisão e condenação dos acusados. O magistrado cumpridor do seu dever poderia ser condenado a uma pena semelhante a quem pratica o crime de furto, apropriação indébita e receptação.

Imagino a situação das magistradas e magistrados encarregados de processar e julgar os crimes de violência contra a mulher. Justamente no momento em que mais se precisa de medidas fortes e rápidas para coibir o aumento de feminicídios. Um tipo de crime que é praticado, na maioria dos casos, sem testemunhas. É querer um juiz Super-Homem ou uma juíza Mulher-Maravilha para decretar a prisão de um feminicida correndo o risco de responder a um processo criminal.

Por essa e outras razões, há a necessidade de o Supremo Tribunal Federal se manifestar sobre o alcance da lei aprovada. Pela reação ocorrida até o momento, com inúmeras decisões determinando a soltura de presos e não concedendo prisões provisórias, existe o risco de colapsar a Justiça criminal de 1° grau, justamente a responsável pela prestação jurisdicional de primeira hora no caso de crimes. É hora de pensar qual o Judiciário se deseja para o Brasil.

* Roberto Veloso foi presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE

** Publicado originalmente no Diário do Poder
 

Continue lendo
  • Irineu Berestinas
  • 15 Outubro 2019



O mundo está bipolarizado entre dois sistemas de vida. No meio deles, a atravessá-los, a social democracia, distinguida por financiar o estado de bem-estar social, sob os auspícios de elevadíssima carga tributária (Dinamarca, Noruega, Suécia, etc).

  Muito se tem falado nos últimos tempos sobre esquerda e direita. Na maior parte das vezes, os termos são inelegíveis do ponto de vista da cognição. Na verdade, são dois sistemas de vida que estão em aberto confronto. Vamos conhecê-los em linhas gerais nestes comentários. Em um dos lados, está a esquerda, que representa o socialismo (eufemismo) e o comunismo. A origem teórica mais densa desse significado advém dos pensadores prussianos Karl Marx e Friedrich Engels. O arcabouço filosófico desse sistema (filosófico, sim, apesar de os seus autores pretenderem-no científico), é resumido do seguinte modo: a História é movida pela luta de classes: de um lado, os detentores dos meios de produção, de outro, os trabalhadores, expressando, assim, dois polos inseparáveis do caminhar histórico, sintetizados numa unidade dialética (dialética: a realidade se constitui de forças contrárias em constante movimento, guiadas por antagonismo e contradição), cujos períodos históricos são descortinados, degrau a degrau, por sociedades assim desenhadas: comunismo primitivo, escravocrata, feudal, mercantilista, capitalista, socialista (fase transitória) e comunista. Essa é a camisa de força com que Marx e Engels vestiram a História, em verdadeiros Tirésias (personagem da Mitologia Grega) redivivos . Assim, seria descortinada a hegemonia da classe trabalhadora diante do devenir histórico, e a produção seria organizada segundo as necessidades de cada um. A partir da revolução, por ambos os pensadores vislumbrada, o Estado seria transitório e desapareceria, afinal de contas, julgavam-no mesmo o "comitê da burguesia". Tudo isso sob o manto do "determinismo histórico", o que significa dizer: o que ocorreria fatalmente, independente da vontade dos homens.

Nada disso, entretanto, ocorreu em países que levaram adiante a Revolução armada, por meio de ações voluntaristas e em países eminentemente agrários, e não com elevado nível de industrialização, como previra Marx e Engels: Rússia, China, Vietnã, Cuba, Vietnã, são claros exemplos. Nesses países o que ocorreu de fato é que uma elite revolucionária enfeixou o poder em suas mãos, requisitando partidários para levar o processo adiante, a chamada "nomenclatura". O poder nas mãos do proletariado, historicamente, foi Um Sonho de Uma Noite de Verão... como diria Shakespeare.

Sobre o Capitalismo, cujas origens remontam a priscas eras, com o aparecimento do chamado mercado (compradores e vendedores de bens e mercadorias, hoje incluída nessa lista a prestação de serviços, com os preços determinados pela lei da oferta e procura), foi-se consolidando gradativamente: a Carta Magna do Reino Inglês, de 1215, que estabeleceu freios ao absolutismo monárquico, contribuiu para o avanço dos postulados liberais, firmando-se, ainda mais, a partir da célebre e antológica Revolução Gloriosa, ali ocorrida.

É devido dizer que capitalismo não surgiu como consequência de formulações teóricas, malgrado os os sábios escritos de Adam Smith, um escocês nascido no séc. XVIII, autor da clássica obra A Riqueza das Nações. Por seu turno, A Revolução Industrial, ocorrida na Europa e, particularmente, na Inglaterra, nos séculos XVIII e XIX, com a instalação do sistema fabril, em face do surgimento das máquinas de fiação e tecelagem e pela invenção da máquina a vapor, por James Watt, outro escocês iluminado, deu forte dinamismo ao Capitalismo. A par desses fatos, é de ser registrado que a Revolução das 13 Colônias Britânicas na América, ao libertar-se do jugo britânico, impôs o surgimento dos Estados Unidos da América, contribuiu para institucionalizar ainda mais esse sistema de ideias, embasado no liberalismo, nos livres mercados, na imprensa livre, na liberdade de credo, no reconhecido direito de ir e vir, na propriedade privada dos meios de produção e na democracia representativa.

Por outro lado, os regimes comunistas, inspirados nos engenhos de Marx e Engels e, agora, sob aorientação do marxismo cultural da Escola de Frankfurt, de Antonio Gramsci e de György Lukács, cujo objetivo é o de apagar os valores da civilização ocidental, funcionam do seguinte modo: a propriedade privada dos meios de produção é banida; não existem eleições pluripartidárias; o Estado exerce todos os controles sobre os meios de produção (máquinas, terras, indústrias, bens de capital e, por aí afora...); os credos religiosos estão proibidos, em consonância com o diagnóstico de Karl Marx: "a religião é o ópio do povo"; a educação e o sistema médico são estatais; neles, não existe a liberdade de opinião e de expressão. Na verdade, tudo converge para o sistema único. A dissidência, quando existente, é punida severamente, pois o sistema é holístico e não admite contestações que possam colocar em risco a sua sobrevivência. Vide o que está a ocorrer na Venezuela e na Nicarágua, cujos governantes chegaram ao poder pela via eleitoral, com a velada intenção de destruir as instituições democráticas e, em seu lugar, instalar a ditadura do partido único, tudo sob os olhares complacentes e autorizativos do Foro de São Paulo, o projeto das esquerdas do Continente, incluída as do nosso País, para reviver a trajetória da União Soviética, agora nas plagas latino-americanas (reunião de países sob o manto do regime comunista). No Chile, por exemplo, os protestos violentos, a destruição de bens públicos, o total desrespeito à ordem constitucional têm que ser analisados dentro desse contexto, em que a luta de classes está no porão dos acontecimentos. bem como tantos outros que são produzidos em seu laboratório...


 

Continue lendo
  • Gustavo Corção
  • 15 Outubro 2019


Hoje, para variar e para descansar o leitor, vamos falar da lagartixa. Antes disso, devo dizer que, nas meias horas de descanso depois das refeições receitadas pelo Dr. Stans Murad, costumo esticar-me num sofá, perdão, num sofanete, para ser mais exato, e então, sem saber como e quando começou, costumo deixar correr a lembrança dos dias idos e vividos ou das pessoas idas e mortas. Entrego a memória a seus caprichos e ponho-me de camarote a assistir às avessas, e de surpresa, às cenas desse teatro de amadores mal ensaiados que se chama vida. É o meu luxo, é o último regalo que os ferozes deveres de estado me concedem. Desta maneira, misturando à água da memória o vinho da ficção, invento a vida que não tive, viajo, vejo terras e mares que não vi, revivo amores que não vivi

Many and many years ago,
In a kingdom by the sea...


Nem sempre é ameno este exercício. Às vezes, como cobra escondida na moita, salta-me diante dos olhos um quadro vivíssimo que supunha morto ou dormido, ou vara-me o ouvido do coração uma palavra, um timbre, um grito, que me quebra o repouso com uma descarga elétrica de dor. Mas também muitas vezes logro repassar momentos de tão intensa doçura — ora no gosto fresco de um alvorecer, ora na suavidade silenciosa de um entardecer — que me dão esquecimento de todos os azedumes provados... Outras vezes, simplesmente cochilo até que toque um dos sete despertadores dos sete deveres de estado.

Ora, ontem, quando me punha no decúbito dorsal aconselhado pela sábia e amiga solicitude do Dr. Stans Murad, que é meu amigo pessoal, e declarado inimigo pessoal da morte, especialmente da morte súbita (A subitanea et improvisa morte libera nos, Domine), no momento em que me preparava para desatar as amarras da fantasia, vi no teto uma lagartixa a andar desembaraçadamente no seus afazeres de lagartixa, movendo-se ao arrepio das leis da gravitação, mas certamente ao saber de outras leis que desconheço, mas respeito.

Feliz animal! Lá no teto, com a maior naturalidade do mundo, a lagartixa vê tudo de pernas para o ar, vê pesados móveis grudados num teto sem nenhuma lei a favor de tal postura, e vê em decúbito dorsal uma grande pobre lagartixa humana, estendida no sofanete, imóvel, vivendo só pelo ardor dos olhos e pela angústia do semblante. Lacerta agilis, se tivesses nas tuas frias veias uma centelha daquilo que nos faz entender, e principalmente desentender, saberias lá no teu teto que o mundo cá embaixo anda ainda muito mais de pernas para o ar do que te parece. Tua tranqüilidade, ó Lacerta agilis, vem do fato de não seres absurda. És o que és, e moves-te em conformidade com o que és. Nós, não. Nós não sabemos exatamente o que somos, e quando o sabemos é para logo observarmos que certamente, certíssimamente, não vivemos segundo o que verdadeiramente somos.

Vou contar-te um segredo de homem, lagartixa, um segredo pesado. Um segredo triste. Muitos de nós, ó Lacerta, sem tua translúcida inocência, andam no teto deste século, nos seus ires e vires, sem se aperceberem que vivem num mundo de pernas para o ar. Sem sofrerem. Sem quererem trabalhar para viverem segundo o que principalmente são. Não desenvolvo esta parte de minhas meditações porque prometi hoje ao leitor um dia de descanso. E suponho que o leitor me permitiu que hoje só lhe falasse de lagartixa.

Feliz devorador de insetos, não invejo tua tranqüilidade nem tua dieta; mas devo dizer-te, ó animal inocentemente subversivo, que muito menos invejo os meus iguais que andam no teto do século, na cúpula da atualidade, alegres de viverem num mundo de pernas para o ar, e de se nutrirem de insetos. Aqui onde me vês, deitado por obediência, já que hoje nem a fantasia me deixaste, prefiro esta postura, esta consciência afrontada, esta dor: é o nosso quinhão, ó lagartixa.

O mesmo compassivo amigo que me receitou os descansos depois das refeições, por um dos muitos paradoxos da ciência, manda-me andar 2 a 3 quilômetros por dia. O remédio é barato e agradável, só tendo a desvantagem humilhante de estar na moda. Como porém não me apraz andar pelas ruas duma cidade invadida por misteriosos inimigos que vieram não sei de onde, e vão não sei aonde (parece-me que a lugar nenhum) com uma incompreensível velocidade, inventei um estratagema simples que me permite andar os três quilômetros sem o inconveniente de afastar-me demais de meu pequeno mundo. La bête blessée cherche son trou. Tenho ao lado de minha casa uma nesga de terreno com trinta metros de fundo. Indo e vindo cem vezes tenho meus três quilômetros percorridos sem sair de casa. O método parecerá insípido às pessoas que gostem de ver coisas novas, ilhas, cidades, vulcões, ruínas e gostam de correr mundo. Tenho a impressão que este é o parecer de meu cão, um quarto ou dezesseis avos de sangue de perdigueiro. Escolhi a hora matinal, antes da missa, para meu exercício. E o fiel pseudoperdigueiro, quando me vê abrir a porta dos fundos às seis da manhã, com um bengala que para seus cromossomos seria uma espingarda, deve latir consigo mesmo: — Vamos à caça! E põe-se alegremente a andar a meu lado, o que atravanca às vezes os passos mas não deixa de alegrar o exercício.

O que o pobre falso perdigueiro não pode compreender é a minha insólita atitude diante do portão. Em vez de abri-lo, e ganharmos a floresta próxima, eu volto à garagem, marco um ponto, e volto ao portão, para voltar à garagem, e assim por diante até cem. o pobre animal vai e vem, com entusiasmo decrescente. Mantém a fidelidade, uma fidelidade sem alegria, sem sonhos de tiros e perdizes caídas, e já lhe surpreendi mais de um olhar triste que parece falar: — Meu amo enlouqueceu.

E agora, amado leitor, cumprido o descanso sob os olhos da lagartixa, e completada a marcha na companhia do cão, voltemos aos homens, às conferências episcopais, à atividade da Editora Vozes, inimiga de Deus e do homem. Voltemos aos sete deveres de estado que o bom Dr. Stans Murad não vê como um bom regime para um velho baleado.

*Publicado em http://permanencia.org.br/drupal/node/529 e dali gentil e agradecidamente recolhido.
 

Continue lendo
  • Ubiratan Jorge Iorio
  • 15 Outubro 2019



As universidades públicas brasileiras são o caminho certo para transformar o filho que você criou com tanto amor e carinho em um robô, programado para repetir incessantemente, na boca e na prática, todo o repertório socialista-comunista, de que fazem parte a luta de classes, o controle do Estado sobre a vida dele e a sua, o desestímulo ao trabalho e ao mérito, a insuflação ao ódio entre brancos e negros, mulheres e homens e heterossexuais e homossexuais, o horror à iniciativa privada, ao lucro e ao capitalismo, a aversão à religião (especialmente ao Cristianismo), a contestação da instituição da família, o relativismo moral, o descuido com a própria higiene, a imposição de maluquices e depravações como se fossem manifestações realmente artísticas, a tolerância às drogas e aos bandidos e outras coisas do gênero, que são ensinadas como sendo necessárias para a “libertação”, como verdades absolutas e inoculadas em suas cabeças.

Esse triste quadro não acontece por acaso. É, como sabemos, fruto de décadas de um trabalho consistente e rigoroso de aplicação dos métodos frankfurtianos e gramscianos de ocupação de espaços em toda a estrutura do sistema cultural, para fazer a “revolução”. E também não se limita ao ensino superior, porque desde a mais tenra idade as crianças são submetidas à pedagogia freireana dos oprimidos, que não passa de uma forma rebuscada de incutir a praga do comunismo em suas cabeças,de um eufemismo para o mote ‘educar para a revolução’.

Quando pisei pela primeira vez na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nos idos de 1991, para me informar sobre aquele concurso para docente da Faculdade de Ciências Econômicas por meio do qual, três meses depois, ingressei no Departamento de Análise Econômica, fiquei espantado com a quantidade de barraquinhas de partidos políticos, todos de esquerda, localizadas no “queijo”, como é chamado na intimidade dos que conhecem o campus do Maracanã, um pequeno bloco de concreto circular que existe no térreo, perto do acesso aos elevadores. Ali vendiam de tudo, pins, bottons, chaveiros, bonés, bandeiras, camisetas, folhetos, jornais em que se lia fora Collor e outras bugigangas, mas, sobretudo, vendiam as mercadorias ilegais – que não podem ser toleradas, especialmente em uma universidade - da ilusão do paraíso socialista, da quimera da utopia igualitária e da fábula da justiça social, que costumam ser atraentes para muitos jovens bem intencionados.

* Doutor em economia

**Publicado originalmente em https://www.ubirataniorio.org/ (Out.2019)
 

Continue lendo