Percival Puggina

14/03/2012
MAGISTRATURA BELIGERANTE E TOTALITÁRIA Percival Puggina Uma tal Associação dos Juízes para a Democracia, entidade de militância política que surgiu como fungo no Poder Judiciário, está cobrando do governo federal agilidade da constituição da Comissão da Verdade. Essa associação, há algum tempo, prestou homenagem a João Pedro Quebra-Quebra Stédile, um articulador da ruptura do Estado de Direito, um agravador de magistrados, líder de um movimento que rasga e descumpre ordens judiciais. Não sei como o CNJ tolera a existência de uma entidade com esse perfil articulando 130 magistrados dos quais todo jurisdicionado (pagador da conta da justiça nacional) haverá de querer distância! Gente sem pudor. Se querem exercer militância política vão buscar legitimidade para isso no voto popular. Valer-se das prerrogativas do cargo para fazer política e semear ideologia é totalitarismo judicial.

Percival Puggina

11/03/2012
Para o Conselho de Magistratura do TJ/RS, todos os desembargadores - centenas! - que por ali passaram ao longo de 121 anos eram cegos de bengalinha ante os crucifixos das salas de audiência ou incompetentes para entender o sentido da laicidade do Estado constante de todas as constituições republicanas. Teses sem ressonância social vêm atropelando a pauta das prioridades e virando o país do avesso. Foi o caso dos crucifixos. Tão do avesso que ganhou manchetes. Responda-me, leitor: de cem pessoas que ingressam numa sala de audiências, quantas ficam dispnéicas, tarquicárdicas ou entram em sudorese se veem um crucifixo? Nenhuma? Pois é. E quantas - na real, sem exageros - se sentirão pessoalmente injuriadas por aquele símbolo? Ante símbolos religiosos, pessoas normais reagem com respeito ou com indiferença. Indignação, revolta, alergia escapam à normalidade. Portanto, os que investiram contra os crucifixos e enrolaram em seus argumentos cinco magistrados gaúchos, são portadores de uma idiossincrasia, de uma aversão pessoal. Tal abominação é um problema que está nelas. Juro, o crucifixo é inocente! Tampouco é um problema da sociedade ou do Estado brasileiro, como já decidiu o Conselho Nacional de Justiça em 2007. A retirada dos crucifixos toma a situação pelo seu avesso. Considerou discriminatória a presença do símbolo, quando discriminador e preconceituoso é quem posa de ofendido por ele. Ou não? O Estado brasileiro não é ateu, é laico, mas a laicidade, no sentido em que é definida pela Constituição, recusa as pretensões do ateísmo militante. O Estado brasileiro não é inimigo da fé; ao contrário, com vistas ao interesse público, colabora com as confissões religiosas (CF, art.19,I). Prevê assistência religiosa aos que estão presos (CF Art. 5º VII). Também por essa compatibilidade de fins há capelães nas Forças Armadas. Retirar os crucifixos para acolher como saudáveis reações que afrontam a consciência civilizada não é defender o laicismo mas curvar-se ao ateísmo militante, de pouco futuro e péssimo passado. No volumoso Curso de Direito Constitucional (Ed. Saraiva, 2007), após citar o professor alemão Peter Häberle para demonstrar que elementos religiosos, como os feriados, são bem-vindos porque reacendem na memória coletiva suas raízes culturais, Gilmar Mendes e outros dois autores concluem assim o capítulo em que tratam da liberdade religiosa: O Estado que não professa o ateísmo pode conviver com símbolos, os quais não somente correspondem a valores que informam sua história cultural como remetem a bens encarecidos por parcela expressiva de sua população - por isso, também, não é dado proibir a exibição de crucifixos ou de imagens sagradas em lugares públicos. Não há uma única evidência de que crucifixos em salas de audiência tenham patrocinado descumprimento do nosso Direito para adotar imposições canônicas. Portanto, o que mais corretamente se pode assumir como efeito da presença do símbolo é exatamente o inverso do alegado. Ele inspira boa justiça. Na tradição Ocidental, é símbolo máximo da dor e da aflição causada pela injustiça! Seus adversários olham para o crucifixo mas focam, lá na frente, os princípios, os valores e as tradições que lhe são implícitos. Muitos, como os relacionados à defesa da vida, à dignidade e aos direitos humanos, às liberdades, à família, compõem convicções constitucionalizadas no Brasil e se refletem nas deliberações legislativas. É contra esse alvo que o ateísmo militante está declarando guerra e rufando tambores. Não agem por amor à Constituição, mas por ódio ao perfume cristão que ela legitimamente exala. Como escrevi anteriormente: deixem ao menos os pregos! ZERO HORA, 11/03/2012

Percival Puggina

10/03/2012
Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão e não percebes a trave que há no teu próprio olho? (Lc 6, 39-42) Numa de suas parábolas, Jesus propõe a indagação acima para induzir os circunstantes a refletir sobre a própria conduta. A imagem contundente que usou pode ser aplicada, o tempo todo, às mais variadas situações porque, de fato, nossa atenção aos erros alheios é inversamente proporcional à que dedicamos aos erros que cometemos. Mas não é sobre moral ou religião que escrevo. É sobre o que está acontecendo com a economia brasileira neste momento em que começam a pipocar, aqui e ali, pequenos registros sobre o processo de desindustrialização em curso no Brasil. Quando comecei a falar nisso, ainda em 2010, em programas de rádio e tevê, as pessoas me olhavam como se uma ave de mau agouro tivesse pousado no microfone. Só faltava me dizerem - Xô! Era um tempo de euforias eleitorais, quando fazia parte do jogo afirmar que estava tudo muito bem, ainda que não fosse assim. Era um tempo em que o devidamente aparelhado IPEA cuidava de servir à mídia um indicador positivo por dia. Hoje, é a própria indústria brasileira de bens de consumo que proclama: está difícil exportar porque nossos preços não são competitivos e resulta impossível vender no mercado interno pois grande número de produtos importados chega às prateleiras com preços inferiores aos custos locais de produção. Cansei de advertir: a) que estávamos retornando ao perfil de país produtor de bens primários que tivemos na primeira metade do século passado; b) que voltávamos a ser meros exportadores de matérias-primas; c) que o Brasil não era valorizado lá fora como fornecedor, mas como mercado; d) que uma economia baseada na venda de commodities não paga bons salários para a massa trabalhadora e não gera desenvolvimento social sustentável; e) que, diferentemente dos Estados Unidos, nós não podíamos nos dar ao luxo da desindustrialização porque ainda obtínhamos notas de reprovação em desenvolvimento tecnológico. Pois mesmo diante desse quadro continuamos apontando cisco no olho dos outros. O culpado é o câmbio! Com esse dólar não tem jeito! O dólar e o euro estão sub-apreciados porque convém às exportações dos respectivos países! A culpa é dos ricos! A culpa é dos ianques! A culpa é dos outros! Eles não cuidam de seus desequilíbrios fiscais! Eles - oh, eles! - seguem a Lei de Gerson e querem vantagem em tudo... E a trave no nosso olho? Como pode a sexta economia mundial responder por pouco mais de um por cento do comércio internacional? Pois é. Como pode? Anote aí, leitor: mesmo com esse dólar, tivéssemos feito o que nos corresponde, conseguiríamos ser competitivos além das commodities (que compõem um mercado faminto, eminentemente comprador). No entanto, as traves no nosso olho são irritantes e causam cegueira. Com educação de baixíssimo nível; recursos humanos operosos mas pouco produtivos; transportes usando o modal mais caro e em más condições, sem ferrovias nem hidrovias; energia caríssima apesar de dispormos de fontes hidroelétricas em abundância; carga tributária chegando a 37% do PIB e um sistema oneroso de pagamento e controle; a maior taxa de juros do mundo; e por aí vai - como ser competitivo? Tudo que descrevi neste parágrafo é responsabilidade nossa e muito pouco foi diligenciado. É a trave no nosso olho. Tivéssemos feito o dever de casa, conseguiríamos ser competitivos e faríamos rodar nossa indústria mesmo com o dólar no patamar atual. Mas preferimos apontar o cisco no olho da Europa e dos Estados Unidos. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

08/03/2012
Em todo o reino animal o homem não tem afeição igual. Não a encontra no cão que lambe a mão que lhe bate nem no semelhante que logo rebate. Nada supera o sentimento em relação ao homem que vai no coração da mulher. Por isso, o melhor amigo do homem, para mim, é a mulher. Deus a Criou, naquele que foi o derradeiro e o mais inspirado instante da Criação. O homem, porém, em vez de celebrar a preciosa dádiva, dela se prevaleceu, inventando o machismo, com suas grosseiras interdições, discriminações e preconceitos. Os anos passam, as gerações se sucedem, homens e mulheres envelhecem e morrem, a civilização avança, e os descendentes de Adão continuam, majoritariamente, sem entender de mulher. E desperdiçam, assim, o privilégio que lhes adveio da costela excedente com que ela foi feita. Compartilho com os leitores reflexões a que me conduz o Dia Internacional da Mulher, a mais preciosa das fêmeas da natureza e a única, aliás, que Deus criou com um olho no que fazia e o outro no homem. E me entristece a forma como, apesar disso, ainda hoje se obrigam as mulheres a chamar atenção para os desvios de relacionamento a que resultam submetidas por aqueles com quem, por destino e mandato se deveriam harmonizar. A meu juízo, o que mais notabiliza o vínculo que a metade feminina da humanidade mantém com a outra metade é que ele, apesar de tudo, independe de retribuição. Se dependesse, a espécie já teria desaparecido! Há que reconhecer: a mulher está para o homem assim como o homem deveria estar para a mulher e não está. Não haveria, pois, com que saldar tantos débitos ? milenares débitos! - se os devêssemos resgatar. Em vista disso, amiga, pise como se o tapete fosse vermelho e posto para si. Empine o nariz como se aspirasse o buquê das flores que não lhe demos. Ouça, na voz dos ventos, os galanteios que se perderam em nossos lábios. Não permita que nosso modo rude de ser a faça perder a capacidade de sentir o efeito que sua presença produz. Ainda que tenhamos tanta dificuldade de expressar isso.

Percival Puggina

07/03/2012
CARTA QUE ENVIEI AO SENHOR ARCEBISPO DE CUIABÁ Sobre o tal manifesto contra o Pe. Paulo Ricardo Muito estimado D. Milton Li com dissabor e não sem preocupação uma tal carta-denúncia que teria sido enviada às autoridades religiosas da regional Oeste II a respeito do padre Paulo Ricardo de Azevedo Junior, conhecido nacionalmente como padre Paulo Ricardo. A referida carta incorre em grau máximo nos erros e culpas que pretende atribuir ao acusado. Isso é comum em manifestações desse tipo. Obedece regras da pura malícia: acusa os outros daquilo que fazes; dize dos outros aquilo que és. A carta só surpreende, então, pelo anonimato, forma indigna de encerrar um texto com aquela estrutura e objetivo. Ela veio a público de um modo que o leitor não sabe quem diz, que autoridade tem nem quantos são os que assim se expressam. Seja como for, quero deixar registrada minha discordância em relação ao que ali foi afirmado. Conheço o padre Paulo Ricardo e posso dar testemunho de sua radical adesão ao sacramento que recebeu da Igreja, de sua exemplar fidelidade ao Papa (tantas vezes ausente em parcelas da nossa Igreja cá no Brasil), bem como sua explícita submissão e aceitação do Concílio Vaticano II. O que querem e contra ele requerem, são sanções cujo único objetivo é calar sua voz. Não porque ele ensine heresias ou atente contra o Magistério Pontifício (como Leonardo Boff), nem mesmo porque ele se opõe às heresias de natureza cismática muito em voga no nosso país, como ele de fato faz com muito vigor. O motivo da ira vai aparecer no momento em que acusam sua batina de ser objeto de um uso ideológico. É aí que o padre Paulo Ricardo incomoda como um espinho no pé. Ele é adversário de um projeto político, ideológico, que usa a Igreja Católica no Brasil para seus propósitos. No fundo é isso. Maliciosamente, o texto não diz que ideologia é essa porque se o fizesse estaria expondo a ideologia dos autores. Confio no seu justo discernimento. A verdade que liberta não é a verdade acolhida silenciosamente no coração enquanto convive de modo cúmplice com a falsidade, mas a verdade proclamada com coragem, profeticamente, quando necessária. Na mesma fé Percival Puggina

Percival Puggina

03/03/2012
Você lembra de já ter assistido a algum filme estrangeiro cuja projeção fosse antecedida pela apresentação de uma lista de patrocinadores? Eu não. O que se vê são os nomes de uma ou mais empresas produtoras que uniram esforços e recursos para fazê-lo. Filmes são concebidos como investimentos de cuja comercialização é esperado um ganho financeiro. Quando dá certo os produtores ganham dinheiro. Quando dá errado, têm prejuízo. Se os espectadores gostam, patrocinam o lucro na proporção dos ingressos que adquirem. Quando não gostam, o prejuízo fica com quem avaliou mal o negócio ou não o conduziu bem. No Brasil não é assim. Aqui, qualquer coisa com som é música, qualquer texto é literatura, qualquer lixo filmado é cultura e tudo cabe sob o guarda-chuva das leis que incentivam atividades culturais. Se por escrever isto eu for acusado de discricionário e preconceituoso, que o seja. O padrão cultural do povo brasileiro rampa abaixo e nós gastando dinheiro escasso para financiar coisas como Lula, o filho do Brasil? Cultura? Fala sério! Pois bem, essas leis permitem a captação de recursos junto a contribuintes que se disponham a orientar para tais atividades uma fração dos tributos que deveriam recolher. A produção cinematográfica - embora voltada dominantemente para o lazer - está abrangida por essa possibilidade. A maior parte dos filmes vira, então, um negócio sem risco, assumidos os custos, no todo ou em parte, pela sociedade pagadora de impostos. É o melhor dos mundos. Os mais reverenciados patrocinadores de eventos culturais são as poderosas empresas estatais cujas marcas frequentam as salas de projeção posando de mecenas com o dinheiro do povo. E não requer muito esforço intuir sobre a natureza dos alinhamentos e comprometimentos que presidem as concessões de tais incentivos. Andando por esses critérios e caminhos, o dinheiro do contribuinte é deslocado para aplicações que ele jamais autorizaria. Seus critérios convergiriam para prioridades situadas vários degraus acima da indústria do lazer. Mas a coisa vai além. Nos anos 90, surgiram no cenário nacional as agências reguladoras. São pessoas jurídicas de direito público, geralmente em forma de autarquias, concebidas para regular a atividade de setores estratégicos da economia que, ou são totalmente atribuídos à iniciativa privada, ou dela têm forte participação. No dia de sua criação, dormem assim, sobre o travesseiro das melhores intenções. Mas já na manhã seguinte acordam como objeto de disputas partidárias, transformadas em moeda de troca no balcão dos apoios políticos. Algumas dessas agências reúnem representações do poder público, das empresas envolvidas na atividade regulada e dos consumidores. Mas não me ocorre uma só onde os interesses deste último, pagador de todas as contas, tenha a devida relevância. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) é uma agência reguladora. Desde 2001, convergem para ela a regulamentação e o controle das proteções que regem a produção e exibição de filmes nacionais no Brasil. Entre as providências adotadas pela Ancine - com amparo legal, diga-se de passagem - está a exigência de um determinado percentual de projeções destinado a filmes brasileiros nos cinemas e na televisão, inclusive nas tevês a cabo. Ou seja, já não basta usar recursos do contribuinte para financiar o que dá lucro e indenizar o que dá prejuízo. Em nome da proteção à cultura nacional, regulamenta-se a atividade de um modo que obriga o exibidor a abdicar de uma parte de seu empreendimento. É imposta a ele a tarefa de tentar vender o que poucos querem comprar, porque se houvesse público interessado, maior ainda seria o interesse do exibidor em comercializar o produto. E dá-lhe pornochanchada na tevê a cabo. Não sou dos que creem que o mercado resolve tudo. Mas isso que pretendem para os filmes brasileiros é o mesmo que obrigar todas as lojas de roupas no Rio Grande do Sul, por exemplo, a reservar um espaço das vitrinas e prateleiras para exibir bombachas, guaiacas e apetrechos do gênero. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

26/02/2012
BREVE NOTA SOBRE A QUESTÃO DOS EMBRIÕES HUMANOS É quase inacreditável, diante de quanto hoje se sabe sobre biologia e genética, que ainda apareçam pessoas para defender o aborto em tese. Não se trata nem de defender quem fez aborto, mas de defender o direito de abortar... Chamo a atenção, para quem tem acesso ao jornal impresso, que, em ZH deste domingo, na coluna ao lado da minha, o jornalista Marcos Rolim, defensor fervoroso desse direito, esquece que a questão das células-tronco foi parar no STF e que os pró-vida muito se manifestaram contra um tipo de pesquisa que joga embriões humanos pelo ralo da pia do laboratório. A separação entre Igreja e Estado, tão frequentemente alegada pelos fetofóbicos, se efetiva exatamente nesse momento: decidida a questão pelo poder civil, a vida civil segue seu curso, malgrado as rejeições religiosas ou filosóficas manifestadas até o limite do debate democrático, no plano das instituições. A sociedade faz o que a lei lhe permite e os cristãos seguem os ditames da sua consciência e do seu discernimento moral.

Percival Puggina

26/02/2012
O número de vítimas causadas por todas as discriminações odiosas, somadas e multiplicadas por mil, não se aproxima da carnificina causada pela fetofobia. Estima-se que ela produza, no mundo todo, cerca de 50 milhões de execuções/ano (algo como oito holocaustos a cada 365 dias, ou 2500 jamantas carregadas de fetos). Trata-se, portanto, de um mal a exigir severas medidas restritivas à sua propagação. A fetofobia vai direto da tolerância ao ato. Da teoria à prática. Ela discrimina e mata implacavelmente aqueles contra os quais se volta. Como não tem justificativa moral, insinua-se mediante raciocínios sofistas e capciosos. Outro dia, um fetofóbico, indignado, acusava os defensores da vida de se fundarem em princípios e convicções. Tinha razão. A promoção do aborto só se sustenta no contexto oposto, no contexto dos palpites que caracterizam o relativismo moral e o hedonismo mais rasteiro. Se princípios e valores não servem para discutir o respeito à vida humana, tampouco servem à Política, ao Direito e à Justiça, bem como à Saúde e à Educação. E assim se esclarece muita coisa. Todos conhecem a frase do Goebbels sobre a mentira incansavelmente repetida. Mas o que ele ensinou vale, também, para a insistente negação da evidência e para a repetição da tolice. O Brasil é um país laico!, proclamam os fetofóbicos como se tivessem atingido a epifania do saber. E daí? Significará isso que qualquer convicção moral, qualquer constatação científica, qualquer reflexão filosófica que coincida com uma afirmação religiosa deva ser banida do catálogo das ideias e expurgada de todo debate civil? Mas é inútil contestar os piores cegos e surdos, que não querem ver, nem ler, nem ouvir. Amanhã, os fetofóbicos estarão repetindo, goebbelianamente: O Brasil é um país laico. Oba, legalizemos a chacina!. Ninguém precisa ter lido Julien Freund para perceber, em si mesmo, que as dimensões do ser humano - a política, a religiosa, a cultural, a econômica, a ética e a artística - convivem, necessariamente, umas com as outras. Dar cartão vermelho a qualquer delas, abortando-a do espaço público, como pretendem fazer com a dimensão religiosa, contraria a natureza humana. Por isso, é aberração só ensaiada nos totalitarismos, como a experiência dos povos demonstra derramando exemplos sobre a mesa da História. Houvesse busca sincera da verdade, o que aí está dito bastaria. Mas a fetofobia não se segura. Ela voltará aos mesmos argumentos, dos quais se deduz que: a) a separação entre Igreja e Estado deve aprisionar em um gueto a cidadania das pessoas de fé; b) quaisquer valores em que se perceba o perfume de alguma religião devem ser barrados na porta dos parlamentos e tribunais por vício de origem; c) o feto é coisa inútil - arrancado aos pedaços nada sente; e d) só pode opinar sobre temas de interesse público quem não tiver convicção alguma. Tanta tolice precisa substituir argumentos por adjetivos. Então, ser contra o aborto é fundamentalismo e defender a vida é obscurantismo. Tão lógico quanto isso. Quero louvar, a propósito, a firmeza dos congressistas evangélicos (onde andam os católicos e a CNBB?), acusados pelos fetofóbicos de pretenderem fazer refém ao governo. É como se o governo pudesse ficar - e como fica! - refém de qualquer bando, de quaisquer negocistas, de quaisquer corporações ou grupos de interesse. Mas será demasiadamente subjugado, o governo, se aceitar pressões em defesa da vida. Zero Hora 26/02/2012

Percival Puggina

25/02/2012
Em fins de 2006, o STF julgou inconstitucional a lei que estabelecera cláusula de barreira para os partidos chamados nanicos. Essa lei fora aprovada pelo Congresso Nacional em 1995 para viger dez anos mais tarde. Foi uma das muitas vezes em que os ministros estiveram mais para opiniáticos do que para constitucionalistas. Caramba! Se o Congresso Nacional não tiver autonomia sequer para legislar sobre partidos políticos, então que se fechem suas portas e se transfiram suas atribuições para os Onze Sábios da República. A surpreendente decisão fundamentou-se no direito de representação das minorias. Entenderam suas excelências que a cláusula restringia direito fundamental das parcelas minoritárias da cidadania. Como resultado, graças ao STF, já contamos com a inestimável contribuição ao bem comum prestada por 29 partidos. O 30º está na reta de chegada para completar seu registro. Trata-se do PEN, o Partido Ecológico Nacional. Muito obrigado, senhores ministros. Valeu! Abro parêntesis. É interessante notar que pelo menos dois dos partidos que impetraram aquela Ação Direta de Inconstitucionalidade acolhida pelo STF (PCdoB e PSOL) consideram perfeitamente normal e democrático o monopartidarismo cubano, mas acham que, no Brasil, não pode haver democracia sem um multipartidarismo que os inclua como representação de certas minorias ideológicas. Fecho parêntesis. Como recusar o fato de que o excessivo número de partidos complica a política em todos os seus níveis e em todas as suas etapas? Anoto algumas dessas mazelas: 1) o custeio das legendas; 2) as cada vez mais difíceis e onerosas campanhas eleitorais; 3) as extravagantes coligações com que convivemos; 4) a multiplicidade de espaços em rádio e tevê; 5) a sobrecarga incidente na Justiça Eleitoral; 6) o excessivo número de candidatos que poluem a vitrine das campanhas e dificultam a escolha do eleitor; 7) a formação de um número demasiado de bancadas nos parlamentos; 8) a descaracterização filosófica das siglas; 9) o tumulto que geram na constituição dos governos e no processo legislativo, e por aí vai. Vinte e três partidos políticos têm representação na Câmara dos Deputados! Os 86 deputados da maior bancada, a do PT, representam apenas 15% do plenário... Ou seja, nesse modelo que seduziu a maioria do STF, a maior bancada acaba sendo, também ela, uma pequena minoria. Como organizar de modo adequado atividade tão relevante ao bem comum quanto é a política com um sistema que só produz minorias irrelevantes? Como erguer essa atividade a um patamar mais elevado se a necessária formação de maiorias leva os partidos a se debruçarem sobre um cada vez mais seboso e menos digno balcão de negociações onde, a cada ano, é necessário criar novas moedas de troca? É certo, o grau de civilidade de um país tem a ver, entre outras coisas, com a forma como trata suas minorias. Sair-se daí, porém, para transformar o sistema partidário em instrumento dessa organização e representação é clara demasia. As minorias deveriam compor-se dentro dos partidos que as acolhessem em suas plataformas e diretórios. Isso evitaria todos os males do multipartidarismo e mais este: a possibilidade de que o acesso ao poder seja franqueado a uma minoria organizada. Atenção! O nosso modelo permite que circunstancialmente, um partido minoritário, nanico, sectário (quem sabe até totalitário!) tendo cooptado para seus quadros uma figura carismática e popular qualquer, chegue ao governo trazendo na manga do casaco posições filosóficas, ideológicas e morais sem aceitação social. Governar é tarefa para partido grande. É direito e dever das maiorias. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.