Percival Puggina

03/07/2010
Subitamente, a direção do Hospital de Clínicas de Porto Alegre descobriu que há 22 anos, junto ao Santíssimo, na capelinha lá existente, berra uma escandalosa inconstitucionalidade. Durante décadas, naquele minúsculo local de culto e oração, realizou-se o milagre da Esperança que inicia onde terminam as esperanças humanas e se fez presente o conforto que as pessoas de fé recolhem do coração amoroso de Deus. Tudo abominavelmente inconstitucional desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, segundo crê a direção do hospital. Summum jus, summa injuria (excesso de Direito, máxima injúria à Justiça) sentenciou Cícero sobre casos nos quais a rigorosa leitura da lei determina situações injustas, absurdas ou risíveis, situadas fora de seu espírito. O elenco de feições que esse distúrbio pode assumir é imenso e a inconstitucionalidade da capelinha é uma caricatura de todas. Recordo-me, por exemplo, de reações que presenciei quando se soube que um secretário de Estado tinha o hábito de rezar com sua equipe no local de trabalho. Opa!, ouriçaram-se os militantes do ateísmo. Eles rezam antes do início do expediente ou depois de iniciar o expediente?. Só faltou indagar se rezavam a um Deus dos filósofos, genérico, ou a algum Deus pessoa, específico, interditado na nossa Carta Magna. É a racionalidade dos militantes do materialismo! Falar da vida alheia, discutir futebol e contar piadas durante o expediente, pode. Rezar? Nem pensar! É prá de lá inconstitucional. Inconstitucional prá burro! Numa democracia, reconhecer os direitos das minorias não pode significar recusa a anseios viáveis e legítimos das maiorias. Se 80% da população de um país é católica, desconhecê-lo não é apenas expressão de pouco senso: é agressão a um valor essencial da política e da democracia. É perder o sentido de proporcionalidade essencial à Justiça! Tem mais. Na linha de raciocínio defendido pelos profetas do humanismo anticlerical e ateu, que sempre se expressou em formas totalitárias e em humanismo desumano, é perfeitamente legítimo dar a uma praça o nome do autor do Manual do Guerrilheiro Urbano, Carlos Marighella. Mas se estatela contra supostos óbices constitucionais quem pretender o mesmo para João Paulo II. Já escrevi aqui sobre essa incontornável e preciosa marca - o batismo espiritual e cultural que o Ocidente recebeu do Cristianismo - estabelecida, por fulgurante reflexo, sobre nossa nação. Representada por devoções e ritos significativos para a imensa maioria dos brasileiros, ela se evidencia, também culturalmente, nos nomes de ruas e rios, cidades e Estados, feriados e festas nacionais. Para os materialistas e militantes do ateísmo (aqueles 10% que querem impor aos outros 90% suas próprias devoções) tudo isso é inconstitucional, claro, aguardando que se firme o foco jacobino com que lêem a Constituição Federal de 1988. Explico: na Revolução Francesa, durante o Terror, os jacobinos, para dar sumiço às datas cristãs, criaram um calendário com semana de dez dias. Stalin, século e tanto depois, inventou uma semana de cinco dias com o mesmo fim. Quase todos os totalitarismos, aliás, dos bolcheviques aos barbudinhos de Fidel, foram acometidos de igual fobia à religiosidade em geral e ao cristianismo em particular. Criaram monstrengos em nome de uma igualdade antagônica à verdadeira justiça. Então, aqui no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, põe-se a Constituição sobre o altar e cria-se uma capela new age, franqueada ao terrível e inútil silêncio da matéria. ZERO HORA, 04/07/2010

Revista Veja

03/07/2010
GOVERNO TENTA TRAZER DA SUIÇA DINHEIRO DO FILHO DO SARNEY veja.abril.com.br Fernando Sarney mantém 13 milhões de dólares no exterior sem declarar ao fisco. Recuperação deve demorar, admitem autoridades Mirella DElia O governo brasileiro tenta recuperar 13 milhões de dólares mantidos pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), na Suíça sem declarar à Receita Federal. Autorizado pela Justiça, o pedido de cooperação jurídica internacional foi feito pelo Ministério Público Federal no Maranhão através do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça. O dinheiro foi bloqueado como desdobramento de um inquérito que investiga evasão de divisas. Na prática, este é o primeiro passo para trazer os recursos de volta para o país. O governo brasileiro sustenta que os recursos são fruto de atividades ilícitas. Mas a tarefa não é fácil, dizem as próprias autoridades. Para que os dólares sejam enviados ao Brasil é preciso comprovar a ocorrência de crime. Mas isso só acontece quando há uma decisão final da Justiça ? uma exigência de diversos países. ?O Brasil consegue bloquear o dinheiro no exterior, mas a Justiça demora. A repatriação é mais complexa. Ela só pode ocorrer em processos criminais e a prova é a sentença condenatória definitiva. Mas há uma infinidade de recursos protelatórios. O processo deve demorar?, admite uma fonte graduada do Ministério da Justiça. VEJA.com entrou em contato com a defesa de Fernando Sarney, mas ainda não obteve resposta. Segundo reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, o advogado dele, Eduardo Ferrão, admite que há recursos no exterior, mas alega que a origem do dinheiro é lícita.

Percival Puggina

03/07/2010
Por favor, permitam-me esta rápida e transitória entrada no gramado. Eu sei, eu sei - Ne sutor supra crepidam!. Não vá o sapateiro além das sandálias, teria dito Apeles ao artesão que, chamado a opinar sobre um par de sandálias que estava sendo representado pelo artista, passou a comentar o restante da obra. Então, pedindo licença aos leitores e dispensando a sábia observação de Apeles, lá se vai este sapateiro das coisas triviais da política e da vida nacional aventurar-se, tela acima, nas sutilezas e seriedades do futebol. Afinal, imponho-me o compromisso deste texto semanal e hoje não sinto vontade alguma de pintar sandálias. Azar de quem não goste de futebol. Eu sempre soube que ele, entre os esportes levados a sério, não só é um dos poucos em que há muita falta de seriedade como, também, é um dos raros onde o pior pode ganhar do melhor. O gramado é potreiro onde a zebra pasta faceira e isso viabiliza o futebol como instrumento para jogo de azar. Único com base no qual se pode fazer uma loteria semanal. Afirmo-o para fazer ver aos meus leitores que estou a par de que a lógica não escolheu o futebol como seu habitat natural. Mas convenhamos: um país com 16 milhões de habitantes pode montar uma seleção mais competitiva do que um pais com 190 milhões de habitantes, onde toda criança corre atrás de uma bola desde que deixa de engatinhar? Pela lógica, poucos países (e a Holanda não seria um deles) teriam condições de fazer com uma seleção brasileira o que nossos adversários da última sexta-feira fizeram conosco no segundo tempo da partida em que nos eliminaram da Copa. E sempre seria necessário um dia de zebra solta. Um espasmo de azar. E o caso não foi esse. Perdoem-me, portanto, os fãs do Dunga, se ele ainda os tem. Mas Dunga é o único responsável específico pela derrota do Brasil. O treinador mandou a lógica para o quinto dos infernos. Faltou-nos em praticamente tudo que era de sua atribuição. Levou para a África Sul atletas que não lhe proporcionavam alternativas suficientes, convocou jogadores bons em fase má, e desprezou outros, em excelente fase, por algo que estranhamente denominou coerência. Coerência no erro nunca foi virtude, como tenho insistentemente afirmado em relação a outras situações no plano da política e da ética. De outra parte, se Dunga é o responsável específico, quem é o responsável genérico? É o culto à individualidade que caracteriza o gosto do brasileiro pelo futebol. Talento ganha aplausos e vence alguns jogos. Mas treino técnico e tático, preparo físico e jogo de equipe conquistam campeonatos. O Brasil chegou à África do Sul dependendo de seus talentos individuais para ser campeão. Quando os talentos deixaram de ser suficientes a bola simplesmente não tinha como sair redonda da defesa e chegar redonda no ataque. Uma questãozinha fundamental que a Holanda soube resolver. Diante disso, demita-se o Dunga por justíssima causa. Treinador algum é obrigado a ser simpático e humilde. Mas a antipatia e a arrogância costumam ser o envoltório da incompetência. ___________________________________________________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

27/06/2010
Não é raro que em debates de rádio e tevê surjam interlocutores que se apresentam revestidos de credenciais acadêmicas. Proclamam-se técnicos e querem que seus argumentos sejam apreciados por sua objetividade científica. No entanto, têm lado, ocupam bem cavada trincheira ideológica ou partidária, vestem colete a prova de balas, escudo, viseira e disparam seu arsenal com determinação. Mas assumem ares de isenção. Não requer muito esforço desmontar a cena e expor a falsidade da situação: cientista militante é apenas um militante cientista, é intelectual orgânico, tão a serviço da causa quanto o sujeito que, na madrugada, sai à rua para colar cartazes. Nada há de errado em ter lado. Errado é esconder o lado onde se está. É fingir neutralidade e isenção quando não se é neutro nem isento. Lembrei-me de alguns personagens assim ao refletir sobre o que, em nosso país, se espera da mídia em relação à política (e em época de campanha a ela se impõe). É a mesmíssima coisa! De modo muito especial, pretende-se que no desenrolar de cada campanha eleitoral os veículos e seus profissionais escondam suas predileções e façam de conta que não as têm. Deseja-se, com isso, eliminar toda influência sobre a opinião pública, para que o eleitor possa decidir por si mesmo, sem sofrer manipulação. É uma pretensão que padece da inviabilidade inerente às coisas absurdas. Neste caso, uma pretensão com péssimas consequências: a manipulação se torna muito mais acentuada, mais dissimulada e mais eficaz. Todo o equívoco de que estou tratando aqui tem origem no preceito da Constituição pelo qual o Governo Federal concede e renova as concessões das emissoras de rádio e televisão. Esse mecanismo afeta a autonomia das empresas tanto quanto o faz a publicidade oficial deliberada e distribuída em ambiente político-partidário. É um paradoxo! O Congresso Nacional, que criou o instrumento da concessão e que não regula a publicidade oficial, põe sob suspeita aquilo que criou e coloca a mídia sob mordaça durante as campanhas eleitorais... Assim, tão logo elas começam, não há jornalista que faça pergunta incisiva ou que aponte as contradições dos candidatos. Só se analisa o que não tem qualquer importância. Vale dizer, não há jornalismo durante o período eleitoral. Tudo se passa como se houvesse, mas não há. Graças a tais impedimentos, por outro lado, a comunicação social de natureza política fica submetida por inteiro ao marketing dos candidatos, manipulada para conquistar e convencer. Aquela manipulação que se queria evitar resulta agravada pela mordaça imposta aos jornalistas. Seria muito preferível que as emissoras de rádio e televisão fossem consideradas atividades empresariais como quaisquer outras, sujeitas a controles que inibissem a formação de grandes conglomerados e monopólios e pudessem expressar livremente suas posições políticas, filosóficas e assim por diante. Doravante, até outubro, tudo será controlado e medido. Os centímetros de texto e de imagem, bem como os segundos de exposição concedidos aos candidatos, estarão sob rigoroso escrutínio. Só não serão compulsados, nessa imposta e falsa neutralidade, os miligramas de veneno ardilosamente inseridos nas matérias. Tudo muito transparente e, ao mesmo tempo, totalmente enrustido. Bem ao gosto nacional. ___________________________________________________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Érico Valduga

25/06/2010
DILMA ASSUME A LIDERANÇA Érico Valduga em Periscópio Faz sentido o crescimento da candidata na intenção de voto da eleição bipolarizada, em que a propaganda oficial é servida em doses nunca vistas A pesquisa CNI-Ibope apanhou mais um retrato do momento na disputa presidencial, em que Dilma Rousseff (PT) subiu de 37% para 40%, ante o levantamento anterior, de maio, e José Serra (PSDB) caiu de 37% para 35%, enquanto Marina Silva (PV) manteve-se nos 9%. Os porcentuais indicam a posição dos candidatos hoje, conforme o campo pesquisado, a 100 dias do primeiro turno da eleição, quando ocorrerá a opção definitiva do eleitor, que ainda poderá ser revista no segundo turno. É uma boa notícia para os petistas, cujo comando de campanha previu a ultrapassagem em março, e que reforça a hipótese, ainda improvável, de vitória já no dia 3; e uma má notícia para os tucanos, crentes de que a propaganda veiculada no horário político sustentaria, por si só, o equilíbrio das forças em disputa verificado no mês passado. O resultado em outubro não está nem antevisto, porque o quadro eleitoral depende de numerosas variantes, das quais a decisivo é o desempenho dos concorrentes nos debates nos 45 dias da propaganda dita gratuita (leia a última nota, abaixo) em TV e rádios. Então o eleitor começará a definir-se, em especial na semana final da campanha, como verificado nas eleições anteriores. Hoje, por cima das intenções, convem prestar atenção aos números da pesquisa espontânea, em que o pesquisador não menciona nomes, e que também favorece dona Dilma. Em relação a março, ela cresceu de 14% para 22%, ante 10% para 16% de seu oponente, e Marina subiu de 1% para 3%. Ou seja, mais da metade do eleitorado não cita o nome de seu candidato sem indução, a maioria por não tê-lo escolhido e a minoria por preferir não nomeá-lo.

Percival Puggina

19/06/2010
A reportagem especial de ZH na edição da última segunda-feira me deixou preocupado. Tudo indica que o novo Código de Processo Penal, inibindo a colocação de algemas, jogará a polícia ao desabrigo, dará mais regalias aos réus, dificultará a vida do Ministério Público, ampliará para oito o número de jurados e o placar para condenação subirá de 4 a 3 para 5 a 3. Por aí vai. Mais dia, menos dia, vamos colocar tornozeleira na Polícia, algemar os promotores e estabelecer quota máxima de sentenças condenatórias por magistrado. Excedo-me na ironia? Saí da casinha? No Brasil, nada é mais realista do que o completo absurdo, caro leitor. Lembra-se do caso da professora de Viamão? Ela quis educar seus alunos, fez o rapazinho repintar o que escrevera nas paredes da escola e, em duas semanas, estava diante das instituições, obrigada a engolir as próprias palavras e a penitenciar-se. Por um triz não a obrigaram a escrever cem vezes no quadro negro: Não devo disciplinar meus alunos. Estivesse vendendo droga na escola tudo seria mais frouxo, mais vagaroso e ela contaria com maior proteção. Nesta terra, disparate é a sensatez! Uma coisa é ampliar o leque das penas alternativas às de prisão (desde que restritas a delitos de pequena lesividade, cometidos por réus não reincidentes). Não creio que alguém discorde disso. Outra, bem diferente, é favorecer a pachorra dos processos, como pretende a ideia de criar um recurso ordinário já na apresentação da denúncia, ou inibir ainda mais as possibilidades de prisão antes da condenação, ou inventar a necessidade de dois juízes para cada processo penal. Nossa jurisprudência manuseia as garantias constitucionais sempre em detrimento das que se referem à segurança pública. Toda vez que passo na rua por um desses pobres carroceiros que, como se fossem animais de tração, puxam as próprias cargas para os locais de reciclagem, me vem à mente a questão da criminalidade. A mesa do carroceiro não é farta, o agasalho é pouco, a habitação é precária, a vila não é salubre e o trabalho é duríssimo. Ao lado, bem perto, operam traficantes e suas redes. Têm do bom e do melhor. Mas o carroceiro segue puxando seus fardos e contando centavos porque prefere ganhar a vida trabalhando. Combater a criminalidade, agilizar os processos, eliminar a impunidade e endurecer as penas é sinal de respeito a essa referência moral emergente no país! É por ele, pelo carroceiro, que escrevo este artigo. E também porque sou portador de uma anomalia que me faz ser a favor da sociedade e contra a bandidagem. No entanto, a cada dia, aumenta o número daqueles que estendem o dedo duro para nós, o povo, indigitando-nos como principais culpados pelos males que a insegurança nos impõe. Nós, você e eu, leitor, seríamos vítimas da nossa própria perversidade e os grandes responsáveis, tanto pela situação do papeleiro quanto pela opção do traficante, do ladrão, do assaltante e do homicida. Por isso, falando em nome de muitos, de poucos ou apenas no meu próprio, gostaria de conhecer a natureza do delito que nos imputam, dado que já estamos devidamente desarmados pelas exigências que cercam a posse de qualquer arma, encarcerados por grades de proteção e temos as mãos contidas pelas algemas da impotência cívica. Nós só queremos que nos permitam progressão para o semiaberto, puxa vida! ZERO HORA, 20/06/2010

Percival Puggina

19/06/2010
Quem acompanhou com algum interesse o processo constituinte ocorrido no Brasil ao longo dos anos de 1987 e 1988, provavelmente recordará das expressões Centrão e buraco negro. Centrão designava o grupo majoritário que se organizou para fazer andar os trabalhos e conter, na medida do possível, as maluquices tentadas pela esquerda. Aqueles dois anos de debates decisivos para o futuro do país transcorreram logo após o fim do regime militar. A esquerda, derrotada na luta armada, chegava ao pote das decisões legislativas com voracidade ideológica e fome de poder, desencadeando uma tentativa furiosa de implantar seu programa valendo-se da pressão exercida pelas massas de manobra que começava a articular no país. Foram milhares de embates parlamentares, demorados e difíceis, nos quais o Centrão desempenhou papel que a história, sempre redigida em nosso país com a canhota, deixou de valorizar. Mas anote aí: a economia de mercado, a iniciativa privada, o direito de propriedade e outras garantias constitucionais foram resguardados no Brasil graças à atuação dos líderes do Centrão, entre os quais o brilhante deputado do PMDB gaúcho, Luis Roberto Ponte. Noutra ponta do mesmo novelo, o grupo conseguiu maioria para suprimir alguns - poucos, muito poucos - verbetes do longo dicionário de regalias e privilégios a cuja distribuição o processo constituinte serviu esplendidamente. Naqueles dois anos de deliberações, o Congresso Nacional atraía corporações como o açucareiro atrai essas minúsculas formiguinhas domésticas (com a diferença de que o açúcar era pouco e as formigas imensas e insaciáveis). Na década seguinte, a carga tributária brasileira duplicou. Buraco negro, por sua vez, era a expressão usada para definir situações em que, havendo mais de duas propostas em relação a um mesmo tema, não se chegava a um acordo sobre qual delas deveria ir à votação em plenário com possibilidades de alcançar a necessária maioria. A alternativa mais usada para solucionar os buracos negros que se empilharam para os últimos dias do longo processo deliberativo foi redigir preceitos bem genéricos, vagos, acompanhados de regras estabelecendo que tais temas seriam objeto das disposições de futuras leis complementares. Qualquer estudante de Direito, mais ou menos esclarecido, perceberá que se no processo constituinte não havia maioria necessária para votar essas matérias, elas jamais deveriam fazer parte da Constituição, lugar de estar dos consenso e não dos dissensos de uma sociedade política. Pois entre esses buracos negros estava o tal imposto sobre grandes fortunas, uma das tantas ideias dos jericos que deixaram suas marcas na Constituição Federal. Passados 21 anos, no último dia 9 de julho, a CCJ da Câmara dos Deputados aprovou a criação do referido imposto. É o primeiro passo na direção da transformação em lei do projeto que dispõe sobre o assunto. A ideia foi muito bem combatida em textos recentes e esclarecedores de Gilberto Simões Pires e Alfredo Marcolin Peringer. O primeiro mostra que se alguém, na eventual vigência da mencionada lei, esbanjar R$ 2 milhões em cassinos, farras, banquetes e safáris, não pagará imposto sobre tal montante, mas se o poupar, investir, criar um negócio, terá que acertar contas com o Leão... O segundo, lembra o velho axioma de acordo com o qual não se beneficia os pobres empobrecendo os ricos porque, nas palavras do autor, a tributação sobre os ricos atinge relativamente mais os pobres: reduz o capital intermediário, inibe a poupança, os investimentos e os empregos. Verdade cristalina. No entanto, a CCJ da Câmara aprovou essa tolice por unanimidade, o que aumenta o risco de que venha a ser acolhida em futuras votações e no Senado. Eu quero adicionar uma observação ao que já vem sendo dito por economistas e tributaristas. Diferentemente do que alegam aqueles que aprovaram o projeto, ele apenas cria mais um imposto, a incidir sobre patrimônio gerado por rendimentos ou salários já tributados. E dizer, leitor, que os parlamentos surgiram na história como instrumentos para controlar a ganância fiscal dos governos... ___________________________________________________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

19/06/2010
A reportagem especial de ZH na edi? da ?ma segunda-feira me deixou preocupado. Tudo indica que o novo C?o de Processo Penal, inibindo a coloca? de algemas, jogar? pol?a ao desabrigo, dar?ais regalias aos r?, dificultar? vida do Minist?o P?co, ampliar?ara oito o n?o de jurados e o placar para condena? subir?e 4 a 3 para 5 a 3. Por a?ai. Mais dia, menos dia, vamos colocar tornozeleira na Pol?a, algemar os promotores e estabelecer quota m?ma de senten? condenat?s por magistrado. Excedo-me na ironia? Sa?a casinha? No Brasil, nada ?ais realista do que o completo absurdo, caro leitor. Lembra-se do caso da professora de Viam? Ela quis educar seus alunos, fez o rapazinho repintar o que escrevera nas paredes da escola e, em duas semanas, estava diante das institui?s, obrigada a engolir as pr?as palavras e a penitenciar-se. Por um triz n?a obrigaram a escrever cem vezes no quadro negro: N?devo disciplinar meus alunos. Estivesse vendendo droga na escola tudo seria mais frouxo, mais vagaroso e ela contaria com maior prote?. Nesta terra, disparate ? sensatez! Uma coisa ?mpliar o leque das penas alternativas ?de pris?(desde que restritas a delitos de pequena lesividade, cometidos por r? n?reincidentes). N?creio que algu?discorde disso. Outra, bem diferente, ?avorecer a pachorra dos processos, como pretende a ideia de criar um recurso ordin?o j?a apresenta? da den?a, ou inibir ainda mais as possibilidades de pris?antes da condena?, ou inventar a necessidade de dois ju?s para cada processo penal. Nossa jurisprud?ia manuseia as garantias constitucionais sempre em detrimento das que se referem ?eguran?p?ca. Toda vez que passo na rua por um desses pobres carroceiros que, como se fossem animais de tra?, puxam as pr?as cargas para os locais de reciclagem, me vem ?ente a quest?da criminalidade. A mesa do carroceiro n??arta, o agasalho ?ouco, a habita? ?rec?a, a vila n??alubre e o trabalho ?ur?imo. Ao lado, bem perto, operam traficantes e suas redes. T?do bom e do melhor. Mas o carroceiro segue puxando seus fardos e contando centavos porque prefere ganhar a vida trabalhando. Combater a criminalidade, agilizar os processos, eliminar a impunidade e endurecer as penas ?inal de respeito a essa refer?ia moral emergente no pa? ?por ele, pelo carroceiro, que escrevo este artigo. E tamb?porque sou portador de uma anomalia que me faz ser a favor da sociedade e contra a bandidagem. No entanto, a cada dia, aumenta o n?o daqueles que estendem o dedo duro para n?o povo, indigitando-nos como principais culpados pelos males que a inseguran?nos imp?N?voc? eu, leitor, ser?os v?mas da nossa pr?a perversidade e os grandes respons?is, tanto pela situa? do papeleiro quanto pela op? do traficante, do ladr? do assaltante e do homicida. Por isso, falando em nome de muitos, de poucos ou apenas no meu pr?o, gostaria de conhecer a natureza do delito que nos imputam, dado que j?stamos devidamente desarmados pelas exig?ias que cercam a posse de qualquer arma, encarcerados por grades de prote? e temos as m? contidas pelas algemas da impot?ia c?ca. N??eremos que nos permitam progress?para o semiaberto, puxa vida! ZERO HORA, 20/06/2010

Percival Puggina

19/06/2010
Quem acompanhou com algum interesse o processo constituinte ocorrido no Brasil ao longo dos anos de 1987 e 1988, provavelmente recordar?as express?Centr?e buraco negro. Centr?designava o grupo majorit?o que se organizou para fazer andar os trabalhos e conter, na medida do poss?l, as maluquices tentadas pela esquerda. Aqueles dois anos de debates decisivos para o futuro do pa?transcorreram logo ap? fim do regime militar. A esquerda, derrotada na luta armada, chegava ao pote das decis?legislativas com voracidade ideol?a e fome de poder, desencadeando uma tentativa furiosa de implantar seu programa valendo-se da press?exercida pelas massas de manobra que come?a a articular no pa? Foram milhares de embates parlamentares, demorados e dif?is, nos quais o Centr?desempenhou papel que a hist?, sempre redigida em nosso pa?com a canhota, deixou de valorizar. Mas anote a?a economia de mercado, a iniciativa privada, o direito de propriedade e outras garantias constitucionais foram resguardados no Brasil gra? ?tua? dos l?res do Centr? entre os quais o brilhante deputado do PMDB ga?, Luis Roberto Ponte. Noutra ponta do mesmo novelo, o grupo conseguiu maioria para suprimir alguns - poucos, muito poucos - verbetes do longo dicion?o de regalias e privil?os a cuja distribui? o processo constituinte serviu esplendidamente. Naqueles dois anos de delibera?s, o Congresso Nacional atra?corpora?s como o a?areiro atrai essas min?las formiguinhas dom?icas (com a diferen?de que o a?ar era pouco e as formigas imensas e insaci?is). Na d?da seguinte, a carga tribut?a brasileira duplicou. Buraco negro, por sua vez, era a express?usada para definir situa?s em que, havendo mais de duas propostas em rela? a um mesmo tema, n?se chegava a um acordo sobre qual delas deveria ir ?ota? em plen?o com possibilidades de alcan? a necess?a maioria. A alternativa mais usada para solucionar os buracos negros que se empilharam para os ?mos dias do longo processo deliberativo foi redigir preceitos bem gen?cos, vagos, acompanhados de regras estabelecendo que tais temas seriam objeto das disposi?s de futuras leis complementares. Qualquer estudante de Direito, mais ou menos esclarecido, perceber?ue se no processo constituinte n?havia maioria necess?a para votar essas mat?as, elas jamais deveriam fazer parte da Constitui?, lugar de estar dos consenso e n?dos dissensos de uma sociedade pol?ca. Pois entre esses buracos negros estava o tal imposto sobre grandes fortunas, uma das tantas ideias dos jericos que deixaram suas marcas na Constitui? Federal. Passados 21 anos, no ?mo dia 9 de julho, a CCJ da C?ra dos Deputados aprovou a cria? do referido imposto. ?o primeiro passo na dire? da transforma? em lei do projeto que disp?obre o assunto. A ideia foi muito bem combatida em textos recentes e esclarecedores de Gilberto Sim?Pires e Alfredo Marcolin Peringer. O primeiro mostra que se algu? na eventual vig?ia da mencionada lei, esbanjar R$ 2 milh?em cassinos, farras, banquetes e saf?s, n?pagar?mposto sobre tal montante, mas se o poupar, investir, criar um neg?, ter?ue acertar contas com o Le?.. O segundo, lembra o velho axioma de acordo com o qual n?se beneficia os pobres empobrecendo os ricos porque, nas palavras do autor, a tributa? sobre os ricos atinge relativamente mais os pobres: reduz o capital intermedi?o, inibe a poupan? os investimentos e os empregos. Verdade cristalina. No entanto, a CCJ da C?ra aprovou essa tolice por unanimidade, o que aumenta o risco de que venha a ser acolhida em futuras vota?s e no Senado. Eu quero adicionar uma observa? ao que j?em sendo dito por economistas e tributaristas. Diferentemente do que alegam aqueles que aprovaram o projeto, ele apenas cria mais um imposto, a incidir sobre patrim? gerado por rendimentos ou sal?os j?ributados. E dizer, leitor, que os parlamentos surgiram na hist? como instrumentos para controlar a gan?ia fiscal dos governos... ___________________________________________________________ * Percival Puggina (65) ?rquiteto, empres?o, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no pa? autor de Cr?as contra o totalitarismo e de Cuba, a trag?a da utopia.