... pastoreado por lobos...
Adriano Marreiros
Imagine there’s no coutries (ainda John Lennon e seu hino globalista)
Não lembro exatamente qual era o assunto, mas lembro claramente da primeira vez que tive contato claro com o globalismo: após algo ser dito por uma colega, eu falei – Mas isso viola a Soberania do país!!! – recebendo logo a resposta que hoje sei ser globalista: “o conceito de soberania mudou, não é mais absoluto”...
Tive que rir. Nunca ouvira nada mais cínico na vida. Uma soberania não absoluta é uma autonomia, não é uma soberania. Sempre foi essa a diferenciação. Pode parecer um mero jogo de palavras, mas o jogo é com sua Liberdade, sua propriedade, suas tradições, com o poder do seu voto, aquele que emana do povo e só deveria ser exercido em seu nome.
Mas aí, comecei a ver que em copas do mundo, jogadores se negavam a cantar seus hinos; em outros esportes, se ajoelhavam em desrespeito, tudo com grande apoio da imprensa, e dos modinhas de sempre até chegar ao ponto em que existem propostas reais de alterar o hino da França, do Rio Grande do Sul e já mudaram o do Canadá, tudo por razões que apenas parecem estúpidas mas que são um método para destruir a herança histórica, as identidades regionais nacionais e acabar com o próprio conceito de nação e de tradição.
Depois comecei a ver gente defendendo que as decisões, até do Supremo Tribunal Federal, poderiam ser revistas por tribunais internacionais, globalistas, como se realmente não houvesse soberania.
Vi mais... Vi gente dizendo que, para sair de tratados que violavam nossa soberania, teríamos que fazer todo um procedimento e só depois de um prazo poderíamos descumpri-los... Lamento dizer: ISSO É UMA GRANDE BESTEIRA!!! Isso mesmo! BESTEIRA! Soberania é fundamento de nosso país como consta da Constituição, e, como tal, é cláusula pétrea e completamente indisponível para quem quer que seja. Se um presidente assina um tratado que viola nossa soberania, nos coloca sob jugo estrangeiro ou internacional, isso equivale àquele seu despachante, que recebe uma procuração com poderes especiais estritamente para fazer a transferência de um carro para o seu nome, e resolve transferir, com essa procuração, a sua casa para o nome dele. Pode assinar tudo, negociar tudo, mas o que ele fez não vale nada. Não valendo, pouco importa maioria simples, absoluta, de 3/5, tratar sobre direitos humanos ou sobre alta gastronomia compulsória: mesmo o Congresso Nacional aprovando, continua não valendo nada.
Ah, mas se o próprio Supremo disser que vale sim, é ele que dá a última palavra. Bem, estou falando de Direito, mas já que você tocou nisso, não posso criticar esse argumento, há “perigo à espreita na mata tão voraz”, encerro por aqui, enquanto não me sai da cabeça um trecho da mesma canção militar:
A nossa luta pela força do Direito
Com o direito da força em validade.
(Da Canção do CIGS, de Newton Aguiar)
P.S. #TodasAsVidasImportamDesdeAConcepção
P.S. 2. Quando escrevo globalismo ou globalista, o Word sublinha em vermelho como se fosse palavra errada ou inexistente...
Crux Sacra Sit Mihi Lux / Non Draco Sit Mihi Dux
Vade Retro Satana / Nunquam Suade Mihi Vana
Sunt Mala Quae Libas / Ipse Venena Bibas
(Oração de São Bento cuja proteção eu suplico)
* Adriano Alves-Marreiros é Cronista, pessimista, Mestre em Direito, membro do MCI e MP Pró-Sociedade e autor da obra Hierarquia e Disciplina são Garantias Constitucionais, da Editora E.D.A.
** Publicado originalmente no Tribuna Diária.
https://www.tribunadiaria.com.br/ler-coluna/711/sobre-um-unico-rebanho-mundial.html
Leandro G.M. Govinda
Em decisão polêmica, uma juíza de Goiânia determinou a soltura de uma advogada que estava presa preventivamente por suspeita de envolvimento com uma organização criminosa. De acordo com a decisão, a detenta era vegana e supostamente não estava recebendo alimentação adequada no presídio, razão pela qual a juíza substituiu a prisão por medidas cautelares diversas.
Antes de mais nada, cumpre notar que as decisões judiciais, como qualquer ato público, estão sujeitas ao escrutínio popular, afinal o poder exercido por magistrados, como os demais poderes estatais, emana do povo. Os processos judiciais são, em regra, públicos justamente para permitir que o cidadão possa acompanhar o trabalho do Poder Judiciário. Agora, esse direito à critica não se confunde com ataques pessoais e ameaças dirigidas a quem que proferiu a decisão, o que é inadmissível em uma sociedade livre.
Sobre a decisão propriamente dita, de fato, não foi acertada. Aparentemente, a juíza entendeu que a advogada presa, por ser vegana, necessitava de um cardápio especial. Não há dúvidas de que o Estado deve prestar assistência às pessoas presas, o que inclui fornecer alimentação suficiente e suprir as suas necessidades pessoais (artigos 10, 12 e 41, I, da Lei de Execução Penal). Isso não significa que o preso tem direito de escolher o que vai comer, afinal o refeitório da prisão não é um restaurante cinco estrelas com serviços à la carte. Perceba-se que a lei empregou a expressão “necessidades” pessoais e não “preferências” pessoais. O dicionário Michaelis ensina que “necessário” é aquilo “impossível de ser dispensado; obrigado a ser cumprido, inevitável”, ou seja, algo imperioso, impositivo. No caso da alimentação, algumas pessoas têm alergia a determinados alimentos, como o glúten. Essas pessoas, quando ingerem esse componente, têm reações que vão desde um desconforto intestinal até vômitos e diarreia, o que certamente pode colocar em risco a sua saúde. Nesse caso, pode-se dizer que é necessário oferecer alimentação sem glúten para um detento com essa condição. Mas repare-se que a pessoa não escolhe ser alérgica ao glúten. Essa alergia é inerente a determinados organismos humanos.
Já ser vegano é uma opção para aqueles que acreditam que a alimentação baseada unicamente em recursos vegetais proporciona mais qualidade de vida, além de não agredir o bem-estar dos animais. Só que essa opção, como tantas outras na vida, é própria das pessoas livres. Os grupos defensores de direitos humanos precisam entender que a pessoa presa não tem apenas a sua liberdade cercada. Enquanto preso, o sujeito sofre restrições de todo tipo e precisa se adaptar. Por exemplo, um cidadão que estava acostumado a dormir em uma cama king, com colchão ortopédico e travesseiros com plumas de ganso certamente terá dificuldades para dormir em uma cama de presídio e, como se sabe, noites mal dormidas podem causar danos à saúde. Igualmente, um praticante assíduo de natação, enquanto estiver preso, não poderá exercitar o seu nado, ainda que natação seja um dos esportes mais benéficos para a saúde humana. Eu mesmo tenho o hábito de tomar todos os dias de manhã um suco composto por cerca de 30 ingredientes, entre frutas, legumes, verduras e sementes. Esse suco custa caro e dá um trabalho danado para preparar (escolher os ingredientes no supermercado, lavá-los cuidadosamente, cortá-los em pequenos pedaços, separá-los em porções, batê-los no liquidificador e depois limpar toda a sujeira na cozinha, sob os olhos vigilantes da minha esposa), mas o médico nutrólogo que consultei garante vida longa e saudável para quem tomar esse suco diariamente. Apesar disso, em uma prisão, dificilmente encontraria um carcereiro disposto a preparar todos os dias esse suco especialmente para mim.
Da mesma forma, um vegano não tem nenhuma legítima expectativa de ser alimentado com um cardápio cuidadosamente balanceado como estava acostumado fora do cárcere. Aliás, causa estranheza um vegano ter dificuldades para se adaptar à dieta na cadeia. Não sei como é o cardápio no sistema prisional em Goiás, mas é improvável que falte alimentos de origem vegetal. No começo da minha carreira como Promotor de Justiça, fiscalizei os presídios na região metropolitana de Florianópolis e nunca ouvi um preso reclamar da falta de arroz, feijão, pão ou batata. Os itens escassos eram carne, frango, peixe e musse de chocolate, mas isso não deveria ser um problema para um vegano. De qualquer maneira, a ausência de um cardápio especial não seria motivo para conceder liberdade ao preso, assim como também não seria lícito soltar um detento porque ele não consegue dormir na prisão ou porque ele não pode praticar o esporte como usualmente fazia fora da cadeia. Se a pessoa quer conservar os seus hábitos, isso é apenas mais um motivo para não cometer nenhum crime, a fim de evitar a clausura, porque, uma vez presa, o cidadão deixa de gozar de certos privilégios próprios das pessoas livres, entre os quais escolher a sua dieta.
A magistrada de Goiânia até poderia estar preocupada com a saúde da detenta. O que talvez lhe passou despercebido é que a deterioração da saúde da advogada presa não foi causada pelo Estado, já que, ao que tudo indica, não havia outros presos em estado famélico nesse estabelecimento prisional. A saúde dessa detenta pode ter se debilitado porque ela se recusou comer o que lhe era servido. Daí a concluir que o Estado deveria satisfazer o exigente paladar da presidiária é um perigoso salto de complacência com pessoas que nem de longe merecem tamanha distinção.
* Artigo enviado ao site pelo autor. Leandro G.M. Govinda é Promotor de Justiça em Santa Catarina e aluno do Mestrado em Direito na Universidade George Washington em Washington D.C. Formou-se em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e especializou-se em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Foi pesquisador do CNPq, Técnico e Auditor-Fiscal da Receita Federal e Procurador da Fazenda Nacional. Ex-Professor da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e da Escola do Ministério Público. Escreveu artigos publicados na Revista Tributária e de Finanças Públicas, na Revista Fórum de Direito Tributário, na Revista dos Tribunais (RTSUL), na Revista Eletrônica “Jus Navigandi” e no portal “Meu Site Jurídico”.
Alex Pipkin, PhD
Talvez por não ser publicitário, normalmente propagadores de cânticos otimistas em relação a vida em sociedade e a cultura, eu tenho sido, para além de pessimista?, temeroso quanto ao nosso futuro.
As razões para o meu “desespero” são para lá de objetivas e verificáveis na realidade prática.
Vivemos na atualidade dois grandes miasmas sociais, culturais, econômicos e políticos.
De um lado, uma mera crença religiosa de um coletivismo contraprodutivo e destruidor, que toda vez que foi tentado, produziu miséria, pobreza, violência e horror.
De outro, uma espécie de existencialismo, que desconsidera o ser pensante, e sobrevaloriza seus sentimentos e a sua vivência interior.
Ambos os miasmas, embora retoricamente nobres, são completamente abstratos e léguas de distância das experiências humanas concretas e objetivas.
O lema-chave nessa sociedade pós-moderna é “viva o amor”; lindo não acham?!
Porém, todos aqueles que pensam de maneira mais pragmática e objetiva, como eu, são taxados de “isentos de amor”, homens e mulheres sem coração...
Os julgamentos baseados em meras crenças, de valor, apoderaram-se da objetividade e da lógica comprovada; vale aquilo que se alinha com as vontades imediatas de sujeitos com transparentes objetivos particulares e de grupos.
Gosto de filosofias poéticas, mas essas não podem e não devem se sobrepor aos fatos e à realidade.
Pois a Covid-19, apesar da luta ideológica patética, dos mais de três patetas, todos ávidos pelo poder, reacendeu com tudo a chama da nefasta crença coletivista, nas instituições e na própria população, trazendo a falácia de que a salvação dos problemas das pessoas deve vir do grande - e ineficiente - Estado.
Esta é, reiteradamente, uma fantasia sedutora que soa como verdade e que nega a realidade dos fatos.
Objetivamente, os incentivos institucionais que precisariam ser invertidos para o estímulo das garantias e das liberdades individuais e econômicas, loucamente serão recrudescidos em prol de políticas públicas coletivistas.
A bagunça cultural, social, econômica e política é gigantesca, justamente porque os seres humanos aparentam ter perdido o vínculo objetivo com as experiências engendradoras que servem para capturar a verdade da realidade, e o resultado é o domínio do pensamento mágico do coletivismo.
Aliado a isso, os ares existencialistas nos tornaram refratários a “moral” - que palavra opressora! -, enclausurando-nos em nossos próprios “eus” e egos delicados, e fazendo-nos perder o mais profundo senso de identidade e nossos vínculos e oportunidades com mundo exterior e a realidade para além de nossas cabeças.
A universidade aqui fez um trabalho brilhante!
Meu Deus, claro que há realidade, verdades e o certo e o errado!
Especialmente os mais jovens, parecem querer habitar a terra de Alice, de fantasias e de guloseimas mil, repletos de direitos, mas despossuídos de responsabilidades.
Eu acredito que os verdadeiros preceitos religiosos (e esses são praticados individualmente) servem de parâmetros morais que nos orientam quanto aos propósitos individuais e coletivos e, assim, sobre nossas responsabilidades, conosco e para com os outros.
Os princípios do individualismo metodológico nada tem a ver com as doenças pós-modernas do egocentrismo e dos distúrbios de personalidade.
Que mundo é esse? E o pior, a tendência é de agravamento deste quadro sombrio.
Nunca se viu tantas pessoas abdicarem das responsabilidades por seus próprios atos.
E a “providência” coletivista tem esse grande mérito. Que horror...
A culpa pelos fracassos individuais nunca é do indivíduo, sempre há o grande ambiente externo e/ou alguns outros para se jogar a responsabilidade, a raiva e a inveja.
Bem, ou os indivíduos em casa, na supervisão das escolas e nos círculos de interação mais próximos, começam a exercer e valorizar os genuínos valores individuais, centrados nas verdades objetivas, nos valores morais e nas responsabilidades pessoais, ou às liberdades individuais e econômicas, e o desenvolvimento econômico, cultural e social irão definitivamente desaparecer, por mais um longo período, do mapa verde-amarelo.
Pessimista, eu? Mas há muita gente que adora o coletivismo e a convivência com zumbis deambulantes.
Gustavo Corção
Só pode ser na casa. Na casa de família. Na casa que se fecha, não para isolar-se da cidade, mas para abrigar da chuva e do vento a boa sementeira da amizade.
Em relação aos muros da casa de família há porém um problema semelhante ao das fronteiras das nações. Há casas patrióticas e casas nacionalistas. Poderíamos também mencionar as casas internacionalistas, onde entra e sai quem quer, onde todo o mundo faz o que lhe passa pela cabeça, e onde, em suma, impera tamanha tolerância que não seria impróprio chamá-las casas de tolerância.
As nacionalistas são aquelas que mais abrigam uma quadrilha do que uma família. Não porque sejam os seus membros ferozmente desunidos; antes porque são unidos ferozmente. Unidos contra as outras casas.
Nesse ambiente, por mais educados que sejam os hábitos, conspira-se contra a cidade. Nesse reduto, nesse covil, em lugar da sementeira cívica, o que se prepara é o favoritismo, o que se manipula é o pistolão. Nessa casa, o de que se cuida é de arranjar empregos e vantagens para todos, desde que um tio ou um cunhado logrem atingir uma altitude de poder que lhes permita a distribuição privada da coisa pública.
É também postulado nosso que uma sociedade é o que são suas famílias. Ora, é inútil disfarçar a situação em que hoje nos encontramos sob esse ponto de vista. De um lado vê-se a vertiginosa decomposição de nossas melhores tradições. As famílias se desmancham. Os casamentos são cada vez mais efêmeros. E as casas funcionam apenas como plataforma de estação, como ponto de baldeação entre as correrias do dia e as correrias da noite.
É de um importância capital a compreensão do estreito nexo entre os sentimentos familiares e os cívicos, e é essa compreensão que falta em todas as teorias, da direita e esquerda, que pretendem resolver o problema da reestruturação da sociedade sem a amizade cívica e portanto sem a casa que é a oficina dessa amizade.
Voltemos a nossa idéia de um mundo humano formado de zonas concêntricas. Em contrações sucessivas chegamos à casa de família que é (ou deve ser) o lugar onde se destila a amizade cívica. O ar da amizade está ali (ou deve estar) em densidade maior e mais alta pressão. Por isso a casa se fecha. Escola, sala de armas onde se exercita a difícil esgrimagem da justiça, a casa tem o recato necessário a esse aprendizado que não deixa de ter o seu ridículo, como todo aprendizado. Lá dentro entre as quatro paredes bem opacas — contra as idéias arquitetônicas do Sr. Niemeyer — a família aprende e exercita, entre as alegrias e aflições, as regras dos atritos humanos.
Há muito esbarro no vaivém apertado da vida familiar, muitos cachações, como dirá Machado de Assis — mas é nesses mesmos choques cotidianos, e eu direi até nesse atrito contínuo, que cada um encontra as mais ricas oportunidades de exercer as virtudes. E quem diz exercer, nessa matéria diz adquirir.
A luta moral tem uma característica que vale a pena encarecer. Enquanto nas lutas físicas, como nas guerras, o vencedor sai mutilado, ferido, exausto, mal se distinguindo do vencido; nas batalhas morais o vencedor sai sempre mais forte do que entrou. Não é troféu, botim, prêmio material o que ai se conquista mas um novo vigor. Nas lutas morais, ao contrário das físicas, quem vai resistindo e vencendo, vai se tornando cada vez mais forte, mais armado, mais ágil, mais pronto. Daí a imensa utilidade desse exercício em ambiente fechado onde são múltiplas as oportunidades de lucro. E daí o terrível inconveniente de se armar a chamada harmonia familiar em termos de evasão.
Os moralistas de convenção referem-se freqüentemente às doçuras da vida familiar e ao suave remanso do lar. É mentira deles. São ufanistas da casa. Mentem como os idólatras da Vitória Régia, ou como locutores de rádio pagos para dizer ao microfone, em sete de setembro, que o país inteiro, de norte a sul, está vibrando de ardor cívico.
É certo que a casa tem doçuras de mel; como é certo que tem agruras de fel. Tem tudo o que é do homem em mais espessa e densa realidade. Às vezes a atmosfera fica tão sufocante, dentro de casa, que a rua se torna um paraíso apetecido. Saímos a respirar um pouco, para gozarmos o descanso das multidões indiferentes, da humanidade neutra, dos vultos que não nos cobram nada, dos rostos que não nos dizem respeito. E às vezes tem-se a impressão de uma irreparável destruição, de uma incompatibilidade sem remédio. Parece inútil lutar, tempo perdido insistir. É esses pensamentos uma vez que se instalem, vão corroendo em nós aquelas mesmas reservas em que deveríamos buscar a recuperação.
A fragilidade do matrimônio decorre de uma desmedida exigência de felicidade, ou melhor, da aplicação dessa exigência a uma coisa que não suporta tal pressão. Há um insolência nossa nessa impaciente cobrança de ventura, e há sobretudo um equívoco, porque pretendemos tirar da casa, do matrimônio, do amor humano, um infinito rendimento, quando é finita e sempre muito exígua a nossa própria contribuição. Depositamos com mesquinharia e queremos juros generosos, infinitamente generosos. E no desejo desse absurdo balanço nós somos injustos com o próximo, e injustos com Deus. Realmente, por mais esquisito que isto pareça, se alguém imagina que a sua noiva, e mais tarde a esposa, lhe possa dar plena felicidade, não terá direito de queixar-se nos dias de decepções, porque foi ele, inicialmente, o primeiro culpado de injustiça.
Só se restabelece o equilíbrio desse problema em que se põe num dos termos um desejo aberto para o infinito, quando no outro termo se coloca a lembrança muito consciente, muito reverente, do depósito de sangue infinitamente precioso que um Outro colocou à nossa disposição, e quando, conseqüentemente, para esse Outro orientamos todos os nossos anseios de felicidade perfeita.
Mas voltemos ao nosso ponto de partida, à casa, à casa fechada para o exercício da amizade. Disse que a casa é um segredo. De fato o é. Ou deve ser. Deve ser uma interioridade. Uma intimidade. Uma intimidade de afeições e uma intimidade de aflições. Um mundo de recato. Uma história escondida. Mas dentro desse segredo que abriga uma família há um outro segredo que se esconde da família. Naquela gruta de pedra há uma concha fechada e dentro dessa concha um segredo maior, escondido na intimidade e no segredo da casa. Os esposos se escondem. Escondem-se da casa, dentro da casa. Fecham-se dentro do que já é fechado. Abrigam-se no interior do que já é abrigado. E assim é que, nesse último reduto, nesse último porto, nesse abrigo, nessa concha, preparam não só o amor e a justiça, mas também o fruto dessa justiça e desse amor.
Vejam, vejam senhores como o mundo do homem é feito de sucessivas e concêntricas fronteiras que vão, desde aquelas que vemos no mapa com rios e cordilheiras, até a porta fechada da câmara conjugal. Mas agora apreciam o reverso do fenômeno: cada uma dessas muralhas é sucessivamente superada, como barragem de açude que se quer cheio para que transborde em serviço. O dinamismo das fronteiras está voltado para fora. E agora, vejam, vejam nessa nova direção como se expande o mundo do homem.
De fato, se é verdade que os esposos se escondem, em compensação não há nada menos escondido do que o fruto do seu segredo e não há nada mais apregoado, mais publicado do que a criança que nasce. Toca cem vezes o telefone, esse pequeno sino familiar do natal dos homens. É menino ou menina? Expedem-se cartões. Abrem-se janelas. Como se chama? Quanto pesa? Com quem se parece? As vizinhas comentam; as criadas, esquecidas de tudo, enternecem-se, e varrem melhor, lavam melhor, como se o filho, sendo da casa, fosse como pouco delas também; e as tias e as avós emitem vaticínios, ou confirmam profecias de que aliás ninguém mais se recorda.
O segredo tornou-se público. A porta misteriosa foi arrombada por um ladrão recém-nascido. E o aroma de alfazema que sai pelas frestas da casa, que se dilui no ar, no ar da rua, da paróquia, da cidade, já é a primeira suave emanação da amizade cívica, o oxigênio das almas.
A casa nesse dia deu o seu fruto. Fez a sua entrega.
Nasceu hoje uma criança. Nem é preciso telefonar para saber que naquela casa nasceu hoje uma criança. Vê-se de longe. Quem estiver acaso à janela pelas cercanias logo verá que alguma coisa aconteceu naquela casa, naquele navio ancorado: porque no seu exíguo convés, em sinal de festa, tremula uma carreira de fraldas ao vento — bandeiras brancas de júbilo e de paz.
*Publicado originalmente em O Globo, 03/01/1976 (houve um tempo em que artigos assim tinham espaços em O Globo...).
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Desde que o homem descobriu a possibilidade de viver em sociedade, percebeu que se via obrigatoriamente diante de um dilema: usando a metáfora de Homero, deveria oscilar entre o Scyllas do isolamento, que lhe garantia liberdade total, embora incompatível com a divisão do trabalho e, por isso, limitador do progresso, e o Caribdes da vida em grupo, que lhe restringia a liberdade, mas gerava incontestáveis benefícios, proporcionais à sua capacidade e determinação. A fórmula encontrada para conciliar o dilema foi criar uma espécie de acordo ou consenso comunitário, que implicasse cessão de parte da sua liberdade, em troca de garantias aos direitos individuais básicos, para que os mais fortes, inteligentes, capazes e perspicazes não dominassem os mais fracos, néscios, incapazes e broncos, o que resultaria na concentração do poder em mãos de poucos.
Esta é, em síntese, a origem do Estado e de seu braço executivo, o governo: com a finalidade de evitar que alguém, ou que algum grupo, se transformasse em opressor dos demais, a sociedade passa a aceitar a existência de um ente teoricamente neutro, equidistante e preocupado em zelar pelos interesses de todos, pelo bem comum dos cidadãos. Belas palavras, sem dúvida, e muitas pessoas acham muito bonito descrever esse acordo tácito como contrato social. Porém, se você se der ao trabalho de pesquisar na internet em todos os cartórios, duvido que encontre esse documento escrito, com assinaturas e firmas reconhecidas.
Conquanto a maneira de conciliar o dilema referido sempre tenha existido, a hipertrofia que o Estado experimentou, especialmente a partir do século XX, fez com que ele, que nascera para prevenir um mal - o da concentração de poder nas mãos de meia dúzia de indivíduos - acabasse produzindo outro, maior, o da concentração de poder - político, econômico e cultural -, em suas próprias mãos. Liberais clássicos e minarquistas não advogam que o Estado não deve ser “forte”, mas, para isso, paradoxalmente, a extensão de seus poderes deve ser severamente limitada, uma vez que seu ethos não pode ser separado da defesa da liberdade individual responsável como um bem natural e ligado ao supremo direito à vida, o que nos conduz à defesa do papel que a lei deve desempenhar para garantir a liberdade e os direitos de todos. A essência da visão hayekiana do Estado é que ele deve ser contido, tanto quanto possível, limitando-se à manutenção de instituições (como o Judiciário, por exemplo) e as regras que regem sua administração devem ser estabelecidas como normas gerais de justa conduta. Quando os comandos ou ordens prevalecem sobre a lei negativa – a common law -, os cidadãos tornam-se servos do Estado e caem no que ele chamou de caminho da servidão.
Tendo essa necessidade de comedimento do poder em mente, é importante refletirmos sobre cinco pontos a respeito da natureza do Estado:
(1º) a tese de que "o governo somos nós”, em decorrência do poder do nosso voto, na prática, é questionável e na verdade contém um forte laivo retórico.
(2º) o Estado não é uma associação voluntária, como um clube ou um sindicato, mas uma organização que procura manter o monopólio do uso da força em uma determinada área territorial.
(3º) tampouco é verdadeira a noção, algo mística, de que o Estado é uma grande "família humana", que se reúne aos domingos em torno da mesa de almoço para solucionar os problemas de todos: na verdade, podemos enxergá-lo como um canal legalizado para a apropriação da propriedade privada, uma instituição natural fundamental e anterior à sua própria criação.
(4º) é falaciosa a ideia, ingenuamente difundida, por exemplo, entre os economistas, políticos e intelectuais ditos progressistas, de que o Estado, sempre que intervém na economia e na nossa vida, o faz movido por boas intenções e "motivos superiores", corrigindo as falhas do mercado malvado e preocupado com o bem de todos.
(5º) o Estado é composto por seres humanos e, portanto, reflete suas fraquezas, entre as quais a de interessar-se mais por assuntos de alcance particular e pela preservação do poder do que pela busca do bem comum.
Por esses motivos, que acredito - noves fora a credulidade ingênua e a necessidade de negá-los para preservar ou ganhar poder -, serem incontestáveis ao descrevermos a natureza do Estado, as instituições devem ser modeladas com o objetivo de garantir a contenção de seu poder. Convido o leitor a refletir sobre o que escrevi acima e acreditando que chegará à conclusão de que o Estado não é nosso dono, nem tampouco nosso pai, é nosso servo! No dia em que conseguirmos disseminar esta constatação tão simples, mostrando como o mecanismo de poder cerceia as nossas liberdades, poderemos começar a esboçar o mundo que as pessoas de bem e que prezam a vida, a liberdade e a propriedade almejam.
* O autor é doutor em Economia pela FGV
** Artigo do Mês - Ano XX– Nº 225 – janeiro de 2021
*** Publicado originalmente no site do autor em 07 de janeiro de 2021: https://ubirataniorio.org/index.php/artigo-do-mes/415-jan-2021-cinco-fatos-sobre-a-natureza-do-estado
Gilberto Simões Pires, em Ponto Crítico
ACELERAR A FESTINHA
Ontem, 2ª feira, 11, foi um dia e tanto. Como se já não bastasse a interminável novela -política- das VACINAS, com seus capítulos sempre eletrizantes, alguns novos acontecimentos entraram em cena para se juntar a outros que, somados, garantiram um maior destaque. Na real, um prato cheio para acelerar a FESTINHA daqueles que apostam todas as fichas no FIM DO BRASIL e, por conseguinte, fazer crer a quem quer que seja que o grande e/ou único culpado por tudo de ruim ou péssimo que acontece no nosso empobrecido Brasil é o presidente Jair Bolsonaro.
NARRATIVAS
O que mais impressiona, ainda que nada tenha de surpreendente, são as NARRATIVAS, que além de não esclarecer os FATOS ainda servem para inflar as mais mirabolantes especulações. Ora, sem um correto apontamento das CAUSAS que levam à certas decisões, a notícia deixa os interessados órfãos de conhecimento, como é o caso, por exemplo, do anunciado fechamento das unidades produtivas da FORD, em Taubaté, SP, Camaçari, BA, e Horizonte, CE.
FORD E BANCO DO BRASIL
Pois, quase que ao mesmo tempo em que a Ford, através de nota à imprensa, informava sobre o encerramento das atividades -INDUSTRIAIS- (as COMERCIAIS E DE SERVIÇOS seguirão normalmente) no nosso país, o Banco do Brasil emitiu nota informando que aprovou um Plano de Reorganização para ganhos de eficiência operacional que prevê o fechamento de 112 agências, a criação de um Programa de Adequação de Quadros (PAQ) e de um Programa de Desligamento Extraordinário (PDE). Mais: a implementação plena das medidas deve ocorrer durante o primeiro semestre deste ano.
INFLAÇÃO PELO IPCA
Enquanto as mais diversas -conclusões- iam sendo discutidas e publicadas nas Redes Sociais, nesta manhã quem entrou em cena foi o IBGE, para informar que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador que mede a inflação oficial do país, fechou 2020 com alta de 4,52%, o maior desde 2016. Com isso, o IPCA fechou o ano acima do centro da meta do Banco Central, de 4,0%, com margem de tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos.
FORD
Pois, ficando apenas com aquilo que diz respeito ao Brasil, é importante que todos entendam as reais CAUSAS dos casos acima apontados, ao invés de brigar com as CONSEQUÊNCIAS. No caso da FORD, a grande CAUSA, que mais pesou na decisão do fechamento das FÁBRICAS, é, infelizmente, a sabida ALTA E COMPLEXA CARGA TRIBUTÁRIA e os CUSTOS DE LOGÍSTICA. Outro motivo é o PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO MUNDIAL DA FORD visando redução de custos e aumento da lucratividade -, como de resto é o que empresas do setor automotivo têm buscado por meio de fusões. Também pesou o fato de que os fabricantes de veículos automotores e produtos de metal registraram uma ociosidade média do parque fabril superior a 30% nos últimos quatro meses, segundo dados desagregados da Sondagem da Indústria do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Some-se a isto a ociosidade industrial, que permanece elevada em veículos automotores, que usaram em média 69,33% da capacidade instalada nos quatro últimos meses de 2020, ante uma média histórica pré-crise de 83,54%. A indústria de produtos de metal operava até mês passado com 67,48% da capacidade, consideravelmente abaixo da média de 77,88%.
BANCO DO BRASIL
Quanto ao Banco do Brasil, que de resto já está acontecendo em quase todas as instituições de varejo bancário, o anunciado PLANO DE REORGANIZAÇÃO nada mais é do que uma ADEQUAÇÃO ao novo perfil e comportamento dos CLIENTES, que passaram a frequentar os bancos via plataforma digital. Este inevitável e necessário PLANO DE REORGANIZAÇÃO, que tem como propósito manter o BB como uma empresa rentável prevê ganhos de eficiência e otimização em 870 pontos de atendimento do País, com a desativação de 361 unidades (112 agências, sete escritórios e 242 postos de atendimento), a conversão de 243 agências em postos de atendimento e oito postos de atendimento em agências, transformação de 145 unidades de negócios em Lojas BB, sem guichês de caixa, relocalização compartilhada de 85 unidades de negócios e criação de 28 unidades de negócios (14 agências especializadas agro e 14 escritórios leve digital).