Percival Puggina, com editorial do Estadão

15/02/2018

 

 Editorial de O Estado de São Paulo (05/02) sob o título de “A farsa do Lula mártir” desmonta as falácias que sugerem a existência de um Lula que estaria acima das instituições e que sua prisão desencadearia sobre o país uma fúria cósmica. Em certo trecho, afirma o Estadão:

Esgotados os frágeis argumentos jurídicos de sua defesa, o sr. Lula da Silva apela para a farsa política, dando a entender que seria mais poderoso do que as instituições do País. O medo de que Lula seja transformado em mártir não é, assim, consequência de uma preocupação com o interesse nacional e a ordem pública. É a velha manipulação petista da realidade, numa canhestra tentativa de mais uma vez enganar a população. O engodo é evidente. Incapaz de mostrar a inocência do seu líder ante a condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a legenda em frangalhos deseja que o povo acredite que as instituições nacionais são frágeis e, portanto, não devem ousar enfrentar o mito Lula.

Absolutamente precisa a frase com que o jornal define a conduta denunciada: “É a velha manipulação petista da realidade”. Tenho, com insistência, mostrado a febril atividade dessa central de versões que acompanha a existência do partido de Lula ao longo de sua história. Se tais versões e narrativas se restringissem à retórica parlamentar, seriam muito menos danosas do que se tornam quando passam à comunicação social, ao quadro negro da escola, ao material didático, às provas do ENEM, ao meio acadêmico, aos gabaritos de concursos públicos, à pregação dos púlpitos, às falas (e aos silêncios) da CNBB e à mídia paga dos sindicatos e centrais.

Frente a tais circunstâncias, ou se desnuda ao público o que está acontecendo ou a nação corre o risco de viver uma realidade virtual, como a Venezuela sob o comando de um louco de hospício.
 

Nota do autor: Estou ultimando uma segunda edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

14/02/2018

 

“A culpa por nosso país estar assim é nossa. Nós permitimos que fizessem o que quisessem com o nosso país. Os valores acabaram”.

As imagens do êxodo venezuelano para o Brasil não deixam dúvidas. Também corroboram minha convicção os relatos pessoais colhidos entre os retirantes que já fazem da capital de Roraima, Boa Vista, uma metrópole bilíngue onde mais de 10% da população se esforça para aprender português. Estamos falando de 40 mil “coxinhas”, inconformados com o “sucesso” do comunismo que vem sendo implantado em seu belo e rico país pelas mãos dos crescentemente brutais governos chavistas. Dormem nas praças, compactam-se às dezenas nos dormitórios, têm fome.

A professora Marjorie González, autora da declaração transcrita acima, exagerou um pouco a responsabilidade desse povo. Acertou inteiramente quanto ao que aconteceu com os valores morais nos estágios que deram gradualismo ao golpe comunista. Acertou quando referiu a tolerância indispensável ao sucesso da empreitada chavista. Mas não me parece adequado culpar o povo quando o modelo político favorece tanto a vida eleitoral de demagogos e populistas.

esse particular são incorrigíveis, no médio prazo, as fragilidades da América Ibérica, com suas péssimas instituições. Nos últimos cem anos, uma lastimável trajetória foi empilhando os malefícios do caudilhismo, do coronelismo, do populismo, até chegar, no Brasil, ao coronelismo de Estado, esquerdista e ladravaz; e, na Venezuela, ao comunismo chavista, que encontrou em Maduro sua pior versão. Quando mais precisávamos de seriedade e correção de propósitos, a desgraça socialista nos chega em forma de messianismo, com tipos como Chávez e Maduro na Venezuela. E com Lula no Brasil.

Pelas minhas contas, a Venezuela é o 39º país a afundar na miséria tentando implantar um regime comunista. Não há relato de sucesso. Nenhuma democracia. Nenhuma economia que se sustente. Assim como o Ibis Sport Club é o “pior time de futebol do mundo”, o comunismo é o Ibis dos regimes políticos. Dos que ficaram submetidos a essa experiência, apenas Cuba, Coreia do Norte, China, Vietnã e Laos ainda não conseguiram sacudir os grilhões do Estado totalitário, embora os três últimos estejam abrindo suas economias. Entre os outros 34 não se registra caso de reincidência. Nenhum chamou os comunistas de volta. As pessoas aprenderam que quando as vacas passam à propriedade do Estado, tornando-se servidoras públicas, deixam de produzir leite. Perceberam que, por um mistério da genética animal, a carne de gado estatal vira gororoba de soja. Descobriram que, num efeito de prestidigitação, enlatados e embutidos saem das prateleiras do comércio e reaparecem nas geladeiras e despensas da nomenclatura. Viram, em toda parte, as vitrines se esvaziarem e o bem estar sair da vida das pessoas, mudar de substância e aparecer impresso em outdoor do governo.

O êxodo dos venezuelanos vem em boa hora. O ano é eleitoral e não há palavras mais convincentes do que o exemplo, em desespero, entrando pela nossa porta sem pedir licença. Há no Brasil microfones, canais de TV, emissoras, comunicadores, púlpitos, políticos, fundações internacionais a serviço das mesmas causas que empurraram a Venezuela para o abismo.

 

Nota do autor: Estou ultimando uma segunda edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

11/02/2018

 Quem conversar com um defensor do regime cubano sobre as origens da anacrônica revolução, certamente ouvirá afirmações que se fundamentam na resistência à tirania. Não se surpreenda: ele estará se referindo à ditadura de Fulgencio Batista. De fato, os comunistas não veem tirania no governo da ilha ao longo destes quase 60 anos. Argumentam que o governo se afirmou pela luta contra Batista e contra os ianques, e que a população legitima o regime agitando bandeirinha nas ruas em festas da Revolução ou homologando os atos do governo em aquiescente silêncio. O tal “compañero” jamais mencionará três tópicos essenciais à compreensão da natureza antiética da realidade política em Cuba.

O primeiro ponto obscurecido é o fator geográfico. Num ambiente insular, o totalitarismo potencializa seus malefícios, notadamente quando a institucionalidade jurídica é tão primitiva que as penas, nos crimes políticos, se estendem aos familiares dos réus. Sob governo totalitário, uma ilha pode ser compreendida como cadeia a céu aberto, de onde só se sai enfrentando o mar. Ademais, toda resistência resulta “sutilmente” contida (os bolcheviques ensinaram isso) quando a brutalidade do regime se aplica sobre as famílias dos dissidentes, por meios oficiais e não oficiais (brigadas populares de resposta rápida, por exemplo).

O segundo ponto corresponde às efetivas circunstâncias históricas. O governo deposto pela Revolução Cubana era autoritário e contava sete anos quando derrubado. Pode-se cometer o erro de louvar o advento de um mal (uma ditadura com Fidel) sob a justificativa da eliminação de outro mal (a ditadura com Batista). Esse engano pode ter sido aceitável durante alguns meses. Cinquenta e nove anos depois, porém, a validade venceu e a desculpa se esfarrapou. Comparado com Fidel e seu mano Raúl, Fulgencio Batista deveria ser chamado Batista, o Breve.

O terceiro diz respeito à incorreta compreensão sobre o nosso ponto central aqui: o direito de resistência à tirania. Ele está reconhecido na sã filosofia, entre outros, por Aristotóteles, Tomás de Aquino e Francisco de Vitória. Em determinadas condições, pode ser usado de modo moralmente licíto contra leis injustas e contra poder opressor assumido sem legitimidade popular e legal.

Examinemos, então, o caso cubano após 1959. No momento da vitória havia apenas um comunista conhecido entre as lideranças dos barbudos que entraram em Havana: Che Guevara. Os principais líderes eram, pela ordem: Fidel, Raúl, Huber Matos, Camilo Cienfuegos e Che. Esse terceiro homem, Huber Matos, conta no livro “Como llegó la noche” que sua posição no ranking lhe fora posta pelo próprio Fidel: “Primero estoy yo, luego está Raúl y despúes vienes tu”. Fidel o designou para comandar o Exército em Camaguey, de onde, em outubro de 1959, Huber Matos enviou uma carta ao chefe discordando dos rumos que dava ao novo governo. Foi julgado por um tribunal pessoalmente dirigido por Fidel e condenado a 20 anos de prisão, que cumpriu na íntegra. Só saiu em 1979! Camilo Cienfuegos presenciou o julgamento de Huber Matos, entrou em uma aeronave militar e nunca mais se teve notícias dele. Che, pouco depois, renunciaria a seu status na Revolução e sairia a lutar mundo afora até virar San Guevara de la Higuera (!) na selva boliviana.

Fidel e Raúl tinham um projeto de poder pessoal e o estão realizando plenamente, graças ao regime comunista que faculta esse exercício de modo absoluto (não por acaso Cuba e Coréia do Norte se tornaram monarquias comunistas com sucessão por consanguinidade). E a resistência à tirania é o mais funesto dos sonhos cubanos.

Nota do autor: Estou ultimando uma segunda edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.

 

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/02/2018

 

 Mesmo a turma que vive dentro de uma bolha, no mundo da lua, com fones de ouvido e óculos de realidade virtual concordará com a afirmação de que soltar bandido é um mau exemplo. A impunidade faz mal. Gilmar Mendes acaba de mandar outro para casa. Uhuh! A gangue do guardanapo respira ainda mais aliviada e já pode pensar em novas put**ias, para usar a desavergonhada expressão com que o próprio beneficiado pela medida se referiu a seus crimes. Mais adiante, a ação penal enfrentará nosso prodigioso sistema recursal.

 Há três anos, o Brasil festejou a decisão do STF que autorizou a execução provisória das penas após decisão em segunda instância. Na vida real de todo criminoso abonado, a regra até então vigente funcionava como um habeas corpus de crachá. Sentença definitiva com trânsito em julgado era sinônimo de “nunca”. Por isso, a nação aplaudiu e reconheceu a importância social da decisão, enquanto as manifestações contra o novo entendimento resumiram-se ao círculo dos advogados criminalistas, bem como aos garantistas e desencarceramentistas (sim, isso existe e está em atividade).

Não obstante, subsistem inconformidades no STF. Há ministros que preferem a moda antiga, creem que coisas bem feitas exigem vagar, demandando a quase pachorra de certos artesanatos. Doze horas para um costelão bem assado, três anos para um pedido de vistas, no mínimo oito para um uísque e duas décadas para um processo bem julgadinho. Suponho que, nesse entendimento, a prescrição, arraste consigo a sabedoria do tempo. Eis por que a caneta usada por alguns ministros para soltar presos parece não ter tampa. É claro que a sociedade fica indignada com essa conduta. Afinal, ela é outra face da mesma impunidade que viabilizou o cometimento de tantos e tão danosos crimes ao longo dos últimos anos. Das esquinas aos palácios. Os indultos, as progressões de regime e as atenções dadas a dengues e privilégios de alguns fidalgos de elevada estirpe ampliam o mal-estar.

Eu ficaria até constrangido de examinar a possibilidade de que o caso Lula possa influenciar as posições dos ministros sobre a prisão após condenação em 2ª instância. Não farei isso. Meu assunto, aqui, diz respeito às consequências sociais do retorno à regra da impunidade. O país não suporta mais. A impunidade não é parteira, apenas, da criminalidade. Ela estimula o retorno ao estado de natureza, a uma situação hobbesiana. Se o comando do jogo fica com o crime, os indivíduos tomam as rédeas em que possam deitar mão. As vaias cada vez mais assíduas nos aeroportos e aeronaves nacionais são o preâmbulo de algo que não se pode tolerar, tanto quanto não se deve tolerar a impunidade.

 

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

07/02/2018

 

 Imagine uma cratera lunar. Há milhões de anos, um meteoro bateu ali. Com o impacto, o solo afundou e, em torno dele, se ergueram as bordas, definindo um acidente topográfico com formato de circo romano. Por vezes, pensando sobre a atualidade nacional, as nossas instituições e a Constituição de 1988, fico com a impressão de que foram concebidas ali, nos degraus daquelas bordas escalonadas. Coisas do mundo da lua. Pois bem, você pode julgar esquisita ou imprópria a imagem, mas repito: é o que frequentemente me vem à cabeça quando observo as consequências da aplicação desse modelo institucional ao longo do tempo. Entre elas, uma separação de poderes que opera, prioritariamente, em benefício de cada um, e, secundariamente, em vista do interesse nacional. Dia a dia, um orçamento após o outro, tal arranjo nos trouxe às dificuldades do tempo presente.

 Indo do geral para o particular. No Rio Grande do Sul, como se sabe, esses problemas são ainda mais graves. É fácil percebê-lo quando comparamos nossa situação com a de São Paulo, Paraná e Santa Catarina que têm um ritmo de desenvolvimento econômico e social superior. Há poucos dias, na Assembleia Legislativa gaúcha, as bancadas de oposição (petistas, comunistas e brizolistas) impediram a votação do Regime de Recuperação Fiscal ocupando a tribuna com discursos repetitivos, durante a totalidade do tempo das sessões. Enquanto assistia pela TV aquela estafante maratona regimental, percebi a terrível influência, entre nós, das forças políticas que se revezavam no microfone. Ela se tornou parte do diagnóstico da crise gaúcha. Enquanto nestas bandas o PT tem obtido as bancadas mais numerosas e já elegeu dois governadores, no restante da região foi mantido distante do poder. Jamais governou aqueles Estados. E note-se: no Rio Grande, a influência das correntes esquerdistas se produz quando no governo e quando na oposição, como está acontecendo nestes dias.

Na tentativa de impedir a votação do Regime de Recuperação Fiscal – o que para o Estado significa choro e ranger de dentes –, a oposição, liderada pelo PT, acionou o Poder Judiciário. Neste momento, a deliberação legislativa da matéria pela Assembleia gaúcha está barrada por liminar concedida por um desembargador do TJ/RS. Alegou ele, acolhendo as razões do pedido apresentado pela oposição, que faltou tempo para os trâmites regimentais da proposta nas comissões permanentes da Casa. Ora, o projeto foi apresentado em regime de urgência, possibilidade prevista no art. 62 da Constituição Estadual, exatamente para que os muitos meses desses trâmites fossem substituídos por um prazo máximo de 30 dias até a apreciação em plenário.

Enfim, a funesta conjunção de uma ordem institucional irracional com a forte persuasão de correntes políticas estatizantes, retrógradas e corporativas, transformou o Rio Grande do Sul num paraíso... Paraíso de quem se dispõe a infernizar a iniciativa privada, a geração de empregos e renda e o pagamento das contas de um Estado que não cabe mais na capacidade produtiva de sua gente.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

05/02/2018

 

 Embora registremos um número excessivo de partidos políticos, nenhum se apresenta ou pode ser definido como conservador. O fato surpreende por dois motivos. Primeiro porque o eleitorado que se diz conservador constitui parcela expressiva e crescente da sociedade brasileira. Segundo porque, no Império, tivemos um Partido Conservador cuja contraparte era o Partido Liberal. Apesar de haverem respondido pela estabilidade política do período, os dois foram extintos após a proclamação da República.

Ao longo dos anos, a cada eleição para o Congresso Nacional, torço pelo sucesso de candidatos comprometidos com aquilo que, para simplificar o entendimento, chamo de conservadorismo nos valores e de liberalismo nas concepções políticas e econômicas. No detalhe, não é bem assim, sei. Em ampla proporção, os conservadores são, também, liberais. O que os distingue não é o liberalismo dos liberais, mas o conservadorismo dos conservadores. É ele que deveria demarcar as fronteiras políticas de um partido conservador.

No entanto, pergunto: serão realmente conservadores os conservadores brasileiros? O principal motivo da inexistência de um partido conservador no Brasil está, a meu ver, em que os conservadores convergem bastante bem sobre o que não querem mudar, mas isso é pouco para dar consistência e permanência à mobilização política. Conservadorismo não é estagnação, nem utopia, nem salto ao desconhecido, mas ação com memória do passado, pés no chão e olhos abertos.

Dado que o conservadorismo tampouco é uma doutrina, sendo-lhe impróprias quaisquer receitas de bolo ou vade-mécum, parece importante ressaltar que o adjetivo conservador, atribuído a uma pessoa, indica alguém que respeita o passado e a tradição, alguém que não anda às turras com a História cobrando contas ou amaldiçoando as próprias origens. Sublinhe-se: o passado que se respeita e a tradição tanto podem ser representados pelo que se aprendeu dos antigos na singela universalidade do ambiente familiar, quanto se aprofundando no saber dos clássicos, perenizado na linha do tempo.

Eis o ponto, enfim. O conservadorismo é incompatível com conceitos que dominam a cultura brasileira a respeito da identidade nacional. Um partido conservador não pode nascer entre os que pensam de si aquilo que os brasileiros pensam! O conservadorismo não combina com conceitos que saltitam diante dos meus olhos, cotidianamente, nas redes sociais. O complexo de vira-lata, a ideia de uma nação explorada, de riquezas exauridas, descoberta por acaso, povoada por gente da pior qualidade, de passado constrangedor e futuro incerto, nada, absolutamente nada tem a ver com o pensamento conservador! Entendido isso talvez possamos compreender o motivo do sucesso do Brasil Paralelo, suas séries e entrevistas, mostrando que nossa história é indissociável da história de Portugal e não começa no século XV, mas no século XI; que, por isso, somos herdeiros de um idioma latino, de uma cultura ocidental e de uma religião universal; que nós estamos nos cantos de Camões e foram choradas por nós as lágrimas que, nos versos de Fernando Pessoa, deram sal ao mar de Portugal.

Milhares contam haver chorado de emoção ao assistirem esses vídeos. Descobriram, roçando as plantas daninhas da mentira e da ocultação da verdade, que têm raízes seculares, firmes e respeitáveis, lançadas em solo nobre, enriquecido por migrações que nos individualizam como nação, tornando-nos únicos em nossa pluralidade.

Sem essa percepção não haverá conservadorismo no Brasil. Com ela, entenderemos a existência das plantas daninhas e dessa depressiva ocultação da verdade que eficazmente o sufoca em nosso país.


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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

02/02/2018

Em meados de setembro de 2008, havia muito mais rolhas de espumante no lixo de Porto Alegre e, presumo, em todo o país. Festejavam a ressurreição do camarada Marx.

 

Talvez menos por Marx e mais pelo fim de capitalismo, abriam-se garrafas como quem liberta o pensamento para os vapores da utopia. A imaginação conduzia a delírios de prazer com a antevisão de bancos quebrando, empresas fechando portas, filas quase soviéticas às portas das padarias, pedintes nas ruas e multidões no seguro desemprego e no bolsa família. Seria a afirmação do papel do Estado como grande pastor do povo, na uniformidade obediente da miséria. Justiça e igualdade servidas em fumegantes conchas no grande sopão do socialismo. O maldito capitalismo, enfim, estertorava.

 “Quando aconteceu isso?” perguntará o leitor destas linhas. Assisti a essas comemorações da esquerda em Porto Alegre, mas elas se devem ter reproduzido em todo o Brasil por ocasião do tsunami que atingiu a economia mundial na crise causada pelo descontrole na emissão de créditos imobiliários no governo Bush. Com o pedido de falência do banco Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008, a palavra subprime explodiu nas manchetes e telas de TV. No dia seguinte, a água bateu no queixo da maior seguradora norte-americana, a AIG, e já não se falava noutra coisa... O sistema financeiro estava desabando em cascata. A economia capitalista mergulhava e era incerto se havia oxigênio suficiente nos pulmões.

 Enquanto, no mundo inteiro, os governos e empresas apertaram o cinto preparando-se para as incertezas da travessia, aqui no Brasil, lembro bem, houve duas reações simultâneas e diferentes. A mais conhecida foi a de Lula, então no seu segundo mandato, período em que começou a se ver como uma divindade. Quando advertido para o que estava acontecendo e sobre a inconveniência de assumir compromissos onerosos como a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, Lula desprezou a crise dizendo que, no Brasil, o tsunami era simples marolinha. Seguiram-se anos de multibilionária transferência de recursos para os companheiros do setor público e do setor privado nacional, para a turma do Foro de São Paulo e para parceiros ideológicos africanos. Marolinhas não intimidavam Lula.

 Essa foi a mais trágica das reações brasileiras à crise da economia mundial em 2008 e nos anos seguintes. A outra, jocosa, é a que trago à reflexão dos leitores. Naquelas noites, em meados de setembro de 2008, havia muito mais rolhas de espumante no lixo de Porto Alegre e, presumo, em todo o país. Festejava-se a ressurreição do camarada Marx. Enfim o trem da história chegara à estação onde o velho alemão, determinado e confiante, esperava por ele. Cumpriam-se os fados e a História se curvava às previsões do profeta.

  Estou jogando palavras, de fato. No entanto, elas caem sobre realidades que vi há quase dez anos e a elas se moldam. Com vocábulos piores, era isso que muitos diziam, naqueles dias difíceis, sobre o que estava em curso nos centros vitais do organismo capitalista, os infernos liberais dos Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Dez anos depois, o trem passou e a história seguiu seu curso no mundo livre. O petismo produziu no Brasil seu próprio tsunami financeiro e moral. A Venezuela é a mais recente experiência fracassada de comunismo e as economias capitalistas prosperam como há muito não acontecia. Quem tiver condições avise o Marx que ele perdeu o trem.
 

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

31/01/2018

 

 Não creio que adoração do Estado (estatolatria) designe de modo adequado a relação de certas pessoas e partidos políticos com o Estado. Quem adora não se serve do objeto de sua adoração. Um neologismo como estatoafetividade, expressando um sentimento quase carnal, resulta mais fiel para descrever essa relação. É tesão pelo Estado, mesmo.

O tipo de relação a que me refiro e a perspectiva política em que se escora desbordam de toda razoabilidade. Atribuir excessiva importância à política é mais perigoso do que não lhe conferir qualquer valia. Colocá-la acima de tudo mais é da essência dos totalitarismos, é uma hipertrofia de consequências nefastas. De outra parte, não encontrar na vida um espaço para cuidar do interesse geral, numa hipótese branda, é facilitar as coisas para aqueles que se valem do Estado para abusar do poder e para seu bel-prazer.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, ensina conhecido provérbio português sobre a necessidade de moderação. E essa moderação se faz necessária mesmo quando entendemos a política como a ciência e o ofício de governar a sociedade. Imagine, então, quão mais danosa se pode tornar a obsessão pela política quando aplicada de modo exclusivo à conquista e à manutenção do poder, aos impulsos da estatoafetividade!

É o que estamos assistindo, nestes dias, no Rio Grande do Sul, um Estado que, à exemplo da União, após o desastroso e funesto governo petista, agravado pela recessão gerada pelo governo Dilma, afundou numa crise fiscal sem precedentes. O Estado tem duas opções: ou deixa de pagar sua dívida com a União e fecha as portas, ou se livra provisoriamente dessa conta por três anos e adere a um duro ajuste fiscal que pode levá-lo a horizontes menos encardidos ao término desse prazo. E quem se ergue para obstar a adoção de tais medidas, que envolvem privatizações e limites para o aumento da despesa? Os mesmos que tendo recebido o poder com as contas equilibradas produziram o desastre fiscal do Estado.

No mesmo período, os petistas também exerciam o governo da União e nada fizeram na linha das inexequíveis alternativas que agora apresentam. Nada obtiveram do governo Dilma, tampouco, em acordos que poderiam ter sido celebrados – se desejados e possíveis - numa salinha do diretório nacional ou estadual do partido, em meio a rodadas de chimarrão. Agora, porém, aparecem cheios de ideias sobre direitos e haveres estaduais junto à União.

A orientar esse entrevero que se desdobra em turnos e returnos na tribuna do parlamento gaúcho está a conduta referida acima: a obsessão pelo poder, ainda que à custa do bem da população. Não descrevo algo inédito. É possível que em outros estados e municípios se reproduzam situações análogas, envolvendo diferentes partidos. O mesmo se passa, também, no Congresso Nacional. As expectativas eleitorais para outubro vindouro, a ideia de um ajuste fiscal sem sacrifício, tipo happy hour, e o amor quase carnal ao Estado e seus seios murchos patrocinam o ânimo desses inacreditáveis debates.

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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

27/01/2018

 

 Comportam-se como coquetéis-molotoff ambulantes. Semeiam tempestades para colher catástrofes. Estimulam saques e invasões de propriedade. Pregam desobediência civil. Constroem frases que instigam ao ódio e à agressividade e consideram isso adequado às ações revolucionárias que gostariam de ver em curso. No geral, não acreditam em Deus nem no paraíso, mas creem no inferno e no demônio a quem recomendam seus adversários.

No exterior, falam mal do Brasil, espalham intrigas e boatos entre companheiros que os multiplicam por lá e, depois, repercutem essas informações aqui como se fossem produto de analistas internacionais. Revolucionários de esquerda, não têm pátria. Sua pátria é qualquer lugar onde possam viver sem trabalhar, sustentados por alguma instituição interessada em lero-lero e rastilhos de pólvora. Diante de toda a adrenalina lançada sobre o ambiente político nacional, não vivêssemos num curto-circuito conceitual de democracia com tolerância irrestrita, seriam condecorados com cintilantes pares de algemas por incitação à violência.

Diferentemente do que muitos creem, tal comportamento não corresponde a um modo peculiar de fazer política; essa linha de atuação se afasta radicalmente da política porque é revolucionária. Não há nela qualquer vestígio de boa intenção, pois tudo o que faz fica sob controle do fígado. É coisa hepática e biliar. Nada constrói; só destrói. Ninguém pode acusar quem adota tais posturas de um único gesto de benevolência. O objetivo de suas ações não é resolver a miséria; a miséria é objeto de discurso e meio para chegar aos objetivos. Seu distributivismo, seu igualitarismo e sua “justiça social” prescindem de seus próprios bens. Exigem apenas os haveres alheios.

Não é de qualquer pessoa determinada que me ocupo aqui, mas de um perfil e de um tipo de conduta que vem contaminando indivíduos e grupos sociais. O momento político, num ano eleitoral, cobra discernimento. E o cidadão zeloso deve estar atento para aquilo que os candidatos expressam. Com a mesma prudência com que você se afasta de um Dobermann (cão feroz com pouco freio), acautele-se contra quem apenas expressa ira e malquerença. Eles latem e mordem. Note bem: todos os holocaustos e crimes contra a humanidade foram conduzidos por personagens com o perfil que descrevi.

A justiça não é um subproduto do ódio, a paz não é um subproduto da violência e a democracia não é uma casa de tolerância.


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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.