• Percival Puggina
  • 16/07/2019
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NÃO RIA QUE É SÉRIO

 

 Outro dia, meu filho abordou-me. Queria saber por que as pessoas comentam situações que contrariam a justiça, a razão e a verdade, com um reticente “Pois é...”. Lembrei-me de algo semelhante, que ouvi há muitos anos: “Certas coisas só acontecem porque, quando acontecem, a única reação das pessoas é dizer que essas coisas acontecem”.

Ou se limitam a um desanimado “Pois é...”.

A audiência de custódia é uma dessas criaturas da irrazão. Foi concebida pelo CNJ com o intuito de permitir ao juiz um contato direto e imediato com o preso em flagrante para decidir se ele deve permanecer preso. Como muito bem pergunta o Dr. Marcelo Rocha Monteiro (1), o que pode o juiz intuir da mera observação do sujeito à sua frente? Por que, estando o sujeito à sua frente, é vedado ao magistrado indagar o motivo de ele ali estar? Por que não promover, logo, uma audiência de instrução? Pois é...

Recentemente, em Porto Alegre, uma importante operação apreendeu 4,6 toneladas de maconha e prendeu meia dúzia de quadrilheiros. Na audiência de custódia, alguns apresentavam lesões corporais leves, de distintas naturezas e as atribuíam aos policiais. Estes, por seu turno, informavam que os presos se haviam machucado ao tentar fugir pelo telhado. A juíza, em vista disso, mandou soltar os seis, mas o fez impondo rigorosas condições: dormirem sempre em casa, não saírem da comarca, se dedicarem a atividade honesta e se apresentarem mensalmente em juízo para um relato sobre o que estiverem fazendo na vida. Não ria que o assunto é sério.

Algumas horas depois, essa decisão foi revogada por outra magistrada. E até o momento em que escrevo, nossos policiais – Sísifos com colete à prova de bala – dedicam-se a enxugar o gelo da criminalidade rueira, levando tiro e morrendo para recapturar os mesmos bandidos que haviam prendido e levado à presença da autoridade judiciária. Pois é...

Antes de sentar poeira sobre tão exóticos acontecimentos, a bem conhecida Associação dos Juízes para a Democracia (AJD) saltou em defesa da juíza da primeira decisão (2). Não ria que o assunto é sério. Dessa manifestação, deduzo que a autora da segunda decisão, mandando recapturar os bandidos, cometeu um ato que a desqualifica perante a entidade, ou seja, perante o conceito de democracia dos tais juízes pela democracia. 

Para o bom entendedor, metade dos adjetivos que a AJD reserva a si em seu site basta. Ali se exibe o peito estufado pela autoatribuída superioridade moral da esquerda, sempre impugnada pelos fatos. Ali está um dos muitos organismos com que esta se infiltra e aparelha de modo desastroso as instituições nacionais. A própria associação, ativa na campanha Lula Livre (3), exalta sua estreita proximidade, com os desordeiros e, não raro, delinquentes movimentos sociais. E é exatamente assim que se compõe a biografia desse ente contraditório ao longo de três décadas de militância. Os efeitos do ativismo judicial e sua forte carga política, por outro lado, se fazem sentir na insegurança jurídica, na expansão da impunidade e na incontida ruptura da ordem, provavelmente vista como estratégia de ação política.

Certas coisas acontecem como preço pago por nossa longa e silenciosa omissão. É indispensável, nestes novos tempos, que a sociedade continue fazendo ouvir sua voz.

(1) “A inutilidade da audiência de custódia”, por Marcelo Rocha Monteiro, no YouTube.
(2) Gauchazh, 13 de julho de 2019
(3) Nota sobre as denúncias do Intercep, no portal da AJD


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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


Artus James ampert Dressler -   22/07/2019 14:41:29

DESTRAVANDO A JUSTIÇA !!! Desde o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e em todos os demais TRIBUNAIS os “pedidos de vistas” e “liminares concedidas, habeas monocráticos” e outros “que tais” terão os mesmos tempos/prazos para análise/validade que as “MEDIDAS PROVISÓRIAS” editadas pelo PODER EXECUTIVO, sendo canceladas na medida em que não forem referendadas, respectivamente, pelos PLENOS DOS TRIBUNAIS ou CONGRESSO NACIONAL. P.s- As decisões de todos os PLENOS , desde o do SUPREMO , serão por “voto qualificado” de 2/3 do total dos MEMBROS das CORTES; o SUPREMO deverá ser aumentado de 11 para 17. AS FACILIDADES TEM DE ACABAR COM A DIMINUIÇÃO DO VALOR DE CADA VOTO, PRINCIPALMENTE COM O NEGÓCIO DE HOJE VOTO "ASSIM" MAS AMANHÃ PODEREI VOTAR "ASSADO"

Roger -   18/07/2019 14:56:58

Caro Percival, Não é à toa que, de certa forma, cidadãos decentes e honestos Brasil afora, começam a avocar a si próprios a justiça. Partiremos para a barbárie...sei lá. O fato é que ninguém aguenta mais. Olho por olho...dente por dente. E quando se fala em pena de morte, é um chororô danado. Só falta o Estado decretá-la aos bandidos, pois eles já decretaram a nossa.

Odilon Rocha -   17/07/2019 23:49:31

Caro Professor É imoral. Não há quem possa rir desse extremo absurdo. Se há um tal fundo do poço, já o ultrapassamos há muito. Só nessa terra se aceita isso. Há psicopatia também no poder. Um abraço

adilson -   16/07/2019 20:18:12

Se o conjunto de fatos relacionados com determinado assunto,nos demostra que o favorece,é correto afirmar que a intenção de favorecimento é determinante!O crime organizado já se confunde,se mistura com as tomadas de atitudes legais,claramente se beneficiando delas.Não são brechas,são crateras .Fora as vitimas,quem grita?Ao contrário,quando proposições de endurecimento pulam aos montes berrando os mais variados personagens.Não por acaso e sim com intenção!

ADEMIR bisotto -   16/07/2019 17:50:07

SEMPRE SÁBIO, GRANDE MESTRE. NÃO CANSO DE REPETIR ESTA VERDADE. ABRAÇOS

Luiz R. Vilela -   16/07/2019 15:54:26

Pois é, quando um indivíduo é preso em flagrante delito, tipo assaltante de banco, e que quando a polícia chega, pegam os funcionários como refém, sendo inclusive filmados pela televisão e passados em programas populares de conotações policiais, neste caso já poderiam ser dispensados os pressupostos de presunção de inocência. O testemunho ocular das pessoas presentes no local e todos os que viram pela televisão, não deixam dúvidas, os criminosos são culpados. Pois é, mas no Brasil, estes reconhecidamente culpados, devem ser tratados por "suspeitos", até que após todo o trâmite do processo, isso coisa para uns vinte anos, possam ser tratados pelo que são desde o primeiro momento. Culpados. Temos a mania de por cá, criarmos leis que favoreçam e protejam determinados tipos de pessoas, como por exemplo, lei Maria da Penha para as agressões domesticas, estatuto da criança e adolescente para os jovens, estatuto do idoso para a terceira idade e por ai vai. São tantas leis, que os aplicadores delas, desconhecem boa parte, e são tão complicadas, que muitas vezes as decisões são frutos de interpretação, porque a lei não é clara e confunde até o julgador. Antigamente até se dizia, " a lei é elástica, faz-se dela o tamanho que se quiser". Pois é, também se dizia,"para os amigos, os favores da lei, já para os inimigos, os rigores da lei". Parece que os ditos, foram até um pouco esquecidos, porém o espírito deles, continuam com toda força a assombrar todos aqueles que rogam por uma justiça igual para todos. Acredito que toda esta legislação protetivas as algumas minorias, poderiam até ser revogadas, sendo substituídas por código penal abrangente e duro. Agora só melhorar as leis, não surte o efeito esperado se a medida principal não for adotada. Primeiro seria a extinção do tal de inquérito policial, que a bem da verdade, pouco contribui para a agilidade do julgamento e que muitas vezes é completamente desfigurado na fase posterior, ou seja no processo penal. Mas o que realmente faria a criminalidade diminuir, seria a agilidade do judiciário, que com leis mais rigorosas teriam o condão de converter a legalidade, muitos que hoje vivem a margem da lei, porque não acreditam que possam ser punidos pelos crimes que cometem, principalmente a "galera" do colarinho branco, ai incluídos os políticos em geral. Quem sabe isso um dia melhore, e os que ainda nascerão, sejam bem melhores do os que hoje aqui estão.