Percival Puggina
30/03/2018
Sob o ponto de vista de sua estabilidade, três pilares sustentam uma construção. Quatro fazem-no ainda mais facilmente. Com apenas dois pilares só dá para fazer uma ponte, ou algo com jeito de ponte. Num único pilar pode-se colar um cartaz, apoiar as costas, ou fazer alongamento de pernas.
São quatro os melhores pilares para suporte de uma boa ordem social: família, religião, escola e instituições políticas. No Brasil, há longo tempo, todas vêm sendo atacadas por grupos que agem com motivação política, ideológica, partidária e/ou econômica.
A instituição familiar tornou-se objeto de sistemática desvalorização. As uniões são instáveis e os casamentos, quando chegam a acontecer, duram, em média, 15 anos (em acelerada queda). O número de divórcios anuais já corresponde a um terço do número de casamentos. Em 27% das famílias com filhos, a mulher não tem cônjuge (um total de 11,6 milhões de lares). Vinte por cento dos casais não têm filhos e, quase isso - 18,8% - dizem não querer ter filhos. Estou falando apenas em estatísticas, sem aprofundar na análise da nebulosa qualidade dos laços e do exercício das funções parentais. É sabido, porém, que tais funções estão revolutas na desordem dos costumes que tanto afeta a vida social nas últimas décadas. E vai-se o primeiro pilar.
A religião enfrenta notória redução de sua influência. Externamente, correntes políticas que perceberam ser impossível destruir a civilização ocidental sem revogar a influência do cristianismo atacam as religiões cristãs declarando o direito de opinião e o exercício da cidadania territórios interditos a quem tenha convicções decorrentes de fé religiosa. E o fazem em nome da laicidade do Estado. Com esse estratagema, confundem os néscios e reservam apenas para si o direito de opinar e intervir em relevantíssimas questões sociais e morais. Internamente, as mesmas correntes agem de modo perversor na Igreja Católica através da Teologia da Libertação e nas evangélicas através da Teologia da Missão Integral. E vai-se o segundo pilar.
A escola e o controle das funções educacionais foram tomados por militantes mais ocupados em conquistar adeptos às causas revolucionárias do que em desenvolver talentos e habilidades para que os jovens tenham participação produtiva e ativa na vida social. Com isso, oportunidades são dissipadas pela mais rasa ignorância, nutrindo frustrações e revoltas. Professores que respondem por essa realidade reverenciam Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido que outra coisa não é senão a definitiva opressão pela pedagogia. Outro dia, um conhecido me contava de certo jovem seu parente que, aos 18 anos, sem ser imbecil, egresso do sistema de ensino, não sabia os meses do ano. E vai-se o terceiro pilar.
As instituições políticas afundam no bioma pantanoso da corrupção e do descrédito. Não apenas pesam dolorosamente nos ombros magros de uma sociedade empobrecida. Fazem questão, por palavras e obras, de deixar claro o quanto os píncaros dos três poderes existem para reciprocamente se protegerem. Vai-se, então, o quarto pilar. E ficamos, todos os demais brasileiros, pendurados no pincel.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
27/03/2018
Está no noticiário desta terça-feira a informação de que Marco Aurélio Mello - aquele do talão de embarque, que não mora em Jaçanã, mas não podia ficar “nem mais um minuto com vocês” – decidiu, como rabugento lapão, sair da reta e colocar a culpa na presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Ela teria cometido o erro de antecipar o julgamento do habeas corpus de Lula quando o correto, segundo ele, teria sido julgar antes as duas ADCs sobre prisão em segunda instância que aguardam julgamento. “O desgaste para o tribunal está terrível. Isso demonstra que a estratégia da presidente foi falha”, afirma Marco Aurélio. “Foi muito ruim julgarmos só o caso do ex-presidente. Agora estamos pagando um preço incrível”.
Dadas todas as vênias, é muito caradurismo. Se o ministro não queria votar o habeas corpus, por que aprovou sua admissibilidade quando a consulta feita por Fachin deu ao plenário a oportunidade de rejeitá-lo? Bastava-lhe dizer não para que não se concretizasse o vexame atribuído por ele ao ato da presidente. No entanto, disse sim e copatrocinou o desgaste do STF.
Cármen Lúcia colocou em votação o HC de Lula exatamente para destapar a estratégia dos seis ministros a serviço da impunidade, que queriam votar, às pressas, as Ações Declaratórias de Constitucionalidade e beneficiar Lula. Toda aquela urgência tinha nome – Luiz Inácio Lula da Silva. Ora, se o objetivo era derrubar a prisão após condenação em segunda instância e proteger Lula, que o fizessem na pessoa física e não por interposta pessoa. E eles fizeram.
Acabaram com a Lava Jato, desmoralizaram o STF, deixaram a nação prostrada, semearam o desalento, expuseram a própria malícia e vão liberar geral, soltando milhares de presos - de pedófilos e estupradores a corruptos e corruptores.
Tudo em nome da “liberdade”, querendo significar lisa, total e eterna impunidade. Não pretenda agora o ministro, com o escândalo na rua, com o véu do templo rasgado, sair em defesa de uma dignidade que não mais defesa tem.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
26/03/2018
Se for verdade que a vida ensina, então nos enfiaram num curso de imersão, intensivo. De sol a sol, estamos assistindo o “mecanismo” em pleno funcionamento. Podemos observá-lo em diferentes estágios – o nacional, o venezuelano, o cubano, o norte-coreano. Todos têm devotos no Brasil. O mecanismo, quando ameaçado (Lava-Jato), sentindo esvair seu poder (impeachment) e perdendo substância popular (redes sociais), contra-ataca com todos os meios independentemente da reação. Não obedece lei, nem costume, nem limite. Não há sequer divergência entre suas facções. Mesmo aquela esquerda que posa como moça de bons costumes e oferece sua virgindade na praça eleitoral permaneceu em conivente silêncio ante o cambalacho promovido pelo “Pretório Excelso” (vê se eu aguento!). Não será preferível dizer Ínfima Caterva?
No mesmíssimo contexto se inscreve a universidade pública, outro importante espaço de poder que vem sendo metabolizado pela esquerda, usado para formação de intelectuais orgânicos desde antes da fundação do PT. O que constitui novidade, trazida a lume pela premência dos fatos, é a necessidade de incorporar a energia do ambiente acadêmico às táticas políticas de curtíssimo prazo para salvar o petismo na eleição de 2018. Isso ainda não fora visto.
Refiro-me às dezenas de cursos de extensão sobre o “golpe de 2016” que se propagam nas universidades brasileiras, incluindo disciplinas como “O lulismo e a promoção da paz social”, “O governo Dilma e a tentativa de repactuação lulista”, “A resistência popular e as eleições de 2018”, e por aí vai. Tais conteúdos, obviamente, são adequados às dependências de uma sede partidária e promovidos à custa da legenda interessada. É preciso haver subordinado o senso moral à causa e ideologizado cada neurônio para não perceber o quanto tais “cursos de extensão” ultrapassam os limites da decência no emprego que fazem de meios e títulos públicos.
Raciocinemos pelo viés oposto. Imaginemos, por exemplo, cursos sobre “A corrupção na Petrobras e a fraude financeira que favoreceu as vitórias eleitorais de 2006, 2010 e 2014”; “Objetivos totalitários da luta armada dos anos 60 e 70 no Brasil”; “A alternativa liberal-conservadora no pleito de 2018”. Não é difícil imaginar a reação que seria suscitada por qualquer desses temas. Contudo, em que pese o interesse por tais abordagens, a universidade não é para isso e a criação desses eventos incorreria em equívoco análogo ao que aqui critico. E mais: nenhuma aula dessas conseguiria ser ministrada ante a reação de alunos e professores. Ou não?
Valerem-se da autonomia universitária como blindagem para usar e abusar do que é público em benefício particular - seja ideológico, político ou partidário – é uma forma de corrupção que começa na mente e se expressa na práxis. A autonomia não é salvo-conduto para tropelias, nem é a universidade foro privilegiado onde o saber pode ser corrompido e nenhum abuso coibido.
Esses professores, ao mesmo tempo em que, tanto quanto os ministros do STF, envilecem seu poder, andam pelas respectivas universidades, transformada em casa-da-mãe-joana, reclamando da sobrecarga de aulas e da falta de verbas para as atividades acadêmicas. Mas os cursinhos de marotagem política têm tempo, disposição e meios.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
23/03/2018
Não, três vezes não! Eles não farão um Brasil à sua hedionda imagem e semelhança.
Nesta noite de 22 de março, enquanto escrevo, sinto o coração apertado. Sei que, neste momento, os ratos se regozijam nos porões do submundo e os grandes abutres festejam nas iluminadas coberturas do poder. Aos olhos escandalizados da nação, o STF testemunhou contra si mesmo. Falou aos trancos com o “humanitário” Gilmar Mendes. Soprou vaidade e ironia matreira com Marco Aurélio Mello. Tartamudeou e olhou assustado com Rosa Weber. Perdeu resquícios de pudor militante e se fantasiou de amor ao próximo com Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Deu razão a Saulo Ramos com os floreios monocórdios de Celso de Mello.
Enquanto confessavam suas culpas e exaltavam a impunidade, viralizava o crime, a corrupção e o pandemônio moral. Suas palavras nos aprisionavam ainda mais, corroendo esperanças que juízes de verdade haviam plantado em nossas almas. Acabamos o dia numa cidadania vã, sugados feito bagaço, desprovidos de qualquer poder e capturados pelo mecanismo que nos tomou como servos submissos, pagadores das contas que não cessam de nos impor. Ironicamente, queriam convencer-nos de que era tudo para o nosso bem e que impunidade também pode ser chamada – vejam o sacrilégio! – de liberdade. Ora, isso é tão ridículo que não prosperará!
Reconheço. Assim como, em Cuba, tive medo do Estado, esta tarde tive medo aqui. Medo de também nos tomarem a esperança. Senti a dormência de sua perda e me lembrei das palavras lidas por Dante no sinistro portal do Inferno: “Por mim se vai a cidade dolente; por mim se vai a eterna dor; por mim se vai a perdida gente...”. E, ao fim do verso, a sentença terrível que, há sete séculos, ecoa com letras escuras nas horas sombrias: “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate” (Deixai toda esperança, vós que entrais).
Não exagero, leitor amigo. Ali estava, mesmo, o portal do Averno, do Inframundo. Cinco dos sete pecados capitais eram encenados por uma tribo de togas. Os dardos da ira cruzavam o salão como tiroteio na favela. A soberba se refestelava na própria voz. Ah, o poder sem freios! A inveja se esbaforia entre duas malquerenças: a do brilho e a da altivez. A preguiça, sim ela, fez parar a sessão às 18 horas; ela mesma admitiu as férias pascais. A avareza fremia de cupidez, olhos postos nos bilhões em honorários que se derramarão para a imediata soltura de milhares de criminosos endinheirados, já cumprindo pena de prisão por condenação em segunda instância. São sentenciados cujas condenações extinguiram completamente a presunção de inocência, mas em relação às quais não se completou – e talvez não se complete jamais – o rito do trânsito em julgado. Ao menos enquanto houver talão de cheques com fundos suficientes para puxar os cordéis da impunidade.
Todavia, não! Este é o país de Bonifácio, de Pedro II, de Nabuco, de Caxias! Esse STF fala por si e haverá de passar! Os corruptos não nos convencem nem nos vencem. Trouxeram-nos aos umbrais do Inferno. Exibiram-nos o portal de Dante. Que entrem sozinhos. Perseveraremos.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
21/03/2018
O saudoso Gustavo Corção, em O Século do Nada, assim se refere à relação entre a esquerda e as injustiças: “Não, a esquerda propriamente dita jamais lutou contra a injustiça ou pela justiça; mas, frequentemente, lutou contra os que, por assim dizer, lhe fazem o favor de praticar certas injustiças. É melhor usar o termo próprio: as esquerdas aproveitam as injustiças, vivem das injustiças, para manter em movimento os dois cilindros da motocicleta do progresso na direção da luta de classes”.
Quanta verdade na irônica constatação! Os partidos do Foro de São Paulo obtiveram por algum tempo bons resultados jogando nesse campo. Aqui de onde escrevo, fomos vitimados prematuramente com a eleição de Olívio Dutra para prefeito de Porto Alegre em 1988 e, posteriormente, para governador em 1998. Por tais sucessos, a capital gaúcha se tornou a Meca das esquerdas mundiais e cidade símbolo do Fórum Social Mundial, que por aqui andou enquanto pôde contar com patrocínio público. E todos sabem o que aconteceu com o Rio Grande do Sul.
Os sonhos e promessas do socialismo são empolgantes. “Emprego para todos!”, proclamam, e a mão forte da “vontade política” abriria a torneira dos postos de trabalho. “Terra para todos!”, e os vales férteis subiriam a encosta das montanhas para que o solo, generoso, se parta e reparta em espaçosos quinhões. “Saúde para todos!”, e os hospitais irromperiam nas esquinas enquanto vírus e enfermidades seriam varridos pelas duas penas a mais que se acrescentariam no espanador da despesa pública. “Salários dignos ao funcionalismo!”, e bilhões de reais haveriam de brotar das infatigáveis noites de amor em que a pecúnia se deixaria fecundar pela ideologia e o Tesouro se abarrotaria de valores e créditos.
Um palmo além do nariz se pode vislumbrar uma realidade diferente, mas a munheca cerrada obstrui a visão. A mesma pessoa capaz de crer que o paraíso é produto da vontade política acaba levada a concluir que sua falta também é. E daí vem o ódio mortal aos pervertidos e perversos que mantêm fechadas as válvulas capazes de espargir o maná sobre o deserto das carências. Esses injustos do capeta!
A utopia é a happy hour, o ponto de encontro dos marxistas com muitos cristãos. A parede deve ostentar uma foto de Che Guevara, mas certamente ficaria mais bem decorada se incluísse uma de Emmanuel Mounier, que dizia: “Com os comunistas nos negócios da terra, e com minha fé católica nos negócios do céu”. Foi o velho Corção quem melhor respondeu a essa estranha partilha de negócios sagrados e profanos, imanentes e transcendentes, dizendo que os comunistas não se aborrecerão, em absoluto, com as reservas que os cristãos lhes fariam sobre as coisas do céu. Óbvio, estão nem aí para isso.
Quantos cristãos, porém, malgrado a obviedade, se deixam iludir por essa conversa fiada! Depois de criar tantos genocídios de seus irmãos de fé, enquanto lutava e luta contra tudo que for cristão, ela saiu do ambiente político e se infiltrou na Teologia da Libertação, a desastrada, que atrai cristãos para o comunismo e nenhum comunista para o cristianismo.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/03/2018Setores carentes da sociedade talvez se sintam mais seguros com alguém que posa de provedor de condições mínimas para sua subsistência, ainda que, em tudo mais, represente permanência na miséria. Setores privilegiados da elite funcional e empresarial brasileira devem a Lula muito dinheiro fácil, ainda que isso represente o caos e prisão ali adiante. Não se confunda, então, o povo brasileiro com Lula e vice-versa. Lula não representa o povo e não representa a elite porque a fruta estragada não significa o cesto e, menos ainda, a feira.
O povo brasileiro, contudo, não é como Lula. Lula não sabe o quanto ganha, nem quem lhe paga as contas. Não sabe o que tem e fornece essas respostas aos magistrados que o interrogam. Seus filhos beneficiaram-se do sobrenome e enriqueceram em negócios que tangenciavam o governo por vários lados. O povo brasileiro, enfim, não é como esses corruptos e corruptores do PT. Nem como os do PSDB, do PMDB, do PP e outros que reinaram nos governos petistas e buscaram proteção no governo Temer. Que a porta de entrada da cadeia lhes seja de serventia.
Como isso foi acontecer? De onde saiu a ideia de que um país pobre possa providenciar fortuna para quem se dedica às tarefas de Estado? Por que a corte republicana se julga titular de direitos, privilégios e padrões de consumo que não estavam sequer em cogitação no período monárquico? Quem enfrentar a difícil, mas fascinante, tarefa de perscrutar o perfil desses criminosos de colarinho branco, certamente vai encontrar indivíduos convencidos de que a unção popular é um “Abre-te Sésamo!” que franqueia acesso à gruta de Ali Babá. Uma espécie de direito de conquista que acompanharia o ato de posse. A pessoa não se considera extrapolando os limites da decência quando achaca um empreiteiro, recebe comissão num financiamento em banco oficial, ou é gratificado por emendar medida provisória para benefício de alguém em detrimento do interesse nacional.
O indecente patrimonialismo foi o mal de Lula e de muitos outros. O ex-presidente não se constrange com tantos benefícios concedidos por pessoas que, de algum modo, colheram antes ou colheriam depois os correspondentes favores. Recebia, na boa, o terreno, o sítio e suas obras, o tríplex, os jatinhos e helicópteros à disposição, a conta corrente aberta em seu nome, um estádio para o Corinthians, as milionárias palestras pagas por empreiteiras que se beneficiavam de seu poder. A ele, a tantos como ele e aos muitos que julgam normais tais padrões de conduta, convém lembrar o exemplo do ex-governador gaúcho Valter Peracchi Barcellos num tempo em que probidade não era exceção, mas regra. O ex-governador, homem de poucas posses, ao término do mandato, retornou para seu pequeno apartamento de dois dormitórios num bairro de classe média de Porto Alegre. Amigos – amigos mesmo – cotizaram-se em segredo e lhe compraram um bom apartamento num bairro melhor. O coronel, imediatamente, enfrentando a mágoa e as reclamações dos que o haviam presenteado, doou o imóvel à Santa Casa de Misericórdia.
Por quê? Pelo seguinte, Lula: para que ninguém ousasse ver, naquela manifestação de estima, reconhecimento por algum benefício indevido que o governador houvesse prestado aos doadores.
Saibam os mais jovens: o Brasil não era um país como este em que vivemos hoje.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
16/03/2018
Não tenho a menor ideia. Surpreende-me que tantos analistas se apressem em indiciar “a polícia”, assim, genericamente, como se a instituição fosse executante de sentenças de morte. Tais generalizações me incomodam. Primeiro, porque presumem a burrice do interlocutor; segundo, porque se prestam para que a atividade policial, numa instintiva autodefesa, fique neutralizada. E quase acrescentaria um terceiro motivo, que me vem da morte de Celso Daniel. Lembram? No dia em que encontraram seu cadáver com 11 perfurações a bala e sinais de tortura, todo o alto comando petista desembarcou em Santo André tendo à frente o falante Dr. Eduardo Greenhalgh. Nos cochichos do velório, o que mais se ouvia eram insinuações de que o prefeito fora executado por adversários da campanha de Lula, que ele, Celso Daniel, iria coordenar. Depois, foi o que se sabe.
Essas acusações afoitas sempre me parecem movidas a muito má intenção. Um crime pode ser cometido por médicos, mas isso não transforma o hospital em organização criminosa. Um crime pode ser cometido por policiais, mas isso não transforma a polícia em organização criminosa. Um crime pode ser cometido por uma facção criminosa. E isso é o que dela se espera. O que mais leio e ouço nestas últimas horas revela um esforço em entregar o cadáver da vereadora para as instituições policiais e em transformar sua morte numa questão racial. A “polícia” teria executado uma mulher negra. O assassinato não teria sido de uma pessoa humana, que para isso ninguém mais dá bola, mas de uma mulher de pele escura e vereadora, o que amplia a dimensão política do fato. Já o seu motorista continua ignorado. Morto, oprimido e excluído, de “raça” ignorada, o infeliz. Entortou-se no Brasil a capacidade de análise. Em 2017, tal qual em 2016, 134 policiais foram mortos no Rio de Janeiro. Qual era a cor de sua pele? Isso não interessa pelo simples motivo de que isso realmente não interessa a qualquer pessoa intelectualmente honesta e mentalmente sã. Interessa a vida humana sacrificada.
Todo esse empenho em transformar a morte da vereadora num conflito entre raças, entre oprimidos e opressores, vem vestido com aquela malícia que, para dar vida à respectiva ação política, precisa de conflitos tanto quanto do ar que respira. Morreu uma mulher negra; logo, seus assassinos são homens brancos – presume-se que deduzam os tolos. Em artigo na Zero Hora de hoje, uma repórter da RBS dá números extraídos do Atlas da Violência: no Brasil, sete em cada 10 vítimas de homicídio são negros. É fato. No entanto, a redatora do texto, para mostrar o fato como lhe convém à tese, passa por cima de outras evidências: o número de homicídios cometidos no Brasil é impulsionado por conflitos entre facções criminosas em disputas de território. Nessas verdadeiras guerras de conquista pelo controle local do tráfico de drogas, bem como do roubo e comercialização de cargas, ninguém olha para a cor da pele, senhora repórter!
Não há uma “chacina dos jovens negros” por serem negros. Há uma chacina de jovens brasileiros recrutados pelas facções criminosas entre a população dos morros que é majoritariamente formada por negros e pardos. Sem óculos danificados pela ideologia do conflito, sem a tolice das dicotomias oprimido-opressor, excluído-incluído, vendo os fatos como são, a maioria dos que morrem são pretos e pardos; e a maioria dos que os matam são pretos e pardos. Mera estatística.
Partidos políticos que sistematicamente antagonizam a polícia e as Forças Armadas têm razões inconfessáveis para isso.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/03/2018Na minha segunda visita a Cuba, em 2002, encontrei-me com o dissidente Oswaldo Payá, dirigente do Movimiento Cristiano Liberación. Uma figura humana admirável, que enfrentava com tenacidade as perseguições, injúrias, restrições e ameaças com que o regime tolhia sua ação e suas manifestações. Naquele mesmo ano, fora distinguido pelo Parlamento Europeu com o Prêmio Sakahrov de Direitos Humanos.
Convidei-o para jantar e nos encontramos certa noite nas circunstâncias novelescas que relatei em “Cuba, a tragédia da utopia”. Contou-me as quase invencíveis peripécias de seu cotidiano (nosso encontro mudou de lugar momentos antes de eu me dirigir para lá porque o local aprazado já estava sob vigilância). Sua casa era pichada e ele proibido de repintá-la, seu telefone grampeado, sua família vítima de acintes e provocações. Todas as suas tentativas de participar dos processos “eleitorais” eram bloqueadas desde a possibilidade de registro de candidatura. O manifesto de Payá à ONU sobre o regime cubano ilustra a contracapa da primeira edição do livro que escrevi e foi publicado em 2004.
Mediante contato mantido através de seu irmão Carlos, que mora na Espanha, havíamos combinado encontrar-nos novamente quando voltei a Cuba nove anos mais tarde. Dessa feita, porém, era o meu hotel que estava sendo vigiado naquela manhã de 22 de outubro de 2011. E Oswaldo não apareceu. Morreu no ano seguinte, numa rodovia deserta, em estranho acidente de carro.
Estou contando isso porque tenho lido curiosas afirmações sobre uma suposta abertura do regime, a propósito das recentes eleições. Abertura? Eleições? No sistema cubano, quando o eleitor é chamado à urna, todo um processo de filtragem assegurou que opositores ao regime não constem entre as alternativas a ele apresentadas. Nas eleições de novembro de 2017, nenhum dos 200 candidatos dissidentes conseguiu superar a barreira da respectiva comissão. Na eleição do último domingo para a Assembleia Nacional, 605 candidatos escolhidos pelas assembleias provinciais, disputaram as 605 vagas. Todos serão empossados, todos estão previamente alinhados com o Partido Comunista Cubano (PCC). Nenhum dissidente obteve mandato na mais exótica “democracia do mundo” e o futuro ditador já está escolhido pelo partido. Chama-se Miguel Diáz-Canel e cumprirá 10 anos de mandato.
Opor-se a isso, contestar o regime, continua fazendo mal à saúde. O notável Oswaldo Payá virou nome de um troféu – o Prêmio Payá. Através dele, movimentos dissidentes, sob a liderança de sua filha, Rosa Maria Payá, reconhecem o esforço de personalidades estrangeiras em favor da redemocratização e dos direitos humanos em Cuba. Pois nem mesmo os ex-presidentes Andrés Pastana e Jorge Quiroga, da Colômbia e Bolívia, conseguiram desembarcar em Havana no último dia 3 de março para receberem os troféus que lhes estavam destinados. Foram deportados. Assim é a “abertura” e assim são as “mudanças” em curso na ditadura imposta, há 60 anos, sobre o bom povo da ilha.
Nota do autor: Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
10/03/2018
Quem condena a riqueza, dissemina a pobreza. Sem riqueza não há poupança e sem poupança não há investimento. Sem investimento, consomem-se os capitais produtivos preexistentes, surge uma economia de subsistência, vive-se da mão para a boca, aumenta o número de bocas e diminui o numero de mãos. Quem defende o socialismo sustenta que a ideia é exatamente essa e que assim não há competição ou meritocracia, nem desigualdade.
Quando o Leste Europeu estava na primeira fase, consumindo os bens produtivos preexistentes, nasceu a teologia da libertação (TL), preparada pelos comunistas para seduzir os cristãos. A receita - uma solução instável, como diriam os químicos, de marxismo e água benta - se preserva ainda hoje. Vendeu mais livros do que Paulo Coelho. Em muitos seminários, teve mais leitores do que as Sagradas Escrituras. Aninhou-se, como cusco em pelego, nos gabinetes da CNBB. Resumidamente: perante a questão da pobreza, a TL realiza o terrível malabarismo de apresentar o problema como solução e a solução como problema. Assustador? Pois é. Deus nos proteja desse mal. Amém.
A estratégia é bem simples. A TL vê o “pobre” do Evangelho, cumprimenta-o, deseja-lhe boa sorte, saúde e vida longa, e passa a tratá-lo como “oprimido”. Alguns não percebem, mas a palavra “oprimido” designa o sujeito passivo da ação de opressão. O mesmo se passa quando o vocábulo empregado na metamorfose é “excluído”, sujeito passivo da exclusão. E fica sutilmente introduzida a assertiva de que o carente foi posto para fora porque quem está dentro não o quer por perto.
A TL proporciona a mais bem sucedida aula de marxismo em ambiente cristão. Aula matreira, que, mediante a substituição de vocábulos acima descrita, introduz a luta de classes como conteúdo evangélico, produzindo o inconfundível e insuperável fanatismo dos cristãos comunistas. Fé religiosa fusionada com militância política! Dentro da Igreja, resulta em alquimia explosiva e corrosiva; vira uma espécie de 11º mandamento temporão, dever moral perante a história e farol para a ordem econômica. Por fim, anula as possibilidades de superar o drama da pobreza. A TL substitui o amor ao pobre pelo ódio ao rico, e acrescenta a essa perversão o inevitável congelamento dos potenciais produtivos das sociedades.
Todos sabem que Frei Betto é um dos expoentes da teologia da libertação. Em O Paraíso Perdido (1993), ele discorre sobre suas muitas conversas com Fidel Castro. Num desses encontros, narrado à página 166, falava-se sobre a TL. Estavam presentes Fidel, o frei e o “comissário do povo”, D. Pedro Casaldáliga, espécie de Pablo Neruda em São Félix do Araguaia. Em dado momento, o bispo versejador comentou a resistência de João Paulo II à TL dizendo: “Para a direita, é mais importante ter o Papa contra a teologia da libertação do que Fidel a favor”. E Fidel respondeu: “A teologia da libertação é mais importante que o marxismo para a revolução latino-americana”.
Haverá maior e melhor evidência de que teologia da libertação e comunismo são a mesma coisa?
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.