LEMBRANDO ROBERTO CAMPOS
Conta-se que Roberto Campos, no dia em que o plenário do Congresso Nacional aprovava e aplaudia a Constituição de 1988, permaneceu afundado em sua poltrona lamentando o custo que ela representaria para o Brasil. É o que contam. Certamente havia, no então senador mato-grossense, um gosto pela grandiloquência e um enfado pelas palavras brandas. No entanto, ele tinha razão. Em parte. Nossa constituição não é um desastre completo. Há nela coisas excelentes, mas tem dado causa a vários problemas e reproduz males que se arrastam na história do país. Não hesito em afirmar que tais males só estão grafados em granito no nosso presente e no nosso futuro pela equivocada decisão que barrou a tese de confiar a nobilíssima tarefa a constituintes eleitos exclusivamente para tal fim. Ao reproduzir o antigo perfil do Congresso Nacional, o plenário constituinte de 1988 preferiu ficar com o que já conhecia, preservando o formato vicioso das nossas instituições (que centralizam excessivamente o poder), mantendo o sistema eleitoral que o elegera (um sistema que privilegia a representação dos grupos de interesse) e tomando inúmeras decisões que expressam menos o interesse público e mais os desejos de minorias organizadas.
O plenário de uma constituinte exclusiva, que se dissolvesse após a conclusão de seus trabalhos, estaria menos contaminado pelos interesses corporativos. Resistiria melhor às pautas e pressões dessa política de pequeno porte que compõe o cotidiano de uma legislatura convencional num sistema como o nosso. Não se deve fazer uma constituição para agradar grupos de interesse, conveniências partidárias ou as disputas políticas do momento, mas para conduzir com sabedoria o futuro da pátria.
Pois o velho senador, do fundo da poltrona, arquejava sua contrariedade. Ele antevia, entre outras coisas, a explosão da carga tributária nacional, para atender as incontáveis demandas catalogadas como direitos pela constituição. Não vem ao caso discriminá-las porque os fatos falam por si e bem mais alto.
No ano de 1989, a carga tributária total brasileira, incidente sobre o PIB era de 23,71%. Dois anos mais tarde, Collor entregou o governo a Itamar com a carga em 24,96%. Quando Fernando Henrique assumiu ela já estava em 27,90% e após oito anos pulou para 32,35%. No governo Lula, o ano de 2009 fechou com a carga em 33,58% no que foi, reconheça-se, o menor aumento médio nessas duas décadas. No entanto, o que mais importa, aqui, é a realização do vaticínio do economista Roberto Campos. O avanço fiscal do Estado sobre o que a sociedade produz já subiu 41,62% sobre a base de 1990.
Uma elevação de tais proporções, acompanhada, ademais, por uma expansão do setor público que lhe confere permanência e irredutibilidade, causa embaraços ao desenvolvimento econômico pelo lado da perda de competitividade da nossa economia e pela supressão de poder aquisitivo à sociedade. Ademais, na contramão do que seria desejável para o bem estar social e para a própria democracia, reforça o processo de centralização do poder no Brasil, com a União abocanhando 69,83% da carga tributária total.
Nos próximos dias estaremos elegendo um novo Congresso Nacional e seria muito conveniente a todos que emergisse um plenário mais comprometido com a reforma política, com a descentralização do poder e com uma adequada repartição das iniciativas e dos recursos fiscais.
ZERO HORA, 12/09/2010