A ECOGRAFIA DAS URNAS
Sou contra pesquisas eleitorais, mas essa deve ser uma contrariedade tão antiga quanto inútil. Elas vieram para ficar, crescer e multiplicar-se, suscitam grande interesse público e, devo reconhecer, não soa muito harmônica com a liberdade de informação qualquer iniciativa no sentido de as coibir. Isso não me impede, porém, de alinhar alguns argumentos que, como mínimo, servirão para reflexão do leitor interessado e para análise de quem tenha competência nos aspectos técnicos e constitucionais envolvidos. Apenas exponho argumentos, curioso sobre eventuais refutações.
Há alguns anos, era comum dizer-se que ninguém podia desvendar os segredos contidos nas urnas, no ventre da mulher grávida e na cabeça de um magistrado. As ecografias e as pesquisas eleitorais encurtaram a lista. As primeiras retiraram da gravidez aquela incerteza que só se esclarecia no momento do parto. Os pais, agora, podem decidir se compram fita azul ou cor-de-rosa. Já as pesquisas suprimem do processo político um segredo que, paradoxalmente, dava transparência e veracidade ao que mais interessa apurar no processo de votação: a vontade soberana do eleitor, livre de quaisquer induções. Não parece estranho que se proíba a propaganda de boca-de-urna enquanto se aceita que, meses a fio, se vá escancarando a boca da urna e se revelando seu conteúdo? E mais: será que as informações dadas pelas pesquisas de intenção de voto tornam mais sinceras e verdadeiras as manifestações dos candidatos? Soa como pouco provável.
Na maior parte dos casos, as pesquisas antecipam aquilo para que serviria, em tese, o primeiro turno ? reduzir o quadro de alternativas e compor um pleito entre apenas dois participantes. Tal antecipação gerou algo até então desconhecido, verdadeiro aleijão da democracia: o conceito de voto útil que torna inúteis aqueles atribuídos a quem, sabidamente, está fora da disputa. A todo rigor, inservíveis deveriam ser apenas os votos nulos e brancos. Jamais o voto positivo e consciente de um eleitor! É difícil imaginar benéfico ao sistema democrático saber-se, antecipadamente, que certos votos serão úteis e que outros serão inúteis. Ou, mais veementemente ainda: em determinadas circunstâncias, todos os votos, todo o comparecimento às urnas acaba sendo um gesto impotente, apenas formal e obrigatório, porque o resultado já foi antecipado.
Há, também, a questão dos financiamentos das campanhas eleitorais. Com as pesquisas, os que se dispõem a fornecer recursos aos candidatos se conduzem menos por afinidade do que pelo desejo de agradar um provável vencedor. Também isso age contra a equidade das disputas.
Por fim, não serve à melhor política que um bom candidato, merecedor dos votos de seus eleitores, assista-os serem drenados para um concorrente apenas porque tem possibilidades superiores de vencer ou de alcançar o turno seguinte. Como se vê, havia mais equidade, maior soberania do eleitor e menos forças de indução agindo sobre ele antes de que a ecografia das urnas começasse a revelar o sexo do bebê. Eis, então, a pergunta que fica para os juristas: será que a liberdade de informação supera, em valor, os outros valores da democracia também em pauta numa eleição?
ZERO HORA, 26/09/2010