• Percival Puggina
  • 22/12/2015
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ECLIPSE DA RAZÃO

 

 Diversas vezes ao longo deste ano lastimei o "conforto das instituições", ou seja, aquela atitude que deixa tudo como está para ver como fica porque o modo como está não perturba os poderes da República. Foi exatamente o que, no julgamento da ADPF 378, motivou a inominável decisão da "suprema cortesã" sobre o rito do impeachment. Inominável? Sim, inominável. O STF não apenas decidiu que o voto secreto, usado por ele mesmo quando escolhe seus dirigentes e representantes, não vale para o parlamento. Ele estabeleceu, também, que a Câmara (representação do povo, dos cidadãos), num impeachment, pesa menos que o palito da azeitona do Martini. Qualquer pessoa alfabetizada sabe não ser isso o que a Constituição diz. Então, cabe perguntar: fosse o governo majoritário na Câmara e minoritário no Senado, não teria, a decisão, sentido inverso?

 Em nosso país, quando se trata das questões políticas de fundo, vivemos sob eclipse da razão, convencidos de que "nossas instituições são boas mas não funcionam" e de que necessitamos de quem as faça funcionar. Mas é tudo ao contrário! Elas são péssimas e funcionam perfeitamente, obrigado. Mensaleiros, oportunistas, negocistas, corruptos e corruptores agradecem, de coração, o formato que demos ao modelo político em que eles se esbaldam. Não foi sem esforço organizacional que nos tornamos o 69º país mais corrupto do mundo, com nota 3,3 num máximo de 10, apenas um ponto e meio acima do pior da lista, e palco da maior bandalheira da história universal.

 Sistemas políticos são como sementes. Postas na terra, germinam e brotam conforme o que foi plantado. Semeamos pimenteira e dela ninguém colherá morangos. O Brasil só começará a mudar se e quando compreendermos o quanto é vã a esperança de que um dia possamos obter frutos melhores desse modelo. O Brasil só mudará se e quando, de tanto “ver se agigantar o poder nas mãos dos maus” (como dizia Rui há quase um século), resolvermos promover uma correta reforma da ordem política.

Perdoe-me o leitor pelo desagradável resumo que farei de nossos males, mas ele é importante para compreensão do que escrevo. Tudo que se segue tem causa cultural, claro, e causa institucional que poderia ser evitada: a confusão entre coisas tão distintas entre si quanto Estado, Administração e Governo; a multiplicação dos cargos de confiança; o incessante aumento do Custo Brasil; a partidarização da Administração transformada em moeda de troca para manutenção da base parlamentar; o uso dos postos de mando como fonte de receita para as legendas; o fisiologismo; a infidelidade (dos partidos aos seus programas e dos políticos aos partidos); a escandalosa representação dos grupos de interesse no Congresso Nacional; a abusiva publicidade oficial; a decisiva importância da mentira e do populismo nos processos eleitorais; a partidarização dos tribunais superiores; os foros privilegiados; os labirintos recursais, as execuções penais misericordiosas. Arre! Tudo planta plantada produzindo os frutos que desaprovamos.

Reforma política tem que separar Estado, Governo e Administração e fazer com que a maioria parlamentar constitua o governo em vez de obrigar o governo a cooptar base de apoio. Precisa, também, adotar um sistema eleitoral que desestimule a representação política das corporações e grupos de interesse. Mas no Brasil, conforme ampla e longamente observado: está tudo errado, mas não mexe.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

 


Odilon Rocha -   24/12/2015 00:13:59

Professor Se o senhor escrevesse isso todos os finais de ano, desde a República, com raríssimas variações no conteúdo, mas existentes e cabíveis, e lá se vão 126 anos!, quase nada ou muito pouco teria mudado. Estamos nos aproximando do ponto mais baixo de uma parábola, bem próximos ao início de provável curva ascendente. O cálculo é de nossa inteira responsabilidade; a escolha é de nosso livre arbítrio. Se calcularmos mal e se escolhermos errado, não serão os 'Anjos do Senhor' que nos salvarão. É agora ou daqui a... .

ademir brum -   23/12/2015 23:33:52

" O Brasil se e quando...." Onde o Sr vê líder ou lideranças capazes de tal façanha? O "como" está bem claro no texto. Mas quem? Só vejo um protagonista: o dinheiro, ou melhor , a falta dele. Seguem-se a anarquia e a solução a qualquer custo.

Genaro Faria -   23/12/2015 11:15:57

A Suprema Cortesã aplicou um golpe jurídico que o ditado latino - “Quos volunt di perdere dementant prius” (Deus primeiro enlouquece aqueles a quem vão destruir) - deveria advertir . Não é verdade o que disse Samuel T. Coleridge sobre as lições da História? - Mas as paixões cegam nossos olhos/E a luz que a experiência nos dá/É de uma lanterna na popa/Que apenas ilumina as ondas que deixamos para trás. Essa chancela imoral à violação da lei por aqueles a quem caberia guardá-las, como corte constitucional, contra as violações que lhes façam, principalmente, os que exercem o poder em nome dos cidadãos, arrojou por terra o que ainda havia de credibilidade nas instituições democráticas como garantias da cidadania. Ao contrário do que respondeu ao rei o moleiro de sans-souci, "não há juízes em Brasília". O que há são militantes togados do partido que, em oposição à imensa maioria dos brasileiros, persegue a hegemonia do poder, que só se obtém por meio de uma tirania. Assim, esvaiu-se a esperança de que seremos capazes de nos penitenciarmos da eleição de pessoas moral, intelectual e socialmente despreparadas para governar o país sem nos desviarmos do império da lei. Se o brasileiro sentiu-se humilhado com a derrota, no gramado de um campo de futebol, para a seleção alemã na Copa do Mundo disputada em casa, convém olhar mais para o sul e ver o que aconteceu na Argentina. Talvez ele se dê a desculpa de que ainda não sofremos o suficiente, como lá, o que faz a esquerda "progressista" quando monta as instituições de uma democracia com arreio, esporas e relho no lombo república. Será que é disso que nos estamos precisando? De mais afrontas, mais chibatadas, mais pobreza para enfim nos lembrarmos de nossa nobreza?

Gustavo Pereira dos Santos -   22/12/2015 20:28:56

O Tiririca (está indo melhor do que muito intelectual) se enganou. Pior do que está, FICA. Apertem os cintos, o avião estolou. 2016 será muito pior que 2015. Apesar de tudo, 2015 valeu a pena pelos excelentes artigos do Dr. Percival. Mais trabalho pela frente em 2016. Desejo Feliz Natal a todas as familias dos colegas do blog . Feliz Ano http://novo.org.br/.

Stein -   22/12/2015 19:44:17

PARABÉNS!!!!

hermes de souza -   22/12/2015 17:06:01

O governo e instituições parecem todos contaminados por ideologia mafiosa. Não vejo como mudar isso pelo voto, pois essa eleição eletrônica não é confiável. Contagem eletrônica de votos feita por um programa no TSE em que ninguém tem acesso pode ser fraude. Vemos corrupção em todo o país, só no TSE não existe?... A Pátria está sendo roubada... Onde estão as Forças de Defesa, além da P.F.? Estão coniventes?