• Carlos Newton
  • 18 Janeiro 2016

(Postado originalmente em www.tribunadainternet.com.br)

Qualquer cidadão com um mínimo de conhecimento e experiência já constatou que no Brasil o Executivo e o Legislativo são dois poderes apodrecidos, uma realidade que se comprova facilmente, bastando observar o enriquecimento inexplicável das autoridades. Em nosso país, não há fiscalização eficaz sobre esse fenômeno de alpinismo social, embora não existam maiores dificuldades para que se comece a fazê-lo. Mas quem se interessa?
Nos Estados Unidos, um criminoso de alta periculosidade como Al Capone, chefe de quadrilha e homicida, só foi para a cadeia, em 1931, quando o apanharam por sonegação fiscal. Se não demonstrasse o enriquecimento ilícito, o mais famoso gangster da História jamais seria aprisionado.

Em diversos países, a corrupção e os crimes fiscais são considerados delitos gravíssimos, com penas severas e implacáveis. Enquanto isso, no Brasil, não falta quem defenda o enriquecimento ilícito. Esta semana, em Paris, o excêntrico advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, que fatura alto em cima de 11 réus da Lava Jato, deu entrevista dizendo que o Brasil vive hoje a "criminalização da riqueza" e depois liderou um manifesto de advogados contra a Lava Jato, vejam a que ponto pode chegar a distorção de valores em nosso país.

LAVA JATO É EXCEÇÃO
Nos dias de hoje, aqui no Bananal, não há notícia de condenação de milionário por sonegação fiscal. A Lava Jato é exceção, não há dúvida. O Judiciário está tão apodrecido quanto os outros poderes. O brasileiro carente tem de pagar IPVA para dirigir um fusquinha 63, a longevidade do veículo não elimina a cobrança de seguro, taa social é uma característica de nxa de vistoria etc. Mas o dono de um avião a jato, de um helicóptero turbinado ou de uma lancha de 122 pés está isento de pagar IPVA. E o Kakay ainda acha que os ricos estão sendo perseguidos...
A realidade é outra. Os milionários têm muitas regalias no país e a coisa mais difícil e ver algum deles atrás das grades. Com a ajuda dos Kakays e das brechas da lei, os processos prescrevem, não há cumprimento de pena, tudo é festa. Este é o Brasil dos nossos dias.

SACO IMUNDO DA ROUBALHEIRA
Mas é claro que os advogados que defendem a impunidade dos milionários são poucos. Vejam o que disse Alexandre Thiollier, do escritório Thiollier e Advogados, em comentário publicado quinta-feira (14) no site "Migalhas", sob o título "Criminalização da riqueza"?

"Em entrevista publicada ontem no UOL, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro afirmou que o Brasil vive a criminalização da riqueza. Provavelmente fez esse comentário porque seus clientes abastados estão sendo investigados/denunciados no que se resolveu chamar de Lava Jato. Engana-se o colega, quando pretende jogar no mesmo saco imundo da roubalheira, uma imensidão de pessoas honestas que conseguiram angariar majestosos patrimônios sem furtar um centavo. O Brasil vive hoje, Dr. Kakay, a criminalização de políticos e empresários milionários que assaltaram as empresas estatais e/ou governos. E tenha a certeza que o Brasil torce para ver todos os culpados trancafiados, e bem trancados, na cadeia, após o devido processo legal. Pessoas sérias e honestas não aceitam essa generalização; ao contrário, continuam acreditando que é do trabalho honesto e diário que se forma a riqueza."
 

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  • Cristiano Rodrigues e Vinícius Gouveia
  • 18 Janeiro 2016

 

A atual crise política e econômica possui três grandes estruturas da sociedade brasileira, que não estão evidenciadas como deveriam perante a opinião pública, são elas: patrimonialismo, estatismo e multipartidarismo.

O patrimonialismo, conceito trabalhado em Os Donos do Poder (Raymundo Faoro, 1958), aparece nas investigações da Operação Lava-Jato. Ou seja, o que o Brasil sofre não é um problema intrínseco do capitalismo, mas sim um desvirtuamento das relações entre executivos, acionistas e agentes do Estado. O patrimonialismo é uma forma de contornar o Estado de Direito e as Instituições, a fim de garantir vantagens à margem da lei para políticos e empresários, que fazem isso mediante cultura de protagonismo que o Estado desfruta no Brasil (estatismo).

Logo, o estatismo estimula o patrimonialismo, tendo em vista que o Brasil é um país de renda média, mas que o Estado possui dimensão (carga tributária) compatível ao de uma nação de renda alta. Em linha com isso, mais da metade do crédito concedido tem participação do Estado. Dessa forma, é inegável que empresas tentem viabilizar via Estado operações de crédito que, numa sociedade não estatista dar-se-iam majoritariamente via mercado financeiro. A Nova Matriz Econômica e a sua política de juros subsidiados foi outro exemplo, que indiretamente pôde fomentar relações incestuosas entre Estado e empresas.

Obviamente, o estatismo por si só não justifica crimes como evidenciados pela Lava-Jato. Assim, o melhor remédio para evitar isso seria uma dura punição aos agentes envolvidos, bem como compatibilizar o porte do Estado ao tamanho de nossa economia. No entanto, recentemente houve MP da leniência, que alterou a lei Anticorrupção que "excluía" empresas investigadas pelo MPF de participarem de licitações públicas e, infelizmente, o novo Ministro da Fazenda advoga a favor de liberar mais crédito público para destravar a economia-, mesmo diante da crise fiscal.

Pois bem, outra estrutura relevante é o multipartidarismo, característica esta marcante de nosso sistema político. O multipartidarismo crescente só faz dificultar a formação de consensos e maiorias para aprovar reformas para o país. Mais: ao invés de os partidos apresentarem fusões entre si, assistimos à uma série de registros de legendas. A classe política, portanto, não consegue atacar a questão do multipartidarismo crescente, que está inviabilizando o presidencialismo de coalizão. Para piorar, a presidente Dilma aprovou aumento do Fundo Partidário, o que indiretamente é mais um incentivo para a criação de legendas e que também pressiona os gastos públicos. Sem mencionar que agora as eleições também serão financiadas com recursos do orçamento (mais estatismo), como se financiamento público fosse uma panaceia.

Portanto, depreende-se que nenhuma das três estruturas que conduziu o Brasil para a crise vigente foi devidamente compreendida. Pelo contrário, o que se nota é o fortalecimento da visão estatista, que pode retroalimentar o patrimonialismo e, inclusive, o multipartidarismo (ausência de cláusula de barreira e do aumento do Fundo Partidário). Todo esse cenário reforça a falta de credibilidade dos atores políticos, principalmente os governistas. Vivemos mais do mesmo. A crise, assim, parece não ter deixado grandes lições aprendidas.

Cristiano Rodrigues, Economista (USP) e Ciência Política
Vinícius Gouveia, Economista (USP) e Ciência Política
 

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  • Swetlana Alexievich
  • 16 Janeiro 2016

(Publicado originalmente por Carlos I.S. Azambuja em www.alertatotal.net)

 

Despedimo-nos dos tempos soviéticos. Dessa nossa vida. Tentarei escutar honestamente todos os participantes do drama socialista.

O comunismo tinha um plano louco — transformar o homem "antigo", o vetusto Adão. E isso foi conseguido; foi talvez a única coisa que se conseguiu. Em pouco mais de setenta anos, no laboratório do marxismo-leninismo criou-se um tipo humano especial — oHomo Sovieticus. Há quem considere que esse é um personagem trágico; outros chamam-no de sovok¹. Eu acho que conheço esse homem, que o conheço muito bem, estou ao lado dele, vivi muitos anos ombro a ombro com ele. Ele sou eu. São os meus conhecidos, os meus amigos, os meus progenitores. Durante alguns anos viajei por toda a anterior União Soviética, porque o Homo Sovieticus não são apenas os Russos, são também os Bielorrussos, os Turcomanos, os Ucranianos, os Cazaques... Agora vivemos em Estados distintos, falamos línguas diferentes, mas somos inconfundíveis.

Imediatamente reconhecíveis! Todos nós, gente do socialismo, somos parecidos com as outras pessoas e diferentes delas — temos o nosso dicionário, a nossa compreensão do bem e do mal, dos heróis e dos mártires. Temos uma relação especial com a morte. Nas histórias que eu escrevo, há palavras que ferem constantemente o ouvido: "disparar", "fuzilar", "liquidar", "pôr em circulação" ou variantes soviéticas de "desaparecimento" como: "detenção", "dez anos sem direito de correspondência", "emigração".

Quanto pode valer uma vida humana, se nos lembramos de que ainda há pouco morreram milhões? Estamos cheios de ódio e de preconceitos. Tudo vem de lá, de onde havia o GULAG² e a guerra medonha. Coletivização, deskulakização, deslocação das populações.

Isto era o socialismo e era simplesmente a nossa vida. Nesse tempo pouco falávamos dela. Mas agora, que o mundo mudou irrevogavelmente, essa nossa vida tornou-se interessante para todos —não importa como ela fosse, era a nossa vida. Escrevo, procuro nos grãozinhos, nas migalhas da história do socialismo "doméstico" "interior". A maneira como ele vivia na alma humana. Atrai-me sempre esse pequeno espaço — a pessoa, uma pessoa. Na verdade, é aí que tudo acontece.

Porque é que há no livro tantos relatos de suicídios, e não dos soviéticos comuns, com biografias soviéticas comuns? Afinal de contas as pessoas também se suicidam por amor, por velhice, sem mais nem menos, por interesse, pelo desejo de descobrir o segredo da morte... Procurei aqueles em quem cresceu firmemente a idéia, que a interiorizaram de um modo impossível de erradicar — o Estado tornou-se o seu cosmos, substituiu tudo, até a sua própria vida. Não conseguiam sair da grande história, despedir-se dela, ser felizes de outro modo. Mergulhar... Perder-se na existência privada, como acontece atualmente, em que o pequeno se tornou grande. O homem quer apenas viver, sem uma grande idéia. Isso nunca aconteceu na vida russa, nem a literatura russa conhece isso. Em geral nós somos gente guerreira.

Ou combatíamos, ou preparávamo-nos para a guerra. Nunca vivemos de outro modo. Daí a psicologia militar. E mesmo na vida de paz tudo acontecia de um modo militar. Soava o tambor, soltavam-se as bandeiras o coração saltava do peito, o homem não notava a sua escravidão, até gostava dela. Também eu me lembro: depois da escola, toda a classe se reunia para ir para as terras virgens, desprezávamos aqueles que se recusavam, lamentávamos até às lágrimas que a revolução, a guerra civil — tudo acontecesse sem a nossa participação. Olhamos para trás: será possível que fôssemos nós? Que fosse eu? E recordei tudo isso juntamente com os meus heróis. Um deles disse: "Só o homem soviético pode compreender o homem soviético". Éramos pessoas que só tínhamos memória comunista. Vizinhos pela memória.

O meu pai recordava que pessoalmente passou a acreditar no comunismo depois do vôo de Gagárin. Somos os primeiros! Podemos fazer tudo! Era assim que ele e a minha mãe nos educavam. Eu fui outubrista³, usava o emblema com o menino de cabelos frisados, fui pioneira, komsomolka. A desilusão veio mais tarde.

Depois da perestroika esperávamos que abrissem os arquivos. Abriram-os. Ficamos sabendo a história que escondiam de nós.

"Devemos atrair para nós noventa ou cem milhões que povoam a Rússia Soviética. Com os restantes não devemos falar — é preciso , exterminá-los" (Zinóviev, 1918).

"Enforcar (sem falta, enforcar, para que o povo veja) não menos de mil kulaks presos, que enriquecem, e tirar-lhe todos os cereais, designar reféns... De tal modo que a cem quilômetros em redor o povo veja e trema" (Lênin, 1918).

"Moscou está literalmente a morrer de fome" (professor Kuznetsov para Trotski). "Isso não é fome. Quando Tito ocupou Jerusalém, as mães judias comiam os seus filhos. Quando eu forçar as vossas mães a comerem os seus filhos, então pode vir ter comigo e dizer: 'Temos fome'" (Trotski, 1919).

As pessoas liam os jornais e as revistas e calavam-se. Sobre elas caiu um horror insuportável! Como viver com isto? Muitos receberam a verdade como uma inimiga. E a liberdade também. "Não conhecemos o nosso país. Não sabemos em que pensa a maioria das pessoas, vemo-las, encontramo-las todos os dias, mas não sabemos em que pensam, nem o que querem. Mas temos a ousadia de lhes ensinar. Depressa saberemos tudo, e ficaremos horrorizados", dizia um conhecido meu, com quem muitas vezes me sentava a conversar na minha cozinha. Eu discutia com ele. Isto acontecia em 1991... Tempo feliz! Acreditávamos que no dia seguinte, literalmente amanhã, começaria a liberdade. Começaria do nada, dos nossos desejos.

Dos Cadernos de Apontamentos de Chalámov: "Participei de uma grande batalha perdida por uma verdadeira atualização da vida". Isto foi escrito por um homem que passou 17 anos de detenção nos campos stalinistas.

A nostalgia do ideal manteve-se... Eu dividiria as pessoas soviéticas em quatro gerações: stalinista, khruschovista, brejnevista e gorbatchovista. Pessoalmente, pertenço à última. Para nós era mais fácil aceitar o colapso da idéia comunista, porque não vivemos no tempo em que a idéia era jovem, forte, sem a perdida magia do romantismo fatal e das esperanças utópicas. Crescemos no tempo dos velhos do Kremlin. Nos magros tempos vegetarianos. O grande sangue do comunismo já estava esquecido. O entusiasmo continuava os seus desmandos, mas conservava-se o conhecimento de que não era possível aplicar a utopia na vida.

Isto aconteceu durante a Primeira Guerra da Chechênia... Conheci em Moscou, numa estação de caminho de ferro, uma mulher que era das proximidades de Tambov e estava de partida para a Chechênia, com o objetivo de tirar o filho da guerra: "Não quero que ele morra. Não quero que ele mate." O Estado já não dominava a alma dela. Era uma pessoa livre. Eram poucas as pessoas assim. A maioria eram aqueles a quem a liberdade irritava: "Comprei quatro jornais e cada um deles tem a sua verdade. Onde está então a verdade? Dantes líamos de manhã o jornal Pravda e sabíamos tudo. Compreendíamos tudo." As idéias saíam lentamente de sob a narcose. Se eu iniciava uma conversa acerca do arrependimento, ouvia em resposta:

"De que devo eu arrepender-me?" Cada qual se considerava vítima, mas não participante. Um dizia: "Eu também estive preso." O segundo dizia: "Eu combati." E um terceiro: "Levantei a minha cidade das ruínas, acartava tijolos dia e noite". Isto era completamente inesperado: todos bêbados de liberdade, mas não preparados para a liberdade. E onde estava ela, a liberdade? Só na cozinha, onde por hábito continuavam a criticar o Poder. Criticavam Yeltsin e Gorbatchov. Yeltsin porque traíra a Rússia. E Gorbatchov? Gorbatchov porque traíra tudo. Todo o Século 20. E agora, o nosso país será igual aos outros. Será como todos. Pensavam que desta vez se conseguiria.


A Rússia mudara e odiava-se a si mesma por ter mudado. "O Mongol imóvel", escreveu Marx acerca da Rússia.


Civilização soviética... Apresso-me a registrar os seus vestígios. As caras conhecidas. Interrogo não acerca do socialismo, mas acerca do amor, do ciúme, da infância, da velhice. Sobre a música, as danças, os penteados. Sobre os mil pormenores da vida que desaparecia. Este é o único meio de dirigir a catástrofe para o quadro do habitual e tentar contar alguma coisa. Adivinhar alguma coisa. Não paro de me espantar com a maneira como a vida humana comum é interessante. Com a interminável quantidade das verdades humanas.

A história interessa-se apenas pelos fatos, e as emoções ficam fora de bordo. Não é costume admití-las na história. Mas eu olho para o mundo com os olhos de uma humanista e não de uma historiadora. Fico surpreendida com a pessoa...


O meu pai já não é deste mundo. E eu não posso terminar uma das nossas conversas... Dizia que morrer na guerra era mais fácil para ele do que para os rapazes que agora morrem na Chechênia. Nos anos 1940, iam de um inferno para outro inferno. Antes da guerra, o meu pai estudou em Minsk, no Instituto de Jornalismo. Lembrava-se de que quando voltavam das férias, muitas vezes já não encontravam um único professor conhecido, estavam todos presos. Eles não compreendiam o que se passava, mas era horrível. Horrível, como na guerra.


Tive poucas conversas francas com o meu pai. Ele tinha pena de mim. E eu, tinha pena dele? Tenho dificuldade em responder a esta pergunta... Éramos implacáveis com os nossos pais. Parecia-nos que a liberdade era uma coisa muito simples. Passou algum tempo, e nós próprios nos curvamos sob o peso dela, porque ninguém nos ensinou a liberdade. Ensinaram-nos apenas como morrer pela liberdade.


Ei-la, a liberdade! É como a esperávamos? Estávamos prontos para morrer pelos nossos ideais, para combater na batalha. Mas começou uma vida . Sem história. Ruíram todos os valores, menos o valor da vida. Da vida em geral. Novos sonhos: construir uma casa, comprar um bom carro, plantar uma groselheira... A liberdade revelou-se a reabilitação da pequena burguesia, habitualmente maltratada na vida russa. Liberdade de Sua Majestade o Consumo. Majestade das trevas. Trevas dos desejos, dos instintos — da vida humana oculta, da qual fazíamos uma idéia aproximada. A toda a história sobrevivemos, mas não vivemos.

E agora a experiência militar já não era necessária, era preciso esquecê-la. Milhares de novas emoções, estados, reações De súbito tudo em redor como que se tornou diferente: as tabuletas, as coisas, o dinheiro, a bandeira E até o próprio homem. Tornou-se mais colorido, solto, explodiram o monólito, e a vida espalhou-se em ilhas, átomos, células. Como em Dalh: liberdade-vontade, liberdadezinha ampla vastidão. O grande mal tornou-se uma lenda distante, um romance de suspense político. Já ninguém falava de idéias, falavam de créditos, de juros, de letras, não ganhavam dinheiro a trabalhar, mas "faziam-no" em "jogadas".

Seria por muito tempo? "A mentira do dinheiro na alma russa impoluta", escreveu Marina Tsvetáeva. Mas parece que os heróis de Ostrovski e de Saltikov-Schedrin ganharam vida e se passeiam pelas nossas ruas.


A todas as pessoas com quem me encontrei, perguntava: "O que é a liberdade?" Pais e filhos respondiam de modos diferentes. Aqueles que nasceram na URSS e os que já não nasceram na URSS têm experiências distintas. São pessoas de planetas diferentes.


Os pais: a liberdade é a ausência de medo; três dias em agosto, quando vencemos o golpe; uma pessoa que escolhe numa loja entre cem variedades de salame é mais livre do que a pessoa que escolhe entre dez variedades; não ser espancado, mas nunca chegaremos às gerações não espancadas; o homem russo não compreende a liberdade, precisa do cossaco e do látego.


Os filhos: a liberdade é o amor; a liberdade interior, um valor absoluto; quando não temos medo dos nossos desejos; ter muito dinheiro, e nesse caso teremos tudo; quando se pode viver de tal maneira que não se pensa na liberdade. A liberdade é o normal.


Procuro uma linguagem. O homem tem muitas linguagens: a linguagem que usa com os filhos, e mais uma, a do amor Há ainda a linguagem a que recorremos quando falamos conosco mesmos, quando travamos diálogos interiores. Na rua, no trabalho, nas viagens — por todo o lado se ouve qualquer coisa diferente, mudam não apenas as palavras, mas qualquer coisa mais. Uma pessoa até de manhã e à tarde fala de modos diferentes. E aquilo que acontece durante a noite entre duas pessoas desaparece por completo da história. Tratamos apenas da história do homem diurno. O suicídio é um tema noturno, a pessoa encontra-se no limite da existência e da não existência. Do sono.


Quero entender isto com a precisão da pessoa diurna.
Disseram-me: "Não tem medo de que isso lhe agrade?"

Seguimos pela estrada de Smolensk. Paramos numa aldeia ao lado de uma loja. Uns conhecidos (eu própria cresci nesta aldeia), uns rostos bonitos, bondosos, e em redor uma vida humilhante, pobre. Conversamos acerca da vida.


"Pergunta-me sobre a liberdade? Entre na nossa loja: vodca, há toda a que se queira: Standart, Gorbatchov Putinka, salame à farta, e queijo, e peixe. Até há bananas. De que outra liberdade precisa? Esta para nós é suficiente." "E deram-lhes terra?" "Quem é que vai mourejar nela? Se a queres, toma-a. Aqui só o Vaska Krutoi aceitou. O filho mais novo tem oito anos e anda atrás do arado ao lado do pai. Se fores trabalhar para ele, não penses em juntar algum dinheiro, ele nem dorme. É um fascista!"


Na "Lenda do Grande Inquisidor" de Dostoiévski há uma discussão sobre a liberdade. Diz-se que o caminho da liberdade é difícil, sofrido, trágico "Para que conhecer esse diabo desse bem e desse mal, se isso custa tanto?" O homem tem sempre que escolher: a liberdade ou o bem-estar e a organização da sua vida, a liberdade com sofrimento ou a felicidade sem liberdade. E a maioria das pessoas segue por esse segundo caminho.


O Grande Inquisidor diz a Cristo, que voltou à Terra:
"Porque vieste cá incomodar-nos? Porque tu vieste incomodar-nos e sabes isso muito bem".


"Ao respeitá-lo [ao homem], tu procedeste como se tivesses deixado de sentir compaixão por ele, porque exigiste demasiado dele Ao respeitá-lo menos, exigias-lhe menos, e isso estaria mais perto do amor, pois o fardo dele seria mais leve. Ele é fraco e vil Que culpa tem a alma fraca, se é incapaz de juntar em si tão terríveis dons?"


"Não há preocupação mais constante e torturante para o homem do que, ao ficar livre, procurar depressa alguém diante de quem se inclinar a quem transmitir depressa o dom da liberdade com que esse ser infeliz nasce".

Nos anos 1990 sim, éramos felizes, e essa nossa ingenuidade já nunca mais volta. Parecia-nos que a escolha estava feita, que o comunismo tinha perdido sem apelo. Mas tudo estava apenas a começar.


Passaram-se vinte anos... "Não nos assustem com o socialismo", dizem os filhos aos pais.

De uma conversa com um professor universitário meu conhecido:
"No final dos anos noventa os estudantes riam-se quando eu recordava a União Soviética; estavam confiantes de que à sua frente se abria um novo futuro. Agora o quadro é diferente Os estudantes de hoje já descobriram, já sentiram o que é o capitalismo — a desigualdade, a pobreza, a riqueza descarada, têm diante dos olhos a vida dos pais para quem nada restou do país saqueado. Sonham com a sua revolução. Usam camisolas vermelhas com retratos de Lênin e de 'Che' Guevara."


Cresceu na sociedade o interesse pela União Soviética. Pelo culto de Stálin. Metade dos jovens dos 19 aos 30 anos consideram Stálin "o maior dirigente político". Num país em que Stálin liquidou tantas pessoas como Hitler, um novo culto de Stálin?! Tudo o que é soviético está outra vez na moda. Por exemplo, os cafés "soviéticos" — com nomes soviéticos e pratos soviéticos. Surgiram os bombons "soviéticos" e o salame "soviético" — com o cheiro e o sabor nossos conhecidos desde a infância. E, é claro, a vodca "soviética". Na televisão há dezenas de transmissões e na Internet dezenas de sites nostálgicos "soviéticos".


Podem fazer-se visitas turísticas aos campos stalinistas — em Solovka, em Magadan. O anúncio promete que para mais completa sensação fornecem um fato do campo e uma picareta. Mostram os barracões restaurados. E no final organizam uma pescaria.


Renascem idéias antiquadas: sobre o Grande Império, sobre a "mão de ferro", "sobre a via russa especial" Reapareceu o hino soviético, há o Komsomol, mas chama-se simplesmente "Nachi" (os "Nossos"), há o partido do Poder, que copia o Partido Comunista. O presidente tem um poder como o do secretário-geral. Absoluto. Em vez do marxismo-leninismo, a religião ortodoxa.


Antes da revolução de 1917, Aleksandr Grin escreveu: "E o futuro parece ter deixado de estar no seu lugar." Passaram cem anos, e de novo o futuro não está no seu lugar. Chegou um tempo em segunda mão. A barricada é um lugar perigoso para um artista. Uma armadilha. Ali estraga-se a vista, obscurece a íris, o mundo perde a cor. Na barricada, o mundo é preto e branco. Dali já não se distingue o homem, vê-se apenas um ponto negro — um alvo. Passei toda a vida nas barricadas e queria sair delas. Aprender a alegrar-me com a vida. Recuperar a visão normal. Mas dezenas de milhares de pessoas saem de novo para as ruas. Dão-se as mãos, trazem fitas brancas nos blusões, símbolo do renascimento. Há cor. E eu estou com elas.

Encontrei nas ruas jovens com a foice e o martelo e o retrato de Lênin nas camisolas. Saberão eles o que é o comunismo?


1 Designação depreciativa do regime soviético e de tudo o que com ele se relaciona. (N. do T.)
2 Ou simplesmente Gulag. Acrónimo da designação russa: Glavnoe Upravlénie Ispravi- telno-trudovikh Laguerei (Direção Central dos Campos de Trabalho Correcional). 3 Outubrista: primeira forma de organização das crianças, que a seguir entravam para os pioneiros e mais tarde para o Komsomol, a juventude comunista.


 

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  • Alexandre Borges
  • 15 Janeiro 2016

(Conheça a página de Alexandre Borges no Facebook)

 

A última de Barack Obama foi dizer que os muçulmanos ajudaram a construir os EUA, que a história do país está entrelaçada com a história dos muçulmanos que estavam lá desde o começo.

Pelo jeito, Obama andou pulando algumas aulas de história. Vamos lá:

- Quando os EUA nasceram, no final do séc. XVIII, havia uma grave crise com os muçulmanos do norte da África. Eram povos oficialmente muçulmanos, que viviam sob as leis do Corão.

- Estes islâmicos atacavam os navios que passavam pelo Mediterrâneo, incluindo americanos, sequestrando, escravizando e matando ocupantes, além de saquear a carga. Os navios americanos eram normalmente protegidos pela marinha inglesa antes da independência mas depois de 1776 era cada um por si.

- Os piratas muçulmanos cobravam fortunas como resgate dos reféns e os preços sempre subiam a cada sequestro bem sucedido. Thomas Jefferson se opôs veementemente aos pagamentos mas foi voto vencido, os EUA e as outras nações com navios sequestrados estavam aceitando pagar os resgates e subornar os piratas. O presidente americano era George Washington.

- Por volta de 1783, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e John Adams vão para a Europa como embaixadores para negociar tratados de paz e cooperação. Os EUA nasceram em 1776 e estavam mergulhados até então na Guerra de Independência. Assim que a situação acalmou, essas três figuras icônicas saem em missão diplomática para representar o país.

- Em 1786, depois de dois anos de conversas diplomáticas com os islâmicos, Thomas Jefferson e John Adams encontraram com o embaixador dos povos que ficavam na região de Trípoli, na atual Líbia, chamado Sidi Haji Abdul Rahman Adja. Jefferson estava incomodado por conta dos ataques que não acabavam mesmo com todos os esforços de paz e quis saber com que direito os muçulmanos sequestravam e matavam americanos daquele jeito.

- A resposta que ouviu marcou Jefferson para sempre: "o islã foi fundado nas Leis do Profeta, que estão escritas no Corão, e diz que todas as nações que não aceitarem a sua autoridade são pecadoras, que é direito e dever declarar guerra contra seus cidadãos onde puderem ser encontrados e fazer deles escravos e que todo muçulmano que for morto na batalha irá com certeza para o Paraíso." Jefferson ficou chocado, ele não queria acreditar que uma religião literalmente mandava matar todos os infiéis e que quem morresse na batalha iria para o paraíso.

- Durante 15 anos, o governo americano pagou os subornos para poder passar com seus navios na região. Foram milhões de dólares, uma quantia que representava 16% de todo orçamento do governo federal. O primeiro presidente do país, George Washington, não queria ter forças armadas permanentes por não ver riscos de ataques ao país, mas os muçulmanos mudaram esta idéia. Os subornos serviriam para evitar a necessidade de ter forças militares mas não estavam funcionando porque os ataques continuavam. Quando John Adams assume, o segundo presidente, as despesas sobem para 20% do orçamento federal.

- Em 1801, Jefferson se torna o terceiro presidente americano e, mal tinha esquentado a cadeira, recebe uma carta dos piratas aumentando o butim. Ele fica louco e, agora como presidente, diz que não vai pagar nada.

- Com a recusa de Jefferson, os muçulmanos de Trípoli tomaram conta da embaixada americana e declararam guerra aos EUA. Foi a primeira guerra da América após a independência, a marinha americana foi criada exatamente para esse conflito. As regiões das atuais Tunísia, Marrocos e Argélia se juntaram aos líbios na guerra, o que representava praticamente todo norte da África com exceção do Egito.

- Jefferson não estava para brincadeira. Mandou seus navios para a região e o conflito durou até 1805, com vitória americana. O presidente americano ainda colocou tropas ocupando no norte da África para manter a situação sob controle.

Thomas Jefferson ficou realmente impressionado com o que aconteceu. Ele era contra guerras e escreveu pessoalmente as leis de liberdade e tolerância religiosa que estão na origem da Constituição americana, mas ele entendeu que o Islã é totalmente diferente, era uma religião imperialista, expansionista e violenta.
Jefferson mandou publicar o Corão em inglês em 1806, lançando a primeira edição americana. Ele queria que seu povo conhecesse o Corão e entendesse aquele pessoal do norte da África que roubava, saqueava e matava, cobrava resgates e que declarou guerra quando os pagamentos cessaram.

Durante 15 anos, um diplomata de Jefferson chegou a dizer, os americanos eram atacados porque não atacavam de volta e eram vistos como fracos. A fraqueza americana foi um convite para os muçulmanos daquela época como é para o ISIS hoje. Só houve paz na região quando Jefferson atacou e venceu a guerra, depois ocupando o território. Não tem mágica, é assim que se faz.

Barack Obama quer saber como os muçulmanos estão na história americana? Eles estão como os motivadores da primeira guerra, eles forçaram a criação das forças armadas que nem existiam e fazem parte até do hino dos marines que começa com "From the Halls of Montezuma / To the shores of Tripoli".

30 de novembro de 2015
* Publicitário e diretor do Instituto Liberal.

 

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  • Pedro Henrique Mancini de Azevedo
  • 15 Janeiro 2016

 

"No capitalismo de Estado, o domínio do Estado sobre a economia é acompanhado pela ampliação contínua dos lucros e do poder pelas organizações privadas." (Seymour Melman)

Dilma fez outro discurso. Mas acalmem-se. Dessa vez não ouvimos nada sobre estocar o vento ou alguma saudação a mandioca como em outras ocasiões. Mesmo assim, uma parte da sua fala, feita durante o café da manhã com os jornalistas, merece destaque. Dilma, ao ser questionada sobre corrupção, soltou mais uma vez a seguinte frase: "devemos punir pessoas, e não empresas". Essa frase é muito emblemática, principalmente por vir de uma pessoa que condena o lucro e acusa os defensores do livre mercado e da iniciativa privada de fazerem parte de uma elite que defendem os grandes empresários. Será mesmo?

Antes de mais nada, vamos deixar uma coisa bem clara. Os liberais não são a favor de empresas, são a favor do (livre) mercado. Há uma grande diferença nisso. Os liberais defendem, entre outras coisas, que as pessoas tem o direito de empreender em qualquer segmento econômico que desejarem, e que a iniciativa privada é mais eficiente do que o Estado. Mas o fato de defender a iniciativa privada não faz com que os liberais defendam privilégios para empresas. Na verdade, o que os liberais defendem é justamente o contrário - que o mercado seja livre e sem privilégios, para que apenas os mais eficientes sobrevivam. Dilma e a nova esquerda não acham isso. Eles acham que algumas empresas – por serem estatais ou amigas do governo – devem ter lugar cativo no mercado. Isso é que muitos chamam de Capitalismo de Estado, e que não tem nada a ver com o capitalismo de livre mercado que os liberais defendem.

O capitalismo de Estado lulopetista se deu através de um programa do BNDES chamado Programa de Sustentação de Investimentos, conhecido popularmente como Bolsa Empresário. Na teoria, o programa previa a concessão de créditos subsidiados para empresas, para que essas empresas pudessem iniciar projetos que impulsionassem o desenvolvimento social do país. Na prática, o que esse programa conseguiu fazer foi distorcer todos os indicadores econômicos destruindo a nossa economia, e ainda criar o maior esquema de corrupção da história mundial. Mas então, no final, todo mundo perdeu? É óbvio que não.

O que o capitalismo de Estado consegue fazer na verdade é oferecer um genuíno capitalismo para o governo e seus aliados - essa sim a verdadeira elite -; um capitalismo bem enfraquecido para a classe média; e um belo de um socialismo para a classe baixa. Não é exagero, pensem bem.

Os grandes empresários e os políticos se tratam no Sírio Libanês; matriculam seus filhos nas melhores escolas; possuem um forte esquema de segurança particular; e andam em jatinhos e carros de luxo. A classe média, por sua vez, tem que pagar duas vezes pela saúde, pela educação e pela segurança, já que além de pagarem impostos que o governo alega ser destinado a isso, ainda tem que contratar planos de saúde privados, encher suas casas de sistemas de segurança para não serem assaltados, e gastarem quase todo seu salário para matricular seus filhos em escolas privadas. Sem contar que ainda pagam pelos carros, gasolina e passagens aéreas mais caras do mundo. Já a classe baixa coitada, essa é a que mais sofre. Precisam aturar o SUS, o ensino e o transporte público, e a (falta) segurança que nunca chega aos seus bairros. Isso é o capitalismo de Estado – o governo escolhe quem desfrutará dos benefícios do capitalismo. E quanto mais se desce na pirâmide, mas socialista - leia-se miserável - sua vida fica. Não é sensacional?

Já o capitalismo de livre mercado não faz essa distinção. No livre mercado, o governo não intervém em nenhum setor; as empresas devem concorrer umas com as outras para que elas possam oferecer o serviço ou produto mais eficiente a um preço mais acessível. Não estou falando que no livre mercado todos irão utilizar os melhores produtos e serviços, mas todos terão maior possibilidade de acesso a eles e poderão escolher o que é melhor para si de acordo com suas condições financeiras. Uma marca de carro não te satisfaz, escolha outra; uma escola não te satisfaz, escolha outra; um plano de saúde não te satisfaz, escolha outro. Essa possibilidade de escolha é que faz as empresas quererem sempre agradar os seus clientes. Aqui no Brasil, você até pode fazer essa escolha, mas todos sabemos que a qualidade dos serviços é sempre a mesma. Isso porque o governo impõe barreiras de entrada para novos entrantes, reservando uma fatia de mercado para um conglomerado de empresas, que por sua vez retribuem a gentileza do governo com propinas e financiamentos de campanha. Não se enganem, isso não é livre mercado, é oligopólio. No final, as empresas ao invés de investirem em eficiência, investem em lobby em Brasília e com as agências reguladoras. E quem paga pelos péssimos produtos e serviços somos nós!

Antes de encerrar, vale aqui um parêntese. Não sou contra o financiamento privado de campanhas partidárias, muito pelo contrário. O que causa a simbiose entre governo e empresas, e consequentemente os grandes esquemas de corrupção, não é o financiamento privado, é a intervenção do governo na economia. O Estado cria dificuldades para vender facilidades. Por isso, não me entendam errado. Estou aqui demandando mais mercado, não mais Estado. Essa estatização do financiamento de campanhas é imoral e deveria ser ilegal. Fecho parêntese

Sendo assim, quando Dilma fala que as empresas não devem ser punidas, a mensagem que ela passa é que existe uma elite – que não é aquela que vai as ruas protestar contra seu desgoverno, como ela acusa – que está acima do bem e do mal nesse país. Não é a toa que bancos e grandes empresas ficaram milionários durante os governos petistas. Então, não acreditem nessa balela. Tem muita gente que ganha com esse capitalismo de Estado, e como diz o ditado popular "em time que se ganha, não se mexe". Se Dilma defende tanto esse modelo, é porque ela, o PT e seus apaniguados estão ganhando com isso. E se há algo que o brasileiro com o mínimo de intelecto já deve ter aprendido, é que se o PT está ganhando, o Brasil está perdendo.

* Pedro Henrique Mancini de Azevedo, MBA, PMP
 

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  • Josias de Souza - Estadão
  • 13 Janeiro 2016

 

Alguma coisa subiu à cabeça de Lula ao discursar em Brasília num seminário sobre educação promovido por sindicalistas. Em meio a críticas ao governo de Michel Temer, o orador sapecou uma pergunta: “Quem é que vai tirar o país da lama?” E a plateia companheira: “Lula”. Entre os presentes, ironia suprema, estava o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares.

Réu em cinco inquéritos —três dos quais relacionados ao petrolão—, Lula apresentou-se como a pessoa certa para livrar o país do pântano. Fez isso sob aplausos de Delúbio, um corrupto de mostruário, sentenciado no célebre julgamento do mensalão. Ou seja: Lula estava completamente fora de si.

Noutra passagem do seu discurso, a pretexto de alvejar Temer, Lula atirou contra o próprio pé: “Quem é o culpado de um jovem de 25 anos estar preso hoje? O que deram de oportunidade para ele quando ele tinha 8 anos? Se não dou educação, trabalho, essa criança vai fazer o quê da vida? A gente percebe que o dinheiro que se economizou na educação no passado está se gastando hoje para se fazer cadeia. E cada vez vai custar mais caro…”

Suponha que o personagem do enredo de Lula tenha acabado de chegar ao xilindró. Preso aos 25, fez aniversário de 8 anos em 2000. Quando Lula foi eleito para suceder FHC, em 2002, o garoto tinha dez anos. Quando Lula se reelegeu, o personagem era um adolescente de 14 anos. Na época em que Lula transformou Dilma de poste em sua sucessora, em 2010, já era um homem feito, com 18 anos na cara. Soprou as velinhas dos 22 anos em 2014, ocasião em que Lula atarrachou a luz do seu poste pela segunda vez. Somava 24 quando Dilma sofreu o impeachment.

Quer dizer: se o sujeito chegou à cadeia aos 25, guiando-se pelo raciocínio do morubixaba do PT, não poderá culpar senão os governos petistas de Lula e Dilma pela falta de “oportunidades” educacionais e funcionais capazes de retirá-lo do caminho do crime.

Lula sempre foi celebrado como um mágico da oratória. Entretanto, ao se apresentar como uma alternativa presidencial limpinha, comporta-se como um mágico tantã, que acredita na própria capacidade de tirar cartolas de dentro de um coelho. Alguma coisa subiu-lhe à cabeça. Não é sensatez. Parece alucinação.
 

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