• Percival Puggina
  • 26/02/2011
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LULA E DILMA, UM BOM EXEMPLO

Não, leitor, não estou ficando louco, nem fui cooptado. Afirmo que ambos são bons exemplos para evidenciar a diferença entre as funções de chefe de Estado e de chefe de governo, tarefas que, em nosso país, incorremos na rematada tolice de atribuir à mesma pessoa. Nestes últimos dias, a mídia tem comentado a dedicação da presidente às atividades relacionadas à gestão. Dá expediente e faz a equipe trabalhar às sextas-feiras. Um exagero. Uma demasia que espanta o país porque sexta-feira em Brasília é que nem segunda-feira em Brasília. Não se trabalha. Enfim, é exaustivo o cotidiano esforço da presidente para consertar o estrago que sua eleição determinou nas contas públicas com o ufanismo perdulário dos últimos anos. Criou-se, pois, uma situação curiosa. Em tudo que importa estamos sob o mesmo governo do ano passado. Trocamos cinco por meia dezena. Coube à mãe do PAC, não obstante, cortar R$ 50 bilhões do orçamento que seu governo propôs executar neste ano e fez aprovar - sabe quando? - três dias antes do Natal de 2010. Data da amputação: 9 de fevereiro de 2011. Eta orçamento com prazo de validade curtinho! Parece iogurte. Pois bem, enquanto trabalha, Dilma não viaja. Se não viaja, não segura criancinhas no colo, não massageia o ego dos políticos da base, não se vangloria, não exibe às lideranças planetárias os proclamados avanços sociais e econômicos do país, nem se oferece para resolver as encrencas que estão eclodindo no outro lado do mundo. Ou seja, Dilma está fazendo pouco, muito pouco, quase nada daquilo que Lula fazia em tempo integral como chefe de Estado porque continua dedicada ao que antes lhe competia como encarregada do governo. Eis por que Lula e Dilma são exemplos para se compreender a diferença entre as funções que, em nosso sistema, se fundem na presidência da República. É como se, numa grande empresa, as tarefas de marketing, ou de assuntos corporativos, fossem exercidas em acúmulo com as de produção industrial, por uma única pessoa. Não tem como dar certo, seja sob o ponto de vista das operações da empresa, seja sob o ponto de vista funcional e político no ambiente institucional do País. E tem mais. No governo existem unidades de despesa sem utilidade para o mercado político: o quadro de pessoal permanente, a previdência, a dívida e o custeio da máquina. As blue chips desse mercado são os investimentos e os cargos de livre nomeação, moedas de troca cujo tilintar mantém unida a base. E cabe também à presidência da República comandar essa imensa estrutura funcional-partidária com que é instrumentalizada uma administração pública que deveria ser profissional e imparcial. Não se requerem grandes suores nem fatigante aeróbica mental para compreender a estreita relação entre a corrupção (ocupamos o pornográfico 69º lugar no ranking) e o absurdo aparelhamento partidário da administração e das estatais. Estão em formação, na Câmara e no Senado, comissões para estudar a reforma política. Receio, receio muito, que esta pauta fique fora dos debates por prejudicial ao mercado, inconveniente, amaldiçoada. Lembro, porém, que todos os 20 países menos corruptos separam Estado, governo e administração. Por que será? Se não mudar nosso sistema de governo, o Congresso terá que explicar por que preservou em salmoura, intangível, um sistema ficha-suja que concede aos políticos 92% de rejeição. A oito centímetros do fundo do poço do descrédito. ZERO HORA, 27/02/2011