Percival Puggina

11/01/2015

São tantas as investidas do governo da União contra a autonomia dos Estados e municípios que já não as vemos como investidas nem como anomalias institucionais. Quando a presidente Dilma convidou José Eduardo Cardozo para o Ministério da Justiça, ela estava sinalizando para um agravamento dessa situação e para uma radicalização à esquerda em seu governo. O novo ministro pertence à nata do Foro de São Paulo, em cujas reuniões desfia sua oratória revolucionária. Por convicção política o ministro só pode ser partidário da centralização, do acúmulo de poder, da unidade de comando.

Não apenas o Ministério da Justiça operará com tais propósitos. Assim será, também, o conjunto do governo por imposição racional das políticas petistas. A democracia como vista por nós, cidadãos comuns, não é a mesma que o PT propõe. Para o partido governante no Brasil, a nossa democracia é burguesa, frágil e pronta para ser comida pelas bordas.

O senhor Cardozo, em recente entrevista ao Estadão, expôs seus projetos para a Segurança Pública, com destaque para a construção de uma estrutura permanente de colaboração das polícias estaduais com a federal. Editorial do mesmo jornal informa que o governo encaminhará ao Congresso um projeto de emenda à Constituição, ampliando o elenco de crimes em relação aos quais passaria a haver competência da União para intervir. No outro lado da cancha, garante o ministro, os Estados conservariam as prerrogativas atuais. Com as palavras de Sua Excelência: "Hoje não posso impor para a PM do Estado normas operacionais. Mas, se tiver uma competência concorrente, posso ter a União estabelecendo diretrizes gerais sem suprimir a possibilidade de os Estados tratarem do mesmo assunto".

Enquanto planeja uma nova maneira de intervir nas competências dos entes federados, o governo petista descuida do próprio rabo. Sim, porque existe um bom elenco de crimes constitucionalmente postos na alçada federal. Entre eles, estão os praticados por autoridades da República, que têm sido investigados com maior sucesso pela mídia nacional do que pelos órgãos federais incumbidos de fazê-lo. E vale lembrar ao ministro que também são de competência federal, entre outros, os crimes sempre bilionários contra o sistema financeiro, a lavagem de dinheiro, o contrabando e o descaminho. E lá também está o rabo do macaco estendido no meio da avenida.

Nas modernas democracias constitucionais, descentralização é um quase sinônimo de democratização. Pelo viés oposto, centralização é um quase sinônimo de autoritarismo, ou totalitarismo, ou tirania. É algo assim que está em curso no Brasil, de um modo escancarado. O governo da República se sente dispensado de disfarçar o caráter autoritário, totalitário ou tirânico de suas incursões pelas unidades federadas distribuindo dinheiro e brindes como se a vida nacional fosse um grande programa de auditório em que a falsa generosidade arranca abobalhados aplausos.


* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

09/01/2015

 


 Em junho de 2014 minha mulher e eu fomos conhecer Istambul. Não por coincidência, procedíamos de Roma. Quiséramos, de fato, experimentar esse salto abrupto, proporcionado por pouco mais de duas horas de voo, entre as duas cidades milenares - a Roma do Ocidente e a Roma do Oriente.

 Encontramos uma Istambul fortemente ocidentalizada. O trânsito caótico, aliás, lembra muito o de Roma. No entanto, sobre a buzinação dos automóveis e o ruidoso assédio dos comerciantes é possível ouvir, cinco vezes ao dia, a miríade de minaretes reproduzirem a voz do muezin chamando à oração. É assim que a gente se lembra, frequentemente, de estar num país islâmico.

 Durante séculos, o panorama das cidades do mundo cristão foi marcado pela visibilidade das torres das igrejas. Elas se erguiam acima das demais edificações, ganhando altura e sinos exatamente para assinalarem a presença do sagrado. Com o tempo, porém, nos grande centros urbanos, os arranha-céus superaram as torres, os sinos calaram e as igrejas sumiram na paisagem. Em Istambul, diferentemente, os minaretes, sempre visíveis, preservam sua importância simbólica para a religiosidade da população muçulmana.

Daquele primeiro contato com um país islâmico, ficaram-nos duas importantes constatações. Primeiro, foi o fato de que, em momento algum, qualquer de nós - minha mulher e eu - ocidentais, católicos, praticantes, nos sentimos estranhos perante a religiosidade da população local, suas expressões de fé, suas mesquitas, seus cantos e suas práticas religiosas. Tudo nos pareceu bom, digno e respeitável. Ficou ainda mais difícil, então, entender a existência, no Ocidente, de pessoas e organizações que, se dizendo agredidas por manifestações públicas de religiosidade, pretendem aboli-las.

Segundo, foi perceber que não existe, na Turquia, interdição ou rejeição a outras religiões, seus símbolos e suas práticas. Certamente entre outros, há templos católicos, evangélicos e sinagogas, revelando o caráter moderno e civilizado do povo. Um bom exemplo dessa virtude torna-se nítida no interior de Santa Sofia, ou Agia Sophia (Sagrada Sabedoria). Aquela magnífica construção foi catedral de Constantinopla durante 11 séculos. Com a tomada da cidade pelos seljúcidas, em 1453, foi convertida em mesquita. Em 1935, virou museu. Ao visitá-la, observam-se, por toda parte, símbolos cristãos e tentativas de recuperar mosaicos com temas católicos que haviam sido recobertos com tinta durante seu uso como mesquita. Deixamos Santa Sofia pensando sobre a extravagante sensibilidade que faz certas pessoas, em pleno século 21, se sentirem constrangidas, agredidas, com a visão de um crucifixo ou de outro símbolo religioso em local público.

Estas reflexões, me levam, enfim ao ataque terrorista à redação do Charlie Hebdo. Assim como há o ateísmo como doença mental (presente em todas as experiências comunistas do século 20), existe a religiosidade como doença mental, perceptível nos fanatismos e no jihadismo que, com violência crescente, se verifica no islamismo. A intolerância é um mal que pode afetar tanto os crentes quanto os ateus. Não é um mal inerente à crença ou à descrença. É um mal do indivíduo.

Os cartunistas do semanário francês não foram as únicas e singulares vítimas dessa insanidade que iniciou no século 7º e nunca teve fim. Em mais de meia centena de países, seja como vítimas do ateísmo, seja como vítimas de fanatismos religiosos, morrem 20 cristãos por dia no mundo. Centenas de milhares são constrangidos a migrar. Cinco dezenas de países os discriminam negativamente. No Iraque, por exemplo, desde 2003, a população católica perdeu 700 mil membros. Outros 450 mil deixaram a Síria. Duas centenas de igrejas cristãs foram destruídas na Nigéria, durante o último mês de outubro. Mas esses fatos não ganham manchete, não levam ninguém às praças do mundo civilizado, e não geram, na diplomacia de Dona Dilma, qualquer manifestação.

O nome disso é farisaísmo. Enquanto defende a liberdade de criação dos cartunistas franceses, designa para a pasta da Comunicação de seu próprio governo um ferrenho adversário da liberdade de imprensa, que deixou isso bem claro já no discurso de posse.

* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

06/01/2015

O Partido dos Trabalhadores mantém uma relação muito própria com a realidade. A exemplo dos partidos totalitários, os fatos, para o PT, são meras referências a partir das quais são concebidas e propagadas as versões mais convenientes. Três fatores se têm revelado utilíssimos para que cada versão, malgrado sua desconexão com os acontecimentos, produza o efeito político pretendido.

O primeiro desses fatores é a velocidade com que a máquina publicitária petista produz e distribui a versão mais proveitosa. É imperioso que chegue a todos os cantos do país simultaneamente com a notícia a partir da qual a versão foi construída. O partido dispõe, então, de numerosa e bem organizada rede de reprodução e repetição das versões que constrói. Em instantes, no canto mais remoto do país, onde houver um vereador do PT ou um dirigente partidário local, ele sabe muito bem o que deve propagar e repetir incessantemente sobre cada assunto de interesse da sigla. Bastaria essa coesão para fazer da mentira verdade e da verdade mentira. Nada que não tivesse sido utilizado antes por todos os partidos de viés totalitário, ao longo do século 20. Inclusive o anseio por reescrever a história, transformando bandidos em heróis e vice-versa, sempre com base nas versões construídas. A Comissão da Verdade é o recente exemplo local de algo que foi prática corrente no mundo comunista.

O segundo fator tem a ver com a fragilidade intelectual do grande público. Quem faz política com astúcia conta com ela e dela se aproveita. Valem-se dessa fragilidade, aliás, todos os vigaristas bem sucedidos. Confiam nela os mentirosos, nas muitas esferas da vida social. Não bastasse isso, é fato: quase sempre, a mentira bem contada é mais atrativa do que a verdade.

O terceiro fator é uma peculiar idiossincrasia de parte da imprensa brasileira que exige de si conduta estéril, uma azoospermia que parece não ter cura, uma equidistância em relação a toda divergência. Graças a isso, mentira e verdade se defrontam com igualdade de condições. Ponto e contraponto. Ainda que um ou outro seja descarado embuste, são raras, entre nós, matérias editoriais desmascarando tramoias. Mesmo se produzidas em série, como as que rechearam o discurso de Dilma.

Os textos que ela leu durante a posse, preparados por ghost writer, formam duas coletâneas de exemplos do que examinei acima. Versão, versão, versão, ufanismo, falsidade e mistificação. Graças a esse menosprezo aos fatos, a presidente pode afirmar, sob aplausos, que esta é a "primeira geração de brasileiros que não vivenciou a tragédia da fome". Graças a ele, a presidente mencionou os escândalos que espocam na Petrobras feito milho de pipoca como se fossem causados por seres alienígenas vindos de algum planeta capitalista. Graças ao mesmo menosprezo pela verdade e pelos fatos, ela referiu um compromisso com a "Pátria Educadora" (meu Deus, que diabo será isso?) depois de haver entregue o Ministério da Educação a um ex-governador que absolutamente não é do ramo. Graças a ele, prometeu extirpar a corrupção no mesmo dia em que chamava para integrar seu ministério pelo menos uma dúzia de políticos envolvidos em denúncias de corrupção. E por aí foi Dilma, comprometida com muito mais do mesmo.

* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

04/01/2015

Um bom governo não se faz com discursos e estardalhaço publicitário, mas com boas práticas e boas iniciativas. O primeiro governo Dilma não conseguiu ir além do discurso naquilo que mais importa: uso criterioso dos recursos públicos e desenvolvimento econômico. Por mais que o governo, a cada novo escândalo, insistisse em se atribuir méritos pelas investigações, o fato é que as denúncias sempre vieram de fora do governo. E sempre foi ele, governo, o investigado. Mérito têm a PF, o MPF e o Dr. Sérgio Moro.

 É desalentador saber que enquanto a ação penal do Mensalão era julgada ao vivo e a cores, enquanto os ministros do STF não economizavam adjetivos para qualificar os crimes e desqualificar os criminosos, corria livre, leve e solto, um esquema bilionário drenando recursos da Petrobras. E são fortíssimas as suspeitas de que algo semelhante lateja noutras entranhas da máquina federal.

Do desenvolvimento econômico dependem os investimentos privados, a absorção da força de trabalho, a manutenção dos postos existentes, a elevação da renda, a arrecadação tributária, os investimentos estatais e a atenção social prestada pelo poder público. Ora, somados os dados dos últimos quatro anos, vê-se que a taxa de crescimento que deveria ser buscada como meta anual - algo em torno dos 6% - corresponde ao total atingido em todo o primeiro mandato de Dilma e equivale a pífios 1,5% ao ano. A meta de 6% pode ser considerada inatingível, mas foi alcançada pela economia brasileira em 2004, 2007 e 2010.

O primeiro mandato da presidente, portanto, extinguiu-se melancolicamente em 31de dezembro. A festa do dia seguinte, que deveria ser o "réveillon" de Dilma, ficou devendo às expectativas. O governo esperava 100 mil pessoas, queria algo que sinalizasse a restauração da confiança abalada por escândalos e pela manipulação de dados oficiais. As estimativas mais generosas falam em 40 mil pessoas, numa comemoração nitidamente partidária, nem cívica nem espontânea, com muito vermelho, e quase nenhum verde-amarelo.

Em seu discurso, a presidente deu sequência a um artifício que se desgastou durante a campanha eleitoral. Mais uma vez escondeu a realidade. Mais uma vez apelou para a vanglória, desfiando realizações que, se verdadeiras, lhe teriam proporcionado espetacular vitória eleitoral. Simples como isso. E, ao mesmo tempo, tão assustador quanto isso. O discurso mostrou o mesmo alheamento que caracterizou a política de seu partido e de seu governo. Espero que, desta feita, a "posse" não seja confundida com propriedade ou usufruto.

ZERO HORA, 04 de janeiro de 2015
 

Percival Puggina

31/12/2014

"As idéias são muito mais poderosas do que as armas. Nós não permitimos que nossos inimigos tenham armas. Por que deveríamos permitir que tenham idéias?" Stalin

 Só os muito comunistas, os muito ingênuos e os muito visionários não sabiam que a recente entente cordiale entre os EUA e Cuba, enquanto fortalecia o regime e atendia à alta conveniência do governo cubano, em sentido algum satisfazia os interesses do povo da ilha.

 Cuba, há muitos anos, funciona como um empreendimento privado dos irmãos Castro. Num país onde o governo controla tudo, com maior rigor controlará os novos negócios que se implantarem, bem como o provimento dos novos postos de trabalho. O Minint continuará agindo como sempre, distinguindo ciudadanos confiables de no confiables ao indicar os ocupantes dessas posições privilegiadas. E o governo, a exemplo do que ocorre há décadas, continuará recolhendo para si algo entre 80% e 90% dos valores pagos a trabalhadores cubanos.

 O regime, o regime como existe lá, e não como é relatado aqui pelos devotos das associações de "amigos de Cuba", continuará mantendo seu poder absoluto sobre um povo escravo. Saiba, leitor: em seu próprio país, os cubanos são cidadãos de segunda categoria - "ciudadanos de segunda", dizem de si mesmos. No sistema vigente, só os estrangeiros e os apaniguados do poder são cidadãos de primeira categoria.

Naquele regime diabólico, monopartidário, onde não pode existir oposição política, os "dissidentes" (assim são chamados aqueles que se atrevem a expressar opinião contrária ao governo) podem ser presos a qualquer momento, sem exigência formal. E permanecerão assim enquanto as autoridades desejarem. Se submetidos a julgamento e forem condenados, as penas vão a 20 ou 30 anos com a maior facilidade porque será sempre sob acusação de alta-traição, o mais grave dos crimes possíveis, até recentemente punido no paredón.

Pois bem, entre os dias 29 e 30 deste mês, enquanto Obama e seus amigos do Partido Democrata ainda comemoravam o acordo feito com Raúl, nova onda repressiva se abateu sobre a oposição cubana, com a prisão de pelo menos três dezenas de dissidentes, entre os quais a artista Tânia Bruguera e o marido de Yoani Sanchez. Alguns ficaram em prisão domiciliar e outros foram efetivamente recolhidos. Segundo informações da totalmente ilegal Comissão Cubana de Direitos Humanos (e aí, Maria do Rosário?) prisões preventivas, intimidatórias,  que acabam sem nenhuma acusação, ocorrem com frequência na ilha. Mas podem, também, redundar em meses ou anos numa masmorra do regime. Por quê? Por crime de consciência.

O Departamento de Estado, em comunicado, saiu-se com esta: "Estamos profundamente preocupados com as últimas informações de detenções por parte das autoridades cubanas de membros pacíficos da sociedade civil e de ativistas". E, mais adiante: "Condenamos fortemente a perseguição contínua do governo cubano e a utilização reiterada da detenção arbitrária, às vezes com violência, para silenciar os críticos, perturbar as reuniões pacíficas e a liberdade de expressão, e intimidar cidadãos".

Portanto, concluo como iniciei: só os muito comunistas, porque pensam como o camarada Stalin, os muito ingênuos e os muito visionários não sabiam que isso iria acontecer.

* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

30/12/2014

Jornalistas costumam dizer que a imprensa tem costas largas, sendo objeto de críticas merecidas e imerecidas. É verdade. Mas também costuma ter costas quentes, pois o poder de que desfruta lhe proporciona uma boa proteção. Numa sociedade de massa, entre muitos outros papéis, a mídia desempenha tarefa relevante na formação da opinião pública, ou seja, no modo de pensar, nos usos e costumes, nos critérios de juízo e na formação dos padrões morais e de conduta que os indivíduos passam a reproduzir no cotidiano.

 Atirarei alguns chapéus ao vento. Há veículos e profissionais de imprensa que deformam as consciências; deprimem os padrões culturais da sociedade; criam hoje os mitos que lhes convêm para derrubá-los amanhã quando já não servirem mais; estimulam o relativismo e atacam os valores morais; servem ao patrão estatal da vez, e por aí afora. Em muitos e muitos casos, tais acusações são tão corretas quanto provavelmente sejam corretas outras suspeitas em que esses mesmos se envolvem. Mas o mesmo dedo acusador que aponta com precisão as culpas da mídia dá sinais de ser uma bússola desorientada quando se trata de vasculhar a própria conduta.

A moderna comunicação é um canal de duas vias onde o público desempenha o papel importante e onde os fenômenos de ação e reação determinam cadência permanente (note-se, a propósito, que a omissão é uma forma bem medida de reação). Cabe indagar, então, especialmente àqueles cuja consciência permite identificar os malefícios causados pela eventual ou permanente irresponsabilidade social dos veículos: quais são suas reações pessoais ante o problema? Como você interage? Em que sua atitude difere daquela adotada pelos consumidores menos sensatos ou omissos? Quantas vezes tornou conhecidas suas divergências, ou mesmo seu apoio, ao julgar merecido? E mais: a que veículos de comunicação concede estímulo, assinatura, leitura, audiência ou patrocínio?

Nos países onde a opinião pública tem boa noção de seu valor e força, manipulações e abusos do tipo que ocorrem entre nós são rapidamente corrigidos. Por isso, estou cada vez mais convencido de que, com freqüência, as vítimas somos co-responsáveis pelos males a que nos submetem, pois bastariam, em muitos casos, vinte ou trinta manifestações por telefone ou e-mail para modificar certos usos ou abusos.

Triste a nação que renuncia à tarefa de transmitir valores morais às suas gerações! Enquanto as famílias cuidam apenas da subsistência; enquanto as escolas são oficialmente usadas para absolutizar o relativismo moral; enquanto as Igrejas se ocupam preferentemente de questões sociais e políticas; enquanto os meios de comunicação abusam de seu poder para seduzir e, ao mesmo tempo, desmiolar seu público; e enquanto as instituições semeiam joio no meio do trigo, quem, afinal de contas, vai orientar a sociedade para o bem?


* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

28/12/2014

Descobri, há bom tempo, que o Partido dos Trabalhadores tem conceitos próprios sobre democracia e Estado de Direito. Para o PT, democracia é algo que só acontecerá quando ele, partido, exercer a hegemonia e controlar todos os instrumentos do poder. Enquanto isso não se concretiza plenamente, o PT vai manipulando os meios que o regime vigente propicia ao curso de seu projeto.

Graças a isso, o partido conseguiu não ser apenas o PT. Ele é o PT e mais um vasto conjunto de corpos sociais que gravitam ao seu redor. São sindicatos e centrais sindicais; instituições culturais e de ensino; movimentos sociais e grupos minoritários que ele transforma em grupos de pressão a seu favor; grêmios estudantis, diretórios, centros acadêmicos e uniões de estudantes; partidos políticos sem anticorpos contra o uso de recursos públicos; organizações não governamentais; entidades relacionadas às políticas de gênero, ligas pró-aborto e defensoras da liberação das drogas; igrejas e órgãos de peso como a CNBB e a OAB que, convertidos ao rebanho, se entregam à alcateia. Ah, e os conselhos capturados pelo PT! Eles se revelam tão úteis que o partido, agora, pretende "empoderá-los" (coisas da novilíngua petista...) em todo o aparelho estatal federal. A isso e a outro tanto que resultaria exaustivo relacionar, juntam-se, sempre que necessário, organismos e instituições internacionais de isenção mais do que duvidosa.

Para o PT, democrática é toda manifestação desse grupo aí acima. Democrático é o que faz cada tentáculo seu. Ouvi-los, para o PT, é ouvir o povo. E quem o nega passa a ser tratado como cordeiro intrometido no riacho do lobo, acusado das piores ações e intenções.

Tão estranho quanto a democracia petista é o "Estado de Direito" petista. Nele, Direito é o que o partido quer. Por bem ou por mal. Perguntem ao companheiro João Pedro Stédile que, nesses assuntos, fala pelo partido. E Estado de Direito é algo que vai até onde o PT quer. Por bem ou por mal. Sobre essa parte conversem com o companheiro Gilberto Carvalho. O Estado de Direito petista é moldável e elástico segundo suas necessidades. Procurem um pouco e não será difícil encontrar por aí traços comuns aos três totalitarismos do século passado.

Mas no jogo que o PT joga, o Brasil é apenas uma peça do tabuleiro. O jogo tem pretensões maiores. Começou em 1990 com o Foro de São Paulo, promovendo uma convergência multifacetária da esquerda na América Latina e desaguou na União das Nações Sul-Americanas, criada em 2006. Em mais recente estágio, no dia 5 de dezembro, em Quito, com a presença de Dilma, esse organismo, que congrega os países do continente, decidiu criar um programa de formação de quadros militares.

Trata-se da Escola de Defesa, que tem dois objetivos explícitos: produzir uma unidade interna que elimine possíveis conflitos intrarregionais e fortalecer a América do Sul contra o inimigo externo, vale dizer, contra o inimigo ianque. Procure no Google por Unasul e por "Escola de Defesa" (em espanhol e em português), e encontrará informação suficiente. Esse estrupício foi instituído pelo bloco para que o conjunto das Forças Armadas de todos os países componham algo que outra coisa não é senão uma versão bananeira do Pacto de Varsóvia.

* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

27/12/2014

O escritor Luiz Fernando Veríssimo, competente quando faz humor e engraçadíssimo quando escreve sério, furou o teto da falta de noção no texto publicado  no dia 22 de dezembro, em Zero Hora. Ao longo da coluna, para justificar a terrível violência institucional do totalitarismo chinês e cubano, LFV foi argumentando com base em omeletes e ovos. Meios e fins. Quebrar ovos para fazer omeletes. Deixou de lado o totalitarismo soviético porque, pelo jeito, não serviu à tese. Mais valem dois argumentos na mão do que uma tese voando.

 A paixão ideológica tem razões que a razão desconhece. Os leitores sabem distinguir um ovo de uma pessoa humana, não há necessidade de contra-arrazoar. Vou ao que conheço mais, que é a publicidade comunista em torno do IDH cubano. Atribuir confiabilidade a dados sociais fornecidos por qualquer governo comunista é uma enorme ingenuidade. É o mesmo que acreditar em Fidel Castro. Ou em Lula. Ou em Dilma. Dou um exemplo que serve ao caso. Fidel, no dia 8 de janeiro de 1959, no discurso que fez ao entrar em Havana, logo após a sua revolução (Che Guevara chegara antes), falou assim às mães cubanas: "Hoy yo quiero advertir al pueblo, y yo quiero advertir a las madres cubanas, que yo haré siempre cuanto esté a nuestro alcance por resolver todos los problemas sin derramar una gota de sangre. Yo quiero decirles a las madres cubanas que jamás, por culpa nuestra, aquí volverá a dispararse un solo tiro" (íntegra). As mães cubanas aplaudiram. E ele, ato contínuo, começou a quebrar ovos no paredón. Bem como conviria à omelete de LFV.

 Mentira, agitação e propaganda são a alma do sistema. A exemplo de qualquer país comunista, Cuba não permite que instituições externas monitorem seus dados. Por outro lado, o governo considera que, como fornece alguns itens de alimentação a preço altamente subsidiado, e proporciona estudo e atenção de saúde gratuitos à população, os ínfimos salários que paga aos trabalhadores não são representativos do que eles realmente ganham. Com isso, infla a variável renda agregando a ela os investimentos do governo. Se todos os países fizerem a mesma coisa!... É o que se chama IDH de granja, onde os frangos têm casa, comida e veterinário para cuidar de sua saúde, mas não têm liberdade, nem propriedade, nem dignidade (os estrangeiros têm direitos vedados aos próprios cubanos); não podem decidir sobre o que ler. Não há onde nem como buscar a própria felicidade.

Ah, sim, pois é, tem a Educação. Já no início dos anos 50, os padrões educacionais de Cuba se alinhavam entre os mais elevados do mundo. O que o regime fez, a par, certamente, de uma ampliação do sistema, foi transformar o ensino em "doutrinação para o comunismo", como todo regime comunista faz com vistas à própria estabilidade. Essa é uma obrigação constitucionalmente imposta ao Estado e às famílias. Ora, educar para o comunismo é quase o mesmo que não educar absolutamente, porque resulta em cerceamento da liberdade, junto com a qual, vão-se o interesse próprio, a criatividade, a inovação, a iniciativa pessoal e a recompensa do mérito.

É muito ovo quebrado para pouca omelete.

* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

21/12/2014

"Eu honrarei o Natal em meu coração e tentarei guardá-lo ali o ano inteiro." Charles Dickens

 

 As coisas andam de tal modo que a palavra Natal, afastando-se do sentido original, passou a significar, principalmente, um dia festivo, uma pausa especial do calendário. Por isso adotei, no título deste artigo, a palavra Nascimento. Ela retira o Natal da autonomia que a pós-modernidade lhe concedeu. Não duvido de que, em breve, as crianças começarão a crer que o Natal e o que em torno dele se narra seja apenas uma história clássica, concebida por autores de contos de fada, e a merecer, ao lado da "A Branca de Neve" ou de "João e o Pé de Feijão", um filme dos estúdios Disney.

 A crítica ao que está acontecendo com o Natal não deve começar pelo consumismo natalino, que raramente é de consumo pessoal. Aliás, quem é contra o consumo precisa reconhecer que é, também, contra o emprego, contra o salário e contra a sobrevivência do trabalhador e do empreendedor. O crescimento da demanda é o primeiro sintoma de que uma economia sai da estagnação. Por outro lado, as comemorações natalinas são acompanhadas de gestos mais largos de generosidade, com aumento de doações aos materialmente carentes.

 O problema sobre o qual me detenho, à luz da fé cristã, supostamente ainda majoritária no Ocidente, é o desaparecimento do mistério da Encarnação e, com ele, o desapreço à intervenção de Deus na história humana. Ora, se o cristão vê o Menino do presépio apenas como um bebê que nasceu em circunstâncias incomuns, ele deixa de lado algo essencial à própria existência. A interrogação de Pietro Petrolini - "Somos apenas um pacote que a parteira entrega ao coveiro?" - não é respondida pelo burrico do presépio, mas pelo Menino que se tornará a figura central da História, aquela da qual mais se fala, sobre a qual mais se escreveram livros e pela qual tantos, passados dois mil anos, ainda dão a própria vida.

É claro que, o profundo respeito de Deus à nossa liberdade, nos deixa em perfeitas condições para dar-Lhe de ombros, considerar que o acaso seja o senhor da História ou confiar nossas inteiras existências ao pensar deste ou daquele filósofo. Cada vez que reflito sobre tal possibilidade eu firmo a convicção de que esse é um muito mau negócio. Ficar sem Deus, podendo ficar com Ele, é isso mesmo - mau negócio.

A você que me lê e a todos os seus, desejo um Natal muito feliz. E que o ano de 2015 seja bem melhor do que as condições atuais parecem sugerir. Acho que isso já estaria mais do que bom, não é mesmo?