• Francisco Ferraz
  • 23 Novembro 2016


Até que ponto o roteiro do sistema político dos EUA funcionará com o presidente eleito?

(Publicado originalmente no Estadão, em 23/11/2016)

A eleição de Donald Trump contrariou, mais que expectativas, a certeza sobre a vitória de Hillary Clinton, que havia ficado evidenciada nas pesquisas, na aparente solidez do pensamento politicamente correto, nos temores das minorias, na estupefação de lideranças das principais nações, na perplexidade dos comentaristas políticos.

A vitória de Trump tem sido majoritariamente descrita como a antessala do desastre, a necessidade de “absorver o impossível”, o “anúncio do caos iminente”, a “tragédia americana”.

Sem dúvida, há fortes razões para preocupações, incertezas, medo, insegurança e até mesmo angústias. Trump fez uma campanha agressiva e até irresponsável, prometendo medidas que não poderá cumprir; apresentando soluções simplórias e irrealistas para problemas complexos; dando a entender que vai se intrometer na política externa, na economia e nas ações sociais do governo como um rinoceronte numa loja de cristais.

Com esse comportamento, Trump plantou aqueles sentimentos durante a campanha. Eles se apresentam, agora, para a colheita, junto com os frutos da vitória. Trump tornou-se, então, um enigma. Cabe, então, fazer algumas perguntas sobre aspectos de sua campanha que causaram tantas incertezas.

Estas são perguntas que usualmente não são feitas em eleições presidenciais nos EUA. Há um amplo consenso político sobre a presidência e o presidente que se encarrega de acomodar os traços mais idiossincráticos do novo presidente dentro de moldes socialmente legitimados. Cada um é diferente de todos os outros e cada um é semelhante a todos.A surpresa e a reação de espanto com a vitória de Trump se devem ao fato de que ele até agora contrariou aquela equação: ele é diferente de todos e não é semelhante a nenhum.

1) Como caracterizar Trump politicamente?
Os termos usuais para caracterizar um político são inadequados para descrever Trump. Dizer que é um republicano não basta. Dizer que é um empresário é insuficiente.

Dizer que é um conservador, um reacionário, não corresponde a um político tão agressivo e populista, que fez sua carreira sem hesitar em correr riscos elevados. Dizer que é um demagogo não o torna muito diferente de Hillary. Na realidade, Trump é um outsider. É um estranho ao “clube” político que passou a integrar. Nunca disputou eleições, nunca aprendeu as regras de comportamento que a participação na vida partidária, parlamentar, executiva sujeita seus membros. Em consequência, não foi socializado naquele amplo consenso, em grande parte tácito, que define o que se deve ou não se deve fazer; o que se pode e não se pode fazer na dinâmica da política.

2) Por que Trump fez uma campanha tão ameaçadora?
Sendo um outsider, seu desafio era forçar sua entrada no “clube”.
Sendo um bilionário, podia bancar sua campanha, sem prestar contas a ninguém.
Sendo um vendedor de enorme sucesso, sabia que precisava oferecer aos compradores potenciais (eleitores) o que eles queriam sem fazer concessões ao partido, à mídia e ao politicamente correto.
Sendo um outsider, foi subestimado pelo establishment.Outsiders na política americana sempre ocupavam a terceira candidatura, e invariavelmente perdiam. Nesta eleição, entretanto, o outsider concorria para ser o candidato do partido republicano.

Subestimado em sua vaidade, orgulho e qualidades pelo partido, não lhe restou outra alternativa senão aceitar a aposta. Sua campanha foi um repto àqueles que o subestimaram.

3) Como conseguiu transitar da periferia do sistema político para o seu núcleo?
Conseguiu pela oportunidade que o sistema de prévias lhe dava de consolidar apoios e, vencendo-as, ocupar o espaço de líder de seu partido nesta eleição. Em outras palavras, conseguiu, usando as prévias, passar de outsider para insider, mas atenção: sem fazer concessões no seu comportamento, ideias, discurso, debates e estratégia. Ao vencer, Trump logrou se transformar num insider com a independência de um outsider rico.

4) Como deverá se portar como presidente eleito, não mais como candidato?
De agora até a posse, duas pressões convergentes vão se verificar: a) pressão do sistema político para “converter” Trump, incorporá-lo ao grande consenso (“clube”), o que deverá aparar suas arestas mais cortantes; e b) pressão de Trump sobre o sistema político para revestir-se de legitimidade, para conquistar alguma independência das expectativas dos seus eleitores, para poder incorporar a imagem de presidente de todos os americanos, e comprovar, por seu comportamento e palavra, que está à altura da “grandeza” do cargo.

Se, no primeiro caso, são os titulares dos papéis centrais do sistema político que tomam a iniciativa de se aproximar dele, no segundo é Trump que, ao responder favoravelmente àquela iniciativa, é premiado com o reconhecimento de sua autoridade, com o respeito devido a um superior e com a aceitação dos eleitores que votaram em Hillary.

Este processo de cooptação consentida já está em curso desde o momento em que sua vitória foi tornada pública.

Concluída esta fase, o candidato rebelde e agressivo deverá se apresentar mais palatável, equilibrado, moderado em plena caminhada rumo ao próximo ato: a escolha da sua equipe de governo, seu discurso de posse e sua entronização como estadista.

O sistema político americano sempre foi capaz de cooptar até mesmo os mais rebeldes e radicais presidentes eleitos para a adesão aos princípios e regras do exercício do poder, transformando os imprevisíveis em previsíveis e, quando a necessidade assim exigiu, usando do poder legal para removê-los do poder.

A grande interrogação trazida por esta eleição é até que ponto este roteiro funcionará com um outsider que por força própria tornou-se chefe dos insiders.


*Professor de ciência política, ex-reitor da UFRGS, pós-graduado pela Universidade de Princeton,é criador e diretor de Política para Políticos (www.politicaparapoliticos.com.br)

 

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  • Alexandre Garcia
  • 23 Novembro 2016

 

(Publicado originalmente em http://www.sonoticias.com.br/)

Dois ex-governadores do Rio de Janeiro juntos na penitenciária de Bangu não é mera coincidência. É um desfecho esperado depois de quase 20 anos de influência dos dois na política fluminense do arruinado Estado do Rio. O que fizeram é bem um retrato do Brasil. Garotinho é mentor do mais escarrado descumprimento da Constituição, que estabelece que o serviço público precisa obedecer a impessoalidade e a moralidade. Depois dele veio a mulher, Rosinha e ainda elegeu a filha Clarissa deputada. Quando Rosinha se elegeu prefeita de Campos, o nomeou secretário de governo, onde estava ao ser preso. Mostrando hipertensão, foi internado em hospital público, mas quis sair para um hospital privado, já que a família Garotinho não cuidara bem do público. O juiz não topou. E o mandou para Bangu. Ele resistiu ao entrar na ambulância, demonstrando um preparo físico inusitado para um hipertenso já que exerceu um literal jus sperniandi.

Sérgio Cabral, segundo o Ministério Público, começou a cobrar propina no primeiro dia de governo e continuou mesmo depois de deixar o governo para seu vice, Pezão. Fez fortuna com as empreiteiras que faziam obras no estado, inclusive a reforma do Maracanã. Sua mansão em Mangaratiba, é de cair o queixo. Só em obras de arte na parede deve ter uma fortuna bem emoldurada nos 220 milhões de reais de ilegalidades que os promotores somaram. Um anel da mulher dele custou 800 mil reais. Ela fazia uma advocacia acumplicada com o marido. O casal tem uma lancha de 5 milhões, em nome de laranja. As mesadas de empreiteiras rendiam 350 mil e 500 mil.

O presidente do PMDB disse que o partido não está envolvido nisso. Como se Cabral não fosse uma das grandes lideranças do PMDB. O governo Temer lava as mãos como Pilatos. Dilma chegou a expedir uma nota lembrando que Cabral apoiou Aécio. Confiam, ambos, na falta de memória do brasileiro. Quando Lula indicou Dilma para sucedê-lo, o PMDB quase pôs Cabral como seu companheiro de chapa, sob o argumento de que seria mais popular que Temer. Ainda ouço o presidente Lula afirmar que o povo precisa de gente como Sérgio Cabral. E será que ninguém mais lembra de todas as fotos reunindo Cabral, Lula e Dilma, besuntados de petróleo em comemorações políticas do pré-sal? Agora se percebe o simbolismo daquelas imagens com a negra lama do petróleo.

Como pode ter durado tanto tempo esse deboche aos eleitores, aos contribuintes, aos cidadãos? Antes de Roberto Jefferson denunciar o mensalão e Youssef ser preso num lava-jato, campeava a impunidade, o arquivamento de processos, a pressão política para manter os corruptos fora da cadeia. Vigorava o escárnio. Cabral chegou a festejar no ultraluxuoso Hotel Ritz Paris a convivência com os empreiteiros, naquela dança do guardanapo, a que todos assistimos. A foto do Ritz contrasta com a de Cabral com uniforme da prisão. Agora dá vontade de inverter a fala final da fábula de Esopo/La Fontaine: “Dançavas? Pois canta agora!”.

 

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  • Ricardo Orlandini
  • 22 Novembro 2016

(Publicado originalmente em http://www.ricardoorlandini.net/)

Quando eu era pequeno, se posso dizer assim, um piá ou guri, escutava dos adultos nosso orgulho de não termos uma guerra em nosso território há muito tempo. O Brasil vivia em Paz com seus vizinhos, sem grandes problemas internos e não tínhamos terremotos, maremotos, furacões e outros fenômenos da natureza que nos castigassem de alguma maneira.

Tudo continua como antes?

Não, tudo mudou e para pior, muito, mas muito pior mesmo.

Vivemos em um estado de guerra não declarado, em várias frentes de batalha, que procuramos varrer para baixo do tapete e fingir que nada acontece.

Morrem por dia no Brasil, em nossa guerra não declarada, mais de 300 pessoas.
Mais de 40 mil pessoas são mortas na frente do trânsito, local em que as baixas são crescentes desde os anos 70 do século passado (XX), quando já constatávamos que morriam mais pessoas no trânsito brasileiro do que na sangrenta Guerra do Vietnã.

Já na outra frente de batalha, a das cidades dominadas pela bandidagem, pelo crime organizado, são outras 100 mortes por dia.

Se adicionarmos a estes 300, também os mortos pelo descaso do Estado com a saúde pública, bom aí ganhamos da soma de todas as guerras no planeta.

Se alguém pensa que estou exagerando, está enganado. Os números estão aí, são públicos, são reais.
O que não tínhamos, ou pelo menos não queríamos ter ou ver, eram números para comparar com os nossos.
No mundo todo, morrem na Guerra do Trânsito, cerda de 3.250 pessoas por dia, sendo que 200 são no Brasil, algo como 6% do total mundial.

Já nas guerras de todo o mundo, morrem em média por dia 470 pessoas, por aqui, em nosso lindo país tropical são mais de 100 mortos por dia, o equivalente a 21% de todas as mortes violentas em guerras no mundo inteiro.
Chegou a hora de levantar o tapete e enfrentar de frente esta guerra não declarada.
A violência tomou conta de nossas cidades e o Estado brasileiro está perdendo essa guerra.

Falta de investimento, falta de ação, conivência com o crime organizado, e aí vai uma série de políticas incompetentes que resultaram nesse desastre.

Para nós gaúchos que imaginávamos estar longe também da Guerra do Rio, já vivemos realidade similar em várias regiões da Grande Porto Alegre.

A Guerra no Rio de Janeiro continua cada vez pior, como assistimos nos últimos dias, mas nossa capital, Porto Alegre, está entre as mais violentas do mundo, e não é invenção minha, é fato.

Outro dia uma pessoa que trabalha para minha mãe não apareceu no trabalho. No dia seguinte chegou apavorada pois tinha visitado sua irmã em Porto Alegre e não consegui voltar para sua casa em Viamão pois os traficantes declararam “toque de recolher”.

É Porto Alegre gente, não é Rio de Janeiro nem Síria.

Até quando?

 

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  • Paulo Briguet
  • 22 Novembro 2016

 

(Publicado originalmente em http://www.folhadelondrina.com.br/)

"A universidade era o meu sonho. Não deixem que ele se transforme em pesadelo", diz a estudante da UEL


1. Petista protestando contra a PEC dos gastos é como cobra denunciando soro antiofídico.

2. Em palestra logo após a vitória de Donald Trump nas eleições americanas, perguntaram a Ozires Silva, 85 anos e gênio do empreendedorismo, o que ele achava do novo presidente dos EUA. Resposta, na lata: "Fico feliz que os americanos tenham escolhido um fazedor de riquezas para a Casa Branca. Aqui no Brasil nós só temos escolhido fazedores de pobreza".

3. Depois de ler o excelente livro "Celso Daniel — Política, corrupção e morte no coração do PT", de Silvio Navarro, concluí: — O mundo desses companheiros é um mundo completamente destituído de perdão.

4. "Hoje não estamos aqui para invadir, nem para depredar. Estamos aqui para pedir o apoio dos londrinenses. Apoio para que acabem de uma vez por todas as invasões, as depredações, as hostilidades contra alunos e professores que querem trabalhar. Queremos ter aula. Queremos atender à população. A greve prejudica não apenas os estudantes que não conseguem entrar em sala — porque estão sendo impedidos pelos grevistas — como também a população que precisa do nosso serviço, seja na área da saúde, na área jurídica, na área educacional. Na Odontologia, temos 294 alunos que prestam atendimento à população de segunda a sexta-feira. No ano passado, ficamos três meses em greve. Os tratamentos odontológicos que iniciamos foram todos eles perdidos. Nesse período, muitas pessoas procuravam o pronto socorro odontológico com muita dor. Em nenhum momento, os grevistas pensaram na dor dessas pessoas. O mais gratificante de tudo que estudei é o ‘muito obrigado’ de um paciente ao final do tratamento. É o sorriso, é o alívio da dor. Vemos isso diariamente. A universidade era o meu sonho. Não deixem que ele se transforme em pesadelo!" (Nathalia Fukushima, estudante do 4º ano de Odontologia na UEL)

5. É compreensível que a elite esquerdista acadêmica tenha torcido o nariz diante do recém-criado movimento Filhos da UEL. Para os doutores em militância, tudo que lembra família deve ser combatido e ridicularizado sem dó nem piedade. Eles sonham com uma sociedade semelhante à descrita por Aldous Huxley no livro "Admirável Mundo Novo", em que as palavras "pai" e "mãe" se tornem desusadas e, por fim, proibidas. A única família aceitável nesse ambiente é o clã da esquerda: papai Gramsci, mamãe Chaui, titio Lacan, vovô Marighella — e assim por diante. A grande tristeza dessa Família Trapo é assistir aos seus companheiros nacionais sendo presos em Curitiba. Eu entendo o desespero dos nossos militantes: aproxima-se o dia em que o Pai de Todos verá o sol nascer quadrado.

6. Meu amigo Chico Buraco está preparando uma nova canção para comemorar o acontecimento que o Brasil inteiro espera. E já me mostrou uma parte da letra: "Lá vem o Jato/ Lava aqui/ Lava acolá/ A Lava Jato/ Pro político pegar..."

7. "O roubo é a origem de todo crime", diz o escritor Dinesh D’Souza, no documentário "A América de Hillary", disponível na internet. Vale para o Brasil.

Fale com o colunista: avenidaparana @ folhadelondrina.com.br

 

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  • Ives Gandra da Silva Martins
  • 21 Novembro 2016


Corrupção, protagonismo excessivo, reformas e desenvolvimento – embora pareça contraditório, esse é o retrato do momento brasileiro. Luta-se contra a corrupção, há excesso de protagonismo das autoridades – apesar de idôneas – no seu combate, as reformas são necessárias, mas atingem interesses burocráticos, políticos e de grupos, e o desenvolvimento só se fará se o País voltar a ter paz para que o governo, com corretas sinalizações, venha a implementá-las.

De que o juiz Sergio Moro com a colaboração do Ministério Público (MP) e da Polícia Federal passarão à História, pois representam um verdadeiro divisor de águas entre o Brasil antes e depois da Operação Lava Jato, não tenho a menor dúvida. Conscientizaram o País de que a corrupção nos meios políticos tem de ser combatida e os novos políticos – São Paulo, nas eleições municipais, deu um exemplo – terão de ter, antes de tudo, perfil ético. O povo não aceita mais governos corruptos.

Nem por isso sua ação deixou de ultrapassar, por vezes, os limites estabelecidos para autoridades de seu nível. Os crimes investigados têm mais o perfil de “concussão”, imposição pelos governantes de condições para que empresas contratassem com o Estado – sem o que teriam de paralisar suas atividades –, do que “corrupção”, em que empresários corrompem autoridades. Por outro lado, a midiática atuação do MP para acusar não condiz com a serenidade necessária que o parquet deve ter, para dar densidade a suas acusações.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), constituído de 11 excelentes juristas, na onda de um protagonismo no passado inconcebível se tornou legislador constituinte, sobrepondo-se ao poder do Congresso de criar normas, superando disposições constitucionais e causando turbulências no processo legislativo. Basta, por exemplo, verificar a postura do Pretório Excelso ao modificar o regimento interno do Senado, impondo novas regras para o impeachment. No impedimento do presidente Collor, dois dias após a decisão da Câmara, o Senado determinou sua destituição, enquanto no da presidente Dilma, levou quase um mês, em que o País ficou praticamente sem governo. Dilma não era presidente senão formalmente e Michel Temer não podia governar, nada obstante a certeza do afastamento, aprovado pela Câmara dos Deputados.

O Brasil, todavia, precisa de maior serenidade agora que é apresentado um projeto coerente de reconstrução de uma nação arrasada, com seus alicerces passando a ser reconstruídos a partir da PEC do Teto de gastos públicos.

O primeiro passo é controlar as despesas de uma burocracia esclerosada. Na comissão do Senado de que participo, presidida pelo ministro Mauro Campbell e com relatoria do ministro Dias Toffoli, temos, elaborado por Aristóteles Queiroz, um anteprojeto de desburocratização que deverá em breve ser levado à Casa da República. A PEC do Teto está nesse caminho.

Há, porém, algumas reformas fundamentais que devem ser promovidas para que um novo edifício institucional seja construído.
A reforma política é necessária. Embora eu defenda o parlamentarismo desde os bancos acadêmicos (poderá o leitor acessar o e-book que coordenei, sob o título Parlamentarismo, utopia ou realidade?, com 24 ínclitos juristas de reconhecimento nacional e internacional, em www.gandramartins.adv.br ou no meu e-mail ivesgandra@gandramartins.adv.br), creio que o primeiro passo será a adoção de cláusula de barreira, com avaliação de desempenho partidário para a manutenção dos partidos; voto distrital misto, ou seja, metade dos deputados sendo eleitos no distrito e metade em eleições proporcionais; financiamento de campanha sob rígido controle e eliminação de coligações partidárias.

A reforma previdenciária, embora de impacto em mais longo prazo, é imprescindível. Se não vier, a população que trabalha não terá como sustentar uma população superior aposentada, no futuro. A reforma trabalhista, no que concerne à terceirização e às convenções coletivas de trabalho, é relevante para reduzir o desemprego, que a CLT, de 1943 (verdadeira “vaca sagrada”), de longe não protege.

Quanto à reforma burocrática, temos esperança de que o nosso anteprojeto, que surge de uma comissão criada pelo próprio Senado com essa finalidade, possa ser aprovado.

A reforma tributária não pode esperar mais. Reclamam os governantes dos Estados, que embarcaram na guerra fiscal inconstitucional (assim a definiu o STF), que não têm dinheiro. Mas foram os responsáveis por uma irracional política de incentivos, tendo deixado de cobrar ICMS de grupos que se instalavam em seus territórios, até causando descompetitividade no próprio Estado. É de lembrar que o STF sempre considerou inconstitucional tal prática, sem que os Estados se curvassem, pois editavam novas leis padecendo do mesmo vício tão logo a lei anterior era declarada violadora da Carta da República.

A reforma do Judiciário é importante. A Constituição federal sinalizou a necessidade de uma nova Lei Orgânica da Magistratura. Como a iniciativa é do próprio Judiciário, até hoje não houve nenhuma proposta nesse sentido, continuando a velha e ultrapassada lei complementar de 1975 (LC 35) a reger um Poder que, de longe, nada obstante ser o melhor dos três Poderes, não atende mais à necessidade dos jurisdicionados.

Enfim, poderá o presidente Michel Temer, hábil político e excelente constitucionalista, com sua capacidade reconhecida de articulação e serenidade de pronunciamentos não demagógicos, dar início a essa árdua empreitada, para que o País saia de uma crise sem precedentes em sua História, construída pelos desastrosos governos dos últimos 13 anos.
É o que os brasileiros esperam, para que as potencialidades do País permitam à sua gente o crescimento que merece.

*Professor emérito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo e Unifmu, do CIEE/O Estado de S. Paulo, da Eceme, da ESG e da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal - 1ª região
 

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  • Miriam Leitão, O Globo
  • 21 Novembro 2016

 

Custo da corrupção é muito maior do que o valor desviado. Nos cofres públicos do Rio estão faltando R$ 17 bilhões para que haja equilíbrio. O esquema de corrupção revelado pela Operação Calicute fala em R$ 224 milhões desviados.

A ordem de grandeza é diferente e pode-se pensar que é exagerada a afirmação de que há relação entre o rombo e a propina. O elo existe porque o ambiente de corrupção leva à má gestão e exaure os recursos públicos.

Os milhões da corrupção produzem os bilhões dos desequilíbrios fiscais porque toda a administração passa a girar em torno da lógica do crime. Para que o esquema funcione, é preciso retirar transparência, não prestar contas, tornar todos os números opacos. As decisões passam a ser determinadas pela corrupção.

Qual empreendimento deve ser beneficiado com redução de impostos? Deveria ser o que mais empregos cria, mais aderência tem às vantagens competitivas do estado, mais retorno trará no futuro. Mas acaba sendo aquele que aceita pagar propina. O resto não é levado em consideração porque o importante é se enquadrar na lógica do suborno que passa a dominar a gestão. As empresas que farão as obras não são escolhidas pela eficiência ou pelo melhor custo/ benefício do projeto, mas porque são as que já combinaram tudo previamente e fazem parte do cartel. Em cada obra começa a haver sobrepreço e isso se espalha pelos fornecedores dos fornecedores. O custo vai inchando no ritmo da ganância de todos.

Os cofres públicos vão sendo minados por obras com custo muito mais alto do que seria o normal. E a própria noção de preço se perde porque o cartel domina as obras do estado e as empresas vencedoras das licitações vão se alternando em uma escala que elas mesmas fazem e trabalham com valores que elas escolhem. Depois que o esquema está montado no estado, a conversa passa a ser entre as empresas sobre que preços e que comissões são convenientes para aquele grupo de cúmplices.

No Rio, houve uma farra de benefícios fiscais a empresas por critérios que até agora os governantes não conseguiram explicar, mas se sabe que elas também participavam desse propinoduto, ou dando dinheiro diretamente para o esquema ou indiretamente através do contrato de serviços em empresas de participantes. A existência dos incentivos fiscais é uma porta aberta para a corrupção porque só algumas são beneficiadas enquanto o resto das empresas instaladas no estado continua pagando os mesmos impostos. Ainda que não haja cobrança de propina, o sistema gera distorções na economia. Em um momento como este, em que faltam recursos públicos, como é possível justificar que o governo abra mão de recolher impostos?

Quem acompanhou os relatos feitos pelos policiais e investigadores da Operação Calicute viu a repetição dos mesmos esquemas revelados em outros casos. As autoridades usam pessoas próximas, e de confiança, como operadores para cobrar as comissões, que podem se chamar pixuleco, contribuição, doações para campanha, ou oxigênio. As empresas pagam um percentual para o grupo e têm lucros exorbitantes com a cobrança de um preço muito maior pelas obras. O roteiro é tão conhecido que é até espantoso que ele seja sempre repetido. Há alguns que são mais explícitos. Se ficar comprovado o que foi dito, esse é o caso do ex-governador Sérgio Cabral, que cobraria propina com parcelas mensais altas e crescentes.

Cabral cultivou a imagem de bom administrador e durante algum tempo houve muita esperança. A Secretaria da Fazenda esteve sob o comando de Joaquim Levy. O Rio tinha um projeto de combate ao crime com a Secretaria da Segurança controlada por José Mariano Beltrame e conseguiu um salto no desempenho das escolas com a Secretaria da Educação nas mãos de Wilson Risolia. Não foi sem razão que seu nome passou a ser cotado até para projetos mais altos.

A conta tem que somar perdas tangíveis e intangíveis. O sobrepreço de cada obra, o custo das propinas pagas aos governantes e seus operadores, o descuido com as contas públicas, a perda de bons projetos na área da educação e segurança. O Rio está agora em situação de calamidade. Quanto disso resulta da corrupção? Difícil o cálculo exato, mas a corrupção deixa por onde passa um rastro de destruição. Seu custo nunca é apenas o valor do que foi desviado.

*Publicado originalmente em O Globo (20/01/2016)

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