• Percival Puggina
  • 29/12/2012
  • Compartilhe:

FONES DE OUVIDO

Há poucos dias fiz aniversário. Embora costume brincar sobre o tema da minha idade dizendo que tenho 68 anos mas bem lavado fico como novo, o fato é que algumas coisas mudaram na percepção que tenho da minha realidade existencial. Assim: quando eu era jovem, contemplava o futuro como um horizonte móvel. Ele se ampliava e se distanciava a cada passo dado. Agora, eu o percebo fixo. A distância entre mim e ele encurta a cada velinha soprada. Um dos fascínios da vida, aqui de onde eu a vejo, é a possibilidade de ouvir o que os jovens falam e o que alguns dizem aos jovens. Nessa tarefa instigante de ouvir, comparar e meditar, volta e meia me deparo com a afirmação de que os anos 60 e 70 produziram uma geração de jovens alienados. Milhões de brasileiros teriam sido ideologicamente castrados em virtude das restrições impostas pelos governos militares que regeram o Brasil naquele período. Opa, senhores! Estão falando da minha geração. Esse período eu vivi e as coisas não se passaram deste modo. Bem ao contrário. Nós, os jovens daquelas duas décadas, éramos politizados dos sapatos às abundantes melenas. Ou se era comunista ou se lutava contra o comunismo. Os muitos centros de representação de alunos eram disputados palmo a palmo. Alienados, nós? A alienação sequer era tolerada na minha geração! Todo santo ano, o DCE da UFRGS comemorava como data nacional o aniversário da Revolução de Outubro (revolução bolchevique de 1917). Havia passeata por qualquer coisa, em protesto por tudo e por nada. Surgiu, inclusive, uma figura estapafúrdia - a greve de apoio, a greve a favor. É sim senhor. Os estudantes brasileiros dos anos 70 entravam em greve por motivos que iam da Guerra do Vietnã à solidariedade às reivindicações de trabalhadores. Havia movimentos políticos organizados e eles polarizavam as disputas pelo comando da representação estudantil. O Colégio Júlio de Castilhos foi uma usina onde se forjaram importantes lideranças do Estado. As assembléias estudantis e os concursos de declamação e de retórica preparavam a rapaziada para as artes e manhas do debate político. Na universidade, posteriormente, ampliava-se o vigor das atuações. O que hoje seria impensável - uma corrida de jovens às bancas para comprar jornal -, era o que acontecia a cada edição semanal de O Pasquim, jornal de oposição ao regime, que passava de mão em mão até ficar imprestável. Agora, leitor, compare o que descrevi acima com o que observa na atenção dos jovens de hoje às muitas pautas da política. Hum? E olhe que não estou falando de participação. Estou falando apenas de atenção, tentativa de compreensão. Nada! As disputas pelo comando dos diretórios e centros acadêmicos, numa demonstração de absoluto desinteresse, mobilizam parcela ínfima dos alunos. Claro que há exceções nesse cenário de robotização. Mas o contraste que proporcionam permite ver o quanto é extensa a alienação política da nossa juventude num período em que as franquias democráticas estão disponíveis à vitalidade da dimensão cívica dos indivíduos. Em meio às intoleráveis dificuldades impostas à liberdade de expressão nos anos 60 e 70, a juventude daquela época viveu um engajamento que hoje não se observa em quaisquer faixas etárias. Nada representa melhor a apatia política da juventude brasileira na Era Lula do que os fones de ouvido. ZERO HORA, 30/12/1012