• Pe. Paulo Ricardo
  • 16 Maio 2020

 

A cultura da morte e seus ataques internos e externos a todos os fundamentos da nossa civilização.

Inicialmente, quando se fala de cultura da morte, a primeira coisa que salta aos olhos de quem se defronta com tal expressão é o debate acerca da legalização do aborto, ou seja, o embate entre aqueles que são favoráveis à vida e aqueles que são favoráveis ao direito de decidir, como costumeiramente é conhecida a opção pelo aborto. A realidade, porém, é muito mais abrangente, pois as ações desencadeadas pela cultura que fomenta a morte não se restringem a este aspecto nefasto de suas atividades. Já há alguns anos, os reais objetivos de tal cultura têm assumido contornos cada vez mais claros diante de nossos olhos, pois parece haver um esforço contínuo para introduzir, de forma às vezes ostensiva às vezes amenizada, uma semente de destruição que acabaria por minar o edifício que sustenta a nossa civilização.

Identificar a cultura da morte com a "indústria" ou esforços para a disseminação do aborto e de todos os métodos contraceptivos não chega a ser um equívoco, mas, não é uma visão completa daquilo que ela verdadeiramente almeja. Quando se quer destruir um edifício para levantar uma nova construção, dois caminhos podem ser tomados: o da explosão, ou seja, algo que venha de fora e acabe por arrasar toda a estrutura existente; ou o da implosão, quando se destrói a construção antiga a partir de dentro, fazendo com que ela mesma venha abaixo porque perdeu a força para se sustentar.

A cultura da morte também age assim. Em alguns momentos parece desferir ataques explosivos, que são externos, ostensivos e bastante claros, pois têm o objetivo de chocar, de desestabilizar para que, por meio do alarde provocado, as situações por ela defendidas ganhem respaldo ou aceitação na sociedade. Tal é a tática que muitas vezes se utiliza para as questões relativas ao aborto, especialmente no que diz respeito a tratá-lo como se fosse simplesmente uma decisão entre ter ou não um filho, como se não houvesse outra realidade a ser implicada nesta situação a não ser o corpo da própria mulher e a decisão de fazer ou não algo com este corpo que lhe pertence, sem levar em consideração, em nenhum momento, a existência de mais uma vida, ainda no ventre materno, que deveria gozar de toda a proteção possível por parte da sociedade.

O outro caminho, não menos danoso, porém muito mais sutil e ardiloso, é o caminho da implosão, que consiste num ataque contínuo, sistemático, lento e progressivo contra tudo aquilo que se constituiu num alicerce para a nossa sociedade. Alvo deste movimento implosivo são os três pilares da civilização ocidental: a filosofia grega, o direito romano e a moral judaico-cristã. No prefácio do livro O Calvário e a Missa, o venerável Fulton J. Sheen salienta que a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo foi erigida num ponto de convergência, numa encruzilhada entre estas três grandes civilizações, para que seu gesto redentor estendesse a universalidade da Redenção também sobre essas esferas da sociedade.

Hoje, o alvo da cultura da morte é a tentativa de implodir, a partir de dentro, a estrutura que sustenta a sociedade humana, baseada nestes três alicerces: filosofia, direito e moral. A filosofia se torna cada vez mais instrumentalizada, como se fosse uma justificativa para determinados comportamentos ao invés de se constituir numa autêntica busca pela verdade, lançando suas artimanhas também numa nova abordagem do processo educacional, que não seria nada mais do que mera propaganda ideológica, esquecendo-se completamente de seu objetivo de ser um caminho para se alcançar a sabedoria; o direito, por meio da negação da existência de um direito natural e na sua utilização para legitimar novos comportamentos e criminalizar a oposição aos mesmos; a moral que, ao sofrer toda espécie de crítica e de racionalização, é substituída por um novo padrão no qual a família e toda a sociedade são vistas de uma maneira totalmente nova, numa inversão de valores e desprezo pelas instituições tradicionais.

A cultura da morte, a partir destas poucas constatações, não se refere simplesmente ao direito ou não ao aborto ou à militância para que o mesmo se constitua num direito. Ela tem um objetivo muito maior. Quer colocar abaixo toda a estrutura que sustenta a nossa civilização e não deixará de empreender esforços para destruir a filosofia, o direito e a moral, para então levantar o seu novo edifício, uma nova sociedade, verdadeira quimera que é uma prefiguração dos piores pesadelos que um homem poderia imaginar. O abraço a que ela convida o homem não é apenas dirigido a um aspecto de sua vida, isto é, a seu pensamento, seu comportamento, ou às relações que estabelece na sociedade e, principalmente, na família. A cultura da morte quer, na realidade, abraçar o homem todo, em todas as suas dimensões, e não somente a um indivíduo, mas a todos os homens.

Pe. Paulo Ricardo, em 22/04/2015

*Publicado originalmente em https://padrepauloricardo.org/blog/o-abraco-da-morte-a-nossa-sociedade
 

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  • Antônio Augusto Mayer dos Santos
  • 15 Maio 2020

 

  No último final da semana, em Brasília, aconteceu mais uma carreata alvejando o Supremo Tribunal Federal. A terceira em duas semanas. Esse conjunto de carros identificados com bandeiras e pessoas verbalizando palavras de ordem, se submetido à ótica jurídica, vai revelar a ocorrência de um acontecimento dotado de inquestionável magnitude. Na prática, os enfileiramentos de carros que vêm acontecendo dão visibilidade ao exercício de duas das mais importantes liberdades públicas asseguradas pela Constituição Federal: a liberdade de expressão e a liberdade de reunião.

  Embora um congressista tenha tentado barrar o seu acontecimento, esta manifestação outrora inimaginável contra o STF e seus ministros se desenvolveu de forma ordeira, na exata definição que a Carta Magna dispõe: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização”, conforme o inciso XVI do seu artigo 5º.

 Reunidos a partir das redes sociais, os partícipes dão voz a milhões de outros brasileiros que não digerem mais, por exemplo, que o STF, um empregador obeso, disponha no seu quadro funcional, de 24 juízes convocados distribuídos entre 10 gabinetes, 798 funcionários em comissão ou funções de confiança, 340 estagiários (270 de nível superior e 70 de nível médio), 197 recepcionistas, 46 servidores sem vínculo efetivo, 65 servidores “cedidos a outros órgãos” (especialmente ao STJ, TSE, CNJ, Senado Federal e Câmara dos Deputados, entre outros) e 10 servidores “em outros órgãos”. Em verdade, os integrantes das carreatas dão sonoridade ao coro crescente de cidadãos que não toleram mais o excesso de individualismos onde cada ministro é um STF em si. Ou que alguns ministros contrariem a jurisprudência do próprio tribunal tornando-a sinuosa e insegura.

 Isso, porém, não é o ponto central da ira. A maior inconformidade é aquela que diz respeito ao excesso de interferência do tribunal nos demais Poderes, sobretudo no Executivo. Segundo uma pesquisa nacional do instituto Paraná Pesquisas divulgada em maio de 2020 pelo site Diário do Poder, para 39% dos brasileiros, o STF “interfere muito” nas prerrogativas presidenciais. Neste sentido, chama a atenção o fato de que em relação ao período antes mencionado, foram concedidas 14 medidas liminares contra atos privativos do Poder Executivo Federal somente em 2020, o equivalente a 55% a mais que em 2019.

 A reação social, cada vez mais eloquente e ruidosa, faz todo o sentido. Afinal, o Supremo jamais foi tão proeminente quanto hoje. Arvorou-se o papel de entidade. Tornou-se um fim em si mesmo. Porém, isso não significa um STF vigoroso. Pelo contrário. É um STF invasivo, propenso a confrontos externos e internos e que ultimamente não permite os conflitos esfriarem. Um ator político que se vale da prerrogativa da “última palavra” para vulnerar as prerrogativas dos demais Poderes. Um tribunal que vai fazendo o que bem entende através de protagonistas que não hesitam adjetivar pessoas e acontecimentos fora dos autos. Um pretório onde alguns ministros atuam em prol da consolidação de seus poderes individuais ao invés da soberania do plenário.

  Consolidado, esse desapontamento crescente e ininterrupto que o STF vem irradiando desbordou as fronteiras da comunidade jurídica e comprometeu a sua credibilidade. Ao menos por ora. A sociedade, diversas instituições e entidades públicas ou privadas, meios de comunicação e integrantes de carreiras públicas passaram a nutrir um misto de decepção e desconfiança pelo órgão de cúpula do Judiciário brasileiro.

As carreatas são críticas diretas protagonizadas por contribuintes fartos de intermináveis e supremos conflitos.

*Antônio Augusto Mayer dos Santos - Advogado, Professor de Direito Eleitoral e Escritor.

 

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  • Alex Pipkin, PhD
  • 14 Maio 2020

 

Que o novo coronavírus é real eu não tenho nenhuma dúvida.

O surto viral matou muita gente em regiões na China, na Itália, nos Estados Unidos e em uma série de outros países, incluindo algumas regiões no Brasil.

Claramente, por interesses e posições abissalmente distintas, há uma enorme controvérsia, não somente em relação ao enfrentamento do Covid-19, como quanto ao número de mortes causados pela doença.

O que eu tenho gigantescas dúvidas, é factualmente, quanto às respostas e às iniciativas de ataque ao vírus, em especial no Brasil.

Interessante notar que as autoridades estatais - governadores e prefeitos - e toda uma legião de adeptos do "fiquem em casa", têm aludido a "ciência" como justificativa do isolamento social drástico no país.

Como não sou médico, aqui já começam minhas desconfianças...

Que ciência é essa, que em se tratando de uma doença nova, em que inexistem estudos científicos conclusivos e aceitos por toda a comunidade médica e de saúde pública, pode estabelecer e definir "medidas certeiras" sobre a forma de seu enfrentamento?

Que ciência é essa, visto que já estou literalmente cansado e angustiado de ler e ouvir relatos, inferências e entendimentos completamente distintos dentro da própria comunidade médica e de saúde pública?

O que eu possa realizar pragmaticamente, é que o número de casos e de mortes, encontra-se muito aquém das previsões alarmistas e sensacionalistas de alguns "especialistas" - médicos infectologistas e de outras áreas, biólogos, políticos, jornalistas, etc. - que se baseiam em estudos e em modelos estatísticos construídos para realidades diferentes, com suas respectivas idiossincrasias, demografias, climas, e com outras variáveis naturalmente aleatórias. Definitivamente, modelos que podem embasar decisões, penso eu, considerando-se igualmente características peculiares em nível econômico e social. Nesse sentido, o Brasil é bem diferente...

Além disso, chegam a ser tragicômicas as previsões do tal "achatamento de curvas e de picos", com estimativas que têm sido completamente desencontradas!

Afora regiões do norte e do nordeste brasileiro - e mesmo assim de forma controversa - as estruturas de saúde não colapsaram totalmente, e/ou faltam equipamentos em geral por atos de corrupção, que motivaram a construção de estádios, ao invés de hospitais. Ou mesmo por mais corrupção e incompetência, estimulando burocratas estatais a comprarem respiradores superfaturados, e o que é pior, que não funcionam!

Claro que o Covid-19 é real e grave, com alto poder contaminador, porém com relativamente baixo poder letal. O vírus tem se mostrado mortal, principalmente entre aqueles grupos caracterizados como de risco, ou seja, os idosos, pessoas a partir dos 60 anos e, em grande parte, vítimas de outras comorbidades. Evidente que já morreram outras pessoas fora dos grupos de risco, como normalmente falecem em razão de outros problemas de saúde, desde que o mundo é mundo.
No entanto, o que também é novo na história da humanidade, é a forma do enfrentamento da doença!

A vida humana - social, econômica e de saúde - parece estar sendo administrada por profissionais médicos e de saúde pública que, primeiramente divergem das ações corretivas, e segundo e mais fundamental, desconhecem a dinâmica do mundo econômico real! Nunca antes visto na realidade a economia paralisou como agora.

Eu não tenho nenhuma brecha de dúvida de que a destruição da economia brasileira, no curto, no médio e no longo prazos, causará muitos mais mortes do que aquelas que ocorrerão em função do vírus.

O desemprego em massa, as doenças psicossomáticas e a própria aniquilação da estrutura de saúde pública e de assistência social nacional, levarão muitos brasileiros a óbito.

O verdadeiro vírus político, interesseiro e nefasto, conjugado com o populismo de governadores e de prefeitos, temerosos em reativarem a economia e serem eventualmente taxados de insensíveis à vida (saúde) humana, esse sim é "inovador", motivando atitudes e ações nocivas e que não trazem as melhores consequências para o todo da população brasileira.

Respostas ilusórias e enganosas a crise viral, tem inclusive demostrado algo ainda mais letal e destruidor.

A luta pelo poder tem servido de pretexto para ações autoritárias que, de fato, estão começando a comer pelas beiradas, na direção inimaginável da destruição total das liberdades e dos direitos civis dos brasileiros. Sabemos em que ações deste tipo podem resultar! Surreal!

Bem, não bastasse isso, essa irracionalidade alijada de dados e fatos verdadeiros, não parece ter nem só vontade política, como tristemente, data para acabar...

Temo e tenho afirmado que o remédio terá um gosto amargo, muito pior do que a doença! Em breve o veremos.

 

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  • Gilberto Simões Pires, em Ponto Crítico
  • 13 Maio 2020

 

Em 13/05/2020

VIDEOCONFERÊNCIA COM PAULO GUEDES

No último sábado, 9/5, assisti a videoconferência promovida pelo Itaú BBA, na qual o ministro Paulo Guedes fez uma análise da situação atual da nossa economia, mostrando que a PORTA DE SAÍDA desta fantástica crise está na OFERTA DE CONCESSÕES DE INFRAESTRUTURA, notadamente nos setores: SANEAMENTO BÁSICO, ELÉTRICO E PETRÓLEO.

INFRAESTRUTURA

Vejam que no editorial de 22 de abril (18 dias antes), com o título -A INFRAESTRUTURA COMO INSTRUMENTO DE RECONSTRUÇÃO- manifestei, -ipsis literis- tudo aquilo que no sábado passado o ministro Paulo Guedes manifestou, de forma pública, direta e carregada de convicção.

CONCESSÕES PÚBLICAS

No meu editorial do dia 22/4 está registrado o seguinte: - Diante da clara e inegável situação de que enquanto o PODER DE COMPRA e de CRÉDITO dos brasileiros não forem recuperados, grande parte dos produtos e serviços normalmente CONSUMIDOS vão passar por uma DEMANDA REDUZIDA. Assim, o momento é pra lá de propício para que o governo deflagre, via CONTRATOS DE CONCESSÕES, de um megaprograma de OBRAS DE INFRAESTRUTURA.

GOVERNO COMO FACILITADOR

No mesmo editorial aponto a proposta que defendo: TODAS as OBRAS devem ser realizadas com RECURSOS PRIVADOS, via CONCESSÕES, PERMISSÕES e PPPs. Ou seja, o governo não entra como ATOR na tarefa da CONSTRUÇÃO DE OBRAS DE INFRAESTRUTURA, apenas como FACILITADOR. Quem entra como FISCALIZADOR do que estará posto nos EDITAIS são as AGÊNCIAS REGULADORAS.

MARCO REGULATÓRIO

A considerar que nunca se falou tanto em SAÚDE PÚBLICA e, pasmem, mais de 100 milhões de brasileiros (50% da população) não têm acesso ao necessário SANEAMENTO BÁSICO, nada melhor do que começar pelo que mais falta no Brasil.

Isto, para desespero geral, ainda depende da boa vontade dos senadores, pois o MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO está pronto para ser votado no Senado. desde 2017. Pode?

SANEAMENTO, ELÉTRICO E PETRÓLEO

A rigor, o governo está esperando (sabe-se lá até quando) que Congresso Nacional se digne a votar não apenas o MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO como também outros dois de extrema importância: o MARCO REGULATÓRIO DO SETOR ELÉTRICO; e o MARCO REGULATÓRIO DO PETRÓLEO (que só existe para partilha e não para concessão).

SENADORES EXTENUADOS

Pois, o que mais me chamou a atenção é que nenhum dos interlocutores perguntou ao ministro Guedes como estão as negociações e/ou tratativas para fazer com que os -extenuados- senadores se dignem a APROVAR estas três medidas que, repito, são -FICHA 1- naquilo que pode, efetivamente, impulsionar a quase parada economia brasileira.

Detalhe frustrante: a videoconferência foi encerrada e sigo sem saber se a PANDEMIA será capaz de fazer com que os nossos senadores se preocupem com a SAÚDE BÁSICA. Espero que alguém tenha a resposta... 

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  • Valdemar Munaro
  • 13 Maio 2020

 

Mais um ator idoso antecipou a própria morte. Chamava-se Flavio Migliaccio. Foi bom ator, por sinal. A velhice para muitos se tornou maldita. Até Lima Duarte mimou a morte do colega e exaltou sua coragem de matar-se. Esses homens são semelhantes à Tamargueira, uma planta do deserto, que muitas vezes é exuberante por fora e oca por dentro.

O velho Platão na sua República já dizia que a boa velhice depende muito mais da vida que se viveu do que daquilo que se faz dela no presente. Ou seja, é o modo como vivemos a nossa vida inteira até hoje o que torna a velhice bela e feliz. Não o contrário. A velhice, por sua vez, revela perfeitamente de que 'material' é feito o ser humano: contingência, fragilidade, 'argila quebrável', pequenez, corruptibilidade e mortalidade. Quem não levar a sério essa verdade, irá amaldiçoar a decadência física e a idade avançada.

O escritor latino, Cícero, ao falar da velhice, recomendava o suicídio quando alguém ficasse cego, surdo e incapaz de tudo. Muitos artistas se assemelham aos revolucionários: têm pressa de justiça, de purificação, de limpeza, de libertação. Como alguns discípulos de Jesus, anseiam por arrancar o joio antes do tempo e da colheita, ação que não nos cabe enquanto humanos. Todos os revolucionários são apressados e agressivos. Quando não acantonam ou não matam os outros, acantonam-se e matam-se a si mesmos.

Revolucionários não amam, só lutam. Querem antecipar o paraíso, quase sempre pela força, e, embora não se tenham dado a si mesmos e nem dado aos outros a própria vida, creem-se no direito de tirá-la. O suicídio é uma agressão não apenas a si, mas também aos outros. Os mortais que antecipam a própria morte não suportam a vida como ela nos foi dada nem como ela é.

Flávio Migliaccio, Lima Duarte e tutti quanti, artistas famosos e/ou de sucesso, tiveram seu tempo de glória, seus aplausos, sua fama, seu dinheiro.... Não era isso que desejavam quando entraram para o mundo do teatro e do cinema? O que mais queriam além daquele horizonte? Talvez pensassem em poder permanecer sempre na mesma glória, no mesmo lugar, sempre jovens, energéticos, ovacionados, admirados? Tiveram o que desejaram. O que mais almejavam?

A bem da verdade, foram pessoas que olharam muito o próprio umbigo, amaram o próprio ego, o seu mundo particular. No fundo não amaram outrem além de si, foram só amados. O Flávio pede para os que lerem a sua carta de despedida para que cuidem das crianças: de quais crianças ele está se referindo? Das do mundo inteiro? Das do Brasil? Das favelas? Para quem ele dirigiu essa súplica? Para os próprios familiares? Para os governantes? Para o papa? Para os irresponsáveis que geraram filhos e os abandonaram? E o Flávio, durante a vida, cuidou de alguma criança? Quais e quantas? Onde? Não sabemos. O que sei é que há muitíssimos pais que cuidam muito de suas crianças. Mas há os que vivem da lei: 'o prazer é meu, o filho é teu'. Quem são os que não cuidam dos seus rebentos? Artistas que falam assim, genericamente, são exuberantes por fora, mas são ocos por dentro, não vivem em amores reais, mas abstratos, vazios. Acusam uma sociedade sem cabeça e sem mãos.

O suicídio é um soco de ingratidão no rosto da vida de quem o desfere e que lhe proporcionou oportunidades. Porque não têm a honestidade de dizer para si mesmos que viveram uma vida de merda, que só pensaram em si mesmos, muitos desses velhinhos são verdadeiros chorões mimados.

Lima Duarte imputa ao 1964 e aos anos adjacentes suas infelicidades pelos 90 anos vividos. Também Jean Jacques Rousseau (nascido em 1712), o pai do romanticismo ocidental e inspirador da Revolução Francesa, já no limite de sua existência, teve atitude parecida: atribuiu a desgraça e infelicidade da sua própria e idosa vida à sociedade elitista francesa (na qual viveu e da qual tirou proveito) que não o valorizava suficientemente. Para esse tipo de ego não há amor que baste. Conseguiram ser o que são com a ajuda dos outros, mas sempre será pouco o que se faz e o que se fez por eles. Querem conferir esse clássico lamento rousseauniano? Basta lermos as primeiras páginas de seu último escrito póstumo: "Devaneios de um caminhante solitário". Até quando esse choro e esse lamento de muitos artistas e intelectuais vai durar? Tiveram o sucesso que queriam. Receberam o carinho e a atenção de milhares de pessoas, muitas delas totalmente desafortunadas, em situação muito pior que a deles e, no entanto, estão apegados a alguns furúnculos e agruras do passado. Sofrem ressentidos as dificuldades frequentes que todos os humanos comuns também padecem.

Os humanos 'normais' seguem em frente e não tem a chance de se lamentar porque normalmente não chegam nem sequer aos 80. Vivem, como afirma o estudioso canadense, Nortrop Frey, "uma vida irônica", uma 'narrativa imitativa baixa'. Sobrevivem sem nenhum amparo, exceto suas próprias forças e sua fé. O que mais esses artistas querem além do que queriam? Querem ser carregados no colo para que não sejam sujados e machucados seus pés? O que eles nos ensinam com suas lamúrias de terceira idade? Nada ou quase nada. Conseguiram quase tudo o que artistas de nosso país poderiam ter conseguido e mesmo assim resmungam. É o reflexo de uma vida interior oca, sem esperança, sem gratidão. São vítimas do seu próprio niilismo e ressentimento.

Alguns internautas choram e se comovem de pena ao vê-los assim decaídos, mas tais artistas são, na verdade, crianças mimadas: acham-se grandes nas coisas que lhes afaga o ego e pequenos nas coisas em que a grandeza da própria responsabilidade lhes exigiria honestidade nas lágrimas. Como perguntava Dante: 'Tu, quando choras, de que coisa choras'? Tuas lágrimas são lágrimas de um puro injustiçado? Ou, porventura, também praticaste injustiças? Sempre tiveste o pão sobre a mesa, o aplauso dos palcos, o carinho do público. Quem estaria machucando a tua velhice? A Rede Globo? O governo? Ora, ora, sr... Lima Duarte! Onde estão as amizades que construíste, os amores que viveste, os afetos que alimentaste, as relações profundas que porventura estabeleceste? Ou não construíste nada de espiritual e humano ao teu redor? Se tens amigos e pessoas que te amam, por que choras? Por que te lamentas se tiveste uma existência privilegiada? Quem está ferindo tua dignidade 'excelente'? Por que tua vida tão famosa e tão bonita se tornou uma bosta? E por que teus 90 anos têm mais valor e importância que a de outros milhares de idosos desse país? É ainda sintomático que ao final do vídeo que gravou homenageando o colega de teatro agora morto, Lima Duarte cita uma frase de Bertold Brecht, o intelectual servidor e defensor de Stalin que, embora nascido próximo a Munique, viveu convenientemente grande parte da sua vida na Alemanha Oriental, pois lá obtinha dinheiro e benesses infames que lhe chegavam dos saques perpetrados pelos regimes totalitários impostos pela União Soviética.

Brecht foi um intelectual que vendeu sua alma ao partido comunista soviético a quem serviu ignominiosamente durante seus últimos 30 anos. Mesmo sabendo de todos os crimes cometidos por aquele ditador assassino, Brecht permaneceu um homem fiel a ele, numa cômoda zona intelectual e psicológica fria e cruel. Por causa disso, nenhuma obra de teatro de Brecht deveria ser encenada. O historiador Paul Johnson o chamou de intelectual 'coração de gelo'. Com efeito, a frase usada por Lima Duarte cabe bem, portanto, à própria autobiografia de quem a escreveu: 'mãos lavadas no sangue'. Sangue de quem? Não o próprio, mas o sangue dos outros, evidentemente. Sem o sacrifício de muitos, Brecht não teria sido Brecht. Sem o apoio de todo aparato sanguinário comunista soviético, Brecht teria sido um zé ninguém. Foi apoiando o sangue derramado dos outros que Brecht viveu sua hipocrisia e sua vida de benesses. Até com a sua própria mãe, Brecht foi um ingrato e um cruel: depois do enterro levou amigos até sua casa para 'encher a cara' desprezando o sentimento dos demais irmãos. Ingratidão é um grande verme que medra a alma de muitos artistas e políticos, mas, sobremaneira, de revolucionários. Creem-se poderosos e semideuses, quando não o são. O homem não é Deus e a velhice e a morte juntas são a sua melhor fotografia.

Nossa sorte é que a morte nos atingirá a todos indistintamente. Por isso não é preciso morrer antes do tempo porque em hora incerta ela virá com certeza absoluta. É só viver bem e esperar. Morrer de velhice foi a mais bela invenção que a vida nos deu. Só Deus poderia tê-la criado.
Santa Maria, maio de 2020.

*O autor é professor de Filosofia na UFN em Santa Maria/RS
 

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  • Don Ramon Angel Jara
  • 10 Maio 2020

 

Uma simples mulher existe que, pela imensidão de seu amor, tem um pouco de Deus;

e pela constância de sua dedicação, tem muito de anjo; que, sendo moça pensa como uma anciã e, sendo velha , age com as forças todas da juventude;

quando ignorante, melhor que qualquer sábio desvenda os segredos da vida e, quando sábia, assume a simplicidade das crianças;

pobre, sabe enriquecer-se com a felicidade dos que ama, e, rica, empobrecer-se para que seu coração não sangre ferido pelos ingratos;

forte, entretanto estremece ao choro de uma criancinha, e, fraca, entretanto se alteia com a bravura dos leões;

viva, não lhe sabemos dar valor porque à sua sombra todas as dores se apagam, e, morta tudo o que somos e tudo o que temos daríamos para vê-la de novo, e dela receber um aperto de seus braços, uma palavra de seus lábios.

Não exijam de mim que diga o nome desta mulher se não quiserem que ensope de lágrimas este álbum: porque eu a vi passar no meu caminho.

Quando crescerem seus filhos, leiam para eles esta página: eles lhes cobrirão de beijos a fronte; e dirão que um pobre viandante, em troca da suntuosa hospedagem recebida, aqui deixou para todos o retrato de sua própria Mãe.

(Tradução de Guilherme de Almeida)

* Bispo de La Serena e de Ancud, Chile (1852 – 1917)

 

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