O escritor Luiz Fernando Veríssimo, competente quando faz humor e engraçadíssimo quando escreve sério, furou o teto da falta de noção no texto publicado no dia 22 de dezembro, em Zero Hora. Ao longo da coluna, para justificar a terrível violência institucional do totalitarismo chinês e cubano, LFV foi argumentando com base em omeletes e ovos. Meios e fins. Quebrar ovos para fazer omeletes. Deixou de lado o totalitarismo soviético porque, pelo jeito, não serviu à tese. Mais valem dois argumentos na mão do que uma tese voando.
A paixão ideológica tem razões que a razão desconhece. Os leitores sabem distinguir um ovo de uma pessoa humana, não há necessidade de contra-arrazoar. Vou ao que conheço mais, que é a publicidade comunista em torno do IDH cubano. Atribuir confiabilidade a dados sociais fornecidos por qualquer governo comunista é uma enorme ingenuidade. É o mesmo que acreditar em Fidel Castro. Ou em Lula. Ou em Dilma. Dou um exemplo que serve ao caso. Fidel, no dia 8 de janeiro de 1959, no discurso que fez ao entrar em Havana, logo após a sua revolução (Che Guevara chegara antes), falou assim às mães cubanas: "Hoy yo quiero advertir al pueblo, y yo quiero advertir a las madres cubanas, que yo haré siempre cuanto esté a nuestro alcance por resolver todos los problemas sin derramar una gota de sangre. Yo quiero decirles a las madres cubanas que jamás, por culpa nuestra, aquí volverá a dispararse un solo tiro" (íntegra). As mães cubanas aplaudiram. E ele, ato contínuo, começou a quebrar ovos no paredón. Bem como conviria à omelete de LFV.
Mentira, agitação e propaganda são a alma do sistema. A exemplo de qualquer país comunista, Cuba não permite que instituições externas monitorem seus dados. Por outro lado, o governo considera que, como fornece alguns itens de alimentação a preço altamente subsidiado, e proporciona estudo e atenção de saúde gratuitos à população, os ínfimos salários que paga aos trabalhadores não são representativos do que eles realmente ganham. Com isso, infla a variável renda agregando a ela os investimentos do governo. Se todos os países fizerem a mesma coisa!... É o que se chama IDH de granja, onde os frangos têm casa, comida e veterinário para cuidar de sua saúde, mas não têm liberdade, nem propriedade, nem dignidade (os estrangeiros têm direitos vedados aos próprios cubanos); não podem decidir sobre o que ler. Não há onde nem como buscar a própria felicidade.
Ah, sim, pois é, tem a Educação. Já no início dos anos 50, os padrões educacionais de Cuba se alinhavam entre os mais elevados do mundo. O que o regime fez, a par, certamente, de uma ampliação do sistema, foi transformar o ensino em "doutrinação para o comunismo", como todo regime comunista faz com vistas à própria estabilidade. Essa é uma obrigação constitucionalmente imposta ao Estado e às famílias. Ora, educar para o comunismo é quase o mesmo que não educar absolutamente, porque resulta em cerceamento da liberdade, junto com a qual, vão-se o interesse próprio, a criatividade, a inovação, a iniciativa pessoal e a recompensa do mérito.
É muito ovo quebrado para pouca omelete.
* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Gustavo Pereira dos Santos - 28/12/2014 11:46:31
Dr. Percival, Parabéns, o senhor continua verdadeiro e conciso. O LFV comeu muito omelete ao molho pardo e ficou com cara de ostra. Aos comunas, tudo é permitido pela utopia que ninguém quer. Matar covardemente gente dormindo em 1935 é uma pequena amostra dos mais de 100 milhões de civis assassinados no século XX. Ah, e tem os famosos efeitos colaterais, like derrubar um avião da Malaysia Airlines com 298 de inocentes a bordo. Abraços fraternos, Gustavo.Sérgio Alcântara, Canguçu RS - 27/12/2014 20:49:12
Não me admira países comunistas educarem, com eficiência, para a manutenção do próprio regime, uma vez que dispõem de toda a máquina institucional e governamental favoravelmente, forçadamente adaptada a isto. O que me deixa realmente espantado, na condição de cidadão e de professor, é como conseguem, sem praticamente nenhuma resistência, desenvolver um sistema educacional voltado quase exclusivamente ao propósito do marxismo, num país presumidamente democrático, como é o nosso caso. Faz tempo que busco uma resposta a esta inquietante questão mas, na maioria das vezes, me sinto completamente isolado, ignorado até, em minha legítima reivindicação.Nelson Azambuja - 27/12/2014 16:04:21
Desculpo-me antecipadamente pelo comentário maldoso, mas a gente acaba cansando de ver esses pseudo-intelectuais com plateia, como é o caso do LFV, a dizer asneiras sem freio. Mas o comentário é curto para não ferir muito: A carga foi demasiada para o LFV, que teve um pai grandioso como o Érico Veríssimo, autor dessa obra prima que é o "Tempo e o Vento", entre outras. Nada mais lhe restou a fazer do que escrever "abobrinhas".Odilon Rocha - 27/12/2014 15:20:41
Prezado Percival Paixão ideológica a gente até compreende. Moral torta, não. Na mesma linha de raciocínio, incrível!, Oscar Niemayer, arquiteto mundialmente reconhecido, declarou abertamente que talvez aquelas mortes - milhões! - fossem necessárias por uma causa maior. Luminares assim parecem ter até direito de exercer tamanha nobreza de espírito! Abraço