Percival Puggina

28/03/2010
A proximidade da Páscoa me trouxe à mente história ouvida há muitos anos. Construía-se alhures, na Baixa Idade Média, uma grande catedral. A obra já elevava suas torres e lançara seus arcobotantes. Verdadeira multidão de operários se ocupava das cuidadosas tarefas de acabamento. Um pavilhão fora especialmente construído, próximo dali, para outro importante trabalho, que exigia quietude e concentração especiais. Era o atelier dos escultores das imagens que iriam apontar as devoções a que o templo estava destinado. Um transeunte resolveu penetrar na intimidade daquele recinto. Tendo identificado o mestre escultor, aproximou-se e contemplou o que fazia. Era a estátua de uma figura humana de porte soberbo, entalhada em fino mármore. Quedou-se ali, silencioso, acompanhando a meticulosa tarefa cujos detalhes ? o rigor do artista bem o indicava ? ainda ocupariam longas semanas. Lá pelas tantas, atreveu-se a indagar: ?Essa é a imagem que irá para o altar-mor?? O escultor voltou-se para ele como quem emergisse de profunda concentração e contestou: ?Não, este é um dos doze apóstolos que serão colocados ao longo do alinhamento mais elevado da cobertura?. O visitante não pode conter seu espanto e voltou a interpelar: ?Nesse caso, as imagens ficarão a grande altura do solo e jamais poderão ser apreciados os detalhes nos quais o senhor tanto se detém e que longo tempo ainda lhe irão tomar?. A resposta do escultor veio rápida, encerrando em duas palavras a sabedoria de uma parábola: ?Ele verá!? Ouvi essa história há muitos anos, mas a curta resposta do escultor ainda ecoa em minha mente: ?Ele verá?. Tanta contradição entre ela e os critérios do mundo! Quantas vezes dedicamos nosso esforço e zelo buscando a perfeição nas coisas dos homens (e é bom que assim façamos) sem que nada semelhante, em zelo e esforço, reservemos para as coisas de Deus? Bem ao contrário, para Ele costumamos deixar migalhas das sobras do tempo e os restos da nossa vitalidade. Entre as muitas esculturas que surgem como obras de nossas próprias mãos encontramo-nos nós mesmos. E aqui, quase sempre, a busca da perfeição é deixada de lado: ?Somos como somos? costumamos dizer, desleixados e desatentos em perceber que a santidade é a catedral que mais agrada a Deus, a obra que se eleva acima dos telhados mundanos, e cujo campanário repica a glória do Senhor que tudo vê. _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

27/03/2010
Não nos faltam absurdos. Agora, por exemplo, tornou-se conhecida a existência de um verdadeiro sultanato do petróleo nacional, instalado no Rio de Janeiro. Aquele estado amealha 86% de todos os royalties de petróleo pagos aos estados brasileiros, e nove de seus municípios abocanham 62% do valor recebido por todos. Enquanto assistia o sheik carioca Sérgio Cabral soluçar e chorar de torcer o lenço ensopado após a aprovação da emenda do deputado Ibsen Pinheiro, fiz as contas e descobri que os royalties recebidos lá correspondem a uma terça parte do ICMS arrecadado aqui no Rio Grande do Sul. Imagine o leitor o que seria possível fazer nestas bandas se a receita gaúcha contasse, todo ano, com um reforço de tal magnitude! O petróleo é uma riqueza do Brasil. A maior parte dos investimentos em prospecção, extração e refino são feitos por uma empresa constituída com recursos dos brasileiros e os derivados de petróleo incorporam custos, pagos por todos nós, que vão permitir sua extração e a produção de derivados. Mas no churrasco do petróleo o Rio se serve de tudo que vale a pena, da picanha à costela minga. Os demais trincham o garrão e assumem a conta. O dinheiro não é ?ganho? pelo Rio. Em boa parte, ele é pago pelo resto do país. As questões federativas, no ordenamento nacional, são a razão de ser do Senado. A tarefa essencial daquela custosíssima Casa é a representação igualitária das unidades da Federação. Ali, cada Estado tem três senadores, independentemente da população. São Paulo igual a Sergipe, Minas Gerais igual a Roraima. Todos idênticos perante a União. No entanto, a federação brasileira é, cada vez mais, um mostruário de injustiças, abusos e usurpações. E o Senado? E o Senado? Ora, o Senado é o paraíso onde sai a folha de parreira e entra a gravata. A situação hoje vigente em relação aos benefícios do petróleo serviu esplendidamente ao Rio de Janeiro. E assim ficou, sob o silêncio dos inocentes e dos nem tão inocentes, desde 1997, período ao longo do qual a produção nacional dobrou e o preço saltou de US$ 20 para os valores atuais. Na conjugação dos dois fatores, a grana dos royalties criou os sultanatos que hoje se evidenciam em choros de inundar velório. O petróleo, riqueza estadual? Estadual é a beleza do Rio de Janeiro. Mar estadual? Mas nem as praias são estaduais porque numa faixa de 33 metros da preamar média elas são de marinha (bens da União). Royalties por risco? Quer dizer que se houver algum dano ambiental que afete trecho litorâneo, quem arcará com os custos e com as indenizações não será a Petrobrás ou a empresa responsável, mas o erário do Estado beneficiado pelos royalties? Acredite se quiser. Uma boa maneira de se avaliar a natureza dessas distorções é estender suas possibilidades a um horizonte previsível. Imaginemos que a produção nacional triplique nos próximos dez anos e que o preço do barril se estabilize nos US$ 200 perto dos quais já andou no ano passado. Nessas condições, os R$ 4,5 bi pagos ao Rio em 2009 passarão para R$ 40 bi em 2019! Que tal? Como diria Garrincha, já combinaram isso com os russos? E conosco? Esperemos que a safra de senadores de 2010 venha consciente de que deverá salvar a Federação. ZERO HORA, 28/03/2010

Érico Valduga

23/03/2010
POR QUE SERRA NÃO CAI? Sabem o que é impressionante, nas pesquisas de intenção de voto para presidente? Não é o crescimento de Dilma Rousseff, pois o cavalo do comissário sempre é bem-jogado, e sim o fato de José Serra não ter caído, apesar do bombardeio da propaganda na imprensa em favor da ministra. Chegou a um ponto nunca visto na nossa história política, com quase total falta de avaliação crítica de quem publica, como no exemplo do Estadão de hoje. O título é primoroso: ?Não é impossível imagina r que a Dilma ganhe no primeiro turno, diz diretor do Vox Populi?. É óbvio que nada é impossível, mas qual é o diagnóstico que as próprias pesquisas apontam há seis meses, um ano, até mais? E o homem não cai. Não seria mais lógico tentar explicar por que não cai?

Percival Puggina

20/03/2010
Longe de mim recusar o direito à burrice. O que deve ser negado é a burrice ao Direito. O Direito afeta o conjunto da sociedade, exigindo, portanto, cuidadosa aplicação da inteligência no sentido da Razão. É preciso protegê-lo da burrice. Há alguns meses, após palestra a alunos de uma Faculdade de Direito, ouvi de um estudante candente manifestação de apoio à invasão de terras e à ação do MST. Ora, nos cursos de Direito formam-se profissionais cuja atividade mais comum será a de defender interesses de seus constituintes no contexto do emaranhado legal do país. Essa e outras atividades que compõe o cotidiano dos operadores do Direito se desenvolvem em torno de uma coisa chamada ?processo?. O devido processo. Ele é o meio dentro do qual se movem os profissionais do Direito e o aparelho judiciário. Sem ele não podem operar as partes nem decidir os magistrados. Portanto, expliquei ao rapaz, a menos que se deseje condenar à miséria os diplomados nas carreiras jurídicas, transferindo prestígio e renda para as profissões de pistoleiro e capanga, seria prudente ? para dizer o mínimo ? rever sua posição. Um bom advogado deve ser intransigente defensor do devido processo! É provável que de nada tenha adiantado o que eu disse. Certas ideologias envolvem a razão num casulo e obliteram o entendimento. Faça a experiência, entre num site ou blog de esquerda que tenha espaço para interatividade e tente argumentar contra alguma ideia ali exposta. Eu fiz isso ontem. Pesquisando sobre o PNDH-3 (aquele decreto federal sobre direitos humanos para o qual Lula e Dilma fizeram a maior festa, e depois alegaram desconhecer seu conteúdo) deparei-me com um artigo que me interessou. O autor, formado em Direito, defendia o decreto presidencial e, em particular, apoiava aquela mediação que pretende tornar obrigatória a audiência a ?organizações da sociedade? como condição prévia à concessão de liminar para reintegração de posse em casos de invasão de propriedade. O decreto propõe que o juiz, quando isso ocorrer, só possa deliberar após ouvir certas organizações militantes, em reunião conjunta com os invasores e o invadido. Uma zorra na vara! Lendo o referido artigo no blog de um advogado, adicionei ali uma observação mostrando que essa exigência cerceava a atividade jurisdicional, colocava em pé de igualdade o invadido e o invasor, trazia para dar palpites no processo partes que nada tinham a ver com ele e estabelecia mediação onde não havia o que mediar. Foi o que bastou para que o responsável pelo blog viesse em socorro à minha ignorância com um argumento tão arrasador que o fez sentir-se autorizado a tirar sarro da minha cara. Disse ele, literalmente: ?Leia a Constituição. Ela estabelece a função social da propriedade, hehehe?. E eu fiquei sem saber ? hehehe ? o que uma coisa tinha a ver com a outra. A função social da propriedade é um princípio, não é autorização para que um bem possa ser tomado ao bel-prazer de quem o pretenda ter para si. No entanto, nada há de desmesurado na burrice do cavalheiro esse do hehehe. É exatamente assim que pensam os autores do PNDH-3 e todos os participantes do Congresso Nacional do PT que ungiram com a bênção partidária a totalidade do lamentável calhamaço. O direito à burrice é como a anistia ? amplo, geral e irrestrito. O que precisamos é proteger da burrice o Direito. _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Carlos Alberto Montaner

15/03/2010
A PENOSA FRAGILIDADE DE LULA Excerto da coluna de Dora Kramer no Estado de S. Paulo em 13/03/2010. Em artigo publicado ontem no Estadão, o escritor cubano Carlos Alberto Montaner reproduz definição sobre o presidente Lula que ouviu de um presidente latino-americano. É a seguinte: Esse homem é de uma penosa fragilidade intelectual. Continua sendo um sindicalista preso à superstição da luta de classes. Não entende nenhum assunto complexo, carece de capacidade de fixar atenção, tem lacunas culturais terríveis e por isso aceita a análise dos marxistas radicais que lhe explicam a realidade como um combate entre bons e maus. Segundo Montaner, o comentário foi feito a propósito da perda de confiança internacional provocada pelo alinhamento brasileiro a governos autoritários.

Percival Puggina

13/03/2010
Ao longo do último quarto de século tenho escrito centenas de artigos e participado de muitos programas de rádio e tevê defendendo a Igreja Católica e sua doutrina. Faço-o como leigo, porque incluo isso entre meus deveres. São posições em favor da família, valores cristãos, ensino religioso, Direito Natural, respeito à vida e Doutrina Social da Igreja. E são posições contra o relativismo moral, o ateísmo de Estado e as incontáveis tentativas de excluir os cristãos de quaisquer debates sobre temas da sociedade. No entanto, bastou-me denunciar o alinhamento do texto-base da atual Campanha da Fraternidade com a teologia da libertação (reiteradamente condenada, aliás, por João Paulo II e Bento XVI) para suscitar algumas curiosas reprovações. É o que chamaria de fidelidades ideológicas postas além e acima das fidelidades religiosas. Somente quando contêm deliberação unânime do colegiado dos Bispos reunidos em Assembléia, ou de 2/3 com aprovação da Santa Sé, os documentos da CNBB expressam posição doutrinária oficial da Igreja no Brasil. E, quando assim, são irretocáveis em conteúdo e forma. Outros textos, cartilhas, etc. não têm a mesma origem e peso. Alguns levam a assinatura de tal ou qual bispo responsável pela respectiva área. Mas todos, inclusive os erros e demasias que caracterizam as posições da CPT e das pastorais sociais, chegam à mídia e ao povo como ?da? CNBB e ?da? Igreja, sem que ninguém se apresse em estabelecer as necessárias delimitações. O texto-base desta Campanha da Fraternidade, por exemplo, traz, na apresentação de suas 80 páginas, a assinatura de apenas um bispo. Pode até ter a pretensão de expressar posição ?da? Igreja e ser lido como tal. Mas não preenche as condições explicitadas na Instrução da Santa Sé sobre o ministério dos bispos. Tem falhas e erros. A ele não se presume reverência e obediência. Mereceu tão pouco cuidado, aliás, que acabou impresso com cacos de correção do tipo ?(perguntar se pode acrescentar?)?! Esse documento é ?da? Igreja? Pergunto: quem apoia oficialmente a mobilização pelo plebiscito sobre a Limitação da Propriedade da Terra, ali incluído, e que pretende confiscar as propriedades com extensão superior a 35 módulos rurais? A Igreja, a CNBB, seus assessores ou a CPT? Têm aprovação colegiada dos senhores bispos todas as afirmações e sugestões contidas no texto-base? Custo a crer. Há nele uma citação de Atos 4,32 (relato dos primeiros cristãos, que venderam o que tinham e colocaram tudo em comum). Dessa passagem, o documento da Campanha extrai, in verbis, que ?os discípulos de Jesus propuseram ao mundo uma grande revolução econômica? que se expressava na alienação das posses e na partilha solidária dos bens. Não creio que, pela unanimidade dos bispos, a Igreja tenha decidido recomendar ao Brasil algo assim. Não há indícios no texto-base, por seu ferramental marxista e desprezo aos rudimentos da ciência econômica, à experiência dos povos e ao papel da má política na perpetuação da miséria, de que ele recolha o pensamento do colegiado dos bispos. Menos ainda guarda relação com a Doutrina Social da Igreja, que conheço bem. O tema da Campanha é bom. Solidariedade, desapego aos bens materiais e conversão andam juntas. Ganância, idolatria e egoísmo são pecados. Devemos servir a Deus e ao bem comum. Jamais ao dinheiro! E tampouco devemos servir ao erro, à luta de classes e ao marxismo. ZERO HORA, 14/03/2010

Rodrigo Salesi

13/03/2010
PARÁBOLA DA INDECISÃO Havia um grande muro separando dois grandes grupos. De um lado do muro estavam Deus, os anjos e os servos leais de Deus. Do outro lado do muro estavam Satanás, seus demônios e todos os humanos que não servem a Deus. E em cima do muro havia um jovem indeciso, que havia sido criado num lar cristão, mas que agora estava em dúvida se continuaria servindo a Deus ou se deveria aproveitar um pouco os prazeres do mundo. O jovem indeciso observou que o grupo do lado de Deus chamava e gritava sem parar para ele: - Ei, desce do muro agora... Vem pra cá! Já o grupo de Satanás não gritava e nem dizia nada. Essa situação continuou por um tempo, até que o jovem indeciso resolveu perguntar a Satanás: - O grupo do lado de Deus fica o tempo todo me chamando para descer e ficar do lado deles. Por que você e seu grupo não me chamam e nem dizem nada para me convencer a descer para o lado de vocês? Grande foi a surpresa do jovem quando Satanás respondeu: É porque o muro é MEU.

Percival Puggina

13/03/2010
Eu não sabia, juro. Eu não sabia que os royalties do petróleo representavam essa dinheirama para os privilegiados Estados e municípios que deles se beneficiam, por graça de Deus e bênção da natureza. ?Allah akbar!?, deveriam proclamar diariamente seus governadores e prefeitos, dissimulados sultões do petróleo brasileiro. Em recente sessão do Senado Federal, que assisti petrificado ante os números que eram expostos pelos oradores, ouvi de um deles que o município de Campos, sem os royalties do petróleo, iria quebrar. Como é que é? Um município que vive de royalties? Horas mais tarde, era o governador Sérgio Cabral que chorava de torcer lenço ensopado, com a aprovação da emenda Ibsen Pinheiro, na Câmara dos Deputados. O Rio de Janeiro perderia R$ 4,5 bilhões ao ano. Bilhões? Bilhões. Eu quis saber mais. Entrei no Google Earth e fui olhar as fotos de Campos, bela cidade, com mais de 400 mil habitantes. Ali se concentram seis das sete usinas de açúcar e álcool do Estado e a maior parte da indústria cerâmica fluminense. Ali está a Universidade do Norte Fluminense e há um hospital universitário que dá vontade de adoecer só para ser internado. Parece-lhe razoável, leitor, que uma comuna desse porte viva de royalties? Noventa e nove por cento dos municípios brasileiros têm suas finanças lastreadas em coisas frugais e triviais como IPTU, ISSQN, e os respectivos retornos de tributos estaduais e federais. A vida é assim para todo mundo, poxa! A questão dos royalties pagos aos sultanatos do petróleo verde-amarelo é mais uma face da poliédrica iniquidade nacional. Ela aparece nas distorções causadas pelo patrimonialismo. Ela se manifesta na voracidade do corporativismo, inclusive entre aqueles sempre dispostos a fazer justiça com o que é dos outros, mas que se aferram em qualquer interpretação legal que lhes robusteça os exuberantes contracheques. E ela aparece nos desatinos com que o bolsa-ditadura remunera os guerrilheiros e terroristas que foram às armas pela implantação do comunismo no Brasil. O sultanato do petróleo é apenas mais uma face do mesmo mal. Alega-se que esses royalties são ?indenizações?. A exploração de petróleo no mar causaria riscos e prejuízos. Mas é um negócio tão bom que até eu encaro. Me mandem os royalties que eu abraço a conta dos prejuízos. Certo? É muito dinheiro! E note mais, leitor. Cada vez que você, em qualquer lugar do Brasil, enche o tanque do carro, está bancando, por via indireta, os royalties que a nossa Petrobras paga pelo petróleo que extrai. E custeando, também, os investimentos da empresa. Investimentos que geram empregos que não são do seu Estado. Ou seja, o ônus do petróleo nacional é todo seu, mas o filé dos investimentos e dos bônus vai para os sultanatos que se estabeleceram no país. Apenas por acaso, esses estados e municípios são os mesmos que, agora, estendiam os olhos e as mãos para o anunciado dindim do pré-sal. Eles juram que tem tudo a ver com eles esse óleo localizado 300 km mar adentro, lá onde o caranguejo perdeu a casca, e sete quilômetros abaixo do nível onde as cariocas se bronzeiam. _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

12/03/2010
Não sei se o leitor já percebeu que os partidos políticos brasileiros estão se esfarelando no ralador da própria insignificância. Nestes dias que correm, por exemplo, celebram-se os mais exóticos enlaces. Sobre o balcão dos acordos nupciais, o setor público ? governo e administração ? é negociado como espólio dos vencedores. Vamos transacionar o que interessa: quem fica com o quê? Trata-se de um fenômeno nada recente, que, pouco a pouco, reduziu os partidos políticos brasileiros ao mínimo denominador comum que lhes resta ? sua função cartorial. Por força de lei, ninguém pode disputar eleição se não tiver filiação partidária. Ponto. Eis aí o que são nossos partidos. E eis aí tudo que eles são. Recordo que durante anos clamava-se pela fidelidade partidária como condição para que os legendas retomassem sua significação. Tratava-se, como sempre escrevi e disse, de uma campanha contra as consequências do fenômeno, promovida com total desconsideração pelas suas causas. Até o TSE e o STF acreditaram nessa. Instituíram, por conta própria, a fidelidade partidária. E os partidos? Melhoraram? Os maus políticos ergueram um milímetro seus padrões de conduta? A única coisa que talvez tenha acabado é a venda de filiação partidária, mas esse nunca foi o maior nem o melhor negócio nos nossos parlamentos. No Congresso Nacional vendem-se muito mais interesse público e votos do que mandatos. Uma das muitas expressões desse mesmo problema institucional se evidencia no fato de que a função própria dos partidos ? a agregação política de pessoas com as mesmas crenças, ideologias e valores ? acaba convergindo para outras forças existentes na sociedade. São os grupos de interesse, que, ao fim e ao cabo, compõem verdadeiras bancadas. E isso não é bom para a democracia nem para o bem comum. Mas é conseqüência inevitável da regra do jogo, da conjugação da eleição proporcional com o sistema de governo que adotamos. Nossa democracia está deixando de ser uma democracia por partidos para se tornar uma democracia por grupos de interesse. Enquanto não adotarmos uma regra melhor, superior, é preciso levar em conta que a atividade política deve ser exercida com ideais elevados e senso prático, dentro das regras estabelecidas. Há uma eleição em outubro deste ano e, diante desse pleito, como deve se orientar a força política do agronegócio? O agronegócio é um dos grupos de interesse articulados no país. O setor, que tem enorme peso na nossa vida econômica e social, enfrenta adversários que agem em total desrespeito ao Estado de Direito, com impressionante suporte no próprio Estado de Direito. Trata-se, obviamente, de uma inequação típica da esquizofrenia nacional: os fora da lei recebendo amparo institucional! Loucura pura. Situação demencial, que clama por corretivo político, jurídico e institucional. Diante disso, ainda que outras causas não existissem (e existem), justifica-se plenamente, por realismo e idealismo, a articulação política do agronegócio brasileiro em relação aos pleitos de 2010. Que a insanidade não afete o setor e não vá ele repetir erro anterior, indo bater à porta do hospício e entregando-se à gestão dos internos, como boa parte dele fez em 1998. * Publicado originalmente na revista Somando edição de março de 2010. _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.