Percival Puggina
07/08/2019
Por obra de Deus, ou do diabo, estou em algumas listas de e-mails criadas para distribuir conteúdos a petistas, esquerdistas e assemelhados. Elas me fornecem rico repertório de informações e, principalmente, das correspondentes “narrativas” e vocabulários. É notável, aliás, o quanto as palavras usadas dizem de quem as profere. Os termos falam de quem os utiliza tanto ou mais do que gestos e expressões faciais. E são menos enganosos do que inteiros discursos.
A afirmação de que houve, na eleição de 2018, “mera troca de uma ideologia por outra” é das tais narrativas bem sucedidas. Embora enganosa, veio tentar vaga no mundo dos fatos. Com ela, subliminarmente, se transfere para a “ideologia” que chega ao poder, parte da carga negativa que se instalou sobre o esquerdismo. Ao mesmo tempo, com poucas palavras, se introduz a ideia de que ocorreu no Brasil mera troca de seis por meia dúzia.
A ideologia que vigorou hegemônica até janeiro deste ano andou no rumo de seu inexorável curso ao longo da história. Como em todas as experiências anteriores, redundou em fracasso, falência, corrupção e colapso da ordem. Por isso, sob o ponto de vista qualitativo, a chegada ao poder do pensamento liberal e conservador significa uma espécie de salto quântico para um nível mais alto. Se fôssemos representar a situação com os pratos de uma balança, o prato velho ficaria caído no fundo enquanto o novo se despegaria e subiria às alturas.
A “ideologia” – digamos assim para clareza do entendimento – que que chegou ao poder em 2019 era majoritária na sociedade, mas não tinha (e ainda não tem) partido de expressão que falasse por ela, nem apoio nos grandes meios de comunicação de massa. O dito Centrão, adesista, operava para os governos de esquerda e para o interesse próprio, e os meios culturais estavam, em sua quase totalidade, dominados pelo pensamento de esquerda. Dou um exemplo pessoal: nos dez anos durante os quais fui colunista dominical de Zero Hora, substituindo o Olavo de Carvalho a partir de 2006, fui o único a defender de modo ininterrupto as ideias liberais e o pensamento conservador.
Coube às mídias sociais e suas redes, ao democratizarem o direito de opinião, dar-nos voz e, com a candidatura de Bolsonaro, proporcionar-nos a expectativa da representação. Graças a elas, por fim, contra tudo e todos, foi viabilizada a expressão política dessas ideias de um modo personificado. O presidente, representando o conservadorismo e o amor à Pátria; Paulo Guedes, também conhecido como Posto Ipiranga, liderando a aplicação das ideias liberais; e Sérgio Moro, espelhando os anseios nacionais de combate à corrupção e à impunidade.
Agora, os derrotados vêm à desforra. Aquela conjugação de estrelas que perdeu a hegemonia parte para o ataque. Ela envolve importantes veículos de comunicação e seus formadores de opinião, mundo acadêmico, centrais sindicais, partidos políticos de esquerda derrotados em 2018 bem como a parcela militante do show business. Em conjunto e de modo cotidiano, atacam o governo valendo-se de insignificâncias e trivialidades pinçadas e apresentadas como se grandes coisas fossem, ainda quando não passam de meras palavras escrutinadas com a expertise da inutilidade. As minúcias alvejadas servem bem melhor para exaltar, pelo silêncio com que são acolhidos, os acertos do governo.
Ao mesmo tempo, se valem da criminalidade para proteger a criminalidade. São contra a Lava Jato, o combate à corrupção, a estabilidade das instituições, a separação dos poderes, a atuação dos órgãos de fiscalização e controle. E contam, para isso, com cobertura do Supremo Tribunal Federal.
Diante desse cenário, a omissão e o silêncio dos omissos e dos ingênuos fazem muito mal ao Brasil.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
03/08/2019
Marcio Chila Freysleben, Procurador de Justiça no MP/MG, solicita-me que endosse e divulgue o pedido de impeachment do ministro Dias Toffoli (1), do qual é um dos signatários. Feito.
O fato me fez lembrar, imediatamente, do pacote de documentos que me foi passado, há dias, por um leitor. Trata-se de uma resenha de todas as denúncias apresentadas contra ministros do STF nos anos de 2016 a 2019, num total de 37. Em sequência, uma volumosa cópia dos autos correspondentes às oito denúncias encaminhadas ao Senado Federal no ano de 2016, todas concluindo pelo não acolhimento, situação que se repetiu nos subsequentes casos sob diferentes presidências da Câmara Alta. Apenas as dez últimas, apresentadas no ano de 2019, ainda se encontrariam aguardando manifestação da assessoria técnica. O destino de todas, porém, já está sinalizado pelo curso da história.
Dois fatos chamam a atenção. Primeiro, o grande número de representações. Segundo, o exercício de autocrático poder pelo presidente do Senado para determinar arquivamento sem ouvir ninguém mais do que sua assessoria técnica. A reiteração de tais condutas evidencia o ataque letal e fulminante que as canetas dos presidentes do Senado determinam à Lei que regula os procedimentos de impeachment e ao preceito constitucional que atribui ao Senado o poder de processar e julgar Ministros do STF. É morte provocada, piedosa, espécie de eutanásia. A Constituição e a lei morrem por “piedade” dos denunciados.
Em momento algum a Lei Nº 1.079/50 menciona consulta a assessorias, ou atribui ao Presidente do poder a prerrogativa de decidir pelo não acolhimento. Seus artigos 42 a 49 são bem claros quanto à exclusiva competência do Poder como tal e não de seu Presidente. A própria Comissão Especial (de senadores) que deveria ser constituída a cada caso tem como tarefa emitir relatório apenas opinativo para orientar a deliberação do Plenário.
“Este assunto nunca foi levado ao STF?”, deve estar se perguntando o leitor destas linhas. Claro que sim. Aliás, a questão resultou esmiuçada na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) de nº 378, em que foi regulamentado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Uma das questões levantadas se referia à possibilidade de o Senado simplesmente engavetar o processo por decisão da Mesa presidida por Renan Calheiros. O Supremo, no entanto, dispôs:
3.3. Conclui-se, assim, que a instauração do processo pelo Senado se dá por deliberação da maioria simples de seus membros, a partir de parecer elaborado por Comissão Especial, sendo improcedentes as pretensões do autor da ADPF de (i) possibilitar à própria Mesa do Senado, por decisão irrecorrível, rejeitar sumariamente a denúncia; e (ii) aplicar o quórum de 2/3, exigível para o julgamento final pela Casa Legislativa, a esta etapa inicial do processamento.
Ou seja, para o acolhimento da denúncia é exigida maioria simples dos senadores e, para a condenação, maioria de dois terços. No entanto, sucessivas presidências do Senado Federal vêm arquivando dezenas de denúncias contra ministros do STF de modo irregular, que inutiliza o exercício de um direito constitucionalmente assegurado a todos os cidadãos. É com esperança de que isso seja revertido, contando com a mobilização da sociedade, que subscrevo e divulgo o pedido de impeachment mencionado no primeiro parágrafo deste artigo.
É preciso acabar com o império da impunidade. O STF não julga os crimes dos senadores e o Senado não acolhe denúncias contra os ministros. Dois ou três impeachments de ministros do STF produziriam extraordinário efeito pedagógico em ambos os poderes da República.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
29/07/2019
Mesmo sem ter formação na área jurídica, participei intensamente, há muitos anos, na criação da Associação dos Juristas Católicos no Rio Grande do Sul e compareço, sempre que possível, às suas reuniões ou solenidades. Sinto-me estreitamente alinhado com a ideia de que congregar juristas católicos seja uma necessidade nacional. No pequeno grupo de queridos amigos que semanalmente se reúne em minha casa para conversarmos, como católicos, sobre os problemas sociais, políticos, e religiosos do Brasil, sou dos poucos sem formação em ciências jurídicas. De tais convívios concluo: a alma cristã padece no ambiente jurídico nacional.
Vivemos realidade cultural em que o profano vale mais do que o sagrado, o temporal se sobrepõe ao eterno e o natural se impõe ao sobrenatural. Escrevendo sobre o tema, o filósofo espanhol Andrés Ollero identifica um novo confessionalismo. Diz ele:
“O temporal se sacralizou até converter o religioso em elemento estrangeiro à sociedade civil. É lógico, portanto, que o convide a se recolher ao templo”.
Está caracterizada a inversão: o profano (o que está fora do templo erguido a Deus) virou sagrado para o homem e o sagrado virou profano (descartado dos altares que o relativismo moral, o materialismo dialético e o ativismo judicial ergueram aos seres e às coisas criadas). Adão vai à forra e expulsa Deus do seu enfatuado “paraíso”.
Raros brasileiros atentos aos fatos da República deixarão de concordar com alguns adjetivos frequentemente aplicáveis à conduta de tantos mestres, legisladores, julgadores: vaidade, arrogância, presunção. Quando se recusa o Direito Natural, convertendo algo tão importante quanto o Direito na petulante construção de um indivíduo ou de um coletivo, o efeito psicológico dessa dicção é terrível. Como ensina o insigne jurista espanhol na menção acima, são criadas uma nova religião, um novo altar e uma nova Tábua de uma lei qualquer. Novas divindades surgem.
Não estou defendendo qualquer forma de fundamentalismo. Bem ao contrário, estou combatendo o fundamentalismo jurídico laicista que de modo impositivo e com aparatosa indignação recusa espaço às afeições morais partilhadas pela imensa maioria da sociedade sobre a qual se impõe um Direito cada vez menos parecido com ela mesma. É hipocrisia defender o pluralismo impondo silêncio aos cristãos!
Saúdo, por isso, a realização de um evento como o I Congresso Nacional dos Juristas Católicos, que vai acontecer em São Paulo, no dia 30 de agosto, no auditório da Academia Paulista de Letras, como promoção da União dos Juristas Católicos de São Paulo.
Eu, você que lê este artigo, os muitos mais que não o lerão, e tantos outros que sequer tomarão conhecimento de um evento com tal magnitude, reunindo as personalidades que ali se irão encontrar, muito terão a dever ao florescer de idéias e iniciativas que suscitará para a salvação do Brasil.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
27/07/2019
Durante décadas, qualquer referência ao Foro de São Paulo (FSP), suas articulações e deliberações era denunciada como teoria da conspiração. Lembram? Devaneio de gente doida, que precisava alimentar os próprios fantasmas. Agora que Fidel morreu, Raúl se aposentou, Chávez faleceu, Maduro apodrece no pé, Lula está preso e o dinheiroduto do Brasil secou – porca miseria!, como dizem os italianos – a esquerda regional abre o encontro do FSP em Caracas com o lema “Pela paz, a Soberania e a Prosperidade dos Povos”.
É um lema tão convincente quanto seria se a Arábia Saudita promovesse um evento pelos direitos da mulher, contra o emprego de combustíveis fósseis e para difusão da vitivinicultura...
Todo o discurso em defesa das ditaduras de esquerda é "narrativa", como gostam de dizer, construída para convencer as pessoas de que o maior problema desses regimes é não terem eles liberdade de se afirmarem como devem. Sempre aparecem dissidentes (ditaduras de esquerda não têm oposição, têm dissidentes) com ideias diferentes, aspirando disparates como participação no jogo eleitoral, liberdade de imprensa (imaginem só!), fim das prisões políticas, poder judiciário independente, escola sem doutrinação e coisas assim. Ou seja, seus míseros opositores, abraçados como náufragos em sonhos de efetiva liberdade, só servem para atrapalhar. Não bastasse isso, as ditaduras de esquerda ainda enfrentam intromissões externas, a impor sanções econômicas típicas do famigerado imperialismo.
A oposição interna, então, atrapalharia a “grande obra” antropológica da ditadura: a sonhada formação de um corpo social e político perfeito, uno e indivisível, que metabolize e expila (digamos assim) a dimensão individual do ser humano. A oposição externa, por sua vez, aferrada a conceitos e alegando valores burgueses, fecha o cerco e inibe o florescer de uma autêntica e pujante economia comunista... Por quebranto ou mau olhado da direita, nenhuma experiência nesse sentido conseguiu florescer sem acesso ao dinheiro das economias capitalistas. Paradoxo! Comunismo sem capitalismo não vai.
A presença do PT na reunião do Foro de São Paulo tem, portanto, essa inspiração libertária para as ditaduras da região. O partido unirá sua voz aos demais, pressionando para desarticular as oposições internas e denunciar a insensibilidade das democracias vizinhas, que anseiam pela queda daqueles trágicos regimes.
O que une governos e partidos ligados ao Foro de São Paulo não passa nem perto da solidariedade entre os povos. Lixam-se para os povos e os abandonam à miséria. O uso violento do poder não afeta minimamente sua “sensibilidade social”. Vítimas neoliberais não contam. O projeto dos organismos políticos reunidos em Caracas visa apenas à manutenção do poder que têm e a recuperação do poder que perderam. E isso é tudo para quem nada tem a oferecer à humanidade e tudo tem a aproveitar-se dela.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
24/07/2019
Usuários de redes sociais jamais deveriam esquecer as lições colhidas nos dias que se seguiram ao fechamento da mostra Queermuseu, no Santander Cultural de Porto Alegre, em setembro de 2017. A exibição, com indicação para escolares e financiamento público (quase um milhão de reais através da Lei Rouanet), tinha conteúdo sexual, homossexual e transexual associado à infância e a animais, e vilipêndio religioso com desrespeito a figuras e objetos sacros. Tudo tão ao gosto de quem se regala com esse tipo de coisa quanto inadequado para crianças. Só quem estava a serviço de alguma “causa”, na mídia, no Ministério Público e no mundo cultural poderia não ver ali conteúdo impróprio à infância.
Graças às redes sociais, imagens chocantes das peças exibidas – repito: expostas ao público infantil – chegaram ao conhecimento da sociedade provocando rápida reação de clientes que começaram a fechar contas no Banco, levando-o a cancelar a exibição. Agiam conforme manda o bom figurino da cidadania em casos assim. Sem violência, civilizadamente e aos bons modos do mercado, que escolhe com quem quer manter relações comerciais e decide quais jornais e revistas quer assinar e quais emissoras de rádio e TV deseja ouvir ou assistir.
Como lição para a eternidade, o mais importante veio depois. Com raríssimas exceções, os meios de comunicação, seus formadores de opinião e o “mundo cultural”, em estado de choque e indignação, colocaram-se contra a opinião pública e contra o que denominaram reação conservadora. Aquilo, diziam, era um desrespeito à arte, coisa de gente atrasada, preconceituosa, em conflito com a laicidade do Estado e “flertando” (eufemismo que a esquerda anda gastando de tanto usar) com a censura. Ou seja, lançaram-se contra a imensa maioria da sociedade.
O protesto contra o fechamento do Queermuseu, realizado ante as portas cerradas do Santander Cultural, reuniu apenas um punhado de militantes perfeitamente alinhados com o conteúdo exibido além delas. Nem mesmo uma performance erótica com mulheres nuas conseguiu atrair espectadores...
Todo episódio compôs um momento simbólico, espécie de “Alons enfants de la patrie” da cidadania, a simbolizar a queda de um poder. As redes sociais se impunham como instrumento para democratizar o direito de opinião, proclamando a independência dos indivíduos em relação aos fornecedores habituais. Estes, por seu turno, reagiram de modo indignado ante o declínio de poder. Era como se a cada linha escrita ou cada frase proferida estivessem a clamar: “Não nos ouvem mais? Não nos atendem mais?”. Ao que se poderia responder: “Há outras opiniões e pontos de vista a merecerem atenção”.
Nessa mesma época, ouvi de amigos cientistas políticos a advertência de que as redes sociais fechavam-se em círculos de afinidade e que poderiam, por isso, ser ilusórias como informação sobre o conjunto da opinião pública. Era bem verdadeiro o que diziam. No entanto, essa miríade de círculos uniu conservadores, liberais e adversários da esquerda que se tinha por hegemônica e contava com a intensa militância em círculos de influência que tradicionalmente empalmavam o monopólio do direito se fazer ouvir. O tempo veio mostrar que a maioria ganhou voz nas redes e que a hegemonia esquerdista era coisa distrófica, desproporcional. Por isso, os círculos em que se expressa odeiam as redes sociais e a elas reservam os piores adjetivos.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
19/07/2019
Quantos policiais deixariam de morrer todo ano se quem os matou estivesse onde deveria estar, atrás das grades de um presídio? Duvido que não tenham, todos, longo prontuário de ocorrências, intimações, prisões e condenações a certificar sua disposição de viver fora da lei. Ninguém inaugura sua vida criminosa matando policiais. Só que nenhum daqueles eventos teve o tratamento necessário para assegurar a proteção da sociedade. Com raras, raríssimas exceções, todos foram conduzidos, pelas instituições, de modo a favorecer o transgressor. Presídios brasileiros têm porta de vai e vem.
Convivem, aqui, altos índices de criminalidade e tolerância institucional para com os criminosos. Temos, aqui, progressistas que atrasam tudo. Indivíduos perigosos passeiam impunes por nossas ruas e estradas, vivendo de violações e gerando insegurança. Na longa lista de preceitos protetivos que o engenho humano possa conceber para livrar a pele de bandidos, nada há que nossa legislação, nossos ritos, usos e costumes não consagrem. Como escreveria Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, se vivos fossem, “Aqui, majestade, em se roubando ou matando, nada dá”.
E não dá nada mesmo. Às normas tolerantes, pusilânimes face ao crime, mas inclementes com a sociedade, muitos se juntam para tornar folgada a vida dos bandidos. Tudo fazem para que tais atividades não tragam sobressaltos, riscos e cárcere a quem escolher a vida criminosa. Entre outros, verdadeira multidão de legisladores, magistrados, professores de Direito, promotores, defensores, advogados, comunicadores, sociólogos, assistentes sociais, políticos e religiosos – corações moles como merengue da vovó – tagarelando sobre uma nova humanidade e uma nova sociedade, convergem esforços para obter esse efeito.
“Mas são pobres!”, dirá o leitor, penalizado, da dura situação de tais criminosos. Pobres? Pobre é aquele brasileiro, magro como a fome, pelo qual passei ainda há pouco na rua. Arquejava em seu labor de papeleiro, tracionando uma carroça pesada, com tanto papel e papelão que seu excesso lateral obstruía parte da outra pista. Aquele sim é pobre. Pobre e honesto ao ponto de trabalhar como “animal” de tração para não se corromper. Talvez seja também ignorante, mas é intelectualmente honesto como não são tantos que falam bonito em seu nome. E o abandonam com sua indecente carroça. Não me venham – por favor! – falar em pobreza, infância sofrida, de quem importa toneladas de maconha, rouba carga de caminhões, assalta bancos, explode carros-fortes e estoca munição pesada para lutar contra a sociedade. E não se peja de pôr mulher e filhos no carro para iludir a polícia.
No topo da luta por um direito penal folgazão, que não dê nada e não atrapalhe os negócios, estão os poderosos da corrupção ativa e passiva, custodiados por caríssimos advogados que operam num clube muito restrito de intimidade com a Corte. No topo da luta por um direito penal folgazão, camarada, bonachão, estão muitos membros do Congresso Nacional, que têm frêmitos de ódio e temor da Lava Jato e que se juntam a qualquer bandido se for para tirar Sérgio Moro da cena. Um fio de esperança que rompe o fio da decência. Esses não têm por hábito atirar na polícia, mas disparam as armas da injúria e da calúnia, assassinam reputações e têm responsabilidade direta sobre as leis penais e processuais que não mudam ou mudam para pior. No topo da luta estão os “garantistas” do STF, sustentando princípios que os bandidos invocam e a cuja sombra lavam seu dinheiro.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
16/07/2019
Outro dia, meu filho abordou-me. Queria saber por que as pessoas comentam situações que contrariam a justiça, a razão e a verdade, com um reticente “Pois é...”. Lembrei-me de algo semelhante, que ouvi há muitos anos: “Certas coisas só acontecem porque, quando acontecem, a única reação das pessoas é dizer que essas coisas acontecem”.
Ou se limitam a um desanimado “Pois é...”.
A audiência de custódia é uma dessas criaturas da irrazão. Foi concebida pelo CNJ com o intuito de permitir ao juiz um contato direto e imediato com o preso em flagrante para decidir se ele deve permanecer preso. Como muito bem pergunta o Dr. Marcelo Rocha Monteiro (1), o que pode o juiz intuir da mera observação do sujeito à sua frente? Por que, estando o sujeito à sua frente, é vedado ao magistrado indagar o motivo de ele ali estar? Por que não promover, logo, uma audiência de instrução? Pois é...
Recentemente, em Porto Alegre, uma importante operação apreendeu 4,6 toneladas de maconha e prendeu meia dúzia de quadrilheiros. Na audiência de custódia, alguns apresentavam lesões corporais leves, de distintas naturezas e as atribuíam aos policiais. Estes, por seu turno, informavam que os presos se haviam machucado ao tentar fugir pelo telhado. A juíza, em vista disso, mandou soltar os seis, mas o fez impondo rigorosas condições: dormirem sempre em casa, não saírem da comarca, se dedicarem a atividade honesta e se apresentarem mensalmente em juízo para um relato sobre o que estiverem fazendo na vida. Não ria que o assunto é sério.
Algumas horas depois, essa decisão foi revogada por outra magistrada. E até o momento em que escrevo, nossos policiais – Sísifos com colete à prova de bala – dedicam-se a enxugar o gelo da criminalidade rueira, levando tiro e morrendo para recapturar os mesmos bandidos que haviam prendido e levado à presença da autoridade judiciária. Pois é...
Antes de sentar poeira sobre tão exóticos acontecimentos, a bem conhecida Associação dos Juízes para a Democracia (AJD) saltou em defesa da juíza da primeira decisão (2). Não ria que o assunto é sério. Dessa manifestação, deduzo que a autora da segunda decisão, mandando recapturar os bandidos, cometeu um ato que a desqualifica perante a entidade, ou seja, perante o conceito de democracia dos tais juízes pela democracia.
Para o bom entendedor, metade dos adjetivos que a AJD reserva a si em seu site basta. Ali se exibe o peito estufado pela autoatribuída superioridade moral da esquerda, sempre impugnada pelos fatos. Ali está um dos muitos organismos com que esta se infiltra e aparelha de modo desastroso as instituições nacionais. A própria associação, ativa na campanha Lula Livre (3), exalta sua estreita proximidade, com os desordeiros e, não raro, delinquentes movimentos sociais. E é exatamente assim que se compõe a biografia desse ente contraditório ao longo de três décadas de militância. Os efeitos do ativismo judicial e sua forte carga política, por outro lado, se fazem sentir na insegurança jurídica, na expansão da impunidade e na incontida ruptura da ordem, provavelmente vista como estratégia de ação política.
Certas coisas acontecem como preço pago por nossa longa e silenciosa omissão. É indispensável, nestes novos tempos, que a sociedade continue fazendo ouvir sua voz.
(1) “A inutilidade da audiência de custódia”, por Marcelo Rocha Monteiro, no YouTube.
(2) Gauchazh, 13 de julho de 2019
(3) Nota sobre as denúncias do Intercep, no portal da AJD
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
12/07/2019
Chamava-se Gustavo de Azevedo Barbosa Júnior e tinha 26 anos. Estava dentro da viatura policial e recebeu tiro fatal no rosto enquanto, junto com seu colega, se deslocava para deter um automóvel com registro de furto. A viatura em que Gustavo rodava por zona conturbada não era blindada. Uma das testemunhas do crime fazia parte do grupo que o praticou e identificou os demais pelos respectivos apelidos. Tudo indica que a polícia, em breve, alcançará os responsáveis. Essa é a resenha da notícia.
E tudo estará resolvido quando prenderem os bandidos? Vitória da lei e dos mocinhos? Não. Está tudo sofridamente errado! A viatura em que Gustavo e seu parceiro faziam a ronda noturna deveria ser blindada, mas não há dinheiro para isso. Com toda certeza, os criminosos que o mataram não são adolescentes que pegaram o carro do pai, mas são bandidos com extensa ficha policial. Em qualquer país onde as instituições sirvam à sociedade estariam atrás das grades, isolados do convívio social, porque essas instituições jamais seriam confiadas a alguém que se vangloriasse de “construir escolas e não presídios”, como se uma coisa invalidasse a outra.
Mais de 60 mil homicídios por ano, um roubo de carro por minuto, e nos dizem que violenta é a polícia e que no Brasil se prende demais. Foi por esse caminho que a sociedade acabou disponibilizada ao mundo do crime e as escolas passaram a diplomar analfabetos funcionais. Está tudo errado, também, por serem tantos os que, no ambiente jurídico, político e intelectual, deram ouvidos aos teóricos da revolução social e do garantismo penal. Com voto, cátedra, ou malhete de juiz, tornaram-se bandidólatras a inculpar as vítimas e a inocentar sociologicamente os criminosos, pois diante da desigualdade, outra conduta não lhes poderia ser exigida! Está tudo muito errado, por fim, quando pessoas se mobilizam e se comovem mais diante de bandidos algemados a viaturas policiais do que perante familiares de suas vítimas nos necrotérios. Caridade seletiva e de muito mau gosto.
Impressiona saber que a surdez, a cegueira e a insensibilidade das instituições, malgrado haverem levado o país a uma taxa de homicídios cinco vezes maior do que a média mundial, não são um problema técnico-institucional, mas um problema de pessoas concretas nessas posições de mando. E, normalmente, atribuíveis à arrogância intelectual que caracteriza o pensamento de esquerda, convicto, contra toda evidência, de sua superioridade moral.
Essa mesma arrogância, no plano econômico e fiscal, quis lecionar economia e quebrou o país. No plano político, enamorou-se de longevas e intoleráveis ditaduras. No plano social, multiplicou os dependentes do Estado e deles faz bom proveito. No plano ético, energizou os redemoinhos da corrupção. No plano estético fez da recusa à beleza e da militância política credenciais para a prosperidade subsidiada.
E agora, por todos os meios, combate qualquer tentativa de reverter esse miserável cenário.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
12/07/2019
Chamava-se Gustavo de Azevedo Barbosa Júnior e tinha 26 anos. Estava dentro da viatura policial e recebeu tiro fatal no rosto enquanto, junto com seu colega, se deslocava para deter um automóvel com registro de furto. A viatura em que Gustavo rodava por zona conturbada não era blindada. Uma das testemunhas do crime fazia parte do grupo que o praticou e identificou os demais pelos respectivos apelidos. Tudo indica que a polícia, em breve, alcançará os responsáveis. Essa é a resenha da notícia.
E tudo estará resolvido quando prenderem os bandidos? Vitória da lei e dos mocinhos? Não. Está tudo sofridamente errado! A viatura em que Gustavo e seu parceiro faziam a ronda noturna deveria ser blindada, mas não há dinheiro para isso. Com toda certeza, os criminosos que o mataram não são adolescentes que pegaram o carro do pai, mas são bandidos com extensa ficha policial. Em qualquer país onde as instituições sirvam à sociedade estariam atrás das grades, isolados do convívio social, porque essas instituições jamais seriam confiadas a alguém que se vangloriasse de “construir escolas e não presídios”, como se uma coisa invalidasse a outra. Foi por esse caminho que a sociedade acabou disponibilizada ao mundo do crime e as escolas passaram a diplomar analfabetos funcionais. Está tudo errado, também, por serem tantos os que, no ambiente jurídico, político e intelectual, deram ouvidos aos teóricos da revolução social e do garantismo penal. Com voto, cátedra, ou malhete de juiz, tornaram-se bandidólatras a inculpar as vítimas e a inocentar sociologicamente os criminosos, pois diante da desigualdade, outra conduta não lhes poderia ser exigida! Está tudo muito errado, por fim, quando pessoas se mobilizam e se comovem mais diante de bandidos algemados a viaturas policiais do que perante familiares de suas vítimas nos necrotérios. Caridade seletiva e de muito mau gosto.
Impressiona saber que a surdez, a cegueira e a insensibilidade das instituições, malgrado haverem levado o país a uma taxa de homicídios cinco vezes maior do que a média mundial, não são um problema técnico-institucional, mas um problema de pessoas concretas nessas posições de mando. E, normalmente, atribuíveis à arrogância intelectual que caracteriza o pensamento de esquerda, convicto, contra toda evidência, de sua superioridade moral.
Essa mesma arrogância, no plano econômico e fiscal, quis lecionar economia e quebrou o país. No plano político, enamorou-se de longevas e intoleráveis ditaduras. No plano social, multiplicou os dependentes do Estado e deles faz bom proveito. No plano ético, energizou os redemoinhos da corrupção. No plano estético fez da recusa à beleza e da militância política credenciais para a prosperidade subsidiada.
E agora, por todos os meios, combate qualquer tentativa de reverter esse miserável cenário.
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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.