• Alex Pipkin, PhD
  • 24 Favereiro 2021

 

Alex Pipkin, PhD
Acho que estou lendo muito sobre economia comportamental, ou será mesmo sobre comportamento humano?

Não importa, o nosso país parece ser o paraíso daqueles que constroem uma suposta razão, a fim de justificar seus próprios achismos e suas preferências.

Não tenho o dado fidedigno, mas penso que o Brasil deva ser um dos principais mercados para psicanalistas e para psiquiatras.
As cabeças verde-amarelas não querem saber da razão e da verdade, desejam mesmo é abusar de artimanhas para comprovarem suas teses e seus desejos.

Alguns dirão que todos se preocupam com a verdade, mas estão distantes dela em função de questões de difícil interpretação. Tenho minhas dúvidas, uma vez que em uma série de temas as evidências não são nada ambíguas.

Claro que os brasileiros pensam, até rápido demais, quase sempre apoiados no piloto automático que os faz extrapolar os instintos, impelindo as pessoas a buscar argumentos - e informações - visando a apoiar e confirmar aquilo que elas acreditam ser “a verdade”.

Tenho a impressão de que uma das principais razões para a escassez de razão, é o fato de que o moderno nesse mundo pós-moderno, da descrença na autoridade, na hierarquia e, sobretudo, na luta acirrada contra a opressão, é a prevalência do indigno reinado da amoralidade. Preceitos morais? Para que serve a moral? Isso é coisa do passado “opressor”, de autoritários, de retrógrados e de caretas.

Uma das grandes leis respeitada pragmaticamente em solo tupiniquim, é a “Lei de Gerson”, em que atitudes e comportamentos imorais e antiéticos são justificados, uma vez que “todo mundo faz”, banalizando tanto o correto como o errado. Não é de se admirar que o Brasil, que tropeça nos incentivos, seja similarmente uma nação em que a impunidade seja protagonista.

Nesse mundo “novo”, ao mesmo tempo aproximado e dividido pelas redes sociais, a política se infiltrou em todas as áreas da vida humana, e a hiperpolarização ideológica e suas ambições parece ter se combinado com o enfraquecimento da influência essencial da moral.

As pessoas se enganam “racionalmente”, contrariando os fatos e as evidências concretas, e se comportam de acordo com suas crenças e seus valores enviesados, buscando argumentos e elementos que justifiquem suas meras crenças e suas reiteradas ações. Os indivíduos tendem a favorecer e a procurar evidências que confirmem seus preconceitos.

Na grande maioria das vezes, os indivíduos sabem que estão se autoenganando, e que o processo de orgia mental necessário para construir fatos, ignorando os verdadeiros e os inconvenientes, dói, mas sempre a dor é menor do que a dos outros e, afinal, os outros também se comportam da mesma maneira. A artimanha é enxergar o comportamento amoral próprio sempre suavizado em relação as ações dos outros indivíduos.

A hiperpolarização parece ter aprofundado a escassez de preceitos morais e éticos, e motivou a homogeneização e a radicalização de grupos de indivíduos que compartilham das mesmas ideias e crenças.
O imbróglio é que poucas pessoas possuem a convicção, a resiliência e a coragem para atuar motivadas pelos princípios morais virtuosos. Boas intenções são necessárias para que se aja na direção do genuíno bem comum, embora as melhores consequências e os resultados pragmáticos dependam de outros indivíduos.

Nossa principal falência é moral, e esta passeia livre e amplamente em todas as correntes políticas.

Se considerarmos a turma progressista da moral superior, é transparente a tentativa de reinventar o mundo, apagando e cancelando o passado e, sobretudo, combatendo os valores virtuosos da civilização ocidental, em especial, os valores da civilização judaico-cristã.

Embora a dita direita diga-se defensora dos valores conservadores, que factualmente são importantes, aparenta que no Brasil, há uma preocupação maior em desafiar as meras crenças do outro espectro político, ao invés de trabalhar e dar o exemplo para transformar esse nefasto quadro atual.
O ambiente é de psicopatia social generalizada, em que embora o ódio, a inveja e o rancor sejam transparentes nos guerreiros sociais - basta olhar para suas posições e suas aparências raivosas -, o caráter e a razão por vezes tomam chá de sumiço pelas bandas a direita.

O cenário é alarmante? O que fazer para mudar?

Sinceramente não disponho da resposta, mas é vital começar a trabalhar para transformar os incentivos e motivar comportamentos e ações baseados na virtude moral e ética.

Penso que a mudança passa pela real educação em casa, pelo ensino nas escolas e nas universidades (tristemente, pelo menos eu não vejo um projeto transformacional, um plano de Estado, de longo prazo), e pela esperança no surgimento de novas e melhores lideranças na vida política, empresarial e social, que possam servir de exemplos saudáveis para os mais jovens.

Nesse mundo brasileiro fake na política, na economia, na cultura, na educação... está difícil, muito difícil de alterar o estado das coisas.
Difícil, muito difícil, mas não impossível.

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  • Érika Figueiredo
  • 23 Favereiro 2021

 

Érika Figueiredo

Aproveite essa Quaresma para transformar seu modo de pensar e suas atitudes no mundo.

Carnaval significa “a festa da carne”. Originariamente, desde a idade média, significava três dias de celebração, que antecediam a Quaresma, uma época de recolhimento, oração, jejum e penitência, na qual mergulhava a Humanidade, em uma reflexão profunda sobre o sofrimento de Cristo, que morreu por nós.

            A quarta feira de cinzas é, justamente, o marco do encerramento dessa euforia, nessa tradição que perdura ao longo dos séculos, nos mais distintos cantos do mundo, para um mergulho interior, que antecede a Páscoa, no período chamado de Quaresma, quando recordamos a morte e a ressurreição de Jesus.

            A alusão às cinzas, no dia do término dos festejos, decorre dessa citação contida em Genesis, para que nos lembremos que do pó viemos e ao pó retornaremos, fazendo um balanço de nossas vidas e escolhas, de tudo que valorizamos e repelimos, a fim de buscarmos o sentido de nossa existência. Afinal, se o Cristo sacrificou-se por nós, temos que fazer por merecer...

            Infelizmente, no mundo moderno, está fora de moda falar de religião, de Quaresma, e de qualquer outro tema que nos remeta ao senso de dever, ou a qualquer tipo de freio dos nossos instintos e prazeres. É antiquado ser cristão.

            A urgência que impregna as relações, as atitudes, os pensamentos, os desejos e comportamentos, aliada à inconsequência e aos excessos de nosso tempo, transformaram os festejos de carnaval em um show de horror, obscenidade, vulgaridade e pecado, sem precedentes, aqui no Brasil, que duram por até duas semanas.

            O país para, e todos se entorpecem, como se não houvesse amanhã, deixando as responsabilidades de lado, para cair na folia. É como se esse torpor fosse capaz de apagar os problemas, as tristezas, as dificuldades da vida, numa perda dos freios e dos limites, que naturalmente se impõem.

            Não há como esquecer o que fizeram com a imagem do Cristo, na Marques de Sapucaí. Tampouco a perda do pudor e da lucidez, nos blocos que pipocam pelas cidades. O carnaval não é mais a celebração da vida, mas sim, uma visão do Apocalipse.

            Do pó viemos e ao pó retornaremos...é preciso ter isso em mente, e não perder de vista essas palavrinhas que dizem tanto, sobre a vida e o memento mori (momento de nossa morte). Pois, se de nosso corpo só restarão cinzas, é preciso cuidar da alma, esta sim, imortal. E não é possível tirar férias da alma, nem no Carnaval...

            Para que possamos fitar o rosto de Deus, na hora de nossa morte, necessário se torna viver uma vida que tenha sentido, evoluindo como seres humanos, cumprindo as missões que nos foram destinadas e buscando a paz que nos foi tirada. O compromisso é pessoal e intransferível. Não admite fugas nem adiamentos.

            É, evidentemente, muito difícil. O caminho da porta estreita é para poucos. Vencer as más inclinações e buscar o bem, em um mundo repleto de tentações, é um desafio diário. É preciso ter muita disciplina e bastante equilíbrio, ante às facilidades que se apresentam, e as portas largas que se abrem.

            Falar do Carnaval e da Quaresma é importante, porque é necessário fazer um balanço honesto da vida que se leva, o ano todo. Há, infelizmente, muitos de nós, que acreditam que todo dia seja dia de divertimento, prazer, loucura e excessos, mergulhando nos vícios, na promiscuidade, nas festas e bares, no culto excessivo do corpo e do sexo, sem limitação. Deixando responsabilidades, família, religião, trabalho em segundo plano. Vivendo uma falsa alegria que se repete infinitamente.

            Essa porta da euforia, que é larga e fornece acesso a quem queira entrar nesse caminho, infelizmente não permite que se conheçam as três grandes maravilhas desta vida, que dão sentido a tudo que nos acontece, e nos fornecem força para superarmos os obstáculos: a verdade, o amor e Deus.

            Apenas quem passa pela porta estreita da verdade, pode conhecer o que esta encerra- o amor verdadeiro e a fé plena e irrestrita em Deus. Sem estes, quando voltarmos a ser pó, não teremos aproveitado a nossa passagem por este mundo para evoluirmos, nos tornando seres humanos melhores.          O que significa que, de nossas cinzas, nada restará, pois nossa alma não se elevará ao alto, já que não cuidamos dela, quando nos foi dada essa oportunidade.

            É preciso entender que a vida não se esgota no prazer. Ela é muito mais do que isso. Vida é tarefa, é missão, é serviço ao próximo, é amor ao semelhante. Vida é o que acontece todos os dias, e dentro de nossas funções e responsabilidades, vamos dando sentido à nossa existência.

            Ame a Deus, cuide dos seus, desempenhe suas tarefas sem reclamar, não culpe ninguém pelos seus infortúnios, goste da sua vida. Não amaldiçoe seus problemas. Não desista de caminhar. Você tem muito mais do que merece, e faz muito menos do que precisa. Não faça corpo mole.

            E, como que por um milagre, você de repente verá as coisas se encaixando, o futuro se transformando em presente, bem à frente dos seus olhos, os seus projetos acontecendo. Porque, para quem busca a verdade, a recompensa sempre vem. De um modo ou de outro, ela chega. E você perceberá que o propósito de sua vida foi alcançado.

            Aproveite essa Quaresma para transformar seu modo de pensar e suas atitudes no mundo. Escolha a porta estreita da verdade. Vai doer, no início. Mas vai te libertar.

            “Fé é acreditarmos naquilo que não vemos, e a recompensa dessa fé, é vermos aquilo no que acreditamos”. Mahatma Gandhi.

            “O propósito da vida é encontrar o fardo mais pesado que você pode carregar e carregá-lo”. Jordan B Peterson.

 

*       Publicado originalmente no excelente Tribuna Diária, em 22 de fevereiro de 2021

**     A Dra. Érika Figueiredo é Promotora de Justiça no MP/RJ

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  • Claudia Rodrigues
  • 22 Favereiro 2021

Claudia Rodrigues

 

Por mais de uma década, o Ministério Público teve de lutar para ver reconhecido o seu poder investigatório não expresso na constituição, mas corolário da exclusividade da ação penal pública. Lembram dos embates da PEC37 no Congresso e nas ruas?

Foram grandes embates também com delegados de polícia que não permitiam que um outro órgão pudesse conduzir uma investigação criminal.

Agora o judiciário assumiu a posição de delegados e promotores de justiça, apesar da expressa vedação legal e constitucional.

Ministérios Públicos aplaudem a nova posição dos juízes e das cortes superiores, com notinhas de apoio institucional com aquele cacetete linguístico hipnótico da defesa da democracia e das instituições. MPF chancelou “ mandado de prisão em flagrante”, por crime de mera conduta, de pessoa coberta por imunidade, e inquérito inconstitucional.

Já dá pra população defender o fim das carreiras de promotor criminal e delegado de polícia ou ainda não estão preparados para esse debate?

Agora que cada juiz poderá instaurar de ofício seus inquéritos e conduzir investigações, determinar diligências e medidas cautelares sem provocação e sem ouvir o parquet, quero saber qual será o papel do promotor na persecução penal.

Ainda vou precisar oferecer as denúncias? Em caso positivo, devo denunciar de acordo com as ordens dos juízes ou ainda terei independência para capitular o crime? Vou poder arquivar? Deverei participar de audiências ou posso deixar a acusação toda para o juiz? Se receber uma notitia criminis, mando para o juiz ou para o delegado?

Aguardo o manual de instruções ou, quiçá, o bilhete azul do contribuinte por absoluto obsoletismo.

PS. Acredito com esse alerta estar zelando pelas prerrogativas da instituição pela qual sempre lutei, inclusive passei horas e horas na ruas e até em estádio de futebol, como uma mendiga, coletando assinaturas para defender o poder de investigação do MP.

A Dra. Claudia Rodrigues é Promotora de Justiça no MP/PR em Londrina.

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  • Antônio Augusto Mayer dos Santos
  • 22 Favereiro 2021

Antônio Augusto Mayer dos Santos

 

            O Deputado Federal Daniel Silveira está preso. Seu encarceramento resultou de um despacho de oito laudas subscrito pelo ministro Alexandre de Moraes capitulando-o em nove dispositivos da Lei nº 7.170/83. Entretanto, aludida prisão em decorrência de ofensas à Lei de Segurança Nacional estampa gritante inconstitucionalidade. De rigor, a mesma não poderia ter sido formalizada. Por vários motivos.

            O primeiro e mais substancial é que o deputado está amparado pela imunidade parlamentar que é conferida aos detentores de mandato eletivo. Neste sentido, dentre os dispositivos da Constituição Federal está o seu artigo 53, o qual, redigido em excelente vernáculo, assegura o seguinte: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Repita-se: civil e penalmente.

            O segundo fundamento é de índole processual: a prisão não decorreu de um pedido formulado pelo Procurador Geral da República. Aliás, a denúncia da PGR ocorreu somente após aquela. O terceiro é que não há se falar em impunidade na medida em que a mesma Constituição Federal prevê a possibilidade de cassação por quebra de decoro. Isso ocorrendo, o acusado, além da perda da cadeira, fica inelegível por oito anos mais o período remanescente do seu mandato. Ou seja, as penalidades são drásticas. Contudo, além de tais pressupostos, existe uma circunstância adicional explicitando a ilegalidade perpetrada pelo Supremo Tribunal Federal: a incoerência da decisão.

            Neste sentido, expressiva compreensão em torno do alcance da imunidade parlamentar foi proferida pelo mesmo STF em 1º de março de 2020. Ao emitir o seu entendimento, a ministra Rosa Weber, com clareza e serenidade, acentuou que “a inviolabilidade material, no que diz com o agir do parlamentar fora da Casa Legislativa, exige a existência de nexo de implicação entre as declarações delineadoras dos crimes contra a honra a ele imputados e o exercício do mandato. Estabelecido esse nexo, a imunidade protege o parlamentar por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (artigo 53, caput, da CF), e não se restringe às declarações dirigidas apenas a outros Congressistas ou militantes políticos ostensivos, mas a quaisquer pessoas”.

            O julgado imediatamente anterior a este, datado de 14 de dezembro de 2018, traz a mesma concepção. Nele, o STF enfatizou que “O direito fundamental do congressista à inviolabilidade parlamentar impede a responsabilização penal e/ou civil do membro integrante da Câmara dos Deputados ou do Senado da República por suas palavras, opiniões e votos”.

            Outro veredito, da relatoria do ministro Roberto Barroso lavrado na sessão do dia 6 de março de 2018, assim realçou: “a imunidade parlamentar quanto a palavras e opiniões emitidas fora do espaço do Congresso Nacional pressupõe a presença de nexo causal entre a suposta ofensa e a atividade parlamentar”. Naquela mesma data, o STF ainda esclareceu que esta garantia “abrange as manifestações realizadas fora do Congresso Nacional, inclusive quando realizadas por meio de mídia social”.

            Nesta seara, o STF assinalou uma diretriz admitindo que mesmo as palavras mais ríspidas ou de baixo calão estão alojadas pela imunidade atribuída aos congressistas, consoante enfatizado pela ministra Carmen Lúcia em 09/02/2010 ao decidir o Recurso Extraordinário nº 430.836.

            Assim, se por um determinado ângulo as expressões utilizadas pelo segregado não correspondem àquelas mais recomendadas a um congressista, a outro, conforme deflui da jurisprudência do temido (e desprezado) STF, isso não invalida o seu direito de expressão enquanto representante eleito vez que a imunidade constitucional absorve a conduta penal. De outra parte, se o tom do vídeo foi duro e mesmo pesado, também não se revela minimamente condizente a um integrante do órgão de cúpula do Poder Judiciário votar em plenário utilizando, por exemplo, adjetivos como “gentalha” e “cretinos” para se referir a procuradores federais.

            A par de inconstitucional e consubstanciando um peso e duas medidas no tratamento das garantias parlamentares por parte do “Guardião da Constituição”, a prisão viola inúmeros dispositivos legais, ostenta incoerência jurisprudencial, submissão da Câmara dos Deputados e o pior: fomenta insegurança jurídica.        

*    Antônio Augusto Mayer dos Santos - Advogado, professor de Direito Eleitoral e colunista da Revista VOTO.

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  • Marcel Van Hattem, deputado federal
  • 19 Favereiro 2021

 

Marcel Van Hattem, deputado federal

 

A entrevista do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, à Folha é preocupante. Vou pinçar o trecho mais grave, na minha opinião, e volto em seguida:

[Pergunta do jornalista:]

Se a Câmara derrubar a prisão vai ser um mau sinal para a sociedade?

[Resposta do Ministro Fux]:

Se a Câmara derrubar, estará agindo de acordo com o que a lei permite e o que a jurisprudência do STF consagrou.

A jurisprudência do STF admitiu que a Câmara pode, dentro da sua competência constitucional, derrubar. No meu modo de ver, o Supremo vai respeitar essa decisão.

Agora, a sociedade é leiga, a sociedade não conhece essas minúcias constitucionais. Eu acho que a sociedade tem uma capacidade de julgar imediatamente quando os atos são assim tão graves. Então eu acho que a sociedade não está preparada para receber uma carta de alforria em favor desse paciente."

***

A "minúcia" constitucional a que o ministro se refere é nada mais nada menos do que a imunidade parlamentar (ou inviolabilidade), civil ou penalmente, por "quaisquer de suas opiniões, palavras e votos" do artigo 53 da nossa Constituição, conquista de todos os regimes democráticos sólidos vigentes, e a vedação de prisão de deputado ou senador se não for "em flagrante de crime inafiançável". Se sua Excelência, Luiz Fux fosse um revolucionário falando em "minúcia constitucional", até se entenderia. Mas trata-se de um Ministro do Supremo dizendo que um artigo inteiro da Constituição é apenas uma "minúcia" e que a sociedade não está "preparada" para entendê-la.

Trata assim o Ministro ao povo brasileiro como se fosse incapaz, como se fosse bárbaro. Como se a Constituição, que ele tem por dever guardar, não fosse a síntese dos princípios e garantias fundamentais do próprio povo brasileiro! Esse povo, ademais, é representado numa democracia por parlamentares, que foram os responsáveis pela elaboração e aprovação de uma Constituição e também são responsáveis por suas emendas.

Não cabe ao Supremo dizer ao Parlamento ou à sociedade que um trecho do que está escrito na Constituição não valeria porque "a sociedade não entenderá". É o contrário: data vênia, sr. Ministro, quem não entende o seu lugar é o Supremo! Ao STF cabe guardar a Constituição e, no máximo, interpretar onde há margem para divergência. Não é o caso dessa prisão, ilegal, inconstitucional!

Tenho repetido: considero deplorável a fala do deputado Daniel Silveira, bem como seus atos no momento da prisão ilegal, mas é à Câmara dos Deputados e ao seu Conselho de Ética que cabe julgá-lo. Inclusive há casos mais graves de outros parlamentares na fila para serem apreciados e estamos cobrando há muito tempo que o Conselho volte a se reunir, o que finalmente acontecerá na próxima semana. Substituir, porém, o que diz a Constituição por uma decisão monocrática e de plenário que a contradizem é uma afronta e um ataque à democracia, ao Estado de Direito e, sim, à própria sociedade brasileira. Não é possível que execráveis falas em louvor ao AI-5 sejam respondidas com atos provenientes do Judiciário também dignos de um AI-5, posto que arbitrários e inconstitucionais.

Para que a "sociedade leiga" possa confiar nas instituições brasileiras, ela deve observar o exato oposto do que responde o Ministro Fux à Folha. É preciso segurança jurídica e respeito à Constituição, independentemente de quem seja o "paciente". Caso contrário, voltamos à barbárie e o STF, que é fundamental como instituição, diminui-se a um tribunal que substitui nossa Carta Magna pela Lei de Talião: "olho por olho, dente por dente". Desse ponto civilizacional, mesmo o mais leigo dos nossos cidadãos, já passou há muito tempo.

 

*Marcel Van Hattem é deputado federal pelo Novo/RS

** Texto publicado originalmente na página do autor no Facebook, em 19/02/2021

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  • Valterlucio Bessa Campelo
  • 19 Favereiro 2021

 

Valterlucio Bessa Campelo

Ocorreu-me, depois de algumas leituras e confrontando-me com fatos recentes intensamente divulgados,ao invés de emitir uma opinião, como ouso frequentemente neste espaço, fazer uma rápida entrevista (rogo benevolência, dado que não sou jornalista) com um famoso escritor falecido, sim, falecido em 1950 aos 46 anos de idade. Ele será reconhecido por seus leitores pela foto acima ou nas primeiras linhas a seguir. Quem não o leu deveria correr pra livraria mais próxima. A entrevista se realiza em 2030e trata de nosso tempo. Ele responde em 1949. Calma, você entenderá.

Eu: Considerando o ano de 2021, você concordaria que a sociedade global perdeu a privacidade e o direito à livre expressão?

Ele: Claro, não havia como saber se você estava sendo observado num momento específico. Tentar adivinhar o sistema utilizado pela Polícia das Ideias para conectar-se a cada aparelho individual ou a frequência com que o fazia não passava de especulação. Era possível inclusive que ela controlasse todo mundo o tempo todo. Fosse como fosse, uma coisa era certa: tinha meios de conectar-se a seu aparelho sempre que quisesse. Você era obrigado a viver — e vivia, em decorrência do hábito transformado em instinto — acreditando que todo som que fizesse seria ouvido e, se a escuridão não fosse completa, todo movimento examinado meticulosamente.

Eu: Então se tratava de uma superestrutura que, provavelmente, gerava resistência. Havia na época algum adversário real? De que modo ele era conhecido?

Ele: Sim. Emmanuel Goldstein, era o Inimigo do Povo.(...). Diariamente havia a programação de Dois Minutos de Ódio e o principal personagem era sempre Goldstein. (...). Goldstein atacava o Grande Irmão, denunciava a ditadura do Partido, exigia a imediata celebração da paz com a Eurásia, defendia a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de reunião, a liberdade de pensamento. O mais horrível dos Dois Minutos de Ódio não era o fato de a pessoa ser obrigada a desempenhar um papel, mas de ser impossível manter-se à margem. Depois de trinta segundos, já não era preciso fingir. Um êxtase horrendo de medo e sentimento de vingança, um desejo de matar, de torturar, de afundar rostos com uma marreta, parecia circular pela plateia inteira como uma corrente elétrica, transformando as pessoas, mesmo contra sua vontade, em malucos a berrar, rostos deformados pela fúria. Mesmo assim, a raiva que as pessoas sentiam era uma emoção abstrata, sem direção, que podia ser transferida de um objeto para outro como a chama de um maçarico.(...). Em seu segundo minuto, o Ódio virou desvario. As pessoas pulavam em seus lugares, gritando com toda a força de seus pulmões no esforço de afogar a exasperante voz estertora que saía da tela. (...). Ao fim, todos gritavam, Big Brother! Big Brother!

Eu: Mas o pensar é livre. Devia haver um modo de pensar contra o sistema de repressão da liberdade de pensamento e de expressão, juntar essa massa crítica, criar uma resistência ao Big Brother. Ou não?

Ele: O pensamento-crime não era uma coisa que se pudesse disfarçar para sempre. Você até conseguia se esquivar durante algum tempo, às vezes durante anos, só que mais cedo ou mais tarde, com toda a certeza, eles o agarrariam.(...). O pensamento-crime não acarreta a morte: o pensamento-crime é a morte.

Eu: Historicamente, a juventude sempre se mostra disposta a revoluções, a mover o mundo a favor da liberdade. Como se comportava?

Ele:Quase todas as crianças eram horríveis atualmente. O pior de tudo era que, por meio de organizações como a dos Espiões, elas eram transformadas em selvagens incontroláveis de maneira sistemática — e nem assim mostravam a menor inclinação para rebelar-se contra a disciplina do Partido. Pelo contrário, adoravam o Partido e tudo que se relacionasse a ele. As canções, os desfiles, as bandeiras, as marchas, os exercícios com rifles de brinquedo, as palavras de ordem, o culto ao Grande Irmão —tudo isso, para elas, era uma espécie de jogo sensacional. Toda a sua ferocidade era voltada para fora, dirigida contra os inimigos do Estado, contra os estrangeiros, os traidores, os sabotadores, os criminosos do pensamento. Chegava a ser natural que as pessoas com mais de trinta anos temessem os próprios filhos.

Eu: Em que bases se sustentava essa tirania? Vê-se que não era apenas pela força.

Ele: Os sagrados princípios do Socing (Socialismo Inglês). Novilíngua, duplipensamento, a mutabilidade do passado.

Eu: Como funcionam esses princípios?

Ele: Apenas em sua própria consciência que, de todo modo, em breve seria aniquilada. E se todos os outros aceitassem a mentira imposta pelo Partido — se todos os registros contassem a mesma história —, a mentira tornava-se história e virava verdade. “Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado”, rezava o lema do Partido. E com tudo isso o passado, mesmo com sua natureza alterável, jamais fora alterado. Tudo o que fosse verdade agora fora verdade desde sempre, a vida toda. Muito simples. O indivíduo só precisava obter umasérie interminável de vitórias sobre a própria memória. “Controle da realidade”, era a designação adotada. Em Novilíngua: “duplipensamento”.

Saber e não saber, estar consciente de mostrar-se cem por cento confiável ao contar mentiras construídas laboriosamente, defender ao mesmo tempo duas opiniões que se anulam uma à outra, sabendo que são contraditórias e acreditando nas duas; recorrer à lógica para questionar a lógica, repudiar a moralidade dizendo-se um moralista, acreditar que a democracia era impossível e que o Partido era o guardião da democracia; esquecer tudo o que fosse preciso esquecer, depois reinstalar o esquecido na memória no momento em que ele se mostrasse necessário, depois esquecer tudo de novo sem o menor problema: e, acima de tudo, aplicar o mesmo processo ao processo em si. Esta, a última sutileza: induzir conscientemente a inconsciência e depois, mais uma vez, tornar-se inconsciente do ato de hipnose realizado pouco antes. Inclusive entender que o mundo em “duplipensamento” envolvia o uso do duplipensamento. (...).

Eu: Mas o passado existe, os fatos do passado determinaram o presente.

Ele: O passado não fora simplesmente alterado; na verdade fora destruído. Pois como fazer para verificar o mais óbvio dos fatos, quando o único registro de sua veracidade estava em sua memória?

Esse processo de alteração contínua valia não apenas para jornais como também para livros, periódicos, panfletos, cartazes, folhetos, filmes, trilhas sonoras, desenhos animados, fotos — enfim, para todo tipo de literatura ou documentação que pudesse vir a ter algum significado político ou ideológico. (...). A história não passava de um palimpsesto, raspado e reescrito tantas vezes quantas fosse necessário. Uma vez executado o serviço, era absolutamente impossível provar a ocorrência de qualquer tipo de falsificação. A maior seção do Departamento de Documentação, muito mais ampla do que aquela em que Winston trabalhava, era composta de pessoas cuja única obrigação era localizar e recolher todos os exemplares de livros, jornais e outros documentos que tivessem sido substituídos e precisavam ser eliminados.

Eu: Isso que você chama de Novilíngua, como funcionava em 2021?

Ele: Estamos dando os últimos retoques na língua — para que ela fique do jeito que há de ser quando ninguém mais falar outra coisa. Depois que acabarmos, pessoas como você serão obrigadas a aprender tudo de novo. Tenho a impressão de que você acha que nossa principal missão é inventar palavras novas. Nada disso! Estamos destruindo palavras — dezenas de palavras, centenas de palavras todos os dias. Estamos reduzindo a língua ao osso. (...). Se você tem uma palavra como “bom”, qual é a necessidade de uma palavra como “ruim”? “Desbom” dá conta perfeitamente do recado. (...). “Lá por 2050 —ou antes, talvez —todo conhecimento real de Velhalíngua terá desaparecido. Toda a literatura do passado terá sido destruída. Chaucer, Shakespeare, Milton, Byron existirão somente em suas versões em Novilíngua, emque, além de transformados em algo diferente, estarão transformados em algo contraditório com o que eram antes. A literatura do Partido será outra.

Eu: A quem se dirige as suas reflexões?

Ele: Ao futuro ou ao passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos outros, em que não vivam sós — a um tempo em que a verdade exista e em que o que for feito não possa ser desfeito: Da era da uniformidade, da era da solidão, da era do Grande Irmão, da era do duplipensamento — saudações!

***

Voltei. Os textos-respostas foram recortados do livro 1984, de George Orwell.Sobre ele, Aldous Huxley, autor de “Admirável Mundo Novo”, lançado em 1932, disse em carta a Orwell: “Dentro da próxima geração, eu acredito que os governadores do mundo irão descobrir que o condicionamento infantil e a narco-hipnose são mais eficientes, como instrumentos de governança, do que porretes e prisões, e que a cobiça pelo poder pode ser completamente satisfeita ao sugerir que as pessoas amem a sua servidão, ao invés de chicoteá-las e chutá-las à obediência. Em outras palavras, eu sinto que o pesadelo de 1984 está destinado a ser modulado ao pesadelo de um mundo mais semelhante ao que eu imaginei em Admirável Mundo Novo”.

Em referência, sugiro ler/reler o livro. Se tiver mais um tempinho, veja AQUI a primeira adaptação do livro para o cinema, em 1956.

Valterlucio Bessa Campelo escreve opiniões e contos eventualmente em seu BLOG

* Enviado pelo autor para publicação em Conservadores e Liberais.

 

 

 

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