Percival Puggina

04/08/2012
AÇÃO PENAL 470... A ação que o PT ajuizará tentando proibir o uso da palavra Mensalão está na mesma linha de outras iniciativas do partido. O PT conhece o valor político das palavras e, por isso, chega ao ridículo nas suas tentativas para controlá-las. Há alguns anos, como resultado de um convênio celebrado entre a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, então chefiada por Nilmário Miranda, e a Fundação Universitária de Brasília, nasceu a cartilha Politicamente Correto e Direitos Humanos. Esse inacreditável documento listava 90 palavras que deveriam ser abolidas do vocabulário terem de conotação negativa. Entre elas as palavras comunista e preto. A atual iniciativa envolvendo o vocábulo mensalão foi parida no mesmo berço gramscista. Espero que o Poder Judiciário, se efetivamente acionado, e a imprensa percebam o sentido totalitário da manobra e o denunciem com o vigor que a pretensão exige.

Percival Puggina

04/08/2012
Argumento ad hominem é um falso argumento que pretende vencer e convencer mediante ataque verbal ao oponente. Já me defrontei com ele várias vezes. Também pode ser descrito como falácia, pois busca concluir sobre a correção de algo que esteja em pauta sem examinar seu conteúdo. Trago a expressão para este artigo porque, em dado momento da sessão de abertura do julgamento do caso Mensalão, o ministro Ricardo Lewandowski, altercando com o ministro Joaquim Barbosa, verberou indignado não aceitar argumento ad hominem. Opa! Esse tipo de coisa no Supremo? Tenho sido crítico do STF. Reiteradamente, aquela Corte vem se deixando levar pelas pressões de grupos de opinião mobilizados em torno de pautas que estariam mais legitimamente regradas pelo Congresso. Vejo como preocupante, também, o convívio da atual forma de provimento das vagas no Supremo com o instituto da reeleição para presidente da República. E mais incompatível ainda com a hegemonização (mexicanização) política em curso no país. Não havendo rodízio no poder político, o STF vira poder gêmeo do governo. Reproduz o mesmo perfil ideológico. É um receio que já se tem e é a causa da recente manobra desesperada com que Lula tentou adiar o julgamento para após a eleição. É que até o fim do ano o PT indicará dois novos ministros. Voltando aos fatos da sessão de abertura do julgamento. A acusação feita por Lewandowski ao relator Joaquim Barbosa, de ter deixado de lado o conteúdo para atacá-lo pessoalmente, é tão grave quanto surpreendente. A sala de sessões do STF não é mesa de bar, e o Pleno não é assembléia de grêmio estudantil. Tudo que ali se afirma exige fundamento. No entanto, Lewandowski acabara de se pronunciar favoravelmente ao pedido do advogado Márcio Thomaz Bastos para desmembrar o processo, o que faria remanescer sob juízo do STF apenas três dos 38 réus. Os outros 35 seriam borrifados em juízos de primeira instância, Brasil afora. Apoiar o pedido do advogado - pedido que remeteria os principais réus do processo (José Dirceu entre eles) para as calendas da impunidade e das chicanes recursais - foi, de fato, uma deslealdade com o relator e com a Instituição. Ricardo Lewandowski, há mais de dois anos, exercia a função de revisor do caso. Participara de outras decisões no sentido da unicidade do processo adotadas no plenário. E resolveu mudar de entendimento sobre essa questão fulcral no exato momento em que o julgamento começou? Note-se que se sua nova posição fosse referendada pela maioria dos colegas, o processo do Mensalão simplesmente se desfaria no ar! Os principais réus do caso não são os três que remanesceriam - deputados João Paulo Cunha, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto. Diante disso, Joaquim Barbosa, do lado oposto da mesa, perguntou a Lewandowski os motivos pelos quais o colega, sendo revisor do processo há tanto tempo, não suscitara tal questão antes. O ministro não estava argumentando, nem agredindo. Estava fazendo uma pergunta, a mesmíssima que o país inteiro fazia naquele momento, vendo Lewandowski responder na lata, com voto escrito de 53 páginas, à consulta verbal de um advogado. Por que agora, ministro? Era uma interrogação lógica, imperiosa. E que permanece no ar, pendurada no teto do plenário, aguardando resposta racional. Quando o ministro declarou-se ofendido por ela, chamando de argumento o que era apenas um indispensável pedido de explicação, uma curiosidade nacional, e afirmando não admiti-la, ele estava se escondendo do dever moral de responder. E se fugiu disso, abriu a porta para as mais medonhas suposições. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

29/07/2012
Como são longas as pernas da mentira insistentemente repetida por muitos! Uma delas atropelou-me outro dia. Centenas de informações sustentam, na internet, que a anistia de 1979 foi aprovada no Congresso pelo estreito placar de 206 votos a 201. Por essa vantagem mínima, a Arena empurrara a tal anistia goela abaixo da oposição. Diante de informação tão homogênea e coincidente, eu a comprei por boa e passei a repeti-la. No entanto, algo não abotoava. Duzentos e um congressistas, adversários do regime militar, se teriam oposto à anistia? Seria paradoxal. Por que rejeitariam um projeto que beneficiou milhares de parceiros? Pesquisando, tropecei noutra das longas pernas em que essa história caminha através dos anos: o projeto teria sido rejeitado pela oposição porque se tratava de uma auto-anistia que só interessava aos militares. Oh, verdade! Oh, história! O que fazem com vocês duas em nome da ideologia! Dia desses, soube que o JB disponibiliza um arquivo digitalizado de seus jornais desde os anos 30. A edição do dia 23 de agosto de 1979 quebra a perna dessas mentiras. Coisa feia. Fratura exposta. A véspera, dia da votação da anistia, fora tumultuado no Congresso. Pressão nas galerias. Exaltados discursos. O projeto do governo Figueiredo não anistiava quem tivesse participado de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Para estes, as duras penas da lei. Mas havia uma emenda do deputado Djalma Marinho que anistiava a todos, ampla, geral e irrestritamente. Essa emenda, levada a votação, foi rejeitada por 206 votos a 201. Ah! Quer dizer que não houve 201 votos contra a anistia, mas 206 votos contra uma emenda que a ampliava? Os 201 votos que se diz terem sido contra o projeto de anistia, na verdade foram a favor de uma anistia muito mais ampla? Sim, foi isso mesmo. Aliás, a maioria parlamentar, a base do governo Figueiredo, entendia que os crimes contra a pessoa, crimes de sangue, não mereciam perdão. Para quem os cometera - a justiça. As penas da lei. Já o projeto em si - Lei nº 6683/79 - foi aprovado em acordo, por voto das lideranças. O país não se pacificou. Nos seis anos seguintes, continuou a campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita, finalmente aprovada, em 22/11/1985, por um Congresso com plena legitimidade democrática, no corpo da emenda que convocou a Constituinte. Apesar de as coisas terem transcorrido desse modo, a história, mal contada e muito repetida, sobre longas pernas, insiste, agora, em que a desejada, pleiteada e ansiada anistia ampla, geral e irrestrita foi uma injustiça. Curiosamente, reproduz a posição da bancada linha dura de 1979 e clama pelas duras penas da lei. Anistia, não! Justiça! Justiça! Também acho injusto que terroristas, guerrilheiros, assassinos e assaltantes responsáveis por mais de uma centena de mortes andem soltos e recebendo gordas indenizações. Digo outro tanto de quem torturou e seviciou. Tais impunidades não são justas! Mas sei que por esse caminho não chegaríamos à normalidade democrática. O país só foi pacificado, só recuperou saúde institucional quando a Política superou a Justiça através da anistia de 1985. A anistia é um instrumento jurídico a serviço da Política. Da boa Política! Há conflitos, na história, que não se resolvem com Justiça, mas com Política. O passado não tinha conserto. Consertou-se o futuro. Foi esse o bom rumo que o Brasil escolheu e que alguns pernalongas, arrebatados pela ideologia do ódio, querem desandar. ZERO HORA, 29/07/2012

Percival Puggina

27/07/2012
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul avaliou o desempenho acadêmico dos alunos cotistas e não cotistas e concluiu, segundo matéria de Zero Hora em 25 deste mês, que os cotistas negros apresentam índices consideravelmente piores. Para cada aluno admitido pelo ingresso universal em 2008, com desempenho insuficiente, há 2,4 cotistas negros na mesma situação. Em percentuais, o mau desempenho é de 14,8% no sistema geral e de 34,8% entre os autodeclarados negros. Tal informação contradiz o que ouvi em sucessivos debates ao longo dos últimos anos, segundo os quais tudo ia muito bem, graças a Deus. Não havia diferença entre cotistas e não cotistas. Sabe-se agora que há, sim, como seria previsível. A universidade não serve - e não deve, mesmo, servir - para suprir deficiências na escolaridade anterior de seus alunos. As desigualdades sociais em meio às quais vivemos excedem, em muito, o tolerável, mesmo se considerarmos que há uma efetiva desigualdade natural entre os indivíduos. Nosso índice Gini (que mede a distribuição da renda nos países) é comparável ao das sociedades com desenvolvimento mais retardado. Chega a ser um disparate alguém observar o Brasil nessa perspectiva e deduzir que o mal está no acesso às universidades públicas. Não está! É na base do sistema de ensino, no bê-á-bá da cadeia produtiva da Educação, que ele se aloja e opera. Só os gênios que comandam a Educação nacional não sabem que na vida real, na vida do mau emprego, do subemprego e do desemprego, no mundo do trabalho árduo e do salário baixo, para cada graduado de cor negra que recebe seu diploma no último andar do sistema, dezenas de crianças estão entrando pelo térreo para padecer as mesmas deficiências que inspiraram a ideia das cotas. Atrás do conta-gotas racial percebido nos atos de formatura, há uma hidrelétrica de alunos negros e pobres, recebendo o precário tipo de educação que a nação fornece a seus alunos pobres e negros. E ninguém vê isso? De nada nos servem os tantos bons exemplos de outros povos que superaram desigualdades internas maiores do que as nossas e emergiram como potências no cenário industrial e tecnológico, através de um bom sistema de ensino, do trabalho e do mérito? Ademais, o próprio STF, ao contrário do que vem sendo repetido equivocadamente, deixou implícito que o sistema de cotas raciais é inconstitucional. O quê? perguntará espantado o leitor. Mas não foi exatamente o contrário?. Estive bem atento durante toda a sessão em que o STF admitiu o sistema. Percebi que os ministros falaram muito mais sobre Sociologia, História do Brasil, Antropologia e Política do que sobre a Constituição. Nesse particular, nesse pequeno detalhe, seguiram o voto do relator, ministro Lewandowski. Quanto a este, era inevitável que, em algum momento, abrisse a Carta da República e topasse ali com coisas como a igualdade de todos perante a lei e com o preceito (quase universal no mundo civilizado) de que ninguém será discriminado, entre outras coisas, por motivo de raça. Como saiu o ministro dessa enrascada? Afirmou que um sistema de cotas raciais precisa ser transitório, temporário, devendo viger até que desapareça a situação que lhe deu causa. Não sendo assim, seria inconstitucional. Ora, isso significa que o conta-gotas funcionará até que se esvazie a hidrelétrica. O preceito da não discriminação persiste, mas perde vigência por prazo impreciso, embora não infinito. Ah! Se isso não é um truque na cartola do politicamente correto, então vou ter que pedir para voltar à universidade por um sistema de cotas para deficientes mentais. E mais: doravante, pelas letras da mesma oratória, todo concurso para magistratura, todo certame intelectual ou cultural, toda prova de habilitação, que não previr cotas raciais será provisoriamente inconstitucional. Arre, STF! O Brasil importa técnicos e trabalhadores qualificados de nível médio porque não oferece esse tipo de formação aos seus jovens! Enquanto isso, as políticas de desenvolvimento social via universidade fazem o quê? Reproduzem a estúpida estrutura, tão do agrado da elite brasileira: um bacharelado, um canudo, um título de doutor, uma festa de formatura. E está resolvido o problema dos pobres. Até parece ideia de rico de novela. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

22/07/2012
Os que foram para a luta armada no Brasil agiram com legitimidade moral? A resposta afirmativa a essa pergunta não dissolve a anistia. Já a resposta negativa desqualifica muitas das pretensões de seus militantes, seja no plano político, seja no das indenizações. Em 1966, o regime vigente contava dois anos, tinha amplo apoio popular e da mídia, e não dava sinais de esmorecimento. O primeiro sangue correu no dia 25 de junho daquele ano. Foi um atentado terrorista: a explosão de bomba no aeroporto de Guararapes, no Recife, onde deveria desembarcar o general Costa e Silva. Dois mortos, uma dúzia de mutilados e feridos. A tragédia só não foi maior porque uma pane no avião obrigara o general a se deslocar por via terrestre e o anúncio dessa mudança fizera com que a maior parte das pessoas já houvesse deixado o aeroporto no momento da explosão. Andassem as coisas conforme planejara a Ação Popular, teria ocorrido ali a maior chacina da história republicana. Com a indiscriminada impiedade do terrorismo, começou a luta armada no Brasil. Pois bem, onde era ensinado o fabrico de bombas em nosso país? Não havia, aqui, qualquer experiência com a produção de artefatos para ações terroristas. As escolas de engenharia e os engenheiros não estavam para essas coisas. O leitor tem uma chance de apontar no Google Earth (antigamente se diria no mapa-múndi) o lugar onde o construtor do artefato aprendeu as técnicas para sua montagem. Se colocou o dedo na ilha de Cuba, acertou. Foi lá, naquele decantado paraíso da autodeterminação dos povos, que o ex-padre Alípio de Freitas (indenizado pela Comissão de Anistia com mais de um milhão de reais) recebeu instrução e treinamento para ser terrorista no Brasil. Se Fidel não se importava com quanto sangue cubano fazia correr, não haveria de ser com sangue brasileiro que se iria preocupar. E assim andou a resistência armada ao regime de 1964: mais de uma centena de vítimas; assaltos a bancos e quartéis, com morte de sentinelas, vigilantes e clientes; execuções de companheiros, sequestros e justiçamento de adversários. Executaram um marinheiro inglês apenas por ser inglês. Por ser norte-americano, mataram um capitão na frente da mulher e dos filhos. Tendo presente o caráter efetivamente autoritário do regime então vigente e o rigor da repressão às organizações (cerca de uma centena) que partiram para a luta armada, a pergunta que se impõe é a seguinte: os que militaram nesses grupos e cometeram tais crimes agiram sob a proteção moral do direito de resistência à tirania? Tal alegação é apresentada insistentemente como forma de legitimar os atos cometidos É importante esmiuçar um pouco essa questão. Se é verdade que a sã filosofia, em nome do bem comum e da dignidade da pessoa humana, sempre reconheceu a existência de um direito de resistência à tirania, também é verdade que a mesma sã filosofia impõe condições para legitimar o uso da violência com esse fim. Ou seja, resistir à tirania é um direito. Empregar a violência para isso implica certas condições e os militantes da luta armada não se enquadravam em muitas delas, a saber: a) não estavam esgotados todos os meios pacíficos para reverter a situação; b) havia uma clara desproporcionalidade entre os meios e os fins (as ações violentas não conduziam ao objetivo proclamado); c) como o objeto de toda insurreição é instaurar um novo poder, a nova ordem pretendida (implantação de um regime comunista no Brasil) era sabidamente muito pior do que o regime que enfrentavam; d) inexistia a certeza moral de que os sofrimentos causados pela insurreição não seriam (como de fato não foram) superiores aos benefícios esperados das ações violentas. Porque tudo isso foi percebido com clareza pela sociedade brasileira, não houve qualquer apoio da opinião pública aos atos praticados pelos guerrilheiros. O desejo de acender, no estilo cubano ou chinês, focos revolucionários nos campos e nas cidades, fracassou redondamente. Ao contrário dos intelectuais fanatizados por ideologias, o povo, o povo simples, sabe que não se pega em armas e não se parte para a violência em má companhia, por uma causa ruim. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

18/07/2012
Por: Maria Júlia Ferraz Percival Puggina é escritor e um atento observador e comentarista de prementes questões nacionais no campo político e cultural, há decadas participando de debates, palestras, programas de televisão e rádio, expondo de forma clara e aguda suas opiniões. Autor de livros como Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, escreve ainda para dezenas de jornais, blogs e sites em todo o país, sempre com coragem e inteligência. *** M@M -A que o senhor atribui a inexistência de partidos oposicionistas no país, o que favorece uma espécie de corrida adesista em época de eleições? O fato de o Estado ser tão grande no Brasil contribui de alguma forma para isso? Percival Puggina: A conjugação de várias regras e práticas decorrentes do nosso processo institucional acabaram por produzir o que você descreve. Refiro-me a um pluripartidarismo sem limites (há muito mais partidos do que ideias no mercado eleitoral), à cada vez mais poderosa representatividade política dos grupos de interesse nos parlamentos como consequência do voto proporcional (esses grupos são constituídos para realizar negócios que só se fazem com o governo), e às práticas de aliciamento para o aparelhamento que caracterizam o lulismo (graças às quais só não está no governo quem não quer). M@M -Como é possível enfrentar a agenda socialista que em maior ou menor escala permeia todo o aspecto político-cultural nacional? PP - Até os anos 1980, esse foco de resistência esteve situado nas escolas e universidades confessionais. As elites brasileiras eram formadas na sã filosofia. E essa boa formação ganhava expressão na cultura, na mídia, na opinião pública. A Teologia da Libertação furou o caso do Barco de Pedro e quem mostrasse a água entrando era visto como homem de pouca fé. Como resultado, em todo o país, hoje, a doutrina a que por mais tempo esteve exposto quem entrar no curso fundamental e sair com canudo na mão de uma universidade brasileira, privada laica, privada confessional, ou pública, terá sido, fatalmente, a doutrina marxista. Portanto, sem uma boa vitória eleitoral no arco do centro para a direita no plano político e sem uma virada histórica nas tendências da CNBB e da Igreja no Brasil não é de se ter esperança em qualquer reversão dessa agenda socialista, materialista e moralmente relativista. M@M -O senhor concorda que o Brasil deixou de ter um catolicismo autêntico? Por essa perspectiva, o que seria mais nocivo para a Igreja Católica: a Teologia da Libertação ou os padres animadores de auditório? PP - Sem dúvida, a TL. Ninguém consegue ser mais ferrenhamente comunista do que um adepto dessa teologia porque ele se vê como um comunista com a graça de Deus. Enfeixa-se nele a convergência de dois atos de fé: a fé no filósofo e a fé em Deus. O adepto da TL está convencido de que o Espírito Santo veio em Pentecostes para cantar parabéns e comer bolo. Para tudo que realmente importa, na perspectiva da TL, o Paráclito veio, para valer, no dia em que Marx leu Hegel. M@M -A que o senhor atribui o avanço de propostas como o aborto livre, patrulhamento de opiniões contrárias ao movimento homossexual, reformas no código penal que favorecem a criminalidade e outras medidas ?progressistas?? PP - Se buscarmos, em qualquer dessas pautas, as necessárias relações de causa e efeito, perceberemos que elas resultam incompreensíveis. O véu só se afasta quando se admite que não estamos diante de pautas reivindicatórias, mas de um jogo pelo poder. São temas da política muito mais do que dos costumes. Fazem parte das estratégias de aparelhamento da sociedade, de entrincheiramento. Como católico que sempre denunciou e combateu a relação promíscua entre os propagadores de tais práticas e ponderáveis setores da igreja no Brasil, entristece-me ver o mal feito e o silêncio relapso de tantos e tantos bispos ante uma relação nefasta à sua missão pastoral. No enfrentamento da avalanche do relativismo moral e da permissividade há maior segurança e determinação entre os evangélicos do que entre os católicos. A CNBB, desde os anos 1960, vem colaborando com os inimigos da Igreja e colocando inconcebíveis afinidades ideológicas acima da sua efetiva missão. Por exemplo: a candidata Dilma diz que não vai empenhar-se em favor do aborto... e eles acreditam. M@M -Observando o cenário nacional, há a impressão que o brasileiro não tem o menor interesse em política, submetendo-se docilmente a políticos corruptos e a agendas que são claramente contrárias aos seus interesses mais importantes, bastando uma prosperidade material frágil para que esse quadro se acentue ainda mais. O senhor também tem essa impressão? Como seria sua análise sobre essas questões? PP - Assistimos nas últimas décadas um acelerado processo de massificação da sociedade. Ora, uma sociedade de massa vai para onde a mídia a conduz. A mídia brasileira é esquizofrênica. No plano do comando das empresas de comunicação só pensa em faturamento. Nas redações só pensa em fazer a cabeça das pessoas para o ideário esquerdista. A manipulação é evidente. Foi preciso uma década inteira de petismo para que alguns espíritos se abrissem para algumas dúvidas razoáveis a respeito da santidade e sabedoria das esquerdas nacionais. O grande dano do lulismo não foi haver corrompido profundamente as instituições, mas haver corrompido o próprio eleitorado, levando-o para o mesmo realismo cínico que caracteriza o grande líder político brasileiro deste século. M@M -Qual seria o melhor caminho para enfrentar o quadro de decomposição política e moral nacional? PP - Eu acredito numa hipótese que não desejo (uma crise econômica que desacredite e desestabilize o governo) e uma hipótese mais provável de ampliação do impacto político das redes sociais e do webjornalismo. Levará muito tempo. M@M -O senhor concorda com a visão de que o Brasil, na verdade, vive uma democracia fantasiosa que esconde interesses de grandes grupos econômicos, amplamente satisfeitos por políticos que, durante décadas, se apresentaram como porta-vozes da moral e da ética, mas que na prática são ainda piores que os patrimonialistas e corruptos tradicionais? PP - Eu acredito que o Brasil acreditou, durante muito tempo, que a esquerda era o estuário dos bons e que a direita era a usina das maldades. Acredito que o brasileiro médio acreditou nisso, mesmo sendo, ele mesmo, um conservador em tudo que realmente importa. E acredito que agora a década petista corrompeu parcela significativa da sociedade. Comprou-a com dinheiro, carisma e conversa fiada. M@M -Ainda sobre a política no Brasil: seria fundamental primeiro existir uma sólida formação de quadros, com forte base cultural, para só então ser travada uma disputa política, ou é necessário primeiro vencer a disputa política para só então começar a trabalhar a questão cultural, combatendo os princípios coletivistas que permeiam a política nacional e legitimam desmandos? É possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo? PP - A guerra cultural já leva mais de meio século. Não participar dela seria cumplicidade com o suicídio de uma nação. Faltam-nos meios para equilibrar a disputa, mas não podemos ceder território ao inimigo. Ao mesmo tempo, precisamos formar quadros dentro dos diversos partidos, inclusive nos de centro-esquerda. O que torna a tarefa instrumental através dos partidos mais difícil é a falta de poder de sedução dessas agremiações. Elas não parecem e não são mesmo confiáveis. Estão todas requerendo um indispensável processo de conquista por novas e melhores lideranças. M@M -Aristóteles afirmava que o homem é um animal político. No Brasil, a política é constantemente associada à corrupção, ao enriquecimento ilícito e à impunidade, o que gera grande rejeição dos brasileiros para o debate político. Em contrapartida, é comum verificar entre os brasileiros a expectativa que o Estado cumpra determinados papeis que seriam próprios do indivíduo, principalmente em aspectos assistencialistas ou na almejada estabilidade na carreira através de concursos públicos. Como explicar essas posturas tão divergentes e tão complementares do brasileiro? De onde vem a ausência de políticos assumidamente direitistas no Brasil? PP - Você aponta para um fenômeno cultural. De fato o brasileiro médio pensa assim. Veja o caso do Paraguai. Mesmo quem não tinha apreço pelo presidente Lugo custou a aceitar que sua demissão tivesse sido constitucional. Quando ficou claro que a Constituição permitia a adoção da medita tomada pelo parlamento paraguaio, passou-se a dizer que foi tudo muito rápido, como se isso fosse suficiente para caracterizar um golpe e não uma medida para assegurar a paz interna do país (dessem 20 dias a Lugo e haveria uma convulsão interna, fronteiras fechadas e uma reprodução das patacoadas hondurenhas). Pois bem, para nós, os parlamentos não têm valor algum. No Brasil real, o coração da política bate no Palácio do Planalto. Mas quando se fala em corrupção, olha-se para o parlamento, onde nem dinheiro há para uma corrupção que mereça manchete. O brasileiro não quer saber. Ele precisa dessa relação filial que mantém com o Estado. Como lhe faltam meios para se afirmar e desenvolver, ele se sente dependente do Estado. Sempre há a possibilidade de algum benefício na ponta da relação de trocas da política. O brasileiro crê que acaba recebendo do Estado mais do que dá ao Estado. E isso só seria verdade se o Brasil fosse um paraíso e não um inferno fiscal. M@M -O senhor gostaria de expor algum ponto de vista que não foi abordado nas perguntas anteriores? PP - Sim. Primeiro, quero afirmar minha sólida convicção de que as coisas, no Brasil, podem melhorar um pouco ou piorar um pouco. Mas só vão melhorar, mesmo, mediante uma boa reforma institucional aplicada a este modelo ficha-suja, irrecuperável que adotamos. Depois, parabenizar-te pelas instigantes perguntas que me propuseste. Foi muito prazerosa a oportunidade de as responder.

Percival Puggina

14/07/2012
Formas gerundiais devem ser usadas com cautela. Não são caldo de galinha do bom estilo. Por isso, chama a atenção a invasão dos gerúndios na comunicação nacional. Você liga para um 0800 da vida com o intuito cívico de reclamar sobre algo. Quer providência e solução. Não obstante, inevitavelmente, a resposta vem assim: Vamos estar encaminhando sua solicitação... Vamos estar entrando em contato. Vamos estar agendando. E por aí vão indo os encaminhamentos. Poderíamos dizer que é apenas um dos muitos erros acolhidos no nosso modo de falar. No entanto, se prestarmos atenção aos motivos dessa construção verbal, perceberemos que a linguagem frauda a mensagem. O gerúndio, empregado assim, dissimula uma negação do que expressa. Cria uma ilusão, ao sugerir que a ação ocorrerá no tempo presente, de modo continuado - encaminhando, entrando em contato, agendando. Mas faz o inverso disso ao remeter tudo para as imprecisões do futuro e da impessoalidade, através do vamos estar. Quem diz vamos estar, não está. Omite a informação sobre quando estará. E não atribui a alguém o dever de estar. Para que a frase merecesse credibilidade seria necessário usar o verbo no tempo futuro, estabelecer quando a ação seria cumprida e indicar seu sujeito: encaminharei neste momento, entrarei em contato hoje, o diretor agendará imediatamente, e assim por diante. Imagine, leitor, o que aconteceria se na empresa do tal 0800, um gerente, interpelado por seu chefe sobre determinado problema, respondesse com um vamos estar verificando e estaremos encaminhando... Mas isto aqui não é lição de Língua Portuguesa. Nem eu a saberia ministrar. Pretendo mostrar que essa formulação marota, à qual nossos ouvidos vão estar se habituando cada vez mais, ganha crescente espaço no discurso político. Aliás, é a cara da nossa política perante as carências nacionais. Reflete a falta de projetos, a fatuidade dos programas de governo e os solavancos administrativos causados pelas manchetes. As decisões de governo, no Brasil, estão sendo tomadas ao sabor das emoções. Indagado sobre problemas específicos de sua atividade, o gestor público nunca mostra surpresa e raramente fornece resposta com começo meio e fim. A nova técnica consiste em dizer que temos estado estudando e estaremos acompanhando, planejando, promovendo ou coisas que o valham. Assim, há mais de uma década, temos estado tentando sair do RS para o norte do país por uma rodovia digna, e há mais de trinta anos temos estado programando soluções para o problema da BR-116 entre Porto Alegre e Novo Hamburgo, por exemplo. Eminentes pedagogos têm estado estudando a queda dos nossos indicadores educacionais, mas são sucessivas gerações de alunos que vêm sendo, mesmo, prejudicadas. Avizinha-se um pleito municipal. Fique atento ao que dirão os candidatos. Firmou-se entre nós um hábito segundo o qual o que é prometido para os primeiros dias seguintes à posse, o pacote de bondades do discurso eleitoral, fica postergado para o último mês de dezembro do quadriênio em disputa. E o que acaba posto em prática é um pacote de maldades cautelosamente omitido durante a campanha. Os candidatos deveriam detalhar e comprometer-se com seus programas de governo. Os eleitores deveriam esmiuçá-los, ponderá-los, confrontá-los. E cobrá-los. No Brasil, ganha-se a eleição com um programa e governa-se com outro. A partir da posse, as bondades vão para o gerúndio. E o presente do indicativo serve para outras coisas. Zero Hora, 15 de julho de 2012.

Percival Puggina

13/07/2012
Existem jornais detestáveis. Nenhum, porém, se compara com qualquer dos diários cubanos - o Gramna e o Juventud Rebelde. Ambos são órgãos oficiais. O primeiro é do partido e o segundo da juventude do partido. Jamais alguém leu no respectivo noticiário local uma linha sequer que não corresponda à opinião do governo sobre si mesmo. E todas as matérias internacionais são retorcidas para caber na interpretação política e ideológica do regime. Por isso, merecem aplausos os raros jornalistas independentes e comunicadores comunitários que, a duras penas e com grave risco pessoal, enviam ao exterior informações sobre a difícil situação imposta pela reumática gerontocracia que domina o país. O trabalho que realizam cumpre dupla missão cívica. Na primeira, revela o que, de outro modo, não se ficaria sabendo sobre o que acontece por lá. Na segunda, desnuda a criminosa cumplicidade da rede internacional de solidariedade a Cuba com a tirania que há mais de meio século vem sendo exercida sobre o bom e sofrido povo cubano. Os quase três milhões de turistas que vão a Cuba todos os anos pouco veem da realidade local. Passeiam por Habana Vieja, almoçam no Floridita, jantam na Bodeguita del Medio, tomam seus daiquiris e mojitos na varanda do Hotel Nacional e mandam-se para as areias indescritivelmente brancas de Varadero e Cayo Largo. Esse turismo é nada revelador, mas muito sedutor. Aliás, certamente o errado sou eu que em várias idas a ilha nos últimos 12 anos limitei-me a estudar sua realidade social e política. Com tal interesse, já parei em casa de família, nunca fiquei em hotéis de luxo, jamais fui àquelas praias e sequer entrei nos dois badalados e mundialmente conhecidos restaurantes que mencionei acima. Continuo convencido de que Cuba é um inesgotável museu da ideologia. Havana é o Louvre do comunismo. Quando lá andei em outubro do ano passado, percebi que a realidade social declinara ainda mais. Tudo precário e tudo escasso. O povo mais desesperançado. Contaram-me que tomavam banho e lavavam as coisas apenas com água por falta de sabão, sabonete e detergentes. Estavam com graves dificuldades para a higiene pessoal. Quando voltei ao Brasil, pesquisei na rede e fiquei sabendo que, no início de 2011, os sabonetes haviam saído da libreta (aquela caderneta de racionamento que já vai para mais de meio século) e ido para a libre ou seja, deviam ser adquiridos aos preços de mercado. Meio dólar a peça, num país onde o salário mensal é de 14 dólares. Num artigo que me chegou dias mais tarde, o autor chamava de liliputiano esse sabonete, tão diminutas eram suas dimensões. São informações que infelizmente não repercutem tanto quanto deveriam na imprensa mundial. Uma jornalista me conta sobre certa paciente com problema dentário que não conseguia ser atendida no seu centro clínico porque o local estava em falta de detergente para lavar os instrumentos. Há poucos dias, leio que em Sancti Spíritus (cidade com cerca de 300 mil habitantes, na região central da ilha) um grupo de mulheres disputou sabonetes a tapas e bofetadas num armazém local. A baiana só parou de rodar com a chegada de várias viaturas policiais. Alguns circunstantes que não participaram do fuzuê comentaram que a permanente escassez e as longas filas que precisam ser enfrentadas para tudo estão levando as donas de casa a esse tipo de descontrole. Briga de rua pelo direito de comprar sabão? Sabão? Mas o sabão é um dos produtos industriais mais antigos e simples da civilização! É usado desde 2500 anos a.C.. A indústria de sebos e sabões está para a indústria de bens de consumo assim como a roda e a manivela estão para a indústria de bens de capital. Uma economia onde se disputa no braço o direito de comprar sabão está a quilômetros da antessala do atraso. E não me venham dizer que é por culpa dos ianques que em Cuba não conseguem misturar sebo com soda cáustica. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

10/07/2012
SOBRE A DIVULGAÇÃO DOS VENCIMENTOS DOS SERVIDORES (Eis o que penso sobre isso, embora argumentos consistentes possam me fazer mudar de ideia.) Quando leio sobre certos salários que excedem o limite máximo das remunerações no setor público, o sangue me ferve nas veias. Há remunerações que furam o teto inúmeras vezes e vão para a casa das centenas de milhares de reais. Mas minha indignação se dirige aos dois lados da relação funcional! O lado que, sem pudor recebe e o lado que despudoradamente paga. Em tais casos, gostaria de ver divulgados todos os nomes da cadeia remuneratória: o nome dos beneficiários e os nomes da cadeia autorizadora e pagadora. Por que tornar conhecidos os recebedores e manter ocultos os daqueles que autorizam o depósito? É provável que, no cruzamento dessas informações, fiquemos sabendo que quem autoriza também recebe. Isso de uma parte. Quanto aos demais vencimentos, contidos no teto, dentro dos respectivos planos de carreira e biografias funcionais, creio que a divulgação dos valores com as matrículas funcionais seria informação suficiente para atender o critério da transparência e o efetivo interesse público, respeitando o direito à privacidade das pessoas. Mais, quando todos os vencimentos forem conhecidos, perceberemos que mais de 90% dos funcionários terão ficado expostos a uma situação vexatória pela divulgação da própria miserabilidade. Por que submetê-los a isso?