Percival Puggina

20/12/2009
Lembrei-me de Woody Allen. Num dado momento do filme Manhattan, a namorada que o abandona cobra-lhe um sinal de indignação. Mas Woody, em tom desanimado, se proclama incapaz disso. E conclui: ?Em compensação, desenvolvo tumores?. É para evitar tumores que escrevo este artigo. Trata-se de uma questão de saúde. Ou desabafo aqui ou vou para a quimioterapia. A coisa foi assim. No dia 3 de dezembro, ZH publicou matéria sobre o caso da vice-diretora que mandou um aluno repintar estragos feitos por ele em paredes da escola. O texto, que eu lia em voz alta para a família, informava que a professora, ao fim e ao cabo, tivera de pagar multa de meio salário mínimo. Nesse ponto, meu neto interrompeu-me com a exclamação que dá título a este artigo: ?Eu não acredito!?. E enfiou o nariz no jornal para confirmar o que escutara. Tinha razão ele. De ouvir contar, ninguém acreditaria. Era preciso botar o dedo na notícia que o jornal estampava como chaga aberta. A informação saiu no dia 3 e já no dia seguinte 347 leitores haviam expressado sua indignação no clicRBS. Penso que tais protestos da comunidade deveriam ser lidos, também, pelos que expuseram a professora à persecução penal. O povo entendeu perfeitamente o caso: a) a família, primeira e principal educadora, havia descumprido seu papel; b) a escola, segunda educadora, exercera, e bem, sua função; c) levar pequenas questões disciplinares de milhares de colégios para serem resolvidas nas promotorias de justiça ou nas delegacias de polícia, conduta que foi prescrita à moça e à escola, inverte as precedências (e tem uma lógica que me escapa); d) o Estatuto da Criança e do Adolescente não deveria ser usado para coibir a esse ponto o exercício da função educadora; e) agir, em pequenas infrações de estudantes, como foi recomendado ao caso (registrar BO e intimar alunos à delegacia para possíveis medidas socioeducativas!) é muito mais agressivo e menos educativo do que o procedimento adotado na escola. Depois de tudo que transborda deste caso, não nos surpreendamos com policiais que viram as costas a um adolescente infrator e com professores que fogem dos alunos para não apanhar. Afinal, vivemos no país onde as leis habitam as estrelas e a realidade ocupa o fundo do poço da permissividade. Nesta terra dos processos lentos e sonolentos, onde o caso Mensalão rola desde 2005 (e mal começou a andar), a professora de Viamão, que educou, que defendeu o patrimônio público, que fez cumprir o regimento escolar, cuja conduta foi apreciada por todos, acabou posta de joelhos. Em dois meses (só em Cuba se julga e fuzila em menos tempo) teve de enfrentar a Justiça. E desistiu de obtê-la! Não foi dito, mas todos entenderam o recado: ?Que isso não se repita, professores!?. Impuseram-lhe condenação pública, expedita e exemplar. ?Eu não acredito!?, exclamou meu neto, em uníssono com a população gaúcha. O Estado precisa retomar o apreço e o respeito pelas naturais autonomias da sociedade. Se o Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser interpretado como foi, pobre Estatuto! Se o Ministério Público cumpriu seu dever, triste dever! Aplicaram à professora multa ridícula. Fizeram de conta que não a condenavam. Mas a condenaram. Encerraram o processo e dormiram em paz. E a indisciplina ganhou um extraordinário suporte institucional. ZERO HORA, 20/12/2009

Percival Puggina

19/12/2009
Estamos sendo convocados à indignação. De novo? De novo. Indignemo-nos, pois! Fiquemos todos muito, mas muito irados! Sapateemos nossa revolta! Não funcionou? Pintemos o rosto, ponhamos um nariz de palhaço, toquemos sineta, sopremos apitos, façamos um buzinaço. Nada? Deitemo-nos no chão e tenhamos um chilique, que aí a coisa vai. Não foi? Mas que diabo, seu! Deve ter gente que ainda não se indignou tanto quanto deve. Temos que ficar todos assim tipo ?pedavida?, entenderam? Será, mesmo, que quando todos estivermos encolerizados, prá valer, o Brasil começará a tomar jeito? Perdoem-me por decepcioná-los. Isso não vai acontecer. As vidraças do poder são as mais prováveis e únicas vítimas das tais indignações coletivas, cuja face mais visível é a selvageria da massa. Essas coisas terminam em quebra-quebra e trem incendiado. Não me obriguem a escolher entre a selvageria da massa e as falcatruas do poder. Não estou reprovando um sentimento mais do que natural. Não é isso que estou fazendo. Aliás, comungo desse sentimento. O que estou indicando é a inutilidade de uma pauta que se esgota em excitar a cólera, em convocar à raiva, sem levantar os olhos para, um pouco além, identificar as causas dos fenômenos que nos contrariam e afrontam. Sentimentos assim são normais, mas raramente fazem algo que preste para a boa política. Aliás, observe que existem partidos que vivem do conflito. Qualquer conflito. Jogam, umas contra as outras, as classes sociais, as etnias, as sexualidades, as religiões, as instituições. Tudo serve, desde que possa acender o estopim das malquerenças. A boa política se faz no viés oposto. Ela não existe para gerar conflitos, mas para resolvê-los. Ela nasce do amor e do espírito de serviço; do reconhecimento da igual dignidade de todos; do respeito aos valores naturais, à verdade e ao bem. Quem estiver realmente interessado em dar um jeito no Brasil, precisa não apenas indignar-se com os crimes que contempla, mas identificar os fatores que os favorecem. Duas evidências avultam nessa análise: as principais causas dos problemas que vemos são de natureza institucional e a sua solução, em um Estado que queira ser democrático e de direito, é inequivocamente política. Portanto, desfazer da política é reforçar as causas da corrupção. Desacreditar dela é apostar na violência, no arbítrio e servir à mentalidade totalitária. A corrupção é um escândalo e a impunidade, outro. Mas só ficar brabo não muda coisa alguma! Pergunto: o que são os mensalões e os muitos mecanismos de compra de apoio parlamentar, o aparelhamento partidário das administrações, os comissionamentos nas obras públicas, se não consequências de um sistema de governo que precisa desses cargos para formar base de apoio e de um sistema eleitoral que impõe campanhas milionárias e estimula a representação dos grupos de interesse? É claro que instituições melhores e sistemas eleitorais mais racionais, mais modernos, tampouco são imunes à corrupção. Mas os modelos que adotamos a estimulam por todos os meios. Exigem-na como decorrência da sordidez de seus mecanismos! Nesse caso, a simples e cotidiana indignação fica, de fato, patética. ___________________________________________________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

19/12/2009
CONTROLE IDEOLÓGICO DA MÍDIA Muitas das propostas aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, vindas de quem vieram, mostram onde querem chegar. Transcrevo a seguir a nota oficial da ABERT. OPINIÃO DA ABERT Há quatro meses, a Abert, em conjunto com outras cinco entidades empresariais, decidiu não participar da Conferência Nacional de Comunicação por considerar que o temário do encontro atentava contra princípios constitucionais caros à democracia brasileira. Hoje, os resultados da Confecom demonstram que as nossas preocupações se justificavam. Como previmos, algumas propostas aprovadas na Conferência, como a criação de um Conselho Federal de Jornalismo e um Conselho Nacional de Comunicação - meios eficientes para o efetivo controle social da mídia, segundo o próprio texto aprovado -, ignoram a liberdade de imprensa e de expressão, propõem mecanismos de controle sobre os jornalistas e as empresas de comunicação, e ainda impõem amarras à ação da iniciativa privada.Em resumo, desrespeitam a Carta Magna de 1988, que consolidou garantias importantes aos brasileiros. Entendemos que é salutar o debate sobre um tema relevante como a comunicação. Desde o início acreditamos que seria uma boa oportunidade para discutir os meios e modos de construção da cidadania na era digital, como determina o Decreto Presidencial. Entretanto, na prática, o debate e seus objetivos se diminuíram à medida que setores buscaram impor a toda sociedade sua visão de mundo, com acentuado viés intervencionista, autoritário e ideológico. O documento final da Conferência será divulgado somente na próxima semana. As propostas, que não têm caráter deliberativo, deverão ser encaminhadas ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional, fórum adequado para a sua análise. A Abert reitera seu compromisso com a defesa da liberdade de expressão e de imprensa, o direito à informação e à opinião e a livre iniciativa. E acredita que o país continuará avançando do ponto de vista político, social e econômico, como um exemplo de democracia no continente. Daniel Pimentel Slaviero Presidente

Percival Puggina

16/12/2009
RESPONDA SE PUDER Se a propaganda política no Brasil é gratuita, por que estão cobrando ingresso pra ver o filme do Lula?

Percival Puggina

13/12/2009
FALTA DO QUE FAZER Para CNBB, palavrão foi gesto espontâneo do presidente Lula (Gabriela Guerreiro, da Folha Online, em Brasília) O presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Geraldo Lyrio Rocha, minimizou nesta sexta-feira o palavrão dito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem durante discurso no Maranhão. Dom Geraldo disse que, apesar de não falar palavrão, não pode tornar grave um gesto espontâneo do presidente da República. Eu acho que isso [palavrão] pode ter sido um ato espontâneo. Não devemos minimizar coisas graves, nem tornar graves as coisas mais simples. Eu não falo palavrão, mas prefiro não julgar. Palavrão não cabe em contexto nenhum, mas não cabe a mim julgar. Só Deus é quem pode julgar, disse. COMENTO EU: Serei o último a sair em defesa desse sindicato de bispos esquerdistas, chamado CNBB. Mas vamos combinar que uma jornalista dar-se ao trabalho de perguntar ao presidente da entidade o que ele acha do palavrão do Lula é uma bobagem inominável. Se eu fosse Dom Geraldo teria respondido a indagação da repórter com uma pergunta: O menina, vc não tem nada mais importante para se ocupar?

Percival Puggina

12/12/2009
Todo governante, sentado na cadeira das decisões, se defronta com esta questão: onde gastar os escassos recursos de que dispõe? Abrem-se, de regra, dois caminhos: pode-se gastar conservando o que se tem, aumentando os empregos no setor público e priorizando as despesas de custeio, ou priorizar os investimentos, como forma de ampliar, através deles, as perspectivas do futuro. O tema é relevante e se expressa na opção por uma dentre duas possibilidades: governar mais para o presente e menos para o futuro ou mais para o futuro e menos para o presente. Vamos comer feijão com arroz hoje ou preparar uma feijoada para amanhã? A experiência política mostra que o feijão com arroz é eleitoralmente mais bem sucedido que a feijoada, embora a feijoada entre para a história. Na minha opinião, Fernando Henrique Cardoso fez muita bobagem, prestou excessiva atenção ao que o PT dizia, mas preparou feijoada. Lula comeu a feijoada e preparou feijão com arroz. É nessa bandeja que almoça a política do dia a dia. Se o governante optar pela feijoada, a oposição reclamará da falta do feijão com arroz; se ele escolher o feijão com arroz, a oposição cobrará a feijoada. E não há como escapar desse stress, a menos que ? numa situação absolutamente invulgar ? existam recursos para fazer bem as duas coisas. Não é por outra razão que a política deve ser confiada aos estadistas. Quem vota em qualquer um por razões menores deve, mesmo, ser governado por pigmeus. Para cuidar apenas do custeio, um gerente serve; para decidir sobre investimentos, precisa-se de um planejador; para escolher entre o bem e o mal, basta ter consciência bem formada. Mas para priorizar despesas, escolher o mal menor (porque o bem nem sempre está disponível ou acessível), fazer na hora certa a opção correta entre custeio e despesa, se requer um estadista. E nós só os teremos quando os partidos compreenderem que eleição é um episódio do processo político. A eleição passa, mas a política permanece. E a política só corresponderá às expectativas sociais quando os partidos se preocuparem com formar (e os eleitores com eleger) estadistas. Eles existem e estão por aí, cuidando de outras coisas, porque a política não lhes dá espaço. Enquanto isso, falta feijão, falta arroz e a feijoada só aparece no cardápio dos marqueteiros.

Percival Puggina

12/12/2009
Quando explodiu a crise em Honduras com a deposição de Mel Zelaya, a esquerda berrou ?Golpe!?. E a boiada foi atrás, gritando ?Golpe! Golpe! Golpe!?. Não adiantou argumentar. Já estava decidido que era golpe. Aquilo que eu e mais uns poucos tivemos o cuidado de fazer antes de opinar, ou seja, inteirar-se dos fatos e ler a Constituição de Honduras, foi considerado providência irrelevante. Estava decidido que Honduras proporcionara caso singularíssimo à história universal: um golpe perpetrado em uníssono pela Assembléia Nacional e pela Corte Suprema do país. Zelaya, desrespeitando rígidos preceitos constitucionais e expressas determinações judiciais, era o único soldado de passo certo no batalhão das instituições golpistas. Em que se sustenta tamanho disparate? A resposta mais óbvia é a que o meu leitor está considerando: a esquerda é perita em construir versões ao arrepio dos fatos. Mas a inacreditável alavanca que move a realidade para onde lhe convém dispunha, neste caso, de um pontinho de apoio: quando o Exército hondurenho, cumprindo ordem judicial, prendeu Zelaya, em vez de o colocar atrás das grades (como talvez devesse), retirou-o do país. Aquele excesso de prudência para preservar a ordem pública foi o que bastou. O ex-presidente em pijamas, despachado para o exterior, era a imagem que a esquerda precisava para chamar de golpe um procedimento rigorosamente constitucional. Quando Zelaya foi preso, já não era mais presidente por determinação da Corte Suprema. Talvez tenha havido um erro posterior, de natureza processual penal, mas até isso é duvidoso porque, na forma da constituição de Honduras, Zelaya perdeu a cidadania hondurenha ao pleitear reeleição. A questão aí envolvida pode suscitar gostos ou desgostos, despertar interesse jurídico, mas é irrelevante sob o ponto de vista da legitimidade constitucional da deposição. Pois eis que os sábios assessores de Lula em questões internacionais viram ali a chance de dar ao ?cara? um certo sotaque latino-americano. O Brasil, como se sabe, tem com a democracia e os direitos humanos continentais responsabilidades que terminam na praia cubana de Varadero. Cometemos, então, a grande burrada de albergar Zelaya na embaixada de Tegucigalpa, onde ele fez, com o refúgio que lhe foi concedido, o mesmo que antes tentara com o ordenamento constitucional de seu país. Tomou conta do pedaço, promoveu comícios, chamou sua turma e agiu de modo tão espaçoso que a representação brasileira precisou abandonar o ponto. Agora, o povo de Honduras votou. Numa eleição absolutamente regular e de comparecimento voluntário (como também aqui deveria ser), a abstenção foi proporcionalmente a mesma da rumorosa eleição norte-americana que deu o poder a Obama. Mais de 60% dos eleitores compareceram às urnas (percentual que superou o do pleito vencido por Zelaya). O candidato eleito abriu larga margem sobre seu rival. O povo hondurenho decidiu sobre seu destino. Diante disso, pergunto: até quando o governo brasileiro, para constrangimento nosso, vai continuar se metendo na vida daquela nação? Vamos prosseguir sustentando o insustentável? E a mídia militante, vai continuar mandando os fatos para o mesmo lugar onde Lula disse que o povo está?

Percival Puggina

11/12/2009
A LAMENTÁVEL IGREJA ANGLICANA LONDRES, terça-feira, 8 de dezembro de 2009 (ZENIT.org).- O arcebispo da Cantuária, Rowan Williams, advertiu que a eleição de uma bispa abertamente lésbica é um fato que ?gera sérias perguntas, não somente sobre a Igreja Episcopal e seu lugar na Comunhão Anglicana?, mas também ?para a Comunhão em sua totalidade?. Williams, símbolo de união dos 77 milhões de anglicanos ao redor do mundo, recordou aos que encabeçam a Igreja Episcopal que haviam se comprometido a restringir a designação de homossexuais para exercer altos cargos dentro do anglicanismo. ?O processo de seleção, no entanto, está completo somente em parte ? advertiu Williams. A eleição tem de ser confirmada, ou poderia ser rejeitada, por bispos diocesanos e comitês diocesanos?, disse em declarações dadas a conhecer em seu site. A eleição de Mary Glasspool, de 55 anos, deve ser convalidada agora pela Igreja Episcopal nacional, isto é, pelos bispos das 108 dioceses episcopais dos Estados Unidos.

Percival Puggina

06/12/2009
CADA VEZ MAIS DESCREIO DA NOSSA JUSTIÇA Cada vez mais descreio da nossa Justiça. Digo isso com um aperto no peito e um nó passado no pescoço da minha cidadania. O ?caso da professora? ? aquela que mandou um aluno repintar pichações nas paredes da escola ? acabou do modo mais lamentável possível: fez um acordo para pagar R$ 232,50, como forma de se livrar do processo criminal que lhe foi movido pela Promotora da Infância e da Adolescência. Que uma promotora vá se ocupar de um caso desses já é falta do que fazer. Que não leve em conta o dano que esse processo e sua conclusão determinam entre os professores (no sentido de sua absoluta impotência) e entre os alunos (no sentido da demolição de todos os seus limites) é um perfeito disparate. Mas nada supera em gravidade a renúncia da professora à sua própria defesa (aceitando a multa para encerrar o processo). Esse gesto de jogar a toalha, de dar vitória ao aluno e à promotora (!) é evidência de seu descrédito no discernimento da Justiça. E a propósito: onde anda nesse assunto o sindicato dos professores, o tal Cpers, tão ativo para quaisquer assuntos da pauta político-partidária, tão ágil na difamação e tão omisso naquilo que deveria constituir matéria relevante para seus sindicalizados? Estou aqui, repito, com um aperto no peito e um nó passado no pescoço da minha cidadania. Vou sufocar a indignação, por falta de outro espaço, mas voltarei ao assunto em Zero Hora, dentro de duas semanas.