Percival Puggina

20/03/2010
Longe de mim recusar o direito à burrice. O que deve ser negado é a burrice ao Direito. O Direito afeta o conjunto da sociedade, exigindo, portanto, cuidadosa aplicação da inteligência no sentido da Razão. É preciso protegê-lo da burrice. Há alguns meses, após palestra a alunos de uma Faculdade de Direito, ouvi de um estudante candente manifestação de apoio à invasão de terras e à ação do MST. Ora, nos cursos de Direito formam-se profissionais cuja atividade mais comum será a de defender interesses de seus constituintes no contexto do emaranhado legal do país. Essa e outras atividades que compõe o cotidiano dos operadores do Direito se desenvolvem em torno de uma coisa chamada ?processo?. O devido processo. Ele é o meio dentro do qual se movem os profissionais do Direito e o aparelho judiciário. Sem ele não podem operar as partes nem decidir os magistrados. Portanto, expliquei ao rapaz, a menos que se deseje condenar à miséria os diplomados nas carreiras jurídicas, transferindo prestígio e renda para as profissões de pistoleiro e capanga, seria prudente ? para dizer o mínimo ? rever sua posição. Um bom advogado deve ser intransigente defensor do devido processo! É provável que de nada tenha adiantado o que eu disse. Certas ideologias envolvem a razão num casulo e obliteram o entendimento. Faça a experiência, entre num site ou blog de esquerda que tenha espaço para interatividade e tente argumentar contra alguma ideia ali exposta. Eu fiz isso ontem. Pesquisando sobre o PNDH-3 (aquele decreto federal sobre direitos humanos para o qual Lula e Dilma fizeram a maior festa, e depois alegaram desconhecer seu conteúdo) deparei-me com um artigo que me interessou. O autor, formado em Direito, defendia o decreto presidencial e, em particular, apoiava aquela mediação que pretende tornar obrigatória a audiência a ?organizações da sociedade? como condição prévia à concessão de liminar para reintegração de posse em casos de invasão de propriedade. O decreto propõe que o juiz, quando isso ocorrer, só possa deliberar após ouvir certas organizações militantes, em reunião conjunta com os invasores e o invadido. Uma zorra na vara! Lendo o referido artigo no blog de um advogado, adicionei ali uma observação mostrando que essa exigência cerceava a atividade jurisdicional, colocava em pé de igualdade o invadido e o invasor, trazia para dar palpites no processo partes que nada tinham a ver com ele e estabelecia mediação onde não havia o que mediar. Foi o que bastou para que o responsável pelo blog viesse em socorro à minha ignorância com um argumento tão arrasador que o fez sentir-se autorizado a tirar sarro da minha cara. Disse ele, literalmente: ?Leia a Constituição. Ela estabelece a função social da propriedade, hehehe?. E eu fiquei sem saber ? hehehe ? o que uma coisa tinha a ver com a outra. A função social da propriedade é um princípio, não é autorização para que um bem possa ser tomado ao bel-prazer de quem o pretenda ter para si. No entanto, nada há de desmesurado na burrice do cavalheiro esse do hehehe. É exatamente assim que pensam os autores do PNDH-3 e todos os participantes do Congresso Nacional do PT que ungiram com a bênção partidária a totalidade do lamentável calhamaço. O direito à burrice é como a anistia ? amplo, geral e irrestrito. O que precisamos é proteger da burrice o Direito. _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Carlos Alberto Montaner

15/03/2010
A PENOSA FRAGILIDADE DE LULA Excerto da coluna de Dora Kramer no Estado de S. Paulo em 13/03/2010. Em artigo publicado ontem no Estadão, o escritor cubano Carlos Alberto Montaner reproduz definição sobre o presidente Lula que ouviu de um presidente latino-americano. É a seguinte: Esse homem é de uma penosa fragilidade intelectual. Continua sendo um sindicalista preso à superstição da luta de classes. Não entende nenhum assunto complexo, carece de capacidade de fixar atenção, tem lacunas culturais terríveis e por isso aceita a análise dos marxistas radicais que lhe explicam a realidade como um combate entre bons e maus. Segundo Montaner, o comentário foi feito a propósito da perda de confiança internacional provocada pelo alinhamento brasileiro a governos autoritários.

Percival Puggina

13/03/2010
Ao longo do último quarto de século tenho escrito centenas de artigos e participado de muitos programas de rádio e tevê defendendo a Igreja Católica e sua doutrina. Faço-o como leigo, porque incluo isso entre meus deveres. São posições em favor da família, valores cristãos, ensino religioso, Direito Natural, respeito à vida e Doutrina Social da Igreja. E são posições contra o relativismo moral, o ateísmo de Estado e as incontáveis tentativas de excluir os cristãos de quaisquer debates sobre temas da sociedade. No entanto, bastou-me denunciar o alinhamento do texto-base da atual Campanha da Fraternidade com a teologia da libertação (reiteradamente condenada, aliás, por João Paulo II e Bento XVI) para suscitar algumas curiosas reprovações. É o que chamaria de fidelidades ideológicas postas além e acima das fidelidades religiosas. Somente quando contêm deliberação unânime do colegiado dos Bispos reunidos em Assembléia, ou de 2/3 com aprovação da Santa Sé, os documentos da CNBB expressam posição doutrinária oficial da Igreja no Brasil. E, quando assim, são irretocáveis em conteúdo e forma. Outros textos, cartilhas, etc. não têm a mesma origem e peso. Alguns levam a assinatura de tal ou qual bispo responsável pela respectiva área. Mas todos, inclusive os erros e demasias que caracterizam as posições da CPT e das pastorais sociais, chegam à mídia e ao povo como ?da? CNBB e ?da? Igreja, sem que ninguém se apresse em estabelecer as necessárias delimitações. O texto-base desta Campanha da Fraternidade, por exemplo, traz, na apresentação de suas 80 páginas, a assinatura de apenas um bispo. Pode até ter a pretensão de expressar posição ?da? Igreja e ser lido como tal. Mas não preenche as condições explicitadas na Instrução da Santa Sé sobre o ministério dos bispos. Tem falhas e erros. A ele não se presume reverência e obediência. Mereceu tão pouco cuidado, aliás, que acabou impresso com cacos de correção do tipo ?(perguntar se pode acrescentar?)?! Esse documento é ?da? Igreja? Pergunto: quem apoia oficialmente a mobilização pelo plebiscito sobre a Limitação da Propriedade da Terra, ali incluído, e que pretende confiscar as propriedades com extensão superior a 35 módulos rurais? A Igreja, a CNBB, seus assessores ou a CPT? Têm aprovação colegiada dos senhores bispos todas as afirmações e sugestões contidas no texto-base? Custo a crer. Há nele uma citação de Atos 4,32 (relato dos primeiros cristãos, que venderam o que tinham e colocaram tudo em comum). Dessa passagem, o documento da Campanha extrai, in verbis, que ?os discípulos de Jesus propuseram ao mundo uma grande revolução econômica? que se expressava na alienação das posses e na partilha solidária dos bens. Não creio que, pela unanimidade dos bispos, a Igreja tenha decidido recomendar ao Brasil algo assim. Não há indícios no texto-base, por seu ferramental marxista e desprezo aos rudimentos da ciência econômica, à experiência dos povos e ao papel da má política na perpetuação da miséria, de que ele recolha o pensamento do colegiado dos bispos. Menos ainda guarda relação com a Doutrina Social da Igreja, que conheço bem. O tema da Campanha é bom. Solidariedade, desapego aos bens materiais e conversão andam juntas. Ganância, idolatria e egoísmo são pecados. Devemos servir a Deus e ao bem comum. Jamais ao dinheiro! E tampouco devemos servir ao erro, à luta de classes e ao marxismo. ZERO HORA, 14/03/2010

Rodrigo Salesi

13/03/2010
PARÁBOLA DA INDECISÃO Havia um grande muro separando dois grandes grupos. De um lado do muro estavam Deus, os anjos e os servos leais de Deus. Do outro lado do muro estavam Satanás, seus demônios e todos os humanos que não servem a Deus. E em cima do muro havia um jovem indeciso, que havia sido criado num lar cristão, mas que agora estava em dúvida se continuaria servindo a Deus ou se deveria aproveitar um pouco os prazeres do mundo. O jovem indeciso observou que o grupo do lado de Deus chamava e gritava sem parar para ele: - Ei, desce do muro agora... Vem pra cá! Já o grupo de Satanás não gritava e nem dizia nada. Essa situação continuou por um tempo, até que o jovem indeciso resolveu perguntar a Satanás: - O grupo do lado de Deus fica o tempo todo me chamando para descer e ficar do lado deles. Por que você e seu grupo não me chamam e nem dizem nada para me convencer a descer para o lado de vocês? Grande foi a surpresa do jovem quando Satanás respondeu: É porque o muro é MEU.

Percival Puggina

13/03/2010
Eu não sabia, juro. Eu não sabia que os royalties do petróleo representavam essa dinheirama para os privilegiados Estados e municípios que deles se beneficiam, por graça de Deus e bênção da natureza. ?Allah akbar!?, deveriam proclamar diariamente seus governadores e prefeitos, dissimulados sultões do petróleo brasileiro. Em recente sessão do Senado Federal, que assisti petrificado ante os números que eram expostos pelos oradores, ouvi de um deles que o município de Campos, sem os royalties do petróleo, iria quebrar. Como é que é? Um município que vive de royalties? Horas mais tarde, era o governador Sérgio Cabral que chorava de torcer lenço ensopado, com a aprovação da emenda Ibsen Pinheiro, na Câmara dos Deputados. O Rio de Janeiro perderia R$ 4,5 bilhões ao ano. Bilhões? Bilhões. Eu quis saber mais. Entrei no Google Earth e fui olhar as fotos de Campos, bela cidade, com mais de 400 mil habitantes. Ali se concentram seis das sete usinas de açúcar e álcool do Estado e a maior parte da indústria cerâmica fluminense. Ali está a Universidade do Norte Fluminense e há um hospital universitário que dá vontade de adoecer só para ser internado. Parece-lhe razoável, leitor, que uma comuna desse porte viva de royalties? Noventa e nove por cento dos municípios brasileiros têm suas finanças lastreadas em coisas frugais e triviais como IPTU, ISSQN, e os respectivos retornos de tributos estaduais e federais. A vida é assim para todo mundo, poxa! A questão dos royalties pagos aos sultanatos do petróleo verde-amarelo é mais uma face da poliédrica iniquidade nacional. Ela aparece nas distorções causadas pelo patrimonialismo. Ela se manifesta na voracidade do corporativismo, inclusive entre aqueles sempre dispostos a fazer justiça com o que é dos outros, mas que se aferram em qualquer interpretação legal que lhes robusteça os exuberantes contracheques. E ela aparece nos desatinos com que o bolsa-ditadura remunera os guerrilheiros e terroristas que foram às armas pela implantação do comunismo no Brasil. O sultanato do petróleo é apenas mais uma face do mesmo mal. Alega-se que esses royalties são ?indenizações?. A exploração de petróleo no mar causaria riscos e prejuízos. Mas é um negócio tão bom que até eu encaro. Me mandem os royalties que eu abraço a conta dos prejuízos. Certo? É muito dinheiro! E note mais, leitor. Cada vez que você, em qualquer lugar do Brasil, enche o tanque do carro, está bancando, por via indireta, os royalties que a nossa Petrobras paga pelo petróleo que extrai. E custeando, também, os investimentos da empresa. Investimentos que geram empregos que não são do seu Estado. Ou seja, o ônus do petróleo nacional é todo seu, mas o filé dos investimentos e dos bônus vai para os sultanatos que se estabeleceram no país. Apenas por acaso, esses estados e municípios são os mesmos que, agora, estendiam os olhos e as mãos para o anunciado dindim do pré-sal. Eles juram que tem tudo a ver com eles esse óleo localizado 300 km mar adentro, lá onde o caranguejo perdeu a casca, e sete quilômetros abaixo do nível onde as cariocas se bronzeiam. _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

12/03/2010
Não sei se o leitor já percebeu que os partidos políticos brasileiros estão se esfarelando no ralador da própria insignificância. Nestes dias que correm, por exemplo, celebram-se os mais exóticos enlaces. Sobre o balcão dos acordos nupciais, o setor público ? governo e administração ? é negociado como espólio dos vencedores. Vamos transacionar o que interessa: quem fica com o quê? Trata-se de um fenômeno nada recente, que, pouco a pouco, reduziu os partidos políticos brasileiros ao mínimo denominador comum que lhes resta ? sua função cartorial. Por força de lei, ninguém pode disputar eleição se não tiver filiação partidária. Ponto. Eis aí o que são nossos partidos. E eis aí tudo que eles são. Recordo que durante anos clamava-se pela fidelidade partidária como condição para que os legendas retomassem sua significação. Tratava-se, como sempre escrevi e disse, de uma campanha contra as consequências do fenômeno, promovida com total desconsideração pelas suas causas. Até o TSE e o STF acreditaram nessa. Instituíram, por conta própria, a fidelidade partidária. E os partidos? Melhoraram? Os maus políticos ergueram um milímetro seus padrões de conduta? A única coisa que talvez tenha acabado é a venda de filiação partidária, mas esse nunca foi o maior nem o melhor negócio nos nossos parlamentos. No Congresso Nacional vendem-se muito mais interesse público e votos do que mandatos. Uma das muitas expressões desse mesmo problema institucional se evidencia no fato de que a função própria dos partidos ? a agregação política de pessoas com as mesmas crenças, ideologias e valores ? acaba convergindo para outras forças existentes na sociedade. São os grupos de interesse, que, ao fim e ao cabo, compõem verdadeiras bancadas. E isso não é bom para a democracia nem para o bem comum. Mas é conseqüência inevitável da regra do jogo, da conjugação da eleição proporcional com o sistema de governo que adotamos. Nossa democracia está deixando de ser uma democracia por partidos para se tornar uma democracia por grupos de interesse. Enquanto não adotarmos uma regra melhor, superior, é preciso levar em conta que a atividade política deve ser exercida com ideais elevados e senso prático, dentro das regras estabelecidas. Há uma eleição em outubro deste ano e, diante desse pleito, como deve se orientar a força política do agronegócio? O agronegócio é um dos grupos de interesse articulados no país. O setor, que tem enorme peso na nossa vida econômica e social, enfrenta adversários que agem em total desrespeito ao Estado de Direito, com impressionante suporte no próprio Estado de Direito. Trata-se, obviamente, de uma inequação típica da esquizofrenia nacional: os fora da lei recebendo amparo institucional! Loucura pura. Situação demencial, que clama por corretivo político, jurídico e institucional. Diante disso, ainda que outras causas não existissem (e existem), justifica-se plenamente, por realismo e idealismo, a articulação política do agronegócio brasileiro em relação aos pleitos de 2010. Que a insanidade não afete o setor e não vá ele repetir erro anterior, indo bater à porta do hospício e entregando-se à gestão dos internos, como boa parte dele fez em 1998. * Publicado originalmente na revista Somando edição de março de 2010. _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Roldão Arruda - Estadão

08/03/2010
SEM-TERRA RECEBERAM DOIS ESTADOS DE SP O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) acaba de concluir um novo levantamento sobre a reforma agrária no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com os números oficiais, em sete anos foram assentadas 574,6 mil famílias, numa área de 46,7 milhões de hectares. Isso corresponde a quase duas vezes o território do Estado de São Paulo - com 24,8 milhões de hectares. Ainda de acordo com os dados oficiais, já encaminhados ao Palácio do Planalto, as realizações do atual governo representam 55% de tudo que foi feito na área da reforma agrária em 40 anos de existência do Incra. Na soma dos vários governos do período, 84,3 milhões de hectares já foram transformados em assentamentos rurais. Considerando que o Brasil tem aproximadamente 850 milhões de hectares, pode-se dizer que 10% do território foi para a reforma.

Percival Puggina

07/03/2010
Tenho um casal de amigos que gostou tanto do filme ?Lula o filho do Brasil? que já foi assisti-lo quatro vezes. Hein? Mentira minha? Tem razão. Estou apenas demonstrando o completo desencontro do filme com as expectativas de seus personagens, protagonistas e produtores. A única plateia que bateu palmas para a obra de Fábio Barreto foi a que compareceu à sua pré-estreia, um seleto cordão de ? como direi? ? parceiros, cativados pelos cheques dos contratos ou pelos contracheques funcionais. Pois eis que na contramão daqueles aplausos e das reverências dos blogs de esquerda, quando chegou aos cinemas ? quase quatrocentas salas decoradas para recebê-lo ? o filme travou. Travou miseravelmente. Deu apagão na sala de projeção. Após dois meses nas telas, ainda estava longe do milhão de espectadores. No fim de semana de 28/02 (veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/cultura de 1º de março), menos de quinhentas pessoas assistiram a película, que despencava como pedra, em irreversível parábola descendente. Para quem antevia um estouro de bilheteria, produzido por um público entre cinco e 16 milhões de fãs, o filme é um esférico e lustroso fracasso. Olhando assim, pelo alto, de avião, até parece obra do PAC, não é mesmo? Empacou, não funcionou, custou caro, foi cercado de imensa publicidade, recebeu calorosos aplausos dos companheiros, pretendia ampliar o prestígio de Lula e foi concebido em tom de puxa-saquismo. Mas não é obra do PAC, não! Tem tudo para ser, mas não é. Não é do PAC e não tem mãe. Alguém dirá que não faz sentido ironizar o insucesso do filme. Acontece que ?Lula, o filho do Brasil? encaixou-se na perspectiva política e eleitoral de 2010. Esperava-se que o ato de assisti-lo se constituísse em reverência litúrgica. E confiava-se em que os fiéis assistentes deixariam as salas de exibição decididos a obedecer cegamente seu pastor. Ora, quem se farda para o jogo político e entra em campo pode fazer gol e pode levar gol. Então ironizo. Em qualquer lugar do mundo, um fracasso de bilheteria arde no bolso de quem investiu no espetáculo. No Brasil, as coisas não são assim. Quando um filme chega aos cinemas todo mundo já ganhou dinheiro através dos benefícios que, a título de incentivo à cultura, retiram recursos diretamente do erário. Não recuso importância à cultura (quando o bem ou produto realmente tem valor cultural). Mas quando os pacientes do SUS se empilham em beliches nos corredores, quando a sociedade padece nas mãos da criminalidade e quando a educação anda um passo atrás da ignorância, creio que a escala das prioridades aponta outros rumos para esses recursos. Não vejo sentido em que o sucesso financeiro de um filme não dependa da aceitação do público, mas da coleta de incentivos fiscais. A bem da verdade, esclareça-se: não foi assim com ?Lula o filho do Brasil?. A obra de Fábio Barreto, por motivos óbvios, não usou esse mecanismo. Seria difícil explicar a concessão de estímulo fiscal para um filme de louvação ao presidente da República, em pleno exercício do mandato e em ano eleitoral. A grana foi buscada junto a empresas altamente conscientes de suas responsabilidades com a arte e a cultura nacional, animadas por irresistível desejo de contribuir com quotas da ordem de R$ 1 milhão (Revista Época fev/2009) para que Barreto promovesse um personagem que, só por acaso, é o dono do caixa do país. Mas convenhamos, deu no mesmo que se fosse coisa da Lei de Incentivo à Cultura. Ao fim e ao cabo, de uma forma ou de outra, o dinheiro sai do mesmíssimo lugar. E a Campanha da Fraternidade está convencida de que o Brasil é assim por causa da economia de mercado. _____________________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Percival Puggina

28/02/2010
Entristece-me o fato de a CNBB jamais esclarecer que ela não é a Igreja Católica. A CNBB é um ente burocrático, um órgão de apoio, de auxílio aos bispos. No entanto, o silêncio sobre sua verdadeira natureza faz com que, entendida como ?a? Igreja Católica (algo infinitamente superior ao que a CNBB de fato é), ela se misture e nivele a outras organizações da sociedade (OAB, ABI, CUT, MST, etc. e tal). É uma pena. A minha consternação se agrava, contudo, pela reiteração de certos equívocos que ficam bem nítidos na atual Campanha da Fraternidade. Um deles está na confusão entre os campos da Economia e da Política. Os documentos da CNBB são useiros e vezeiros em misturar essas duas esferas da atividade humana, atribuindo à primeira aquilo que é próprio da segunda. Como consequência, pretendem conferir aos agentes econômicos obrigações inerentes às instituições políticas. Trata-se de uma desatenção ao próprio pensamento católico, que reconhece a autonomia das duas esferas. De um sistema econômico se espera que produza, ao máximo de suas possibilidades, riqueza, desenvolvimento, postos de trabalho, tributos e renda, ou seja, condições materiais para a melhoria dos padrões de vida da sociedade. É o que pede a Campanha da Fraternidade de 2010? Não. Ela, enquanto aponta idolatrias e excessos que todos condenam, quer que o sistema econômico nacional, priorizando a partilha e a solidariedade, rejeite as exigências do mercado, do consumo e do lucro. E gere empregos e tributos com penitência e oração? Toda consciência bem formada se revolta com as tragédias da pobreza material, feitas de analfabetismo, baixo nível educacional e cultural, más condições habitacionais e sanitárias, abandono dos aposentados. Feitas também por corrupção, esbanjamentos, mordomias, absurdos desníveis na remuneração do serviço público e maus governos. Não é com a superação desses embaraços que venceremos a miséria e os desníveis sociais? Pois é tudo campo da Política! Miséria e desníveis sociais são temas para os poderes públicos, que se apropriam de 40% do PIB nacional! As justas preocupações com partilha e solidariedade deveriam focar, principalmente, essa brutal ruptura com o Princípio da Subsidiariedade. É grave erro da Campanha não dizer que os problemas do Brasil são muito mais políticos do que econômicos. Muito mais institucionais do que empresariais. Bons governos, com boas políticas, enfrentam essas dificuldades valendo-se da competente operação do setor privado. Outro erro, ainda, está na influência marxista que se derrama sobre boa parte dos documentos da CNBB. Neles, o pobre, o pobre do Evangelho, sob influxo da mais do que reprovada Teologia da Libertação (TL), vira excluído. E fica subentendido que o excluído está excluído porque o incluído não o quer dentro. Assim, o apelo evangélico à caridade se converte em luta de classe. E saiba leitor, que Bento XVI, ainda agora, no dia 5 de dezembro, olho no olho, advertiu os bispos brasileiros do Sul III e IV contra ?os princípios enganadores da TL? e para ?o perigo que comporta a assunção acrítica, feita por alguns teólogos, de teses e metodologias provenientes do marxismo, cujas sequelas mais ou menos visíveis, feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa e anarquia fazem-se sentir ainda, criando, nas vossas comunidades diocesanas, grande sofrimento e grave perda de forças vivas?. Será preciso dizer mais? ZERO HORA, 28/02/2010